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Adriano Moreira: escolhido para Ministro do Ultramar

No documento Adriano Moreira e o império português (páginas 139-142)

Como já ficou escrito, os primeiros anos da década de 1950 pautaram-se por uma apro- ximação de Adriano Moreira ao regime de Salazar, sendo que, por vontade do Presidente do Conselho, aquele vai desempenhando, cada vez com maior regularidade, missões em nome do Estado. O conhecimento do Império, a ligação ao Luso-tropicalismo e as críticas por vezes acu- tilantes às acções do próprio regime haviam criado em Salazar a ideia de que Adriano Moreira era o homem certo para tratar da questão ultramarina. Na verdade, embora Adriano Moreira tenha concordado com muito do espírito do Estado Novo em relação à política em geral, pelo menos até 1945, é igualmente verdade que nunca se mostrou temeroso nas críticas que ia fa- zendo e das quais Oliveira Salazar tinha pleno conhecimento. Em 1961, mais do que uma ideia, tornou-se uma certeza que culminava com a nomeação do Professor para a pasta ministerial do Ultramar. Oliveira Salazar ia sabendo que o nome de Portugal começava a ser bastante falado nos fóruns internacionais quando se tratava não apenas da questão do tipo de regime político, mas igualmente e, sobretudo, quando se debatiam as questões das autonomias independentis- tas das antigas colónias. Escreve Newitt:

“Salazar mantivera Portugal deliberadamente afastado da ribalta e as políticas adotadas pela sua ditadura pouco interessavam os políticos europeus e mundiais. Tudo isto começou a mudar em 1958 e, no início da década de 1960, os acontecimentos em Portugal e no seu império começa- ram a fazer manchete e ameaçaram desequilibrar decisivamente o delicado equilíbrio alcançado pela diplomacia da Guerra Fria”.240

Para efeitos práticos, Portugal era, a partir da década de 1950, uma peça no tabuleiro do jogo entre a URSS e os EUA, servindo de peão na guerra-fria. Que medos atingiam agora o “Portugal Conservador”? O que poderia provocar uma derrocada imensa no equilíbrio nacional ao ponto de ter causado em Salazar uma sensação de insegurança? Parte da resposta está justa- mente na nova realidade internacional de que o seguinte excerto pode fazer eco:

“As nuvens a anunciar a tempestade começaram a juntar-se à volta de Salazar no início da década de 1950, a princípio «não maiores do que a palma da mão». Desde a independência, em 1947, que a Índia tentava que a França e Portugal renunciassem aos territórios que tinham neste subcontinente. Os franceses acordaram a retirada dos seus dois enclaves em 1953, mas Portu- gal recusou-se até a discutir o assunto. Em 1954, «voluntários» indianos invadiram os territórios portugueses de Dadrá e Nagar-Haveli mas, enquanto o Tribunal Internacional deliberava sobre a legitimidade desta ação, Nehru não intentou nenhuma ação contra os territórios maiores de Goa,

Damão e Diu. Entretanto, a Grã-Bretanha via-se perante a revolta dos Mau Mau, no Quénia, e a França perante a guerra da independência na Argélia. Portugal observava e aguardava e começou a construir pistas de aterragem nas colónias africanas”.241

Nos meios políticos portugueses mais esclarecidos, começavam a ficar claras duas ideias: a primeira, a de que o mundo não parara e o tempo dos impérios tinha chegado ao fim com as novas regras internacionais ditadas pela ONU; a segunda, a mais importante para o país, a de que se potências como a Grã-Bretanha e a França se decidiam por conceder a independência a muitas das suas colónias, Portugal, cada vez mais isolado, deveria seguir o mesmo caminho. Esta situação internacional causava nos meios políticos mais conservadores do regime, e tam- bém no espírito de Salazar, o temor pela perda do Império que, para fins de propaganda, já o não era desde a revisão constitucional de 1951.

Nos inícios da década de 1960, o perigo do crescimento da oposição era evidente. Ainda nos finais da década de 1950, durante a campanha para as Presidenciais, a resposta de Humber- to Delgado a um jornalista sobre o futuro de Salazar caso ganhasse as eleições, não podia ser mais clara: “obviamente demito-o”.242

O regime começou a juntar as peças do jogo: de um lado, o perigo internacional e a cres- cente falta de apoios; por outro, a possibilidade de ruína do regime com a vitória da oposição nas presidenciais de 1958. A reacção do ditador e dos seus mais próximos não se fez esperar, nem interna nem externamente. Humberto Delgado não ganhou as eleições devido ao facto de os resultados terem sido falseados, como acontece em qualquer ditadura.

O fim da Guerra (1945) trouxera consigo novas regras nas relações entre colónias e me- trópoles. Adriano Moreira revelou-se aberto a essas alterações e aceitou, como um processo normal, a ambição de autonomia das Províncias Ultramarinas. Reconhecia que eram inevitáveis mudanças estruturais, quer na organização administrativa, quer no relacionamento entre esses territórios e a metrópole. Se as possessões ultramarinas deveriam seguir o caminho da indepen- dência ou outro qualquer não sabia, ou, pelo menos, não clarificou a sua posição. Isto mesmo expressou no seguinte texto:

“Pode o esquema colonial ser definido em função de uma final separação entre o Estado colonizador e o povo colonizado, que vem a adquirir a independência; ou pode acontecer que o fim

241 Id., Ibid., p. 278.

242 Quanto à exacta frase que o General Humberto terá pronunciado, não há unanimidade. Contudo, pa-

rece pacífico que a palavra “demito-o” foi pronunciada e com vigor. “Obviamente demito-o!” é uma frase com várias versões. É assim que começa a notícia da LUSA – Agência de Notícias de Portugal S.A. - a seis de Maio de 2008. Acrescenta: “Há 50 anos, a 10 de Maio de 1958, no café Chave d’Ouro, no número 38 do Rossio, em Lisboa, o candidato da oposição às presidenciais deu a conferência de imprensa em que o cor- respondente em Lisboa da France Presse, Lindorfe Pinto Bastos, fez a pergunta: “Sr. General, se for eleito Presidente da República, que fará do Sr. Presidente do Conselho?”. “Obviamente demito-o!” foi a resposta usada pelos jornalistas; mas, mesmo passado meio século, as versões não são todas coincidentes, como descreve o neto do general, Frederico Delgado Rocha, no livro Humberto Delgado – Biografia do General sem Medo (Esfera dos Livros). A frase, lê-se no livro, foi registada com “nuances” pelos diferentes jornalis-

tas, desde a pontuação ao tempo verbal e à própria ordem das palavras. As duas variações assinaladas no livro são: “Demito-o, obviamente” e “mas obviamente demito-o”. Informação disponível em, http://www. rtp.pt/noticias/index.php?article=61630&tm=&layout=121&visual=49, consultado a 7 de Março de 2015.

procurado para a dependência colonial seja a integração numa unidade política, que pode revestir qualquer das formas clássicas de Estado unitário ou federado, ou mesmo qualquer forma nova, como parecesse o objectivo da União Francesa; de qualquer modo, todas estas formas de autono- mia constitucional são formas de uma política de integração numa unidade política, embora em termos diferentes da simples autonomia administrativa, única concebível num Estado que obedeça ao esquema clássico dos Estados unitários”.243

Parece-nos que, mesmo não encontrando expresso nos escritos que Adriano Moreira pro- duziu até hoje, qualquer tomada clara de posição em relação ao futuro do Ultramar, pode, contudo, aceitar-se que existia nele uma vontade de construção de um modelo que preservasse a unidade do Portugal pluricontinental. Unidade política, sim, mas que se identificasse cultu- ralmente entre si e que valorizasse a língua lusa. Esta solução parecia a Adriano Moreira a mais viável, num processo em que urgia tomar decisões de forma a não deixar crescer a animosidade entre Portugal e as Províncias do Ultramar.

As várias participações de Adriano Moreira nas delegações que se deslocaram às Nações Unidas saldaram-se por alguma visibilidade exterior sobre a complexidade do processo autonó- mico das possessões portuguesas. De facto, Portugal alicerçava a sua argumentação na questão da jurisdição interna, o que, visivelmente colidia com as determinações internacionais. Escreve Adriano Moreira sobre o assunto:

“A minha principal responsabilidade foi a de elaborar a resposta jurídica à exigência da ONU no sentido de Portugal se submeter ao processo da descolonização dos “non-self governing territo- ries”, com os resultados que tornei públicos em Portugal e o artigo 73 da Carta das Nações Unidas, de 1957, relatório de serviço para o Ministro do Ultramar, que completaria com novo relatório intitulado A jurisdição interna e o problema do voto na ONU (documentos), de 1958. O Prof. Paulo Cunha perfilhou a doutrina, mas sobre ela o Doutor Salazar escreveu um despacho simples dizendo que nos apoiávamos no artigo 2 (7) da Carta, e mais não seria necessário. (…) O que consegui na 6ª Comissão (jurídica), nessa 12ª Sessão de 1957, foi que o parecer sobre o entendimento do artigo 18, em relação ao Capítulo XI, solicitada pela 4ª Comissão, fosse no sentido de que a questão portu- guesa era importante, o que obrigava a que as decisões fossem tomadas por maioria de dois terços, pelo que então ainda não foi possível que os opositores reunissem os votos suficientes para criar um Comité de seis membros encarregado de julgar se os Estados administrariam ou não territórios não-autónomos, uma pergunta abstracta que apenas dizia respeito a Portugal”.244

Torna-se evidente, pela exposição de Adriano Moreira agora transcrita, que as ligações do Professor a Salazar constituíram pedra angular de Portugal no contexto internacional e, em particular, no que ao Ultramar diz respeito, nas décadas de 1950 e de 1960.

243 MOREIRA, Adriano - Política Ultramarina, 1, (3.ª edição), Junta de Investigação do Ultramar – Centro

de Estudos Políticos e Sociais, Lisboa, 1960, p. 37.

244 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra,

As críticas de Adriano Moreira ao regime e, em particular, à forma como Portugal organi- zava as relações com o Ultramar eram frequentes e consistentes. O regime e, concretamente, o seu mentor – Salazar - conheciam-nas bem. Sabiam que, antes de mais, elas representavam a consciência de alguém que partilhava as suas preocupações com o futuro do Ultramar; alguém que propunha reformas administrativas e preparava uma autonomia inevitável.

Olhava-se para Adriano Moreira como o homem-chave para conduzir o país nos perigosos caminhos das relações com a comunidade internacional. O conhecimento de Adriano Moreira sobre a questão ultramarina era vasto e de relevo. Já referimos as viagens efectuadas às Nações Unidas no âmbito da defesa da posição portuguesa face ao Ultramar. Desempenhou o cargo de Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, sendo que, chegados a 1961, é esco- lhido para a Pasta do Ultramar. Será Ministro do Ultramar entre 1961 e 1962. Gostaríamos de esclarecer que, embora empenhado nas tarefas que lhe foram acometidas, sempre que ocupou cargos políticos durante a Ditadura, fê-lo como independente. Quer como Subsecretário da Administração Ultramarina, quer enquanto Ministro do Ultramar, Adriano Moreira empreendeu reformas importantes que se tivessem sido tomadas mais cedo, a evolução das relações entre Portugal e os territórios ultramarinos seria diferente. Destas reformas, trataremos em articu- lado autónomo.

5. O alcance das reformas empreendidas

No documento Adriano Moreira e o império português (páginas 139-142)