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Recanto dos Humildes

No documento MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2012 (páginas 55-94)

2.1 A questão da terra no Brasil e os processos antecedentes à sociedade urbanizada

“Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína Tudo é menino e menina no olho da rua O asfalto, a ponte o viaduto ganindo pra lua Nada continua [...] Reflete todas as cores da paisagem da cidade que é

Mais bonita e Muito mais intensa do que um cartão postal

Alguma coisa está fora da nova ordem Fora da nova ordem mundial [...]” - Caetano Veloso

As descobertas das terras nas Américas movimentam o propósito da expansão mercantilista das metrópoles europeias; isso significa que as viagens em busca de especiarias, ouro, terras e outros tantos produtos são ocasionadas pela promoção e reprodução do capitalismo em sua fase mercantil.

As grandes viagens também simbolizam o alargamento das fronteiras visíveis e previsíveis da sociedade europeia, pois além de adensarem e expandirem as fronteiras do comércio para o enriquecimento de seus países, também trazem a possibilidade do deslocamento, a descoberta de novas riquezas materiais e espirituais que a tradição, até então, supunha não existir.

O novo mundo, recém-descoberto pelas âncoras europeias, era visto como o paraíso terreal, senão o próprio Jardim do Éden, escrito na Bíblia e no imaginário cristão. Marilena Chaui (2010, p.59) aponta que essa construção ideal, imaginária e simbólica das terras descobertas tece para os colonizadores o novo mundo como um semióforo. Isso quer dizer:

Com esse sentido, um semióforo é um signo trazido à frente ou empunhado para indicar algo que significa alguma outra coisa e cujo valor não é medido por sua materialidade e sim por sua força simbólica: uma pedra, se for o local onde Deus apareceu, ou um simples tecido de lã, se for o abrigo usado, um dia por um herói, possuem um valor incalculável, não como pedra ou como pedaço de pano, mas como lugar sagrado ou relíquia heroica (CHAUI, 2010, p. 12).

Assim, as terras descobertas ganham um imaginário construído e tecido pela sagração da natureza, como terras abençoadas por Deus e bonitas por natureza,

que são afortunadas e bem aventuradas, como escreveu Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal, para expressar as percepções quase míticas sobre a descoberta da ilha de Páscoa.

Essa visão do paradisíaco, onde o clima era perfeito e mediano (nem muito frio, nem muito calor), a vegetação bela e perene, os animais dóceis e domáveis, resgata um sentimento saudosista/melancólico das origens do velho mundo, escritas nos documentos cristãos medievais.

A sagração da natureza, conforme aponta (Chaui, 2010, p. 58), consegue concatenar uma ideia do mundo sagrado, perfeito, belo e puro, almejado pelos homens na descoberta terrena e real do que antes era somente imagem. Em outras palavras, é contraditoriamente a descoberta do sagrado pelo profano. Ideias essas presentes no pensamento da Renascença do século XVI e XVII, que se contrapõem ao declínio dos costumes culturais do velho mundo, representando a esperança para a volta às origens naturais e sagradas da humanidade.

É nesse contexto que o Brasil é descoberto e inventado pela ideia paradisíaca de um local rico de belezas naturais, o paraíso sagrado, podendo ser aquele que se busca depois do sofrimento da vida profana. São esses elementos da narrativa romântica e teocêntrica que desenham a imagem mítica fundadora do País.

Alguns signos paradisíacos estão presentes na construção da imagem sagrada do Brasil (imagem essa marcada pela mítica feudal), sendo eles: abundância e boa qualidade das águas, temperatura amena e gente descrita como boa, inocente, altiva e bela. Esses signos da imagem sagrada da terra confundem-se com o livro bíblico da Gênesis que descreve o paraíso terreno dos homens.

Essa mítica de sagração da natureza é tão forte que continua presente na contemporaneidade, legitimada e reproduzida nas bases da identidade nacional, expressa pela bandeira e pelo hino nacional que cultuam os elementos da natureza como pontos fortes da supremacia nacional.

Com toda essa argumentação paradisíaca da natureza e do solo nacional, o País é posto para fora do mundo histórico, do mundo das relações sociais, é posto para fora do mundo profano dos homens. O Brasil tem em seu mito fundador a noção de local contemplativo da natureza que extrapola as sensações humanas, e aí somos levados à divinização do espaço das terras nacionais, como mote contraditório às relações políticas, culturais, sociais e econômicas do contexto histórico dos séculos XVI e XVII.

É nesse ínterim imaginário do mito fundador que as condições políticas da exploração são postas e naturalizadas, é a par e passo com sagração da natureza que se ocultam as relações políticas que tramam a realidade concreta. Assim, legitima-se a ideia teocêntrica de Deus como mandatário e legislador supremo, que rege toda e qualquer ação dos homens na terra.

A teoria do direito natural é alicerçada pela hierarquia e ordem, onde há sempre uma ordem natural criada por Deus, a qual os homens devem seguir. Mesmo sendo dotados de razão e vontade, devem optar pelo caminho estabelecido pelo divino, pois Deus é um ser perfeito, com um grau de poder grandioso, que determina as condições de mando, obediência e desmando sobre o mundo dos homens.

A lei ou teoria do direito natural justifica-se pela noção de naturalização do mando pelos superiores e da subordinação pelos inferiores, inventando/forjando uma sociabilidade naturalmente hierárquica. Dessa forma, a legitimação de uma sociedade brasileira autoritária vai sendo traçada desde sua descoberta e invenção.

Com essas ideias de naturalização de hierarquias do forte sobre o mais fraco, a intervenção colonial no País é realizada, movimentando o poder autoritário, reproduzido-o como um processo de direito natural dos mais fortes, neste caso sempre os Portugueses e europeus, como detentores dos plenos direitos de mando e desmando.

Os índios, povos legítimos do território nacional, são vistos de forma inferior, e por isso devem submeter-se a todos os caprichos do colonizador. Esses consideravam os indígenas como seres selvagens que não dispunham da reflexão consciente, por isso não são sujeitos de direitos e, por consequência, são escravos naturais.

Porém, os índios não acataram o papel que lhes foi atribuído “de forma natural”, justamente pela sua capacidade optativa e livre de recusar a servidão imposta. Com essa recusa, trataram os colonizadores de justificar que o índio tem indisposição natural para o trabalho ordenado nas lavouras.

Cabe a outros homens, no caso os negros africanos - não considerados como sujeitos, ganharem a identidade atribuída de indivíduo naturalmente indicado para a condição de escravo, naturalmente predisposto a todo e qualquer trabalho.

A natureza reaparece, ainda uma vez, pelas mãos do direito natural objetivo – pelo qual é legal e legítima a subordinação do negro como inferior ao branco superior - e do direito natural subjetivo, porém não mais sob a forma da servidão voluntária e sim pelo direito natural de dispor dos vencidos de guerra (CHAUI, 2010, p.66).

Porém, com a naturalização da escravidão, processa-se a ocultação da principal função para a qual o trabalho negro era necessário, ocultam-se as bases da servidão própria de um sistema de exploração do homem sobre o homem. A escravidão negra era ferramenta fundamental para movimentar e adensar o comércio colonial. Dessa forma, o tráfico negreiro era o cerne oculto da mercantilização, ofuscada pelo direito natural de dominação do branco sobre o negro.

Com a sagração da natureza, com os propósitos de uma terra abençoada, desenhada e esculpida por Deus, tudo que se escreveu na história do Brasil passa a fundamentar um segundo elemento na construção do mito fundador, que sinaliza a sagração da história, ou seja, “a história como realização do plano de Deus ou da vontade divina” (CHAUI, 2010, p.70).

Portanto, a construção do mito fundador no Brasil é tramada pela complexa relação entre sagração da natureza e sagração da história, desenrolando a ideia de um país belo e construído pelos desígnios de Deus, como planejador e detentor de toda ação na realidade.

A relação espaço e tempo da construção do Brasil fica submetida à ideia de magnitude teocêntrica do direito natural, onde o espaço é criado pela imagem romântica da natureza, idealizada pelo sonho mítico cristão com intervenções emanadas de Deus, bem como todo e qualquer sentido de rotação do tempo fica circunscrito a uma promessa divina do que deveria cumprir-se. Impunha-se um caráter messiânico à relação tempo e espaço na constituição da identidade nacional, ofuscando os sentidos econômicos e políticos da exploração.

Mas a sagração da história tinha de se realizar por meio de homens reais, escolhidos por Deus, para operar as vontades divinas. Homens dotados de uma “razão”5 superior, que se confluía pelo direito natural de superioridade na relação

5 Utilizamos a palavra razão entre aspas para designar a contradição presente entre razão da

capacidade consciente do homem, e da razão fetichizada e divinizada que perpassa pela construção da sagração da história do mito fundador de nosso País.

com os outros indivíduos que compunham a sociedade brasileira. Como explica Chaui (2010, p.75):

Se o Brasil é “terra abençoada por Deus”, se é paraíso reencontrado, então somos berço do mundo, pois somos o mundo originário e original. E se o País está “deitado eternamente em berço esplêndido” é porque fazemos parte do plano providencial de Deus. Pero Vaz julgou que Nosso Senhor não os trouxera aqui “sem causa” e Afonso Celso escreveu que “há uma lógica imamente: de tantas premissas de grandeza só sairá grandiosa conclusão”, pois Deus “não nos outorgaria dádivas tão preciosas para que as deperdiçássemos esterilmente [...]. Se aquinhoou o Brasil de modo especialmente magnânimo, é porque lhe reserva alevantados destinos”.

Essa ideia de sagração da história é composta por uma visão messiânica da realidade, fundida pela ideia eclesiástica cristã enraizada pelo pensamento medieval, alicerçada pelas ideias proféticas milenares trazidas das escrituras bíblicas, que já apontavam em profecias a descoberta de novas terras, no caso a América.

O Brasil, como promessa divina, descoberta pelos desbravadores portugueses profetizados e incumbidos da vontade de Deus, fazem com que as novas terras entrem na história pelas portas do sagrado providencial. Eis aí a versão em que a história do País está escrita e determinada, na qual a classe dominante, “naturalmente superior”, coloca-se como agente para concretizá-la no espaço e no tempo.

Entra em cena outro elemento que compõe o mito fundador, a sagração do governante. Chaui (2010, p.79) enfatiza que essa ideia é balizada pela imagem teológica do poder, que deve ser operado de forma única, confluindo com o período absolutista vigente nos séculos XVI, XVII e parte do XVII, que conferia às monarquias o direito absoluto de governo.

É com a centralização do poder e ordenamento da sociedade em hierarquias disciplinares que a política mercantilista/comercial adensa-se nas estruturas da sociedade, promovendo o desenvolvimento da economia de mercado, dilatada pela expansão ultramarina.

Assim, a monarquia absolutista é constituída para tentar equacionar as crises do mundo feudal, assegurando os privilégios e interesses da nobreza que se vê ameaçada pelo fim do modo servil (elementar ao modo de produção feudal) provocado pelas revoltas camponesas que se instauram na Europa. Ainda cabia à

nobreza absolutista combinar o poder aristocrático e os interesses da burguesia mercantil recém-surgida nas cidades medievais.

A expansão ultramarina, simbolicamente figurada pelas profecias, torna-se estratégia para dar respostas às pressões políticas, sociais e econômicas que se engendravam naquele período.

Esse poder apreendido como representação política de Deus, baseada no direito natural, expõe o Rei como representante da centralidade divina na terra, como representante da verdade do criador, dando origem ao poder como símbolo mítico transcendente que deve ser respeitado e obedecido em todos os sentidos.

O governante, representando o poder de Deus, aparece como detentor de um corpo físico (mortal) e outro, que é o corpo político, cuja aura é mística emanada pelo poder e suas significações.

O rei recebe o corpo político ou corpo místico no momento da coroação, quando recebe as insígnias do poder: o cetro (que simboliza o poder para dirigir), a coroa (que simboliza o poder para decidir), o manto (que simboliza a proteção divina e aquela que o rei dará aos súditos), a espada (que simboliza o poder de guerra e paz) e o anel (que simboliza o casamento do rei com o patrimônio, isto é, a terra) (CHAUI, 2010, p. 83).

Com essa significação, é possível perceber que o poder também ganha uma esfera de sagração, em que o governante tem um sentido místico, destacando o seu papel social no ordenamento da sociedade. Esse papel de responsabilidade emanado por Deus, constrói-se e confunde-se com o papel do pai, aquele que cuida dos filhos dentro de uma tradição estabelecida.

Agora com o papel do pai, com poder confiado por Deus e expresso pela teoria do corpo místico, o governante tem interesse e função de dominar e controlar o patrimônio régio - a terra, que são todos os territórios herdados, descobertos e conquistados pela ação política e tudo que há nesses espaços, inclusive os homens. As terras, enquanto patrimônio, como propriedade que açambarca valores, metamorfoseia-se como parte do poder, que é transmitido aos descendentes ou distribuído em forma de favor. A terra ganha destaque nessa esfera mística e política, pois significa forma de dominação e riqueza.

A terra deixa de ser espaço geográfico e natural de um povo, para representar relações de interesses econômicos, sociais e políticos, ganhando um sentido maior nas relações sociais. Isso significa que a terra transforma-se em posses do rei, a

terra metamorfoseia-se em pátria - propriedade do pai -, a qual todos devem defender e por ela morrer em obediência à sagração do governante.

O monopólio, como riqueza centralizada, atende as matizes da economia capitalista mercantil e aos interesses da nobreza absolutista no controle exclusivo do território, incluindo as riquezas contidas na metrópole e colônia.

Esse poder teocrático realiza-se no Brasil colônia por meio da teoria dos favores, que funciona como uma base jurídica para valorar as diversas relações sociais que se operavam na época. A distribuição das terras do solo nacional, pelo regime de sesmarias, é a prova cabal dessa regulamentação jurídica dos favores.

O rei, como pai sagrado da pátria, utiliza de seu poder para viabilizar a concessão de terras aos homens que compõem a tensão política na metrópole. Assim, ao distribuir as terras em grandes lotes, continua mantendo-se como soberano absoluto – rei da pátria, mas atende aos interesses privados de uma classe que estava se gestando.

Deste modo, vemos as veementes imposições ideológicas criadas e recriadas em uma trama de pressões econômicas e políticas envolvidas por aura mística do sagrado que, juntas, movimentam a fundação da sociedade brasileira, alicerçada no mito fundador composto pela sagração da natureza, da história e dos governantes, impondo a gênese de uma sociedade verticalmente hierarquizada e autoritária.

Assim, nasce a sociedade brasileira, onde as relações são tecidas por meio do favor, de privilégios autoritários que beneficiam sempre a uma classe. Desse modo, todas as formas de conquistas são marcadas historicamente pela concessão de favores, estipulada pela vontade dos que detêm a força política e econômica.

É neste contexto de privilégios e explorações que o mito fundador movimenta- se e presentifica-se nas relações sociais brasileiras, dividindo a sociedade em dois lados: o lado dos dominados e o dos dominantes. Esse último lado detém os direitos naturais e plenos de esquadrinhar e movimentar a história a seu favor, tecendo redes clientelistas do passado mais remoto até as conjunções recentes e contemporâneas da realidade social brasileira.

No outro lado, está o grupo dos dominados, grande maioria da população, que, explorada e sem oportunidades, visualiza os governantes e a sua história a partir da sagração e do místico. Compreende o processo sócio-histórico como uma passagem mítica, composta pelo maniqueísmo do bem e do mal.

É nesse caldo cultural, político e econômico que se conflui a identidade nacional, construída de forma complexa em meio a um caleidoscópio de sentidos, de significações e experiências que sempre aviltaram a exploração e as desigualdades em nosso País. É com este mote que a disputa pela terra no Brasil sempre foi elemento de ações políticas para privilegiar uma classe, envolvendo relações de poder, exploração e dominação.

2.2 O processo de privilegiamento na apropriação do solo brasileiro

No início da colonização brasileira, a questão da divisão territorial era resolvida por uma intensa rede de concessões e privilégios. Assim, a metrópole portuguesa fazia concessões (doações) de grandes partes das terras aos homens de posses de Portugal, para que pudessem fixar-se nas terras dos tupi-guaranis.

Essa forma de concessão e privilégios constitui o regime de sesmaria, demarcando, desde o início do processo de colonização, interesses de classe na forma de ocupação do solo nacional, uma vez que as terras eram doadas a homens ricos e do meio político da metrópole portuguesa, para se instalarem no Brasil, movimentando um processo inicial de ocupação política do solo, introduzindo a agricultura de acordo com os interesses da exploração colonial portuguesa.

O regime de sesmaria representou, para a Coroa portuguesa, a possibilidade de premiar a classe mercantil cosmopolita, que era contrária ao modelo arcaico dos interesses feudais. Com essa estratégia, a monarquia evitou o choque entre os interesses do decadente sistema feudal e da recém-nascida burguesia, que exigia novos valores, conceitos e formas de apropriação de riquezas.

Assim, quando a classe rica mercantil chegou ao Brasil com os títulos de terras doados pelo regime de sesmaria, viram-se de fronte com sujeitos excluídos da propriedade agrária. Essa população ocupava as terras sem nenhuma titulação ou documento legal que justificasse a permanência nos territórios, sendo por isso chamados de posseiros. As terras brasileiras também eram compostas por camponeses que viviam como agregados em propriedades de terceiros, cultivando apenas para subsistência.

Os posseiros geralmente ocupavam terras devolutas (desocupadas e sem nenhum tipo de produção), mas, sem títulos, não podiam tornar-se sesmeiros; dependiam da vontade do fazendeiro para permitir ou não a permanência deles em suas terras. Caso fosse permitido, os posseiros tornavam-se agregados na fazenda, caso contrário, o fazendeiro os indenizaria pelas possíveis benfeitorias elaboradas na terra.

O sistema de sesmaria trazia em seu âmago a legalização e a legitimação da posse da terra aos proprietários ricos portugueses, enraizando uma forma de privilégio político e econômico sobre as terras brasileiras, enquanto os posseiros eram arrancados da terra, ou em muitas vezes, incorporados às fazendas, sendo duplamente explorados.

Desse modo, os camponeses posseiros eram obrigados a trabalhar para o novo proprietário e, apenas em alguns dias da semana, eram liberados para o cultivo de sua agricultura de subsistência, constituindo um sistema de servidão e exploração do homem da terra.

Essa relação de trabalho e exploração dos posseiros engendrava uma relação de dependência entre o senhor da terra e o camponês, sendo regida por um código de trocas de serviços, produtos e favores. As trocas aconteciam de forma direta entre coisas desiguais, eram controladas/calculadas por meio de um balanço de favores prestados e recebidos entre as classes.

Contraditoriamente, o agregado defendia, por meio de trocas e favores, o direito de permanecer nas terras do fazendeiro, contribuindo também para a legitimação da terra como propriedade. Era uma relação tecida por favores e trocas, baseada na dependência pessoal do fazendeiro, ou seja, este sempre decidia o peso das trocas, os limites e o fim dos direitos dos agregados. Em suma, esse sistema de trocas expressava-se e movimentava-se de forma desigual, sendo comandada e fortalecida pelo fazendeiro, tido naquele estágio como senhor da situação e como detentor de privilégios e direitos natos.

Com base nesse contexto, paulatinamente desenhava-se e articulava-se uma trama de mando e desmando, obediência, servidão e lealdade dos camponeses aos fazendeiros. Inexistia uma relação de trocas entre pares de igualdade no balanço das relações de favores do período colonial.

Essas trocas eram concebidas como favores e estabeleciam-se por meio de um código de honra que regulava os favores prestados. É importante sublinhar que

No documento MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2012 (páginas 55-94)