• Nenhum resultado encontrado

A diplomacia portuguesa após 1945 e as relações com os aliados tradicionais

No documento Adriano Moreira e o império português (páginas 120-126)

Portugal confiou, desde os primórdios da nacionalidade, nas ligações e aliança com a Inglaterra. É sabida a participação inglesa na conquista de pontos-chave do Reino Português, durante a sua formação, designadamente Lisboa em 1147. O casamento de D. João I com Dona Filipa de Lencastre, em 1387, firmou definitivamente uma aliança que, apesar das tensões que se verificaram entre os dois países em épocas específicas, se manteria firme ainda ao longo do século XX, pelo menos até à Segunda Guerra Mundial. Os governos republicanos confiaram no apoio inglês para a defesa e integridade do Império Colonial durante a Primeira Grande Guerra (1914-18) e, mesmo com Salazar, as relações com a Grã-Bretanha mantiveram-se a um nível de confiança bastante elevado.

Queremos, ainda que de forma superficial, referenciar o interesse crescente que as co- lónias lusas, nomeadamente as africanas, despertaram em ingleses e alemães. Esse interesse revelou-se logo após as conferências de Berlim de 1885 e, de forma mais incisiva durante a Primeira República. Por várias vezes correram boatos de que Portugal negociara aqueles ter- ritórios com aqueles Estados. Negociara-os sob a forma de arrendamento. Ora, a propósito de tais rumores, Oliveira Salazar discursa dizendo o seguinte:

211 MARTINS, Manuel Gonçalves - O Estado Novo e a Igreja Católica em Portugal (1933-1974) [em linha],

IV Congresso Português de Sociologia, s/l, s/d. Disponível em http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/ DPR462e076ebe701_1.PDF, consultado em 18 de Novembro de 2014.

“O SUPOSTO ARRENDAMENTO DE ANGOLA À ALEMANHA

Passadas poucas semanas sobre uma arremetida, nova tempestade de boatos se desenca- deou acerca das colónias portuguesas. Gerou-se em Basileia como a anterior, correu as capitais da Europa e deu a volta ao mundo porque a sentimos na América do Sul e na África. Como havíamos desmentido a venda, aparece a atoarda agora sob a forma de arrendamento com notáveis por- menores: contrato por 99 anos deixava intacta a soberania portuguesa; citam-se as firmas alemãs interessadas e os trabalhos que vão empreender; intensificar-se-á a produção de Angola para pagar o armamento adquirido para o Exército; o Chanceler no seu discurso de 30 do corrente dará mesmo público conhecimento do acordo realizado. O jornalista de Basileia interrogado acerca da notícia, garantiu a sua «rigorosa exactidão», pois a tinha da melhor fonte; em certos meios diplomáticos e políticos, já certamente informados, tomaram-se atitudes confirmativas; e jornais ingleses, com o sentido apurado da precisão, escreveram que Portugal já tinha desmentido a venda de colónias, mas o arrendamento a longo prazo era negócio, quer dizer, podia ser considerado. No meio de tudo, o Governo português absolutamente ignorante de tal acordo […]. Mas tudo é inútil. Alheios a todos os conluios, não vendemos, não cedemos, não arrendamos, não partilhamos as nossas coló- nias, com reserva ou sem ela de qualquer parcela de soberania nominal para satisfação dos nossos brios patrióticos. Não no-lo permitem as nossas leis constitucionais; e, na ausência desses textos, não no-lo permitiria a consciência nacional”.212

No extrato do discurso de Salazar identificam-se claramente três características: a primei- ra, o forte interesse da Alemanha fascista pelas possessões portuguesas em Africa; a segunda, a referência histórica que Salazar faz à manutenção do Império Colonial; e a terceira, talvez a mais importante naquele contexto, a impossibilidade de alienar qualquer parcela do território nacional, de cá ou de além-mar, por questões de consciência nacional. Estas três marcas do discurso definem de forma clara a visão que o Estado Novo tem do Império Ultramarino.

A profunda convicção de que a proximidade da Espanha às políticas dos países do Eixo constituiria um perigo à integridade do Estado Português clarificou, no pensamento estratégico do Presidente do Conselho português, que a melhor e mais conveniente posição portuguesa na Segunda Guerra Mundial era a neutralidade, a que alguns chamam de “colaborante”. Na ver- dade, Salazar nunca hostilizou a Alemanha e soube até tirar partido económico da cooperação com o regime germânico, a quem forneceu volfrâmio em quantidades muito elevadas, como já referimos.

A posição portuguesa jogava na habilidosa política de não comprometimento aberto, mas sempre de forma encapotada, através de um jogo duplo. Salazar, se, por um lado, mostrava alguma cooperação com a facção aliada, por outro, afirmava a neutralidade cooperante com os países do Eixo. Isto mesmo escreve António José Telo: “Penso que podemos concluir que a neutralidade portuguesa na II Guerra Mundial foi sobretudo um fruto das circunstâncias. Em

212 SALAZAR, Oliveira - Discursos e notas políticas, II, 1935-1937. Coimbra Editores, Coimbra, 1937, pp.

termos simples, a beligerância formal do país nunca interessou a nenhum dos lados em qualquer fase da guerra”.213

A diplomacia de Salazar enquadrou-se sempre numa perspectiva mais atlântica que eu- ropeia. Disto estamos certos, a avaliar pelo interesse que o Brasil sempre exerceu no espírito dos dirigentes do Estado Novo. Ao mesmo tempo, a visão imperialista de Portugal explanava-se na manutenção da África e do Oriente. As relações com os EUA revelaram-se em crescendo, nomeadamente a partir da vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial e, em especial, no contexto do bipolarismo daí resultante.

Paulatinamente, o período posterior à Segunda Guerra Mundial ia denunciando as fragi- lidades das chamadas “grandes Potências Europeias”. Os esforços de guerra haviam conduzido algumas delas, como a Grã-Bretanha, a situações internas difíceis e, externamente, a condi- cionalismos inesperados, nomeadamente em relação às colónias que mantinha. Acontecia o mesmo à maioria dos países com territórios coloniais. Fucsher Pereira explicita isso mesmo quando afirma:

“Ao longo do ano de 1946, foi-se tornando evidente que o enorme esforço bélico feito pela Inglaterra a tinha deixado praticamente exangue e incapaz de manter durante muito tempo o seu vasto império colonial. Era na Índia, a joia da coroa do império, que a fragilidade da posição ingle- sa se manifestava de forma mais evidente, obrigando Londres a acelerar o processo de transição para a independência. Lentamente, o regime de Salazar começou a aperceber-se das inevitáveis repercussões deste facto para as colónias portuguesas, embora ostensivamente as negasse, com o argumento da singularidade da experiência portuguesa”.214

A desconfiança de que novos tempos haveriam de colocar o Império português em sérias dificuldades atingiu Salazar e o Regime. Este temor é bem patente, tanto nas embaixadas de Portugal à ONU, sendo que nelas desempenhou papel importante Adriano Moreira, como na necessidade de prestar maior atenção aos territórios coloniais, implementando reformas que os aproximassem mais da metrópole. Sério e competente defensor do luso-tropicalismo, Adria- no Moreira pretendia fazer valer os particularismos da ocupação portuguesa dos territórios do Ultramar. Essa especial forma de ocupação baseava-se na miscigenação e no espírito missio- nário que norteara as relações dos portugueses europeus com os “portugueses” autóctones. O sociólogo brasileiro Gilberto Freyre influenciava, cada vez mais, a posição oficial portuguesa, acabando mesmo por ser um dos principais defensores das reformas aplicadas àqueles territó- rios ultramarinos.

De modo a atingir os fins previstos de manter o Império Ultramarino, Salazar conduziu a política interna no sentido da revisão constitucional de 1951, que altera a denominação de Co- lónias para Províncias Ultramarinas, aplicada às possessões portuguesas em outros continentes. Quando, em 1947, a Índia inglesa alcança a autodeterminação, em Portugal, um punhado de es-

213 TELO, António José - A Neutralidade portuguesa e o ouro nazi, Quetzal Editores, Lisboa, 2000, p. 84. 214 Id., Ibid., p. 47.

tudiosos da realidade política internacional temeu pela segurança do Estado Português da Índia. Goa, Damão e Diu estavam agora na mira dos interesses de Nehru, Primeiro-ministro indiano. Ainda em Julho de 1946, o pacifista Gandhi afirmava, num artigo jornalístico, que “na Índia livre, Goa não podia subsistir como entidade separada”215. Era essencial tomar consciência da gravidade das afirmações dos líderes independentistas que, da Índia à Indonésia, proclamavam a libertação de todos os povos sujeitos à administração colonial. Portugal deveria antever duas situações: se, por um lado, era evidente a necessidade de encetar negociações com a União Indiana, de modo a preservar a identidade portuguesa naquelas paragens, por outro, o governo português deveria prevenir-se face à difícil posição da Inglaterra quanto à dualidade União Indiana/apoio a Portugal. Para os ingleses, mais importante do que apoiar Portugal, o velho aliado, numa causa previsivelmente perdida, havia que garantir a ligação do novo país à antiga potência colonizadora. A Grã-Bretanha antecipava a concretização de uma comunidade inglesa assente na língua, coisa que Portugal não foi capaz de realizar oportunamente.

O peso da Inglaterra no mundo, ainda que grande, era menor do que anteriormente à Segunda Guerra Mundial. O poder e a influência ganhos pelos Estados Unidos da América com o fim do primeiro conflito mundial acentuavam-se agora na década de 1940 – pós-guerra. A Grã- Bretanha sabia disso e pugnava por combater essa superioridade americana com a criação de uma entidade britânica alargada que congregasse todos os povos, independentes ou não, mas falantes da língua inglesa.

A França, também ela detentora de territórios não autónomos, vira-se igualmente desa- possada de uma boa parte deles, na Ásia e também no Norte de África. Note-se, contudo, que esta potência mantinha territórios de grande importância, como a Argélia, sob a sua autoridade colonial, o que acabaria por conduzir à luta armada pela libertação. A par com Portugal, a Fran- ça terminaria o seu Império com guerra.

Os Estados Unidos da América olhavam Portugal, desde o fim da Guerra (1945), mais como um país de conveniência do que um Estado aliado. O facto de não ter participado no conflito mundial e de, mais ou menos, veladamente, ter cooperado com os regimes do “Eixo” afastou o país, definitivamente, dos acordos de paz. Ialta e Potsdam foram sobretudo palco decisório para os “grandes”. Portugal, na sua mesquinhez ditatorial, não foi capaz de ingressar na nova ordem mundial. Há, contudo, que levar em conta que em 1949 se torna membro fundador e de pleno direito da Aliança Atlântica (NATO) e, depois de tentativas falhadas, é aceite na ONU em 1955. Estas adesões explicam-se, sobretudo, pela necessidade de Portugal conter o ímpeto expansionista da URSS num tempo de confronto bipolar e, por outro lado, integrar a ONU na perspectiva de que assim teria uma voz activa na defesa do Império, situação que aquela Or- ganização repudiava.

Salazar recusava-se a aceitar a inevitabilidade de descolonizar e de abrir o sistema polí- tico. Recusa, igualmente, aceitar a Nova Ordem Internacional fiscalizada e ditada pelas Nações Unidas e, por fim, negava-se a admitir que os apoios internacionais ao país já não eram os que a história garantira durante séculos, como era o caso da aliança com Inglaterra. Em suma, Salazar

estava ultrapassado no tempo e no modo de agir, interna e externamente, ao mesmo tempo que a política portuguesa passava a depender mais de pressões exógenas do que endógenas. Para efeitos práticos, Portugal passou a pertencer a um mundo que já não existia.

No tocante às relações de Portugal com os EUA, é de salientar que, aos poucos, elas se foram degradando. Se não oficialmente, pelo menos, na prática. Na realidade bipolar em que os EUA ambicionavam a supremacia face à URSS, a ligação a um Portugal conservador e colo- nial tornava-se incómoda e limitava a expansão da influência americana no mundo. Nos finais da década de 1950, o apoio dispensado pelos americanos ao nosso país constituía uma ligação perigosa, no sentido em que se tratava de sustentar um regime ditatorial decidido a manter um império que, para os EUA, deveria ser descolonizado. Os acontecimentos no Médio Oriente, a Guerra dos Seis Dias, em 1967, (Israel e o mundo árabe circundante), e a do Yom Kippur, em 1973, levam ao abandono por aqueles da causa portuguesa, segundo Adriano Moreira:

“Numa data em que a fadiga causada pela guerra no Ultramar já estava a ponto de causar a queda do regime da Constituição de 1933, e justamente quando os EUA revelaram de uma forma dura a decisão de não apoiar a política africana portuguesa, iniciou-se a chamada Guerra Yom Ki- ppur, quando o Egipto e a Síria atacaram Israel, municiados pela URSS”.216

Na realidade, para os EUA, a política colonial portuguesa já não se adaptava às necessi- dades da política externa americana e nem tampouco aos tempos de emergência de conflitos regionais bem perigosos para o equilíbrio bipolar. A partir de meados da década de 1960, o apoio americano a Portugal, embora se reduza, continua a existir devido à necessidade estra- tégica dos Açores para os aliados e, particularmente, para a estratégia da Aliança Atlântica. A NATO via naquele “porta-aviões no Atlântico” uma mais-valia na conjugação da interligação das diferentes posições armadas no mundo face ao bloco comunista. Contudo, mesmo com o peso que o arquipélago dos Açores tinha, os EUA começavam a efectivar o apoio secreto, mas real, aos movimentos de libertação no Ultramar português. Ao mesmo tempo que os america- nos criticavam Portugal na ONU por manter colónias e ajudavam discretamente os movimentos independentistas, também apoiavam o governo português por este lhes parecer útil na dispu- ta bipolar. A invasão do Estado Português da Índia por Nehru, em Dezembro de 1961, levou o governo português a ponderar o apoio incondicional quer da velha aliada Grã-Bretanha, quer dos EUA. A primeira não se envolveria, de forma alguma, numa contenda militar com a União Indiana a favor de Portugal. Quanto aos Estados Unidos da América, ainda que fosse pedido ex- pressamente por Portugal um comunicado público de condenação da acção de Nehru, o mesmo nunca se verificou. O texto que segue explicita bem essa realidade:

“O Governo Norte-Americano também não estava determinado a desencorajar Nehru. Du- rante o Verão e Outono de 1961, o Governo Português tentou que a administração Kennedy decla-

216 MOREIRA, Adriano - O Estado exíguo e as hipóteses estratégicas, o Sistema Internacional e o con-

rasse publicamente que se oporia a qualquer tentativa armada da União Indiana sobre Goa, Damão e Diu. Essa declaração nunca veio a acontecer, apesar de Washington fazer saber ao embaixador indiano que o assunto seria levado ao Conselho de Segurança das Nações Unidas no caso do uso da força e que os EUA tomariam posições contra qualquer acção militar”.217

O crescente isolamento de Portugal na cena internacional e, sobretudo, entre os velhos aliados fazia antever um fim que Salazar não aceitava ser possível: a falta de apoio às políticas portuguesas. Contudo, Eisenhower visita Portugal em Maio de 1960, o que deixa antever um apoio dúbio ao país colonizador que não se preparava para a independência dos territórios por si administrados. Sem se aperceber, o ditador acabaria por deixar cair o próprio regime numa espécie de “espaço sem chão” que conduziria ao seu próprio fim.

217 BARROSO, Luís - Salazar, Caetano e o “Reduto Branco”, A Manobra Político-Diplomática de Portugal

Capítulo IV

Adriano Moreira para

além do Estado Novo.

No documento Adriano Moreira e o império português (páginas 120-126)