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Ruínas da Fábrica de Cimento Perus – Portland

No documento MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2012 (páginas 119-125)

Fonte - Kassá, disponível em http://clikspfotografandosaopaulo.blogspot.com/2011

Em 1933, foi fundado em Perus o Sindicato da Categoria Cimenteira, que incluía trabalhadores da fábrica de cimento, da Estrada de Ferro Perus-Pirapora e das pedreiras de calcário da cidade Cajamar. Esse sindicato é a entidade social mais antiga do bairro.

Querubina Castelo Ruiz (2008, p. 40) aponta que em 1958, ocorreu a primeira grande greve de trabalhadores da fábrica de Cimento Portland. Essa greve marca o começo de uma nova dinâmica de vida para o bairro, onde os trabalhares buscavam melhores condições de salário, saúde e dignidade em seus processos de trabalho.

O sindicalismo peruense-cajamarense, reconhecido internacionalmente como um importante núcleo do movimento da não violência, conquista para o conjunto dos trabalhadores brasileiros a primeira regulamentação do salário-família, a presença do sindicato nos atos de contratação e demissão de mão de obra, o reconhecimento da legalidade das greves por atraso de pagamento. No mesmo ano também foi realizado um plebiscito pela transformação do bairro em município, porém, o reduzido número de participantes manteve Perus na situação de bairro (RUIZ, 2008, p. 40).

Por esse contexto, o bairro vai construindo uma história social interessante, na qual lutas políticas sempre se fizeram importantes e movimentaram os fios e as tramas desse tecido da cidade de São Paulo, enriquecendo a edificação daquele espaço em um território rico de saturações históricas, políticas, econômicas e sociais.

Em meio às reivindicações, a população, também no ano de 1958, realizou várias manifestações que buscavam a emancipação e a transformação do bairro em município. O desejo de rompimento econômico e administrativo com a capital Paulista movimentou-se por vários anos, mas nunca atingiu o sucesso que pretendia.

O bairro de Perus também aparece como um local estratégico para a ditadura militar, que assombrou o Brasil durante os anos de 1964 a 1985. Por ser um bairro distante do centro da capital paulista, a Operação Bandeirantes – OBAN, uma espécie de frente militar da chamada linha dura da ditadura, criou no bairro o Cemitério Dom Bosco, que servia naquele momento para ocultar os corpos de cidadãos mortos pelas ações violentas e truculentas do Estado ditatorial.

É assim como um cenário de silêncio, medo e morte que o bairro de Perus abriga em seu espaço a mortificação da vida política dos cidadãos paulistas, aspecto este contraditório para aquele lugar, uma vez que o bairro tornou-se palco de importantes lutas da classe trabalhadora durante longos anos dos séculos XIX e XX.

Outro fato histórico importante que marca as dobraduras do território de Perus, construído pela luta política do sindicato dos trabalhadores do cimento, é o primeiro

confisco federal a uma indústria privada devedora de impostos. No caso específico, a Fazenda Pública da União realizou o confisco de terras do Complexo Cimenteiro de Perus, incluindo parte das propriedades da fábrica de cimento, da Estrada de Ferro Perus – Pirapora e das minas de calcário, que pertenciam à Companhia Portland, empresa que devia um grande montante aos cofres públicos.

Mapa 4 - Estrada de ferro Perus – Pirapora 1930, construída pela Empresa de Cimento Portland.

Fonte - site Estações Ferroviárias do Brasil, disponível em http://estacoesferroviuarias.com.br/ramais/spr

É com essa mobilização que, no ano de 1979, o Sítio Santa Fé (parte do patrimônio da Companhia Portland) foi confiscado pelo governo federal, e posteriormente a área foi comprada pela Prefeitura Municipal de São Paulo, sendo transformada no Parque Municipal do Anhanguera, o maior parque verde da cidade com 9,6 quilômetros de extensão. Outra parte da área, contraditoriamente, deu abrigo ao Aterro Sanitário Bandeirantes, conhecido popularmente como lixão de Perus.

O bairro, na década de 1960, foi ampliando-se, dando origem a novas Vilas Perus, Caiuba, Osana, Flamengo, Malvina e Jardins São Paulo, Manacá, e do Russo que abrigavam, principalmente, migrantes de outros estados brasileiros. Os baratos lotes de terra atraiam migrantes que buscavam viver o sonho da cidade

grande, os quais viam nesse espaço oportunidade para a realização do sonho da casa própria, mesmo que construída durante longos anos. O preço barato das terras justificava-se pela poluição ocasionada pela fuligem, gerada pela fábrica de cimento, que se espalhava pelas casas e terras da região.

Na década de 1970, o bairro vai ampliando-se, pelo fluxo de compra de lotes de terras por trabalhadores e populares. Nesse mesmo período, o bairro sofre uma grande intervenção estatal com a construção da Rodovia dos Bandeirantes, inaugurada em 1973.

Essa via que liga cidades do interior à capital paulista, para ser construída, desapropriou muitas casas e terrenos no trecho que passa por Perus, cujos proprietários, em uma ação enganosa do Estado, não receberam e/ou receberam tardiamente o pagamento de suas propriedades.

É com a racionalidade técnica que se justificam ações (ou tentativas) de expulsão/retirada da população das áreas tidas como fundamentais à preservação ambiental e que, ao mesmo tempo, possibilita a implantação de novas racionalidades técnicas, no caso um anel viário, fundamentais à maximização da circulação de mercadorias em um fluxo (teoricamente) de rápida velocidade (ALVES, 2011, p. 116).

Esse processo foi traumático para as famílias que, de uma hora para outra, viram-se destituídas de suas casas, deslocadas, usurpadas do pertencimento que tinham com seus terrenos, casas e sítios. Sem possibilidade de compra de outro imóvel, foram obrigadas a ocupar e construir como podiam novas moradias em espaços precários, fato esse que motivou o surgimento das primeiras favelas de Perus na década de 1970.

Esse processo dantesco mostra como a cidade de São Paulo, em busca de sua honrada fórmula para o desenvolvimento e modernidade, veicula de modo perverso ações predatórias orquestradas pelo Estado, que pouco respeitam os sujeitos e principalmente aqueles mais carentes de informação e de recursos financeiros, parecendo que a simplicidade do homem trabalhador torna-se meio para ações desrespeitosas, inadequadas e predatórias.

A Igreja Católica, por meio de suas forças progressistas, movimentou o amparo da população mais carente do bairro, organizando, por meio da Paróquia Santa Rosa de Lima (fundada em 1940), a primeira creche comunitária para atender os filhos daquele território tão rico de história e de força política, mas que estavam

subsumidos à pobreza, ao desemprego e às inúmeras faltas ocasionadas por um Estado negligente.

Essa Igreja encampou, por meio das Comunidades Eclesiais de Base, inúmeros movimentos de luta por melhores condições de infraestrutura urbana, contribuindo na organização e construção de poços de água para atender às famílias do Jardim do Russo.

Água não tinha, você tinha que ir até a pedreira para buscar, algumas casas tinham poços, mas um poço muito fundo, outras não conseguiam achar água de jeito nenhum. Era complicado, aqueles que tinham poço na casa você ia lá buscar água.

Você lavava a louça na bacia, tomava banho na bacia, quando você queria tomar um banho melhor ia para a cachoeira da pedreira, mas mesmo assim tinha que tomar cuidado, tinha que passar o sabonete de roupa, porque tinha homem por ali. Então era muito difícil a vida aqui em Perus (Nadir Balbina, depoimento colhido em maio de 2012).

Neste momento também ocorre um processo de mudança na geografia urbana importante na cidade de São Paulo; nesta temporalidade inicia-se um processo social, histórico e econômico da construção das chamadas periferias urbanas.

Mesmo a expansão da metrópole, desde os anos de 40 do século XX, no caso da cidade de São Paulo, ocorreu a partir da criação de loteamentos populares, muitos [...] com a característica de loteamentos – ônibus, ou seja, assim que era aberto, já se colocava à disposição dos interessados/necessitados a linha de ônibus que os levaria ao trabalho nas centralidades existentes (ou o centro da cidade ou os subcentros como Pinheiros, Santo Amaro e Osasco, entre outros).

É nesse momento que se começa a falar em periferia e não mais em subúrbios, até então associados a áreas de transição entre o campo e a cidade e que, em geral se localizavam nas proximidades de uma estação ferroviária (ALVES, 2011, p. 110-111).

Esse processo contraditório da pobreza do bairro, aviltamento dos salários, falta de infraestrutura urbana e desemprego acontece ao mesmo passo que o projeto da autocracia burguesa tinha como título e mote o desenvolvimentismo e a modernidade da economia e da sociedade brasileira. Contraditoriamente às lógicas do ufanismo ao desenvolvimentismo, a população trabalhadora se vê empobrecida, à margem das condições básicas de vida.

Perus era um bairro muito pobre mesmo, hoje Perus é um bairro bom, mas era muito pobre, não tinha água nesse lugar, as ruas eram de barro, você tinha que sair daqui do Russo e ir até a estação de trem, não tinha vários ônibus, era só um ônibus que ia até a praça

Princesa Isabel, no centro. Aí você ia de trem ou desse ônibus, se você pegasse o ônibus demorava muito para chegar, esse ônibus dava uma volta danada. Daí o jeito era ir de trem, mas com um pano para limpar o pé que estava cheio de barro (Nadir Balbina, depoimento colhido em maio de 2012).

Em 1983 e 1986, respectivamente, a Ferrovia Perus – Pirapora e a fábrica de Cimento Perus são fechadas, pois não conseguiram permanecer em funcionamento dado os momentos instáveis da economia brasileira em tempos de descontrolada inflação, promovida pelo modelo econômico privatizante seguido pelos militares, em consonância com o capital internacional. Sem indústrias e empregos formais na região, Perus transforma-se em bairro dormitório, sendo:

[...] caracterizado por um grande contingente de população de baixa renda, como também uma parcela significativa de famílias, já estabelecidas há anos, que puderam comprar lotes para a construção de casas nos períodos em que a terra era barateada pelo pó de cimento e pela distância em relação ao centro de São Paulo (RUIZ, 2008, p.41).

Nas décadas de 1980 e 1990, houve uma significativa expansão urbana no distrito, o governo do Estado de São Paulo promoveu a construção de conjuntos habitacionais populares, financiados pela Companhia de Desenvolvimento de Habitação e Urbanismo (CDHU). A região na década de 1990 passou a contar com a ampliação da rede de transporte público com ônibus e micro-ônibus, além da estação ferroviária que conecta Perus aos bairros de Pirituba, Lapa, Barra Funda e Luz.

Também nesse período, houve em Perus a emersão de loteamentos e ocupações de terra que produziram novos espaços no distrito, como: Vila Bottoni, Jardim Adelfiore e Complexo Recanto dos Humildes que movimentou a dinâmica do lugar, impondo novas paisagens, novos circuitos econômicos, de poder e culturas no território.

Em torno do Recanto dos Humildes houve a invasão de áreas de forma crescente e desordenada, reunindo inúmeras residências sem infraestrutura, composta por construções de risco e saneamento irregular (PORTO, 2008, p.35).

É importante apontar que as áreas de ocupação foram crescendo vertiginosamente, principalmente na década de 1990, ampliando as áreas de vulnerabilidade e precariedade no território. Contudo, é importante apontar que

ocupações de áreas periféricas já se configuram uma forma de segregação socioespacial, uma vez que sem o direito à cidade, os sujeitos foram levados por determinações econômicas e sociais a ocuparem espaços precários e nele residirem.

Foto 7 - Favela Recanto Paraíso, aglomerado subnormal do Complexo recanto dos

No documento MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL SÃO PAULO 2012 (páginas 119-125)