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Adriano Moreira: dados biográficos

No documento Adriano Moreira e o império português (páginas 46-51)

Se Adriano Moreira é a individualidade central da nossa tese, torna-se necessário re- produzir marcos fundamentais da sua biografia, sendo que as origens e a formação académica representam, naturalmente, vertentes essenciais. As origens, os valores da ruralidade trans- montana e da velha família nuclear tradicional são pontos fundamentais a ter em conta. Os princípios de honestidade, respeito, sinceridade, apego ao trabalho e aos valores da ruralidade ter-lhe-ão sido transmitidos por seus pais. Estes, oriundos das terras de Grijó, no interior de Trás-os-Montes, eram provincianos que arriscavam, como tantos outros, na vinda para a grande cidade, Lisboa. Esta era, ao tempo, a terra de todas as oportunidades. Para os rapazes, essa saída das suas terras costumava coincidir com o fim do serviço militar. Ingressavam frequente- mente na Polícia de Segurança Pública, na Guarda Nacional Republicana ou na Guarda Fiscal. É esta realidade a retratada por Adriano Moreira quando, em suas memórias, escreve:

“Há uma lei sem réplica que obriga os pobres a emigrar, e os ricos a exportar capitais. Os

57 Vide Apêndice B, s/p. 58 Vide Apêndice A, s/p.

transmontanos emigravam, para constituírem colónias interiores em lugares do destino. Assim fez o meu Pai António que, com a minha Mãe Leopoldina, vieram para Lisboa, em 1923.

Compreendi muito cedo quanto a vida era difícil para eles. As carreiras abertas aos emigran- tes que vinham do norte, e mais ambicionadas pela estabilidade que ofereciam, eram a Polícia de Segurança Pública, a Carris de Lisboa, a Guarda Fiscal e a Guarda Nacional Republicana. O meu Pai entrou para a PSP, e nela ficou até terminar a carreira em subchefe ajudante na Administração do Porto de Lisboa”.59

Possuidor dos valores ligados aos princípios do respeito e da honradez, apanágios dos homens e das mulheres do mundo rural, Adriano Moreira entrou no cosmopolitismo lisboeta ainda com tenra idade. Como era costume naquele tempo, as mulheres, esposas e mães, para além dos trabalhos domésticos e da criação dos filhos, tarefas que lhes estavam acometidas, desempenhavam, com frequência, trabalhos manuais em casa, como o da costura, de forma a complementar os rendimentos familiares. Foi assim que muitas famílias oriundas de classes humildes, mas fartas de vontade de vencer e fazer vencer os seus filhos, puderam dar a estes formação escolar que os guindou para novos estatutos sociais. Este percurso foi, também, o da família Moreira: “Um dia tomaram a decisão heroica de me mandar formar, e sei hoje o que isso deve ter representado de coragem em vista dos fracos rendimentos”60.

A descrição que Adriano Moreira faz da sua aldeia, e igualmente do percurso que muitos dos seus habitantes fizeram na vinda para a cidade, pode parecer-nos exagerada e mesmo idí- lica; contudo, em face das nossas próprias origens, sabemos que assim era.

Filho único até aos nove anos, Adriano Moreira teve, nessa idade, uma irmã, Olívia. Também ela haveria de usufruir dos esforços dos pais. Posta a estudar, acabaria por se formar em Medicina. Os valores de solidariedade e de protecção estiveram sempre presentes nesta fa- mília. Adriano clarifica isso mesmo ao afirmar: “A diferença de idades permitiu que a incitasse a fazer o seu curso de Medicina. Amei os seus filhos que nasceram todos antes dos meus, e gostei de fazer com eles o que tinha feito com ela, quando as circunstâncias o exigiram”61.

Adriano Moreira frequentou liceus de renome em Lisboa. Primeiro, o Liceu Passos Manuel, em seguida, o Liceu do Carmo (este uma extensão do primeiro) e, novamente, o Liceu Passos Manuel, onde acabaria os seus estudos liceais. Depois, havia de ingressar na Universidade. Era este o caminho que seus pais lhe haviam traçado ao decidir pô-lo a estudar. Frequentou, pois, a Faculdade de Direito de Lisboa. Os tempos da juventude de Adriano foram, internacionalmen- te, algo conturbados. Assistiu a duas agressivas guerras – a Guerra Civil de Espanha e a Segunda Guerra Mundial. Das suas memórias, retiramos o seguinte texto:

“Nos anos que decorreram entre a entrada no Liceu e a saída da faculdade, a minha gera- ção foi marcada por duas convulsões: a guerra da Espanha e a Segunda Guerra Mundial. A primeira

59 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra,

2009, p. 19.

60 Id., Ibid., p. 20. 61 Id., Ibid., p. 21.

decorreu enquanto frequentava o Liceu do Carmo, e ficava do entendimento dos garotos que éramos nesse tempo. Sabíamos que havia um movimento vanguardista, tínhamo-nos apercebido antes de um sindicalismo de Rolão Preto, instituía-se a Mocidade Portuguesa obrigatória. (…) Pelo Passos Manuel e Carmo a Mocidade Portuguesa fez umas primeiras tímidas aparições, a tentar organizar-se, mas o meu curso já não foi geralmente apanhado pela iniciativa. (…). Mas a guerra de Espanha serviu para sermos o objecto do condicionalismo da informação, da batalha ideológica, da propaganda em doses fortes. Recordo-me que, de todos, o Jorge Borges e Macedo parecia o mais informado e esclarecido”.62

Em 1944, Adriano Moreira terminava o seu curso de Direito com uma classificação final fora do comum, dezassete valores. Ao lermos o artigo a ele dedicado no Dicionário de História de Portugal, Suplemento 8, p. 532, ficamos a saber que terá havido dois professores que o terão influenciado profundamente. Um deles, Rocha Saraiva, e o outro, Marcello Caetano. Em relação a este último, parece ter havido maior proximidade de posições e de pensamento quanto à orgânica do poder dentro do Estado Novo. Desde cedo se percebeu que as questões da política interna, mas igualmente as da externa, haveriam de interessar ao futuro político e ministro. Terminado o curso, urgia começar a trabalhar de modo a contribuir para o sustento da família, já que os parcos recursos de seus pais tinham de chegar para que a irmã pudesse formar-se.

É assim que, logo em 1944, Adriano Moreira entrou para o Arquivo de Identificação em Lisboa, onde se manteria até 1947. Durante esse período, para além de outras incumbências, chefiou a Secção do Arquivo Geral do Registo Criminal e Policial. Saído da esfera pública onde se ocupara até 1947, passa para a economia privada, trabalhando na Standard Eléctrica. Nos cerca de trinta anos seguintes, sem embargo da formação pessoal e de outros trabalhos a que esteve ligado, manter-se-á ligado a esta empresa privada. Apesar de toda a intensa actividade que o foi ocupando, foi sempre expressando o seu pensamento em jornais e revistas de interes- se público, ao mesmo tempo que se dedicava à advocacia. Leia-se o seguinte:

“[…] Também se dedicou à advocacia, depois de estagiar junto dos conhecidos causídicos oposicionistas Fernando Abranches Ferrão e Acácio de Gouveia. E ainda lhe sobrou tempo para es- crever, sobre temas do direito penal e ramos afins, em revistas tão diversamente inspiradas como a

Jornal do Foro, dirigida pelo liberal (e maçon) Fernando Abranches Ferrão, O Direito cujo director

era Marcello Caetano e a Revista de Direito e Estudos Sociais, de Coimbra, entre cujos luminares se contavam Eduardo Correia, Ferrer Correia e Teixeira Ribeiro”.63

Queremos tornar relevante a ligação que Adriano Moreira mantém com Fernando Abran- ches Ferrão e Marcello Caetano. Relativamente a Fernando Abranches Ferrão, por este ser ma- nifestamente afecto à maçonaria; com Marcello Caetano, claramente conotado com o regime

62 Id., Ibid.

63 BARRETO, António; MÓNICA, Maria Filomena (coord.), Dicionário de História de Portugal, Suplemento

do Estado Novo. Trata-se de ligações que acreditamos terem-se justificado, não pelas filiações ideológicas dos dois antigos professores de Moreira, mas antes pelo facto de ambos representa- rem dois dos mais influentes pensadores e ideólogos do tempo. Com o passar dos anos, estas re- lações revelar-se-iam profícuas na produção de textos referentes ao Direito e à Administração Pública por parte de Adriano Moreira. Em 1947, a euforia pelo trabalho ou o sentido do dever deste advogado conduziu-o a um acto que o colocaria em situação de perigo face ao Estado Novo. Aceitou ser advogado da família do general Mendes Godinho, que acusou o coronel Fer- nando dos Santos Costa. Na visão dos acusadores, o coronel teria cometido homicídio voluntário enquanto desempenhara o cargo de Ministro da Guerra.64 Este trabalho terá representado uma afronta ao Regime, o que lhe causou alguns danos pessoais. Tal processo marcou profundamen- te uma viragem nas opções de Adriano Moreira face ao Estado Novo e ao seu mentor – Salazar. Veremos, mais à frente, que a aproximação a Oliveira Salazar não tirou a Adriano Moreira o ne- cessário afastamento e a clarividência relativamente às ideias mais retrógradas do Presidente do Conselho.

Marcamos, agora, no percurso do Professor, o início do interesse pelas questões coloniais, que data dos princípios da década de 1950. Trata-se, de certa forma, da aproximação ao regime político português, iniciando, simultaneamente, a sua carreira de professor:

“AM começou a ensinar na Escola Superior Colonial, posteriormente metamorfoseada em sucessivas instituições a cujo corpo docente também pertenceu, entre elas se contando o actual Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, ISCSP, onde em 1992 se jubilou. Na ESC, escola de quadros coloniais, entrou para professor do grupo de ciências jurídicas e administrativas, cabendo- lhe o ensino das mais diversas matérias: Princípios Gerais do Direito, Direito Privado e Prática Judiciária, Direito Corporativo, Administração Colonial… Em 1954 apresentou-se a concurso para professor ordinário com uma dissertação sobre O Problema Prisional do Ultramar – foram arguentes Marcello Caetano e Joaquim Silva e Cunha. (…) Ainda em 1954, publicou essa dissertação em livro – logo seguido por outro, conexo: Administração da Justiça aos Indígenas”.65

A transcrição que acabamos de fazer apresenta as primeiras publicações acerca da ques- tão colonial portuguesa. Os problemas referentes à administração da justiça aos indígenas mar- caram, de forma indelével, a vocação de Adriano Moreira pelas questões coloniais. Parece-nos, como veremos ao longo do nosso trabalho, que terá sido a partir daqui que o futuro ministro do Ultramar se terá feito notar como especialista nos temas das terras de além-mar. Um novo organismo ligado às questões ultramarinas surgirá no ano de 1956. Trata-se da criação de um Centro de Estudos Político Sociais, na dependência da Junta de Investigações do Ultramar, cuja direcção será entregue a Adriano Moreira. Este Centro de Estudos foi com Adriano Moreira um organismo de relevância e grande dinamismo:

64 Id., Ibid., p. 533.

65 BARRETO, António; MÓNICA, Maria Filomena (coord.), Dicionário de História de Portugal, Suplemento

“ […] Enviando bolseiros ao estrangeiro e missões de estudo às colónias, organizando confe- rências e colóquios que juntaram especialistas de ciências sociais e figuras gradas da política, da diplomacia e da administração e publicando dezenas de trabalhos sobre os mais diversos aspectos da problemática colonial portuguesa e das relações internacionais que a condicionavam; trabalhos esses entre cujos autores figuram pessoas de diversas tendências intelectuais e políticas: sociólo- gos, etnólogos e geógrafos como Gilberto Freyre, Jorge Dias e Orlando Ribeiro (…)”.66

Adriano Moreira faz uma aproximação gradual a vários autores dos mais diversos campos do saber. Importante torna-se a sua ligação ideológica a Gilberto Freyre e às suas ideias sobre o Luso-tropicalismo. Na verdade, segundo Cláudia Castelo, é o próprio Gilberto Freyre que, durante as viagens que faz às colónias portuguesas, vê confirmada a «intuição antiga»67, de que existe um modo português de estar no mundo. Escreve Cláudia Castelo:

“Aquela «confirmação» tem eco, ainda durante a viagem, nas conferências lidas em Goa e em Coimbra: «Uma cultura moderna: a luso-tropical» (Instituto Vasco da Gama, Novembro de 1951) e «Em torno de um, novo conceito de tropicalismo» (Universidade de Coimbra, Janeiro de 1952). O Luso-tropicalismo é formulado pela primeira vez nestas conferências, reunidas depois na obra

Um brasileiro em terras portuguesas. A introdução a este livro representa, segundo o seu autor,

uma tentativa de sistematização da nova doutrina, que será depois desenvolvida em Integração

portuguesa nos trópicos (1958) e O Luso e o trópico (1961)”.68

Sabemos que Adriano Moreira foi o grande introdutor das ideias de Gilberto Freyre em Portugal. Ele próprio é o grande defensor das mesmas, que pensamos ainda hoje mantém. A partir de 1955-1956, Adriano Moreira passa a reger a cadeira de Política Colonial e, em 1958, o mesmo Adriano Moreira passa a acumular a Direcção do Instituto com a da CEPS69. Em simultâ- neo, vai sendo chamado a estudar assuntos coloniais, o que lhe permite uma grande visibilidade como especialista nessa temática. Por várias vezes, integra missões oficiais portuguesas partici- pantes em vários fóruns internacionais, sempre ligadas aos temas ultramarinos:

“[…] em 1953, participou, na reunião da “Comissão de peritos de política social nos territó- rios não-metropolitanos”. Em 1955, numa missão do Ministério do Ultramar, foi outra vez a Angola e Moçambique, donde seguiu para Bukavu, como membro da delegação portuguesa à Conferência Interafricana de Ciências Sociais; e assistiu em Londres, à reunião do Instituto das Civilizações Di- ferentes (…). Em 1956, participou na reunião de peritos em Ciências Sociais da CCTA, Comissão de Cooperação Técnica em África ao Sul do Sahara, e (com Franco Nogueira) na reunião da ONU em Genebra que elaborou uma “convenção suplementar” relativa à abolição da escravatura. Em 1956

66 Id., Ibid., pp. 534 e 535.

67 Gilberto Freyre in Um Brasileiro Em Terras Portuguesas, op. cit., p. 10.

68 CASTELO, Cláudia - O Modo Português de estar no Mundo: O Luso-tropicalismo e a ideologia colonial

portuguesa (1933-1961). Edições Afrontamento, 2.ª Edição, Porto, 2011, p. 35.

e seguintes fez parte das delegações portuguesas à Assembleia Geral das Nações Unidas (…) em apoio das posições defendidas por Franco Nogueira. (…) Em 1959 de novo o encontramos de braço dado com Franco Nogueira (…) junto da NATO em Paris”.70

A aproximação ao regime político vigente em Portugal torna-se evidente. Será esta apro- ximação e a assunção das ideias do luso-tropicalismo que o levarão à nomeação para Ministro do Ultramar. Até 1961, ele havia produzido escritos vários que ilustravam, de forma clara, as suas opções relativas às questões coloniais. Entre eles, refiram-se Portugal Ultramarino – con- tribuição de Portugal para a valorização do Homem no Ultramar e O pensamento do Infante D. Henrique e a actual política ultramarina de Portugal.71

No documento Adriano Moreira e o império português (páginas 46-51)