• Nenhum resultado encontrado

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2012

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2012"

Copied!
226
0
0

Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rodrigo Aparecido Diniz

Territórios, Sociabilidades e Territorialidades:

O tecer dos fios na realidade dos sujeitos dos distritos de Perus e

Anhanguera da Cidade de São Paulo

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

SÃO PAULO

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rodrigo Aparecido Diniz

Territórios, Sociabilidades e Territorialidades:

O tecer dos fios na realidade dos sujeitos dos distritos de Perus e

Anhanguera da Cidade de São Paulo

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Professora Doutora Maria Lúcia Martinelli.

SÃO PAULO

(3)

Banca Examinadora:

_____________________________

_____________________________

(4)

Exclusivamente por causa da desordem crescente

(5)

Aos meus pequenos de hoje e sempre Cauã e Isabelli, pela força e esperança no futuro!

(6)

AGRADECIMENTOS

Eu não sou você. Você não é eu. Mas sou mais eu, quando consigo lhe ver, Porque você me reflete No que ainda não sou, No que já sou e No que quero vir a ser ...

Eu não sou você. Você não é eu. Mas somos um grupo, enquanto somos capazes de

diferenciadamente, Eu ser eu, vivendo com você e Você ser você vivendo comigo.

Madalena Freire

Nesse meu caminhar há muito o que agradecer, são muitos que fizeram e fazem parte dos meus encontros e desencontros na vida, seja na esfera íntima, particular, profissional e acadêmica que se confluem na totalidade de minha trajetória.

Assim amigos, irmãos, companheiros e pessoas que fazem parte de nosso cotidiano nos dimensionam o processo mais interessante e conflituoso da vivência, que é tornar-se sujeito no encontro e intercambio com o outro. E esses outros são muitos, que de algum modo tem especial significado em meu recordar, no meu passar pelo coração, do meu reviver as experiências de abraços, falas, choros, amizades, discussões, alegrias, faltas e tantas viagens físicas e reflexivas para esse encontro de sujeitos na complexa dimensão do eu e nós.

Desta forma, agradeço imensamente aos meus pais João e Maria pela força, otimismo, confiança, respeito e por ensinar-me através da humildade, simplicidade, dignidade, esperança de vida. Amo-os eternamente e incondicionalmente.

Ao meus tios Francisco e Pedrina, que também tem especial significado em meu processo formativo, pois se tornaram também meus pais. Agradeço a confiança, amor, dedicação e por me acolherem. Os amo de maneira gigantesca e imensurável. Tia Pedrina até as alturas sempre!

(7)

compreensão. Que sempre estiveram ao meu lado, mesmo que distantes fisicamente. Obrigado pelo incentivo e pelo apoio em todas as horas de apuros. Não há palavras para agradecer, também reitero meu carinho e amor!

A minha querida irmã Andréia - Déia que sempre e em qualquer momento sabe entender-me, nossos papos muito vezes não precisam de palavras, apenas olhares, abraços e aconchegos e desta forma os sentidos florescem. Agradeço pelas trocas, confidências, companheirismo, força e cuidado que sempre dedicou à mim, somos tão conectados que nos conhecemos mutuamente, te amo muito.

Ao meu Fabiano - Biano, Tatão e outros tantos apelidos carinhosos que nos permitimos ao longo de nossas tão conexas vivências, apesar da distância física dos últimos tempos, seja por ideias, espaços e rumos diferentes estarei sempre junto e perto de ti. Agradeço pela força, confiança, amor que sempre alimenta nosso entretecer de laços. Te amo sempre!

Agradeço e dedico este trabalho ao meu irmão Alexandre, Xandinho ou simplesmente “X”, a saudade ainda dói, a sua eterna falta contraditoriamente está sempre presente. As lagrimas são inevitáveis, mas na infinitude de sua existência encontrei forças para continuar a sonhar, para alimentar a esperança de nossos sorrisos e aspirações. Te amo na dimensão do universo.

Aos meus pequenos de hoje e sempre Cauã e Isabelli que com a alegria de criança muito tem nos ensinado, alimentando o conforto do carinho, do amor, das brincadeiras e verdades inesgotavelmente sinceras. Vocês são motivações diárias para que eu possa enfrentar as adversidades e contradições da vida. Nossos encontros são felizes e cheios de paz!

Ao meu cunhado Alex que tantas vezes participou de minhas angustias, dores, alegrias e encontros, obrigado pela paciência com as minhas loucuras e posicionamentos nem sempre tranquilos.

Aos tios tão queridos que partilham um pouco da vida comigo Tio Zé e Padrinho Wilsom, obrigado!

(8)

Também agradeço a mais que amiga, irmã, companheira Mariana Robles pela acolhida, segurança, confidências tão íntimas e tão nossas, pelo dialogo franco, aberto, sem preconceitos e pudores que construímos e tecem nossas tardes, telefonemas, noite e tantos momentos.

A minha querida amiga, irmã, guerreira de hoje e sempre Aline Ferreira Lima, por nossos encontros também tão francos, abertos, libertários em direção a mundo sem entraves do preconceito e autoritarismo. Agradeço por tudo que vivemos juntos, pelos sustos, amores, dores, pela sede de justiça inigualável, por construir no cotidiano pontes de crítica e ação. Com você tenho apreendido entre os bares e saberes o sentido do que seja autonomia. Afinal, nosso amor é incondicional seja na boemia e na vida.

A minha querida, sempre amada Barbina – Cristiane Kanai, pela paciência, trocas de saberes, achados da vida, de dores, alegrias, “irmandades”, farras, deliciosa companhia de vida. Obrigado por ser minha mais atenta revisora textual, que sempre esteve a disposição, contribuindo entre linhas, teorias, saberes e com sua existência. Amizade é assim tecida, criada/recriada enredando nossos corações. À Bia – Fabiane Naves, queridíssima amiga que sempre com sorriso aberto nos encanta e acolhe, agradeço pelos muitos momentos compartilhados sejam de angustia, dores e farras entre mercados, jantares, bares e vida. Pela centralidade e paciência na construção de nossa amizade, desculpe pelas minhas ausências, mancadas e a fins. Obrigado pela força, confiança e carinho.

À minha, mais que queridíssima amiga Fabiane Moreno Gomes, companheira de trabalho, de vida, sofrimento, jornada, expectativas, esperanças e fé. Com você apreendi a me respeitar mais, a olhar para meus verdadeiros sentidos e tomar coragem para assumí-los ao mundo sem medo. Senti tanta sua falta quando esteve pelos gelados ventos de uma terra distante, mas sua volta cheia de calor pode ser ainda melhor, madura, decidida e renovada. Obrigado pela confiança, partilha de tantos momentos bons e outros nem tantos que vivemos juntos e superamos. Amor incondicional Fabis!

(9)

papos boêmios e acadêmicos o sonho da liberdade. Obrigado pela confiança, ajuda em momentos de perrengue e principalmente pela partilha do saber.

A minha querida Rosangela Pezoti que sempre depositou confiança em mim, pelo constante incentivo, pela força na docência, pela cumplicidade de nossos posicionamentos frente a vida e ao formação profissional. Apreendi e continuo a apreender com seu posicionamento ético, com sua forte competência e amizade, meu muito obrigado pelo carinho e partilha.

Aos meus queridos amigos de mestrado, que se revelaram sujeitos demasiadamente especiais Fabiane Moreno Gomes, Fernanda Carriel, Kleber Mascarenhas, Liliana Hurtado, Luciana Benatti e Rosane Durval que dividiram tantas alegrias, aflições, achados, e conhecimento. Com vocês essa trajetória se tornou mais doce, suave, companheira e amistosa.

As minhas coordenadoras e supervisoras de trabalho na Prefeitura da Cidade de São Paulo, que sempre apoiaram e compreenderam minhas ausências para cursar as aulas, meu muito abrigado especialmente para Teresinha Colaneri dos Reis e Nilda Toyomoto Ito pela confiança e respeito.

Também agradeço a minha atual supervisora Marcela Janotti Monaco Porto, pela paciência, respeito e apoio nessa fase final de construção acadêmica. Meu obrigado pela sensibilidade e confiança.

Agradeço imensamente meus queridos companheiros de equipe de trabalho: Dimas Jayme Trindade, Maria Luiza Jerônimo Vaz e Heloisa Hernandez que enriquecem com suas competências e experiências a toada da vida cotidiana no Centro de Referência de Assistência Social – CRAS Perus. Meu muito obrigado pela compreensão as minhas ausências nesse momento de finalização da dissertação.

Também agradeço ao companheirismo dos demais colegas do CRAS Perus, especialmente à Ana Dagmar Camargo, Alairse Girardi, Rosana Dias, Aline Pantoja, Flávia Ribeiro, Anita Matos Pedreiro, Margarida Gazeta, Lilian Assis Terra, Adeli de França e a queridíssima Erika Ribeiro pelo apoio, amizade e compartilhar.

(10)

principalmente por acolher aquilo que foi uma vontade de pesquisa e hoje se concretiza nesta dissertação.

Também registro meus sinceros agradecimentos as Professoras Maria Carmelita Yasbek e Dirce Koga, pelas disponibilidades e contribuições no exame de qualificação, pelo respeito e por proporcionarem a oportunidade da partilha do saber. Espero que vocês se reconheçam também nesta pesquisa.

Meus agradecimentos aos professores do Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social da PUC São Paulo, especialmente a professora Maria Lúcia Barroco, que tanto vem contribuindo para a nossa formação ética e política, obrigado pela acolhida naquele difícil começo e pela partilha no processo de construção do conhecimento. Com afeto e respeito!

Não há como deixar de lembrar a imensurável contribuição da professora Maria Lúcia Carvalho - nossa amada Malu –pela franqueza, sensibilidade, dedicação e compromisso com a pesquisa acadêmica. Obrigado pelas sempre valiosas contribuições.

Minha imensa gratidão a queríssima Vânia, secretária do programa, que tantos nos ajuda nos processos da burocracia acadêmica, pela sempre pronta disponibilidade, atenção e carinho dedicados a nossa formação. Acredito que o PEPGSS / PUC não terá a mesma graça e delicadeza sem a sua presença, já sinalizou um tom de saudades.

Não posso deixar de agradecer as sujeitas dessa pesquisa Nadir Balbina, Marília Salmazo e Josemary Menezes, pela confiança, abertura política de suas práticas pessoais, sociais e territoriais. Meu sincero obrigado, sem vocês essa pesquisa não teria sentido e não existiria.

Aos queridos alunos do curso de Serviço Social da Universidade São Francisco de 2011, que me conduziram aos aprendizados da docência, pela troca, inquietação, vida, juventude e fé.

(11)

RESUMO

Título: Territórios, Sociabilidades e Territorialidades: o tecer dos fios na realidade dos sujeitos dos distritos de Perus e Anhanguera da Cidade de São de Paulo.

Autor: Rodrigo Aparecido Diniz

O presente trabalho analisa as mediações do território urbano na construção de sociabilidades dos sujeitos, tomando por referência os distritos de Perus e Anhanguera da cidade de São Paulo. Os caminhos desta pesquisa foram trilhados com o aporte da metodologia da história oral, como fonte privilegiada para tecer a interlocução com os sujeitos que constroem e reconstroem cotidianamente experiências na trama de seus territórios de vida. Neste sentido, apresentamos a trajetória de três mulheres, que são lideres comunitárias em Perus e Anhanguera, que tem suas vidas mediadas pela busca de proteção social, bem como, centralizam suas histórias nos espaços sociais destes territórios, construindo sociabilidades e territorialidades específicas que trazem a marca da luta como processo contínuo de reprodução da vida nas periferias da cidade. Com isso, as narrativas de pesquisa engendram não somente análises específicas da realidade estudada, mas realizam profícuos diálogos com os aportes teóricos que sustentam essa dissertação.

(12)

ABSTRACT

Title: Territories, Sociabilities and territorialities: the weaving of the threads in the subjects’ reality in the districts of Perus and Anhanguera, in São Paulo City.

Author: Rodrigo Aparecido Diniz

This present study analyzes the mediations in the urban territory through the sociabilities’ constructions by the subjects, taking as it references the districts of Perus and Anhanguera, in São Paulo City. This research journey were traced by the contribution of the oral history methodology, as the privilege source to approach the subjects’ dialogue that make and remake lives’ experiences in their territories, day by day. In this way, we present the three women’ trajectories. They are communities’ leaders in the territory of Perus and Anhanguera, whose lives mediated by the pursuit of social protection, as well as centralize their stories in social spaces in these territories, making sociabilities and territories that bring specifics facts of the fight as a continuous process of lives’ reproduction in the São Paulo’s peripheral region. So, the research’s narratives not only engender specific analyzes of the studied reality, but perform fruitful dialogue with the theoretical parts that support this dissertation.

(13)

LISTA DE FOTOS

Foto 1 Jardim da Paz... 23

Foto 2 Recanto dos Humildes... 55

Foto 3 Um garoto joga bola no Recanto dos Humildes... 94

Foto 4 Vista panorâmica de distrito de Perus... 115

Foto 5 Fachada da Fábrica de Cimento Perus – Portland... 118

Foto 6 Ruínas da Fábrica de Cimento Perus – Portland... 119

Foto 7 Favela Recanto Paraíso... 125

Foto 8 Construção da Rodovia Anhanguera... 127

Foto 9 Vista panorâmica de parte do distrito de Anhanguera... 128

Foto 10 Favela Jardim Jaraguá... 129

Foto 11 Jardim Jaraguá... 130

Foto 12 Dona Nadir... 149

Foto 13 Marília Salmazo... 156

Foto 14 Josemary Menezes ... 170

LISTA DE MAPAS Mapa 1 Município de São Paulo dividido por subprefeituras... 114

Mapa 2 Área da subprefeitura de Perus e as divisas com outros municípios... 115

Mapa 3 Estrada de Ferro do Estado de São Paulo 1935... 117

Mapa 4 Estrada de Ferro Perus – Pirapora 1930... 121

Mapa 5 Renda média da população e localização de favelas no distrito de Perus... 132

Mapa 6 Renda média da população e localização de favelas no distrito de Anhanguera... 133

Mapa 7 Vulnerabilidades e ocupações territoriais de Perus... 134

Mapa 8 Vulnerabilidades e ocupações territoriais de Anhanguera... 134

Mapa 9 Assassinatos de Pessoas entre 15 e 29 anos por cem mil habitantes na cidade de São Paulo... 136

Mapa 10 Localização das sujeitas de Pesquisa nos distritos... 138

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Taxa de crescimento populacional do município de São Paulo em comparação com a área da subprefeitura de Perus e seus distritos... 131

(14)

LISTA DE SIGLAS

ATSTSP Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo CACP Centro de Apoio Comunitário de Perus

CCA Centro para Crianças e Adolescentes CEU Centro de Educação Unificado

CJ - Centro para Juventude

CMDCA Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente

CMTC Companhia Municipal de Transporte Coletivo CONEP Conselho Nacional de Ética em Pesquisa CRAS Centro de Referência de Assistência Social EMEI Escola Municipal de Ensino Infantil

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IPEA Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada MDS Ministério do Desenvolvimento Social

ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas PIB Produto Interno Bruto

PLAS Plano de Assistência Social

PUC Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

SABESP Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo SAGI Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação

SMADS Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social SAS Supervisão de Assistência Social

(15)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 16

CAPÍTULO I TECENDO O CENÁRIO URBANO... 23

1.1 Terra e capital encontros para a espoliação do espaço... 24

1.2 Uma aproximação aos modos de se pensar a cidade... 29

1.3 Sociedade urbana: novo modo de vida... 38

1.4 A trama da cidade entre a filosofia e práticas sociais... 44

CAPÍTULO II TERRITÓRIO E O URBANO NAS TRAMAS DA CIDADE BRASILEIRA... 55

2.1 A questão da terra no Brasil e os processos antecedentes à sociedade urbanizada... 56

2.2 Os processos de privilegiamento na apropriação do solo brasileiro... 63

2.3 O território e as dinâmicas societárias no Brasil... 70

2.4 O território na cena contemporânea... 82

CAPÍTULO III TERRITÓRIOS, TRAJETÓRIAS URBANAS E SOCIABILIDADES... 94

3.1 Caminhos e perspectivas: a história oral como metodologia de pesquisa... .. 95

3.2 O depoimento como técnica e possibilidade de pesquisa... 108

3.3 Os territórios de Perus e Anhanguera nas tramas da cidade... 111

3.4 Pesquisa, processos e trajetórias urbanas: práticas sociais na construção de territorialidades... 137

3.5 Sociabilidades e territorialidades: Perus e Anhanguera na teia das relações e práticas sociais... 179

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 213

REFERÊNCIAS... 219

(16)

INTRODUÇÃO

“Caminhos não há Mas as gramas o inventarão. Aqui se inicia uma viagem clara para a encantação.

Fonte, flor em fogo, O que nos espera por detrás da noite?

Nada vos sovino: com minha incerteza, vos ilumino.”

Ferreira Gullar

Os caminhos desta pesquisa começam muito antes da delimitação acadêmica da temática, da síntese dos objetivos, da construção e reconstrução do projeto de estudos, bem como, antecede o tecer e entretecer desta dissertação de mestrado.

Esta pesquisa, portanto, sinaliza o encontro entre múltiplas aspirações que foram sendo processualmente costuradas ao longo do movimento de amadurecimento do pesquisador enquanto sujeito e, deste, enquanto profissional do serviço social.

É nesse sentido que o interesse em pesquisar o território urbano foi ganhando sentido ao longo de minha trajetória de vida e confirmando-se em inquietações na dimensão do cotidiano profissional. Esse processo de encantamento tem sua gênese na infância, pois sempre morei na cidade de Caieiras (região metropolitana de São Paulo), com uma vida calma típica do interior, onde as janelas e portas estavam sempre abertas para a acolhida de amigos, vizinhos, parentes ou quem chegasse.

Mas a vivência de uma vida modesta de experiências e carregada de simplicidade da infância era quebrada quando existia a possibilidade de visitas à cidade de São Paulo, sempre para realização de compras, tratamentos médicos e visita a parentes e/ou conhecidos.

(17)

processos econômicos, culturais e políticos que direcionam a produção e reprodução do espaço urbano.

Era evidente que a viagem para São Paulo sempre acabava sendo um evento cheio de significados e expectativas, o trajeto, que durava cerca de uma hora e meia, era programado, esperado e revestido de um preparo prévio e havia uma mística que percorria a viagem.

Assim as luzes da cidade, seu rápido movimento, os carros, as pessoas transitando, os prédios antigos, os teatros, o metrô, tudo aquilo me impressionava e cadenciava curiosidades em encantamento. Particularmente, configurava-se o encontro do caipira com a sedução da modernidade, com a profunda emoção do encontro do diverso e antagônico.

Na passagem para a adolescência, forçado pela falta de oportunidade na cidade na qual residia, que não oferecia condições de qualificação profissional e nem de estudos avançados de línguas e outros complementos culturais, tive a oportunidade de complementar meus estudos de nível médio na cidade de São Paulo, cumprindo as vontades familiares de me aprimorar na mesma escola que anos antes meu pai tinha estudado.

Conjuntamente com as viagens de trem, também se adensa uma nova viagem de encantamento com um ritmo de vida muito diferente do que eu vivia; andar pelas ruas da cidade de São Paulo, agora cotidianamente, fascinava-me; olhar para os prédios e imaginar a vida naqueles apartamentos movimentava minha imaginação, preenchendo o longo percurso que realizava.

Quando um pouco mais adulto passei no vestibular e escolhi estudar Serviço Social, a experiência de estudar longe de casa já me era comum, mas ainda a inquietação com o modo de vida urbano sempre estava presente nas discussões acadêmicas feitas na universidade ou nos bares com amigos.

(18)

É assim em meio a tantos questionamentos que o interesse em estudar o território urbano das cidades não nasce do acaso, presentifica-se ao longo das minhas mais remotas vivências até o presente. Na vida adulta, como profissional, também emergem outros questionamentos que envolvem a dinâmica urbana, principalmente sobre como se processa a apreensão do conceito de território na contemporaneidade do trabalho do assistente social.

É desafiadora a complexidade da questão urbana em nossa contemporaneidade, uma vez que 84,35% dos brasileiros vivem em cidades (IBGE, 2010). E diante desse contexto, o Serviço Social é chamado a refletir e intervir nesta realidade, que se problematiza e nos provoca na trama do exercício profissional.

E é justamente pela atuação profissional como assistente social da Prefeitura da Cidade de São Paulo, primeiramente no âmbito da Política de Trabalho e atualmente na de Assistência Social, que a inquietação sobre a cidade, território e sociabilidades expressa-se de forma recorrente e inquietante.

Inicialmente, essa inquietação toma forma pela indignação em não querer compreender que o território é alvo de apreensões mecanicistas voltadas a uma prática instrumental nas intervenções profissionais dos sujeitos que trabalham no âmbito das Políticas Públicas, uma vez que o território é um conceito dinâmico e relacional, que somente pode ser entendido na compreensão das relações sociais, haja vista que é um conceito vivo e que está imbricado no processo de produção e reprodução da vida social.

Essa inquietude e incômodo revela-se em encontros singulares com experiências que somente levam em consideração o espaço desenhado nos gráficos, esquecendo a dinâmica dos homens que constroem e dinamizam a vida nos lugares-alvo de intervenções estatais. Mais precisamente, o que causa inquietação é a desconsideração da centralidade dos sujeitos sociais atendidos pelas diversas políticas públicas, a consideração apenas residual da compreensão do território, sem perpassar pelas dinâmicas de vida dos espaços e dos lugares.

(19)

Portanto, o interesse em estudar o território urbano foi revelando-se em meu caminhar de vida. A oportunidade de viabilização dos estudos de mestrado aproximou-se de modo dialético em sucessivas questões e inquietações, até que se sintetiza na busca pela compreensão das mediações do território urbano na

construção de sociabilidades, tomando por referência os distritos de Perus e

Anhanguera da cidade de São Paulo.

A escolha desse território de pesquisa também não se deu ao acaso, foi fruto de um processo de amadurecimento atrelado à escolha da metodologia de pesquisa da história oral, que prima pela construção de estudos afiançados pela proximidade, vínculo e centralidade dos sujeitos no processo de pesquisação.

Nesse sentido, a história oral nos permitiu repensar os lugares, os sujeitos e a condução dos caminhos dessa pesquisa, nos remetendo ao espaço territorial onde o pesquisador atua como assistente social. Lugar esse que foi a gênese do processo de inquietações sobre a dinamicidade do território.

Foi com esse reencontro de lugares e sentidos que, em determinado momento desta pesquisa, tivemos a certeza de que estudar os distritos de Perus e Anhanguera da cidade de São Paulo seria a tônica de nosso processo de investigação. E através do movimento de tecer os fios e nós que cercavam as objetivações desse estudo, reconhecemos como sujeitos de pesquisa três mulheres que atuam como líderes comunitárias e que têm suas histórias individuais traçadas na construção dos referidos territórios.

Assim, elegemos como sujeitas1 desse estudo Dona Nadir, Marília e Josemary,

que atuam nos territórios há mais de dezenove anos, contribuindo sobremaneira para a busca dos nexos da cidadania no lugar. São mulheres que se autorreferenciam como guerreiras, batalhadoras que dedicam parte de suas vidas a práticas sociais coletivas, sempre direcionadas à procura da proteção social quase que nula em Perus e Anhanguera.

Territórios que têm suas histórias marcadas pela pobreza, vulnerabilidade e exclusão social, mas que também se revelam lugares cheios de vida com coloridos

1

(20)

diversos, que dinamizam estratégias de lutas para a sobrevivência. Lugar rico de relações que se estabelecem de forma complexa em meio a inúmeros jogos de força e poder.

É no processo de reconhecimento de alguns desses fios das tramas urbanas da periferia noroeste da cidade de São Paulo, que procuramos trilhar nossos esforços e análises.

Igualmente, as seções desta pesquisa estão organizadas em algumas aproximações teóricas: o primeiro capítulo intitulado Tecendo o cenário urbano traz uma breve aproximação sobre o processo de constituição das cidades contemporâneas, sob a égide do modo de produção capitalista, que a transforma em núcleo de concentração de trabalho e consumo.

Nesta seção, também se desenvolve a discussão sobre o processo de adensamento da sociedade urbana, como modo de vida estabelecido pelo sistema produtivo para a reprodução de suas bases culturais, que adentra pelas cidades e pelos espaços mais recôncavos dos campos, estabelecendo novos paradigmas de produção da vida social.

Essa reflexão imprime questões importantes a respeito dos processos de mudanças ocorridas no modo de organização e fruição das cidades, que deixam em certo grau de ser espaços de contemplação do belo, de gozo da liberdade e espaço da cidadania, ao passo que os valores de troca abnegam e suprimem da vida cotidiana do lócus citadino, o valor de uso, essencial ao direito à cidade.

Na segunda seção sobre o Território e urbano nas tramas da sociedade

brasileira, buscamos recorrer à gênese do processo de apropriação do solo nacional, que se mostrou privatizante e atrelado aos interesses políticos e econômicos da coroa portuguesa, que cedeu grandes lotes de terras às elites de Lisboa, prenunciando aí a questão da terra no Brasil.

Esse processo configura uma forte tendência de privilegiamento no acesso a terras no país, desempenhado inicialmente pelo Estado Monárquico e reiterado pelo Estado Republicano em seus diferentes ciclos. O modelo de privilégios e benefícios concedidos historicamente para elite nacional, seja ela urbana e/ou rural,desenhou os caminhos privatizantes da formação da sociedade brasileira.

(21)

com as prerrogativas dos fluxos do capital internacional. Processo que estabelece um complexo arcabouço histórico em nosso país, que sempre negligenciou seus homens trabalhadores.

É nesse ínterim que a urbanização de nossa sociedade se revela fortemente adensada por modelos desenvolvimentistas, que polarizam cidades capitais para a concentração de riqueza e tecnologia, e ao mesmo passo produzem experiências urbanas fraturadas entre a modernidade e a falta absoluta de meios para a concretização dos valores do direito à cidadania.

É com essas marcas históricas que buscamos traçar o processo contemporâneo das cidades e suas formas de organização, discutindo aí o abandono dos territórios pobres das cidades e os processos culturais do capital nas formas de organização e apropriação do espaço urbano. São problematizadas as mediações do Estado por meio das políticas públicas na intervenção aos lugares de concentração da pobreza.

No terceiro e último capítulo, trazemos os processos, caminhos e achados da pesquisa, evidenciando nossas escolhas através da historia oral como metodologia qualitativa de investigação, que busca as razões para os acontecimentos históricos em outros personagens, nos homens e mulheres de sociabilidade simples que detêm de fato a síntese dos processos históricos, sociais, econômicos e culturais em suas experiências e sentidos.

Dessa forma, caminhamos para uma breve caracterização dos territórios de Perus e Anhanguera, trazendo suas histórias, marcos, eventos e dados demográficos contemporâneos que nos indicam sobre os contornos e densidades da vida naqueles lugares.

Introduzindo os territórios como espaços de vida, procuramos estabelecer os nexos entre as trajetórias urbanas de Dona Nadir, Jô e Marília, com a construção recente dos distritos de Perus e Anhanguera, tecendo algumas aproximações entre a construção coletiva do espaço e suas identidades sociais.

(22)
(23)

CAPÍTULO 1 – TECENDO O CENÁRIO URBANO

Foto 1 – Jardim da Paz, 20/05/208.

(24)

1.1 Terra e capital: encontros necessários a uma lógica de espoliação do espaço

“Há que sentar-se na beira Do poço da sombra E pescar luz caída Com paciência”.

Pablo Neruda

A terra historicamente tem sido objeto de disputas, representa o poder e autoridade, componente este que inflama a luta pela terra ao longo do tempo. Na Idade Média, a terra era a principal fonte de riqueza, as grandes propriedades pertenciam aos nobres e eram conquistadas por meio de disputas e sucessivas guerras.

Essa estrutura permaneceu até o século XVIII, quando a terra era a fonte de riqueza e permanecia sob o domínio da nobreza feudal. Porém, com a Revolução Industrial de 1780, a burguesia entra para o cenário político e um novo modo de produção começa a ser instaurado para a sociedade.

Com esse novo sistema de produção – o capitalismo –, a agricultura passa a ser uma fonte de geração de riqueza, por meio da produção de mercadoria que a terra poderia fornecer. A terra deixa de ser improdutiva e passa a ter um valor de troca, ganhando uma nova condição produtiva como geradora de riquezas.

Com isso, a disputa pela terra passa a ser alvo das aspirações e dos negócios capitalistas. Com a Revolução Francesa de 1789, a burguesia consolida-se no cenário mundial, direcionando novos ordenamentos econômicos, sociais, políticos e culturais que passam a movimentar o processo histórico, tecendo a trama da reprodução do recém-inaugurado sistema capitalista.

(25)

Segundo Hobsbawm (2001, p. 168), essa racionalização demanda três processos: 1) - a terra tinha de ser transformada em mercadoria, ter proprietários e ser negociada livremente; 2) – a terra tinha de ser de proprietários de uma classe, que fossem homens racionais dispostos a buscar o desenvolvimento de seus recursos2; 3) - a massa da população rural tinha de ser transformada em trabalhadores livres para ser empregada na indústria urbana.

Com esses processos, uma nova cultura, eminentemente política e ideológica, é tecida a fim de transformar a terra em espaço produtivo que entre no ciclo de geração de mercadorias e lucros. Isto porque a irracionalidade e a improdutividade da terra advindas do modo de vida feudal eram entendidas como obstáculos a serem superados pela nova classe.

A ideia era destruir a lógica produtiva do sistema feudal (do camponês tradicional); para isso foi engendrada uma estratégia duplamente combinada. Mudou-se o modo de produção e gerência da terra, metamorfoseando-a em negócio que pudesse gerar lucros, favorecendo a expulsão dos camponeses de seu espaço de vida e trabalho, obrigando-os a se tornarem trabalhadores assalariados, movimentando a dinâmica de liberação de mão de obra para as indústrias nas cidades.

Essa dupla estratégia movimenta um processo combinado de apropriação da terra e exploração dos trabalhadores, seja no campo ou na recém-instaurada cidade industrial, movendo a engrenagem articulada da exploração capitalista.

(...) a transformação da propriedade feudal e do clã em propriedade privada moderna, levada a cabo com terrorismo implacável, figura entre os métodos idílicos da acumulação primitiva. Conquistaram o campo para a agricultura capitalista, incorporaram as terras ao capital e proporcionaram à indústria das cidades a oferta necessária de proletários sem direitos (MARX, 1975, p. 850).

Com isso, verifica-se que ocorre uma modificação substancial nas relações produtivas no campo. Com o capitalismo, as formas pretéritas de uso da terra, do irracionalismo econômico foram sendo gradativamente aniquiladas e substituídas pela máxima racionalização do uso da terra, como meio de expansão dos lucros capitalistas. Como aponta Rodriguez (2003, p.14):

(26)

A racionalização na agricultura consistia na máxima produção de mercadorias, utilizando-se a moderna agronomia, consumindo a mão de obra barata e abundante, fazendo circular as mercadorias, extraindo a mais-valia e, por fim, o máximo de lucro.

Nesse sentido, é perceptível que o modo capitalista de produção domina de maneira agressiva não somente a atividade fabril nas cidades, como também domina e perpetua a exploração da agricultura no campo. O campo torna-se alvo da exploração capitalista e em nada se distingue da exploração nas indústrias, o que muda é somente o espaço e o setor de atuação. Tal como expressa Marx (1979, p. 705):

Supomos que é assim que o modo capitalista de produção domina, além da atividade fabril, a agricultura, isto é, que esta é explorada por capitalistas que de saída só se distinguem dos demais capitalistas pelo setor em que se aplicam o capital e o trabalho assalariado mobilizado por esse capital.

Porém, a terra não constitui em si um elemento reprodutível de mais-valia, isso significa que a terra não pode ser criada pelo homem, ela pode ser apropriada por alguém para fazê-la produzir mercadorias e lucros. Nesse sentido, o capitalismo passa a gerir a vida no campo, criando novos sujeitos, trabalhadores livres e desprovidos do meio de produção, que até então não existiam, que forçam as paredes da estrutura social, buscando formas de sobrevivência concretas nos espaços da cidade ou do campo.

Marcam época, na história da acumulação primitiva, todas as transformações que servem de alavanca à classe capitalista em formação, sobretudo aqueles deslocamentos de grandes massas humanas, súbita e violentamente privadas de seus meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como levas de proletários destituídos de direitos. A expropriação do produtor rural, do camponês, que fica assim privado de suas terras, constitui a base de todo processo. A história dessa expropriação assume coloridos diversos nos diferentes países, percorre várias fases em sequência diversa e em épocas diferentes (MARX, 1975, p. 831).

(27)

específicas, pois a terra não se constitui capital em sua essência, tal como é erroneamente considerada pelos capitalistas.

Justamente porque a terra não é um meio de produção, ou seja, não produz riqueza por si só, somente com sua apropriação privada a terra/solo ganha o caráter de posse e mercadoria, engendrando disputas políticas e econômicas por sua obtenção.

A terra não pode ser criada pela ação de seus proprietários, nem pela ação do trabalho, pois é um elemento primário, genuíno e natural. No entanto, ela – a terra - pode gerar frutos se lhe forem empregados, combinadamente, a força de trabalho humano e instrumentos. Deste modo a terra não pode ser inventada no processo produtivo, apenas pode ser empregada e manipulada para a produção de lucros.

Contraditoriamente aos outros meios de produção que são gestados pela ação do capital, a terra não é. Ação empregada na terra gerando valores aparece na sociedade como produto do próprio capital, não da ação humana. O solo não se constitui uma elaboração do trabalho humano, e o seu preço, portanto, não é determinado pelo trabalho necessário à sua produção (RODRIGUEZ, 2003, p. 62).

Com isso, compreende-se que a terra, enquanto apropriação capitalista, considerada como mercadoria, portanto lucrativa, faz parte da construção e reconstrução histórica, social, econômica e cultural do modo de produção capitalista. José Souza Martins (1995, p.161) revela duas contradições básicas entre terra e o capital, sendo elas: a primeira é que a terra não é capital, a segunda é que a terra antepõe-se ao capital. Desse modo, nos é demonstrado que a terra sempre existiu, antes mesmo da gênese do capital e de seus processos de apropriação e exploração do solo e do trabalho.

Assim, a terra torna-se um obstáculo ao modo de produção capitalista, é preciso empregar uma parte do capital na compra da terra para superar esse entrave. Quando o capitalista paga pela terra, está convertendo parte de seu capital em renda imobilizada, transformando a terra em propriedade3, removendo, por meio da compra, esse impedimento, uma vez que a terra passou a ser propriedade privada, livre para ser explorada.

3 A transformação da terra em propriedade privada é fundante e necessária ao processo de

(28)

Essa imobilização de capital com a compra e ou aluguel da terra, por si só, torna-se improdutiva, pois somente a terra não garante a produção de riquezas. O capital necessita empregar outros elementos para produzir lucros, como adubo, inseticidas, e outras ferramentas combinadas com a força de trabalho para que a terra possa dar frutos e esses serem comercializados.

A terra só pode gerar riqueza se incorporada aos processos de trabalho humano; somente por via do trabalho o capitalista consegue extrair mais-valia e atingir lucros. Mas caso não o faça, o retorno do investimento pode ser garantido por aluguel, venda, arrendamento da terra, obtendo de volta o dinheiro aplicado na capitalização da terra.

Com isso a terra fica sendo um bem patrimonial com relevante valor, mas que ganha diferentes conotações, tanto para o camponês, quanto para o latifundiário. Para o camponês, a terra tem valor de uso, de sobrevivência; para o latifundiário – empresário da terra -, é considerada valor de troca, mercadoria para obtenção de lucro.

Dentro dessa perspectiva, na percepção capitalista, a terra representa uma complexa relação social que envolve múltiplos fatores de troca, conflitos, articulações, mediações e transformações. Nesse sentido, a apropriação da terra representa poder, dominação, controle e exploração sociopolítica e econômica na sociedade.

O homem e a terra passam a ter uma relação de estranhamento, de alienação dada pela forma de apropriação privada e pelo controle sociopolítico do espaço do solo. O estranhamento na relação do homem com a terra significa que a forma privada (propriedade) prevalece nessa relação e incute o processo imbricado e constante da exploração da terra e do homem pelo modo de produção capitalista.

Essa relação de estranhamento do sujeito com a terra, com o espaço em que reside, trabalha e se socializa, revela que o homem não se percebe como parte integrante e vivaz do espaço, justamente porque existe a prevalência da propriedade privada interferindo na relação do homem com a terra, seja esta urbana ou rural.

(29)

Com isso, pode-se pontuar que a renda da terra nasce do contexto da exploração do trabalhador, seja no campo ou na cidade.

À medida que a terra é apropriada de forma privada, ela se transforma em mercadoria, terra de negócio, enquanto ao ser apropriada pelo camponês para sua sobrevivência ela é utilizada como bem comum. A legitimidade reside no trabalho que ela demanda para gerar riqueza que possa ser apropriada de forma coletiva, não de forma privada (RODRIGUES, 2003, p. 66).

Contudo, a apropriação da terra pelo capital sinaliza também o processo de adensamento da exploração do homem. Representa a mercantilização das relações sociais, na investida de uma estratégia duplamente combinada de apropriação privada do campo e formação compulsória de assalariados nas cidades. Processo esse duplamente combinado que garante a expansão capitalista no campo e a invenção da cidade nos moldes da produção capitalista.

1.2 Uma aproximação aos modos de se pensar a cidade

O urbanismo como temática e questão vem ganhando destaque no cotidiano da vida social, sendo veiculado pela relevância e preocupação na contemporaneidade. A temática do urbano ganha um caráter de discussão pública e não fica mais restrita apenas ao debate acadêmico dos especialistas e dos técnicos.

Isso significa que, ao ganhar a arena pública, o urbanismo se adensa e conflui em ideologias e práticas que se instauram ao longo dos processos históricos. Embora a questão das cidades esteja no bojo das preocupações recentes, ainda não assumiu verdadeiramente a importância e significado político que a constituem. As discussões estão sempre à margem e ou apenas figuram como cenário de fatos da trama das relações sociais, longe de uma discussão aprofundada que possa desmistificar as práticas urbanas.

(30)

disparar uma discussão a respeito da sociedade moderna, em que se destaca a reflexão sobre um novo modo de vida.

Esse novo modo de sociabilidade não é caracterizado somente pela industrialização em si, mas por uma nova condição de reprodução da vida engendrada pelo modo de produção capitalista que delineia, além de um cenário urbano, uma sociedade urbana.

Ainda que a urbanização e a problemática do urbano figurem entre os efeitos induzidos e não entre as causas ou razões indutoras, as preocupações que essas palavras indicam se acentuam de tal modo que se pode definir como sociedade urbana a realidade social que nasce à nossa volta. Esta definição contém uma característica que se torna de capital importância (LEFEBVRE, 2008, p.11).

Assim, a sociedade urbana comporta, muito além da produção industrial, um novo marco de sociabilidade entre os homens, afiançada pela transformação das questões relativas à construção e reconstrução da cultura. Nesse sentido, a industrialização fornece o ponto de partida da reflexão sobre nossa contemporaneidade urbana, pois é parte do fenômeno nomeado e anunciado do modo de produção capitalista.

Portanto, quando falamos em sociedade urbana, estamos nos referindo a um novo modo de vivência dos sujeitos, emanado pelo sistema capitalista e não somente pela expressão do fenômeno industrial. Essa distinção é essencial para não reduzirmos os processos de urbanização à condição de existência da indústria como lócus dinamizador da sociedade urbana, embora esse seja um elemento importante nesse processo.

Se não tecermos criticamente essas considerações, estaremos grosseiramente atribuindo à industrialização capitalista a condição absoluta de gênese da cidade. E a cidade, na condição de lócus de sociabilidade, antecede a existência da indústria e do sistema capitalista.

Temos, ao longo da história, criações urbanas que são anteriores ao sistema de produção capitalista, organizadas de maneiras distintas da nossa ideia de cidade. Houve a cidade oriental, ligada ao modo de produção asiático, a cidade arcaica (grega ou romana), onde se estabelecia a posse de escravos e depois a cidade medieval, inserida nas mediações das relações feudais.

(31)

artesanal, bancária. Ela integrou os mercadores outrora quase nômades, relegados fora da cidade (idem).

Com o capitalismo concorrencial, a industrialização instala-se como uma ferramenta necessária ao fortalecimento do novo modo de produção e da recém- inaugurada burguesia. Nesse momento, a cidade já tem uma acentuada realidade processualmente tecida ao longo do tempo, pois com o quase desaparecimento das cidades arcaicas na decomposição do período romano, as cidades ressurgem com uma função de conexão e ligação entre pessoas, mercadorias, consumo, arte e cultura.

Assim, a cidade adensa seu desenvolvimento e sua função social a partir dos movimentos históricos, sociais, políticos, culturais e econômicos, tecidos de forma processual.

Desde que existe o produto excedente na produção agrícola, as cidades tornam-se centros de conexões entre sujeitos interessados na troca, não somente mercantil, embora essa prática vá se constituindo como elemento imbricado na reprodução da vida nas cidades.

A partir do sobreproduto crescente da agricultura, em detrimento dos feudos, as cidades começam a acumular riqueza: objetos, tesouros, capitais virtuais. Já existe nesses centros urbanos uma grande riqueza monetária, obtida pela usura e pelo comércio (LEFEBVRE, 2008, p.12).

A cidade como lócus dinamizador da vida moderna, entendida aqui pela perspectiva do território como esfera de relações, constrói-se de maneira complexa como centro da vida social e política, onde se estabelecem as transações econômicas e de poder, sendo um local privilegiado para as trocas, acúmulo de riqueza, conhecimentos e experiências.

A cidade também é vista como obra, como um espetáculo construído dentro da poética cotidiana das relações. Como obra, expressa-se como valor de uso de contemplação do belo, de manifestação da criação humana, como palco de vivacidade lírica e popular da vida. Mas carrega em sua gênese a contradição da centralidade econômica como célula que a nutre e a mantém.

(32)

desenvolvimento histórico e produtivo da sociedade. Ou seja, a obra como valor de uso contrasta com o produto que se insere nas relações econômicas, transformando o uso da cidade em valores de troca.

Portanto, a cidade como parte da realidade é complexa e contraditória, bela no que se refere à construção do desenvolvimento humano e instrumental para a exploração. Com a gênese das cidades modernas, o capital passou a ser móvel, dinâmico e fluido, essencial para a circulação do dinheiro. A economia acumulativa constituiu, a partir das cidades, circuitos de trocas, funcionais à reprodução e acumulação da riqueza.

O modo de produção capitalista cria redes e movimentos que permitem sua fluidez, que são necessários para a exploração e a garantia da acumulação. Nesse sentido, a cidade é também espaço real de transição das relações capitalistas, funcionaliza-se para atender às demandas do sistema produtivo, donde a arte da criação e do uso coletivo da cidade cede seu lugar e espaço à propriedade privada, primeiramente ocupado pelas indústrias e depois, pelos serviços da economia financeira.

As cidades são pensadas e esquadrinhadas para atender às necessidades da acumulação ampliada do capital, tornam-se espaços que compõem redes de conexão, haja vista as ligações das ruas, avenidas, estradas, a divisão social, política e técnica do trabalho dentro da esfera urbana, a centralização do poder em espaços privilegiados de comando.

As cidades que reúnem as condições favoráveis à conexão da produção, atreladas ao signo de modernidade, inteligência, comunicação ganham o sugestivo nome de capital de um país. Capital porque reúne as condições favoráveis ao processo de acumulação ampliada, porque centraliza em sua extensão e espaço meios de produção, gente para o trabalho, super-exploração e com isso riqueza.

(33)

particular, a centralização do poder, uma cidade predomina sobre as outras: a capital (LEFEBVRE, 2008, p. 13).

Henri Lefebvre levanta a discussão sobre a centralidade que o Estado ocupa na trama da sociedade urbana; enquanto mediador civilizador passa a operar de forma direta na construção das redes de poder, decisão e controle da vida em sociedade.

O Estado opera na base das relações sociais, regula e está no centro do jogo de forças pelo poder, é uma instituição importante na luta e nas tensões de classes. Mas mesmo com as contradições permeadas pelos antagonismos das classes, o afeto e a pertença sobre a cidade existem e são vivenciados pelos sujeitos que a constituem, as tensões não impedem a contribuição ativa das classes no processo de construção e beleza da obra poética da cidade.

Os violentos contrastes entre a riqueza e a pobreza, os conflitos entre os poderosos e os oprimidos não impedem nem o apego à Cidade, nem a contribuição ativa para a beleza da obra. No contexto urbano, as lutas de facções, de grupos, de classe, reforçam o sentimento de pertencer. Os confrontos políticos entre “minuto popolo”, o “papolo grasso”, a aristocracia ou oligarquia, têm a cidade por local, por arena. Esses grupos se rivalizam no amor pela cidade (LEFEBVRE, 2008, p. 13).

A cidade é palco de rivalidades históricas, políticas, sociais, econômicas e culturais, lutas que expressam o amor à cidade, pela direção que querem dar ao local onde vivem e constroem. Isso dimensiona formas complexas e diversas de pertença e identidade dos sujeitos para com o território citadino em que vivem.

No capitalismo, com a ascensão da sociedade urbana, a criação da cidade como obra e suas relações sociais são subsumidas pela produção de mercadorias, ligadas muito mais ao valor de troca do que de uso e de pertencimento da esfera urbana.

Assim, o espaço urbano abriga uma luta e uma tensão constante, entre a arte da criação, da contemplação do belo, do uso prático e por direito da cidade e as premências das trocas. A cidade passa a ser ponte de exploração e compras de mercadorias, imperando o valor de troca sobre o valor de uso.

(34)

valor de uso, embriões de uma virtual predominância e de uma revalorização do uso.

No sistema urbano que procuramos analisar se exerce a ação desses conflitos específicos: entre valor de uso e valor de troca, entre a mobilização da riqueza (em dinheiro, em papel) e o investimento improdutivo na cidade [...] (LEFEBVRE, 2008, p. 14).

Nessa perspectiva, as cidades concentram no seu espaço elementos necessários para a produção capitalista, isso significa que as ferramentas, matérias-primas, mão de obra estão a serviço da concentração acumulativa do capital, de modo que essa virtual riqueza manifesta-se e sufoca a cidade de uso, a cidade bela, onde todos se conectam a um estilo igualitário de vida.

As concentrações nas cidades foram acompanhando ao longo do tempo as múltiplas formas de concentração e o acúmulo do capital, desempenhando um papel importante na arrancada da indústria e posteriormente nas áreas de tecnologia e serviços.

Como já expresso acima, a indústria como fenômeno anunciado da sociedade moderna engendrou a invenção das cidades nos moldes do moderno capitalismo, até mesmo para garantir as condições necessárias ao metabolismo do sistema produtivo. Assim, as rápidas aglomerações industriais, a concentração de trabalhadores, a disposição de centros urbanos foram e são necessários ao movimento da produção e reprodução da economia.

O fenômeno da industrialização esconde em seu âmago e contexto múltiplas determinações que transcendem o chão da fábrica. A industrialização movimenta, pela ordem do capital, as migrações de pessoas, a concentração populacional e de produtos, donde um novo padrão de vida é tecido pela construção do modo de produção.

A produção capitalista apropria-se das construções das antigas cidades, metamorfoseia-as em cidades urbanas para atender as suas necessidades primárias, capta e amplia as redes existentes em determinados espaços para servir a sua manutenção. Em outras palavras:

(35)

Desse modo, existe um processo com múltiplos aspectos que se chocam entre si, e que também se unem no movimento de criação e reprodução da sociedade urbana. A realidade urbana e a realidade industrial conflitam-se e confluem na complexidade da vida moderna, pois a indústria não produz apenas produtos, mas toda uma estrutura que lhe serve com diversos dispositivos técnicos e políticos.

Nesse sentido, é possível afirmar que as cidades estão postas, localizadas e territorializadas por redes complexas que servem ao capital, mas que também servem ao enriquecimento do gênero humano, dadas as condições de desenvolvimento propiciadas pelo capital, inexistentes nas sociedades que antecederam a esse sistema.4 Assim, as redes urbanas tecidas na trama das cidades estão vinculadas às dimensões materiais e espirituais da vida social, dentro de circunstâncias históricas determinadas.

Lefebvre (2008, p. 17) também nos lembra que essas redes podem apresentar circuitos frágeis, com riscos de se romperem a todo instante, definindo um tipo de urbanização fraca, sem aparados de desenvolvimento humano. Isso porque houve processos desiguais de desenvolvimento urbano, ou seja, a movimentação compulsória de pessoas para espaços sem condições de habitabilidade e vivência salubre para o desenvolvimento dos sujeitos, onde o mínimo chega sempre tardiamente.

Mais uma vez o capital impõe-se de modo perverso no desenho e na construção das cidades. Determinando o modo de vida urbano, desenvolve na trama das redes a precarização da urbanidade, explora a terra e os espaços no qual inexistem condições de desenvolvimento salutar aos sujeitos. Observa-se um processo provocado e tencionado pela máxima expansão dos interesses mercantis e financeiros, que fragilizam as relações humanas, mas potencializam as formas de apropriação e exploração dos homens.

A construção e a invenção de cidades pelo modo de produção capitalista é feita de forma brutal, predadora, excludente e encampada nas teias da máxima

4 Pois nas sociedades pré-capitalistas o trabalho era limitado pelo baixo domínio da natureza, o

(36)

obtenção do lucro. Há em muitos países uma maciça ampliação das cidades e uma urbanização com pouco desenvolvimento, com pouca industrialização, com redes de serviços coletivos insuficientes para garantir o acesso qualitativo e quantitativo essenciais a uma sociedade urbanizada.

Este é o caso geral das cidades da América do Sul e da África, cidades cercadas por uma vizinhança de favelas. Nessas regiões e países, as antigas estruturas agrárias se dissolvem, camponeses sem posses ou arruinados afluem para as cidades a fim de nelas encontrar trabalho e subsistência (LEFEBVRE, 2008, p. 18).

O processo de urbanização e constituição das cidades mostra-se desigual e contraditório, pois ao passo que o capital vai se legitimando e recriando formas de exploração, o espaço urbano vai sendo modelado pelos seus interesses, bem como as classes na disputa pela cidade vão imprimindo e apropriando-se de espaços correlacionados ao seu poder.

O processo frenético de urbanização dado pelo sistema capitalista produz espaços insuficientes para a qualidade de vida, espaços desurbanizados, mas que fazem parte da complexa teia de relações que a constituem; são expressões de uma parte da cidade inventada e reproduzida pela economia dos lucros.

A aparente desordem das periferias ou dos chamados subúrbios oculta uma lógica, uma ordem e uma razão de ser, amalgamada por interesses políticos que se confrontam em um sistema de significações.

Dessa maneira, o “suburbano” espaço que seria desurbanizado, sem condições concretas de habitabilidade, com precária instalação de serviços de lazer, cultura, saúde, educação, assistência social, são espaços que levam o signo de todas as ausências possíveis, mas que contraditoriamente são espaços que contêm a célula urbana. Atendem estrategicamente a interesses, ganham o sentido de exclusão generalizada, mas genuinamente estão incluídos na lógica desigual e perversa específica de um modo de produção.

(37)

campo não consegue incorporá-los na cidade centro, nos bairros próximos, justamente pela privatização e mercantilização do espaço.

O “esquadrinhamento” da cidade obedece a estratégias de ordem política e ideológica planejadas pela classe burguesa, não de forma contínua e premeditada, mas que, juntas, diversas estratégias culminam em um resultado final propício à manutenção da ordem e ao domínio do capital.

Assim, os vazios da cidade, os espaços de habitação, sejam precários ou bem desenvolvidos do ponto de vista da oferta de serviços e redes, são direcionados à ocupação das classes, portanto, correspondem a interesses políticos e ideológicos.

Afastar os trabalhadores para as distantes periferias distancia-os do centro do poder, minimiza suas formas de organização, já que a distância também influi nas formas e modos de organização política. Pois na cidade que leva seus homens a residirem longinquamente, os trabalhadores já começam o dia cansados e esgotados, massacrados pelo tempo gasto nos precários transportes metropolitanos, pela opressão dada pelas superlotações que repetem vertiginosamente a coação silenciosa da vida cotidiana. As disposições dos homens nos espaços formam territórios particulares dirigidos a interesses de poder e controle.

As condições de transporte aqui na perifeira são precárias, para você ver tem que pegar um ônibus aqui para ir até a praça Ramos no centro de São Paulo demora de uma hora e meia à duas horas na parte da manhã e na parte da tarde também. Então, são quatro horas no transporte, é mais ou menos isso aí, é muito tempo no transporte (Marília Salmazo, depoimento colhido em maio de 2012).

Os vazios dos centros da cidade propagam a lacuna e uma escolha do Estado, como organizador da sociedade, em distanciar os sujeitos trabalhadores do processo de apropriação da cidade em que vivem, sinalizando de forma clara os interesses de dominação presentes na recusa e na negação do direito à cidade.

(38)

habitat, o proletariado deixará se esfumaçar em sua consciência a capacidade criadora. A consciência urbana vai dissipar. (LEFEBVRE, 2008, p. 24-5).

1.3 Sociedade urbana: novo modo de vida

A cidade abriga dentro de si várias cidades, vários modos de reprodução da vida, espaços saturados de gente e pauperizados de qualidade, bem como espaços ricos e limitados a quem pode pagar seu alto custo de vida. Mas essa limitação entre espaços e lugares urbanos não se restringe somente à cidade, propaga-se também nas capilaridades além dos limites entre urbano e rural.

Henri Lefebvre (2008, p. 19) pontua que o tecido urbano pode ser considerado como um ecossistema, que abriga uma rede de mediações com várias cidades antigas e modernas, inovadoras e arcaicas. Nesse sentido, a morfologia da palavra urbana não se restringe somente à vida nas cidades, sobretudo, significa um modo de vida que se construiu na sociedade moderna.

A sociedade urbana não se limita à vida nas cidades, ao contrário, lança sua profusão de ordem cultural e social para além dos grandes núcleos, a vida urbana adentra-se pelas comunidades rurais, penetra os mais recôncavos espaços da sociedade. Assim, é importante ressaltar que a urbanização e industrialização, como processo dirigido pelo capital, provocam o fenômeno da sociedade urbana que conhecemos, que está presente nas cidades e no campo, mesmo que em graus, escalas e particularidades diferentes.

Dessa forma, é possível afirmar que as desigualdades estão presentes também na territorialidade rural, emanadas pela perversidade da expansão do capital no campo, obrigando a expulsão de camponeses e/ou sua mínima e precária manutenção em lugares envelhecidos, mal adaptados aos valores e ao desenvolvimento da sociedade moderna, onde a modernidade torna-se anômala (MARTINS, 2010, p. 29).

(39)

espaços precarizados, “não adaptados” à modernidade, ou adaptados como podem, estão presentes nas grandes cidades ou campo.

Com a propagação dos valores da sociedade urbana, a “relação urbanidade-ruralidade” intensifica-se, ocupando muitas vezes o mesmo espaço no território, ou seja, a urbanidade como desenvolvimento se adensa no campo e nas cidades, que também abrigam formas arcaicas e precárias simultaneamente.

Exemplos dessa contradição estão por toda parte, seja nas periferias das grandes cidades com a falta do mínimo da modernidade, da energia elétrica e/ou água encanada, bem como nos pequenos vilarejos espalhados pelos campos do País com a absoluta falta de conexão, com o mínimo de atendimento em saúde, educação e demais políticas.

Entre as malhas do tecido urbano persistem ilhotas e ilhas de ruralidade “pura”, torrões natais frequentemente pobres (nem sempre), povoados por camponeses envelhecidos, mal adaptados, despojados daquilo que constitui a nobreza da vida camponesa nos tempos de maior miséria e da opressão. A relação “urbanidade-ruralidade”, portanto, não desaparece, pelo contrário, intensifica-se, e isto mesmo nos países mais industrializados (LEFEBVRE, 2008, p. 19).

Observamos uma clara contradição nesse processo, dada pela forma desigual própria da reprodução do sistema capitalista, que vai propagando valores e modos de vida da sociedade urbana para todos os espaços do território, mas que ainda não são apropriados e reproduzidos de modo igual entre todos os homens.

O que queremos dizer é que a sociedade urbana coloca-se como sistema de valores e objetos a toda a sociedade, impondo modos de vida específicos relacionados à organização racional da vida, às preocupações com segurança, praticidade, velocidade na construção do cotidiano, dentre outros tantos atributos que estão relacionados à identidade do projeto urbano.

(40)

A vida na sociedade urbana, enquanto valor e símbolo, pressupõe sempre redes de conexão, de encontros, facilidades, praticidades, confrontos políticos, conhecimento e reconhecimentos múltiplos e recíprocos entre as classes, incluindo aí tensões políticas e ideológicas que atravessam a disputa pela cidade e pelo poder que essa exerce, lembrando que a cidade é sempre múltipla e abriga variadas formas de vida em seu interior.

Mas os espaços também são cooptados pela lógica do consumo, denunciam que o valor de troca prevalece sobre o valor de uso, novas questões açambarcam a vivência urbana, o uso e o sentido da cidade, de seus espaços. A partir do processo de sociedade urbana, existem questões que circundam a cidade, que expressam posições, oposições sobre a urbanidade e centralidade. Surge então:

Uma problemática inquietante, sobretudo quando se deseja passar da análise para a síntese, das constatações para um projeto (para o normativo). Será necessário (mas o que significa esse termo?) deixar que o tecido prolifere espontaneamente? É conveniente capturar essa força, orientar essa vida estranha, selvagem e fictícia ao mesmo tempo? [...] (LEFEBVRE, 2008, p. 21)

A cidade coloca-se como problema, expressa-se por seus lugares, denuncia-se pelo conjunto de problemáticas de denuncia-seu tecido, pelos “nós” de suas tramas. A cidade expressa-se pela crise, teórica e prática, a primeira pelo amálgama de representações e imagens da cidade (antiga, pré-industrial, industrial capitalista, financeira, de serviços) que a compõe.

A crise teórica evidencia-se pela constante transformação e reelaboração dos pressupostos urbanos. No que se refere à prática, a cidade está rachada (como todo mosaico), deteriorada pelos ditames da servidão ao capital, é uma realidade cheia de fissuras que desafia a reflexão sociológica pela sua complexa problemática. Assim, a cidade poética, das músicas, da literatura, a cidade-arte vai entrelaçando seu espaço com os predicados da vida urbana privada, da rapidez, esfumaçando-se com a fuligem da poluição da feiura da acumulação capitalista.

O novo modo de vida urbano propõe conexões, encontros, confrontos e conflitos, a exponencial dilatação das diferenças e desigualdades, o reconhecimento dos contornos e desenhos ideológicos e políticos dos modos de vida, dos padrões, espessuras e movimentos que coexistem na cidade urbana.

(41)

perspectivas: o urbanismo dos homens de boa vontade, o urbanismo dos administradores públicos e a terceira, o urbanismo dos promotores de venda.

A primeira tendência está relacionada ao urbanismo dos homens de boa vontade: os médicos, cristãos e escritores, suas reflexões e contribuições implicam uma racionalidade filosófica, ligada ao humanismo clássico e liberal. Esses homens apresentam-se como médicos dispostos a ajudar a sociedade a curar suas enfermidades, apresentam ideias para a construção de modelos mundiais de cidade, projetam a criação de novas relações sociais baseadas na harmonia da comunidade local, intentam uma utopia urbana harmoniosa.

Essa tendência é projetada na teleologia romântica e folclórica do mundo agrário (ideias remanescestes do mundo feudal), os valores da aldeia, comunidade, do bairro, da harmonia do formalismo estético devem ser transportados para as cidades modernas, criando condições para a cidade e para os homens viverem uma relação benéfica e esteticamente tranquila, não levando em consideração as contradições e os antagonismos entre capital e trabalho.

Já a segunda tendência apresenta-se no urbanismo dos administradores ligados à gestão estatal, esse urbanismo pretende-se científico, alicerçado em pesquisas sintéticas e ultrageneralizantes, mas que negligenciam o fator humano, as relações sociais em movimento e sua construção. Essa tendência torna-se tecnocrática, pois sua direção caminha para a finalidades e interesses parcelares de uma tecnocracia.

Desconsideram as relações sociais, as dinâmicas históricas que movimentam a formação da cidade e do modo de vida urbano. Desconsideram o território urbano como síntese e totalidade das relações dos sujeitos como seres políticos. Estão atentos apenas a projetos técnicos e burocráticos, a fim de promover a construção idealizada de cidade, o que torna essa tendência verticalizada e autoritária pela homogenização de projetos.

A última tendência é o urbanismo dos promotores de venda que pensam a cidade e seus recortes exclusivamente para o mercado, visando ao lucro por meio do urbanismo da cidade. O urbanismo (o modo de vida cidade moderna) é esquadrinhado em prédios, terrenos e espaços postos à venda.

Referências

Documentos relacionados

Nas coletas de interior do solo os organismos que se correlacionaram mais ao rendimento agronômico do girassol foram os Protura, Oligoghaeta, Diptera e Dermaptera,

O não comparecimento à assembléia ou às reuniões dos órgãos de administração da companhia, bem como as abstenções de voto de qualquer parte de acordo de acionistas

Como resultados comprovou-se: a ampliação de visibilidade da comunidade discente e docente do curso, incentivo à produção científica, ampliação dos canais de

Assim analisou-se uma destas instituições, a Irmandade Santa Casa da Misericórdia de Resende a nível financeiro, que apresenta alguma dificuldade de solver as suas dívidas de

Na figura abaixo (Figura 3) é mostrado através de um histograma o comportamento das ações pertencentes as empresas listadas no setor de energia da bolsa, sendo

Observa-se que os efeitos são praticamente nulos nesta variável dados choques exógenos no PIB agrícola do Nordeste e na área plantada do melão nos estados do Ceará e Rio

Como resultado, após a aplicação e cumprimento de medida socioeducativa, ao adolescente infrator remanescerão as consequências de tal responsabilização pelo ato

A elevada demanda computacional das aplicações modernas exige cada vez mais que os computadores possuam alto poder de processamento. Comumente, alguns computadores já atendem