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A questão ultramarina em Portugal e a posição da Igreja Católica

No documento Adriano Moreira e o império português (páginas 110-120)

Em Portugal, na década de 1950, a maioria da população entendia ser a questão colonial um assunto resolvido. De facto, mercê da propaganda salazarista face à importância da manu- tenção do legado, manter o Império era uma missão acometida por decisão divina. A unidade territorial portuguesa deveria manter-se sem quaisquer amputações.

A maioria da população portuguesa, quer pela pouca formação, quer pela deficiente informação, não questionava a integridade territorial do país na sua forma alargada nem o mo- delo administrativo do mesmo. Nos meios mais esclarecidos, ia-se acompanhando o processo de emancipação colonial advogado pelas Nações Unidas e, em muitos casos, partilhava-se a recusa do regime em abrir mão de quaisquer territórios ultramarinos. Considerava-se, pois, tal como a propaganda do regime político defendia, que Portugal era um país pluricontinental e multi-

193 Salazar, Discurso de 23 de Maio de 1959 [em linha], in A posição portuguesa em face da Eu-

ropa, da América e da África, Lisboa, S.N.I., 1959. Disponível em https://www.google.pt/?gfe_

rd=cr&ei=KGpcVb2CCsqZOq_FgcAH&gws_rd=ssl#q=Salazar%2C+Discurso+de+23+de+Maio+de+1959+%5Be m+linha%5D%2C+in+A+posi%C3%A7%C3%A3o+portuguesa+em+face+da+Europa%2C+da+Am%C3%A9rica+e+d a+%C3%81frica%2C+Lisboa%2C, consultado em 18 de Maio de 2015.

cultural. A adopção do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre por parte do regime de Salazar, a partir das décadas de 1950/60, viera dar às teorias imperialistas do Estado Novo um cunho mais científico, fazendo recair no processo histórico português e na importância da missionação um certo pendor sagrado da missão civilizadora dos portugueses.

A Igreja tinha, por seu turno, adoptado uma postura de defesa das teorias salazaristas face ao Império. Esta “colagem” verificou-se com maior empenho após 1940. À data, o Estado Português assina com o Estado do Vaticano uma Concordata que estabelece as relações entre os dois Estados e entre o Estado Português e a Igreja Católica. São reparados alguns danos que os governos da Primeira República haviam causado à Igreja e estabelece-se um claro relaciona- mento de cooperação entre o poder político e o poder religioso. O interesse do Estado coincidia e ajustava-se perfeitamente ao interesse da Igreja. Ambos partilhavam de um forte espírito conservador. Devemos aqui ressalvar a posição de alguns prelados que se desviaram das linhas salazaristas. A seu tempo, trataremos deste assunto com a devida ênfase.

A opinião pública portuguesa recusava, pois, a perda das possessões no Ultramar, qualquer que fosse a forma de separação desses territórios. Considerava-as indispensáveis à manutenção de um Portugal independente e respeitado. A exiguidade do território português europeu, sem as suas Províncias Ultramarinas, poderia conduzir à anexação pela Espanha. O velho fantasma espanhol agitava-se de quando em vez, trazendo consigo o ressurgimento das ancestrais animo- sidades entre os dois países.

Na memória colectiva dos portugueses mantinha-se ainda viva, em meados do século XX, a questão do mapa cor-de-rosa e consequente Ultimato inglês feito a Portugal em 1890, exigindo a saída dos portugueses dos territórios africanos situados entre Angola e Moçambique. De facto, o incidente diplomático entre Portugal e a velha aliada Inglaterra resultara, antes de mais, da nova visão colonialista decorrente dos acordos firmados nas Conferências de Berlim (1884/85). A subalternização do direito histórico em face do direito de ocupação marcou, indelevelmente, a sociedade lusa, o que se encontra bem plasmado na “Portuguesa,” transformada em hino nacional. Este sentimento de perda manter-se-ia e acabaria por marcar a alma colectiva, na recusa em aceitar a amputação de territórios coloniais ao longo da vigência do Estado Novo.

Até à década de 1940, a África pouco interesse tinha suscitado na população da metró- pole. Aqueles territórios eram muitas vezes identificados como terras de degredo, onde os me- tropolitanos condenados acabavam os seus dias. Tratava-se, até, de paragens pouco apetecíveis quanto ao clima, se comparadas com o Brasil, Venezuela ou Argentina. Até à Segunda Guerra Mundial, eram estes os destinos que com maior peso captavam a emigração nacional.

A chegada de Hitler ao poder na Alemanha e as primeiras evocações deste à formação de um Império acabariam por transportar para o sentimento popular português algum temor quanto à manutenção da independência e, em particular, dos territórios coloniais. Ainda era memória viva o ataque que a Alemanha tinha levado a cabo contra as colónias portuguesas du- rante o primeiro conflito mundial (1914-1918). A possibilidade da repetição do mesmo cenário parecia ainda mais plausível então pela cumplicidade do regime de Franco em Espanha com os fascismos europeus de Hitler e Mussolini. Adriano Moreira escreve sobre o assunto:

“Um país disperso por vários continentes, com uma ideologia de Estado, apoiada na convic- ção popular, defensora da integridade global dos territórios, temia por igual a ameaça do Eixo, que seria potencializada por uma eventual adesão de Espanha, e uma ameaça do poder marítimo no caso de a este ser desfavorável a atitude peninsular”.195

O medo vindo da proximidade espanhola agudizou-se sempre em épocas de crise externa. Mais uma vez esse sentimento se mostrou nas vésperas da Segunda Guerra Mundial. Oliveira Salazar soube manter um jogo duplo, estabelecendo o princípio da neutralidade, mas não hos- tilizando a Alemanha e tornando-se, até, seu cooperante na questão do volfrâmio; tal permitiu ao nosso país ter estado a par das evoluções políticas.

A ligação entre o Estado português e a Igreja Católica havia-se cimentado com a apro- vação da Constituição de 1933 e, ainda mais, com a assinatura da Concordata com a Santa Sé, como já referimos anteriormente. Nestes consensos estabelecidos entre os dois poderes (temporal e espiritual), sobressaía a questão colonial como pedra angular da estabilização das relações entre os dois mundos. Era fecundo para ambos os lados que se mantivesse o Império Colonial Português, numa perspectiva de civilização e de missionação. A estratégia parecia perfeita quando a aliança entre o regime de Salazar e a Igreja se consolidou. Escreve Adriano Moreira:

“(…) Foi em 1940 que o Governo decidiu celebrar o duplo centenário da Independência e da restauração. As celebrações foram magníficas (…) e nessa data foram assinadas a Concordata que pacificou a consciência católica, e o Acordo Missionário que passou a reger a missionação ca- tólica no Ultramar, colaborando com a execução do conceito estratégico da Constituição de 1933. Nesta se consagrava a missão colonizadora e evangelizadora, que o Acordo entregava às missões católicas.

O Papa Pio XII expressamente louvou a nação portuguesa pelo passado colonial, tornou pública a confiança numa acção sustentada e duradoira para o futuro, deste modo fortalecendo o conceito de governo, do qual Augusto de Castro foi brilhante apóstolo naquela circunstância”.196

Verdadeiramente consonantes, Estado e Igreja criaram um sistema de inculcação de va- lores e ideais na população portuguesa, que conduziria, com eficácia, a uma situação de plena aceitação do sistema colonial, independentemente das questões da política externa que se iriam verificar, como, por exemplo as que resultavam da pressão da ONU.

Temos, até agora, aludido sobretudo ao sentimento dos anónimos face aos problemas com que Portugal se ia defrontando relativamente à manutenção de um Império Colonial, anó- nimos estes que, quando se abre a emigração para os territórios ultramarinos após 1945, viam na sua partida, que era geralmente definitiva, a ida para uma parte da sua própria casa. Mesmo

195 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra,

2009, p. 86.

quando as dificuldades de permanência naquelas paragens aumentaram, devido ao início da guerrilha nos princípios dos anos de 1960, a população oriunda da metrópole considerava sua aquela terra e por ela estava disposta a lutar. Sentimento idêntico se vivia nos que permane- ceram inabaláveis na metrópole, mas que consideravam ser seu dever defender os territórios de além-mar. A frase muitas vezes pronunciada pelos regimentos enviados para a guerra do Ul- tramar, “Angola é Nossa”, tornou-se bem o espelho da total aceitação dos sacrifícios militares necessários à manutenção das Províncias Ultramarinas.

É imperativo tratar-se, agora, da visão das elites portuguesas relativamente à questão colonial. Falamos, pois, das elites intelectuais e políticas. Não é desapropriado afirmar que, como sempre acontece, as vontades nunca pesam só para um dos lados, seja qual for o proble- ma em análise. Foi o que aconteceu com a problemática ultramarina portuguesa interpretada pelas diferentes elites: as sociais, as políticas, as religiosas e as intelectuais. Se é verdade que se estabeleceu desde o início do Estado Novo uma elite intelectual mais próxima do regime e, portanto, conivente com a situação colonialista oficial, é igualmente certo ter nascido entre os mais esclarecidos um movimento de contestação à manutenção do Império Colonial Portu- guês.

A crise política resultante das eleições presidenciais a que concorreu o General Hum- berto Delgado, em 1958, e as fraudes cometidas pelo regime elevaram o tom das críticas das elites em Portugal. Dentro do mundo mais académico, mas igualmente nos meios literários, a oposição aumentou. A abertura de membros importantes da Igreja para a questão da repressão do Estado Novo “autorizou”, de certa forma, o maior empenho das oposições. Afinal, a própria Igreja, outrora cooperante com o regime, era, agora, um dos postos avançados de contestação ao mesmo. Lembremo-nos, a este propósito, da oposição do bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, e do bispo da Beira, em Moçambique, D. Sebastião de Resende. São apenas duas entre várias personalidades de destaque na oposição ao regime e ao colonialismo português.

Adriano Moreira acreditou sempre na viabilidade de uma solução para o Ultramar que abarcasse, entre outros, o apoio da Igreja Católica. Sabia da influência desta numa boa parte das populações nativas em virtude dos esforços de missionação. Esperava que o espírito cris- tão, que fora sempre uma característica do povo português, tornasse mais fácil uma solução de autonomia para aqueles territórios ultramarinos. Acreditava, ainda, numa ajuda aberta pela Santa Sé no campo da diplomacia e da política internacional.

Moreira comungava dos fundamentos da política colonial defendida pelo Vaticano; ad- mirou, e ainda hoje elogia, a doutrina social da Igreja fundada em encíclicas de vários papas e também na praxis da própria Igreja. A questão social foi sempre um dos pilares do pensamento do Professor, tanto para o Portugal europeu, como para os territórios ultramarinos. Admirou alguns bispos titulares de dioceses ultramarinas e com alguns deles manteve mesmo uma iden- tificação ideológica próxima que acabaria por determinar algumas das suas atitudes. Entretan- to, os dois homens, o do poder espiritual, Cerejeira, e o do poder temporal, Salazar, assumem uma relação de coordenação de interesses mútuos na assinatura dos acordos entre Portugal e a Santa Sé. Escreve Nuno Estêvão:

“Se ao Estado Novo importava assegurar a colonização portuguesa dos territórios; à Igreja católica interessava garantir a sua autonomia organizativa ao nível missionário. A este propósito, afirmava o Cardeal Cerejeira aos microfones da Emissora Nacional: «Continua no Ultramar a nossa vocação missionária de “dilatar a Fé no império”. A constituição da hierarquia nas mais importan- tes das nossas colónias é como um acto simbólico da sua ocupação para Cristo e para Portugal».

Por seu turno, Salazar, em Discurso à Assembleia Nacional, identificava e subordinava a liberdade de missionação da Igreja à política colonial portuguesa: «Povo descobridor, povo colo- nizador, povo missionário – tudo é revelação do mesmo ser colectivo, demonstração ou desdobra- mento da mesma política nacional. Quer dizer: não pode pôr-se entre nós o problema de qualquer incompatibilidade entre a política da Nação e a liberdade evangelizadora; pelo contrário uma fez sempre parte essencial da outra» ”.197

Se interpretarmos a posição da Igreja Católica Portuguesa face ao Império, apercebemo- nos de que ela não foi sempre equilibrada nem se pautou pela isenção face ao poder político. É igualmente sabido que, apesar de amigos de longa data, nem sempre Salazar e Cerejeira estiveram do mesmo lado em relação aos assuntos mais importantes, como foram a questão ultramarina ou os acordos entre Igreja e Estado. Oliveira Salazar sentia bem a necessidade de estabelecer regras de convivência muito definidas entre os dois mundos: a religião e o poder. As conveniências momentâneas tanto do Poder como da Igreja foram moldando, passo a passo, essas relações institucionalizadas por vários acordos diplomaticamente elaborados. Isto mesmo refere Nuno Estêvão quando escreve:

“No interior da Igreja Católica portuguesa, a questão colonial surge em diferentes momen- tos com os contornos de problemática missionária. Neste sentido, há a registar que, por um lado, não foi encarada de modo uniforme ao longo do tempo pelos meios católicos, e, por outro, foi importante na configuração das mentalidades, formas organizativas e práticas eclesiais. As próprias relações entre a Igreja e o Estado em Portugal, sem serem o único âmbito de equacionamento desta questão, são por elas marcadas e tantas vezes definidas. Este facto verifica-se em diferentes momentos, desde o Ultimato ao processo de descolonização, passando pelas missões laicas ao tem- po da I República, pela assinatura da Concordata e Acordo Missionário e, obviamente, pela própria guerra colonial”.198

Amiúde, a Santa Sé aprecia as medidas do Estado português. Elogia-as mesmo. O texto que seguidamente transcrevemos é exemplo disso mesmo:

“Quando, em 1940, em plena guerra mundial, e celebrando o oitavo centenário da fundação de Portugal e o terceiro centenário da Restauração, o Estado Português assinou com a Santa Sé uma

197 ESTÊVÃO, Nuno - Os Meios Católicos perante a Guerra Colonial: Reconfigurações da Questão Reli-

giosa em Portugal [em linha], Lusitania Sacra, 2ª série, 12 (2000), p. 227. Disponível em http://repositorio.

ucp.pt/bitstream/10400.14/4393/1/LS_S2_12_NunoEstevao.pdf. Consultado a 26 de Junho de 2014.

Concordata e um Acordo Missionário, que punha termo ao conflito em que vivia a consciência dos católicos desde a Revolução republicana de 1910. Por isso mesmo, a hierarquia representada por D. Manuel Gonçalves Cerejeira, Cardeal Patriarca de Lisboa, proclamou o ano e os actos diplomáticos como sendo dos mais notáveis e promissores acontecimentos das celebrações. De resto, na Carta Encíclica Saeculo Exeunte Octavo, de 13 de Junho de 1940, Pio XII não apenas se associa às cele- brações da “gloriosa e nobre Pátria”, mas também honra o sangue derramado pelos missionários portugueses, “semente de cristãos”, estimula ao aproveitamento da “hora actual” que considera “particularmente propícia” para incrementar o espírito missionário nacional (…)”.199

A grande reviravolta no posicionamento do Vaticano face ao Ultramar deu-se com o início do Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII. A abertura da Igreja à discussão do mundo permitiu elevar o tom de contestação de uma boa parte do clero português. Com alguma relutância, pouco a pouco, alguns dos bispos portugueses metropolitanos e ultramarinos vão abrindo brechas na relação de cumplicidade com o Estado Novo. Dois dos mais imponentes altos dignatários da Igreja portuguesa expuseram de forma clara as respectivas posições. Escreve Adriano Moreira que “Foram atempadas, mas de lento progresso, as mensagens renovadoras de membros da hierarquia como D. António, Bispo do Porto, e D. Sebastião de Resende, Bispo da Beira”.200

De facto, os finais da década de 1950 marcaram a inversão da posição cooperante de grande parte da Igreja Portuguesa com o regime. Acerca deste assunto escreve Luís Reis Tor- gal:

“O final dos anos cinquenta e os anos sessenta que se seguem estão menos estudados pela escassa historiografia que se tem interessado por perceber o papel dos católicos no contexto do Estado Novo, embora tenham surgido recentemente algumas memórias bastante interessantes, de Bérnad da Costa ou de Joana Lopes. E o certo é que também a sua acção teve seu significado entre as linhas de força que levarão finalmente à queda do regime.

Se a posição oficial da hierarquia católica mantém basicamente o apoio ao Estado Novo, em particular no início da «guerra colonial», também «é verdade que se torna mais visível a atitude de certos membros do clero e das elites católicas contra o sistema. Sucedendo-se a po- sições assumidas desde os anos trinta e quarenta por alguns padres e leigos católicos (a que nos referiremos), pela primeira vez um membro do episcopado, o bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, por altura das eleições presidenciais de 1958, toma uma posição crítica em relação ao regime de Salazar, numa «carta» dirigida ao presidente do Conselho datada de 13 de Julho desse ano, que, por circunstâncias que se desconhecem, se veio a tornar pública. Esta situação, que valeu o exílio ao «bispo rebelde», foi sempre considerada emblemática de que a Igreja se afas-

199 Textos de Adriano Moreira, D. Sebastião de Resende, profeta em Moçambique [em linha]. Disponível

em https://www.google.pt/?gfe_rd=cr&ei=KGpcVb2CCsqZOq_FgcAH&gws_rd=ssl#q=Textos+de+Adriano+ Moreira%2C+D.+Sebasti%C3%A3o+de+Resende%2C+profeta+em+Mo%C3%A7ambique+, consultado em 12 de Agosto de 2014.

200 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra,

tava cada vez mais do Estado Novo […]”.201

As reformas do sistema de governo ultramarino e das complexidades que o mesmo en- cerrava eram urgentes e disso D. Sebastião de Resende tinha consciência clara. Na sua posição, face ao colonialismo, existem dois períodos distintos: o primeiro, aquele em que vivendo na metrópole, alinhava pelas teses tradicionais do regime e do espírito da Concordata de 1940; o segundo, aquele em que teve maior visibilidade, o tempo em que chega à Diocese da Beira como bispo titular, em 30 de novembro de 1943. É a partir da percepção de bispo, da realidade colonial in loco que o mesmo altera as suas ideias e passa a ser uma voz crítica do regime. Desta realidade dá conta D. Carlos Azevedo, ex-bispo auxiliar de Lisboa e historiador, quando escreve: “foi perante a realidade que as suas posições se foram definindo”202.

O bispo D. Sebastião de Resende afirmava que, para conhecer o Ultramar, era necessário viver lá, os ministros tinham de visitar as realidades ultramarinas, coisa que poucos faziam, mas que Adriano Moreira fez. Sobre o pensamento de Resende, escreve António Marujo:

“O contacto com a realidade indígena leva-o a entender que o problema é mais vasto que as condições de trabalho ou da justiça social, temas que vai tratando, nos primeiros anos, em sucessivos textos. A carta Hora Decisiva para Moçambique, de 1953, no décimo aniversário da sua chegada à Beira, é redigida a partir de dados da realidade fornecidos pelos missionários e zanga o ministro do Ultramar.

Defende o direito dos indígenas à propriedade sem limitações e estende as críticas ao apar- theid da África do Sul. Em 1958, na carta Moçambique na Encruzilhada, faz a pergunta proibida: “Há que pôr, corajosamente em termos claros, aquele problema de Moçambique que encerra todos os outros problemas. Qual o futuro, político e nacional, de Moçambique? Será o da independência, em época mais ou menos remota ou próxima, como país integrado plenamente no conjunto dos países africanos?””.203

Esta pergunta decisiva que o bispo Dom Sebastião de Resende faz, está, temporalmente, situada no período agitado das eleições presidenciais de 1958, aquelas a que o General Humber- to Delgado concorre como oposicionista ao regime. Recordemos, também, que é na sequência destas eleições fraudulentas que D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, escreve a famosa “Carta Aberta a Salazar” (Pró-Memória), de profunda crítica ao chefe do governo e que acabaria por conduzir o bispo ao exílio204.

201 TORGAL, Luís Reis - Estados Novos, Estado Novo. Coimbra, 2.ª Edição, Imprensa da Universidade de

Coimbra, 2009, pp. 459 e 460.

202 MARUJO, António - O Bispo que abalou o Colonialismo em Moçambique [em linha], home-

nagem a Sebastião Soares de Resende, por altura dos 100 anos do seu nascimento em Santa Ma- ria da Feira. Disponível em https://www.google.pt/?gfe_rd=cr&ei=KGpcVb2CCsqZOq_FgcAH&gws_

No documento Adriano Moreira e o império português (páginas 110-120)