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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP LEILA YURI SUGAHARA

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

LEILA YURI SUGAHARA

Música e música na escola: um estudo

das representações sociais de estudantes de

pedagogia e de música a partir da escuta musical

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

LEILA YURI SUGAHARA

Música e música na escola: um estudo

das representações sociais de estudantes de

pedagogia e de música a partir da escuta musical

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Professora Doutora Clarilza Prado de Sousa.

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BANCA EXAMINADORA

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Dedicatória

Ao Cláudio pelo carinho, incentivo, paciência e pelas longas conversas que contribuíram para a finalização desta tese.

À Bianca, minha filha, que também carinhosamente me apoiou em todos os momentos.

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AGRADECIMENTOS

À Professora Doutora Clarilza Prado de Sousa pelos ensinamentos, pela paciência e pela orientação firme e inspirada, que tornaram possível a realização deste trabalho.

Às Professoras Doutoras Ilza Zenker Leme Joly, Daniela Barros da Silva Freire Andrade, Vera Maria Nigro de Souza Placco e Laurinda Ramalho de Almeida, pelas preciosas sugestões por ocasião da qualificação.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação, que contribuíram para a minha formação.

Ao Edson Aguiar pela paciência e disponibilidade.

Aos colegas de mestrado e doutorado, especialmente à Karina, Simone, Maria, Ivo, Tarciso, Antonio, Dani e Frei Arthur pelo apoio e amizade.

À Adelina Novaes pelas conversas que contribuíram para a reflexão deste trabalho e à Regina, à Uda, ao Thiago e à Andrea pela ajuda na transcrição e sistematização dos dados.

Ao Peter Dietrich e aos participantes desta pesquisa, por contribuírem para a reflexão sobre o processo formativo dos professores de música da Educação Básica.

Ao Ari Pereira pela tradução.

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SUGAHARA, Leila Yuri. Música e música na escola: um estudo das representações sociais de estudantes de pedagogia e de música a partir da escuta musical. Tese de doutorado, São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013.

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo analisar as representações sociais de estudantes de licenciatura em música e de licenciatura em pedagogia sobre música e música na escola, tendo em vista que essa visão pode influenciar nas práticas futuras desses estudantes como professores na Educação Básica. A pesquisa permitiu identificar cinco eixos temáticos constituintes das representações sociais dos licenciandos sobre música: afetividade; movimento; comunicação; contexto; e formação. A categorização foi realizada a partir da escuta de três gêneros musicais: pop, jazz e world music. A metodologia adotada nesta pesquisa envolveu dois questionários: um de perfil, e outro contendo uma questão de associação livre a partir da escuta musical; questões abertas e fechadas; e classificação de imagens, aplicados a 81 (oitenta e um) licenciandos em pedagogia e 161 (cento e sessenta e um) licenciandos em música de uma Instituição de Ensino Superior da cidade de São Paulo. As representações sociais de música revelaram que os cinco eixos temáticos estavam presentes em todos os grupos e para todos os gêneros de música apresentados na pesquisa, variando quanto ao nível de informação que cada grupo possuía sobre música. Os eixos da afetividade e do contexto se mostraram fundamentais para a compreensão do papel humanizador da música na educação. Nesse sentido, as representações de música se apresentaram tanto como potencial formativo, quanto como restrições nas representações sociais de música na escola, dependendo das visões que cada grupo pesquisado, licenciandos em pedagogia e em música, ingressantes e concluintes, possuía sobre escola e educação. A classificação das imagens indicou que existe uma concepção dionisíaca para o funk e o rock em contraposição ao caráter apolíneo do jazz. Para que a música tenha um papel transformador na educação, é necessário que a formação do futuro professor, no âmbito dos cursos de pedagogia e de música, ofereça as condições necessárias para a superação da dicotomia existente entre o caráter apolíneo e dionisíaco da

música, e entre a música “fora da escola” e a música “própria” para o contexto da

escola. Para se alcançar o ideal de uma prática reflexiva e, portanto, humanizadora, do ensino de música nas escolas, os cursos de pedagogia precisam contemplar disciplinas específicas ligadas à música, e os cursos de música, desenvolver projetos colaborativos com os cursos de pedagogia.

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S, L.Y. Music and music at school: a study of social representations of Pedagogy students and of Music from musical listening. PhD thesis, SP: PUC-SP, 2013.

ABSTRACT

The present study had as its aim to analyse the social representations of music education students as well as pedagogy education ones about music and music at school, considering that this point of view can influence the future practices of these students with Primary and High Education teachers. This research allowed us to identify five thematic axles as part of social representations of students/future teachers in music: affectivity; movement; communication; context; and education. The categorization was done through the listening of three musical genders: pop, jazz, and world music. The chosen methodology throughout this research makes good usage of two questionnaires: one related to profile and the other related to question of free association from musical listening; open and closed questions; and image classification applied to 81 (eighty one) students in Pedagogy and 161 (one hundred and sixty one) students in music of one Institution of Superior Education in Sao Paulo. The social representations of music revealed that the five thematic axles were present in all the groups and for all musical genders presented throughout the research, varying its informational levels, which each group had about music. The axles of affectivity and context were revealed as extremely important for the comprehension of the music humanizer role in education. This way, the representations of music were presented as much as educational strength as restrictions of social representations in music at school, depending on the view that each researched group had about on school and education: beginners and last year students of pedagogy and music. The classification of images indicated that there is Dionisio concept for funk and rock in spite of the Apolo character of jazz. In order to give the music its important role into education, it is necessary that the education of the future teachers in regards to pedagogy and music courses offers the right conditions to overcome the present dichotomy in between the Apolo and Dionisio characters of music, as well as between the music outside school and the proper one at school for the school context. Aiming to reach the ideal into a reflexive practice and so humanized, the music teaching at schools, the courses of pedagogy need to contemplate specific disciplines linked to music and courses of music need to develop collaborative projects with the pedagogy courses.

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SUMÁRIO

Introdução ... 12

1. Música e música na escola: significados, usos e funções ... 17

1.1. A música ... 19

1.2. Gêneros, usos e funções sociais da música ... 24

1.3. Sobre a música e a afetividade... 33

1.4. A música na escola: um breve histórico ... 41

1.5. A música nas escolas brasileiras ... 46

2. Diretrizes teórico-metodológicas ... 59

2.1. Estudos anteriores de representações sociais e música ... 60

2.2. O estudo das representações sociais a partir da escuta musical ... 63

2.3. Metodologia ... 69

2.3.1. O critério de escolha das músicas ... 71

2.3.2. O critério de escolha das imagens ... 74

2.3.3. Local da pesquisa e perfil dos cursos ... 80

2.3.4. Perfil dos participantes da pesquisa ... 81

2.3.5. Procedimentos para a análise dos dados ... 91

3. Análise dos resultados: as representações sobre música e música na escola de estudantes de licenciatura em pedagogia e de licenciatura em música ... 97

3.1. 1ª Fase – Análise da centralidade das representações sobre música dos estudantes de pedagogia e de música ... 99

3.1.1. Etapa 1 – Análise das respostas do grupo de estudantes de pedagogia ... 99

3.1.2. Etapa 2 – Análise das respostas do grupo de estudantes de música ... 113

3.1.3. Etapa 3 – Representações dos estudantes de pedagogia e música sobre música ... 130

3.2. 2ª Fase – Análise das representações sobre música na escola dos estudantes de pedagogia e de música ... 134

3.2.1. Etapa 1 – O pop, o jazz e o world music na escola ... 135

3.2.2. Etapa 2 – O contexto, as funções e os usos da música na escola ... 145

3.2.3. Etapa 3 – As imagens que os estudantes de pedagogia e de música constroem sobre música na escola ... 154

3.2.4. Etapa 4 – Representações sociais sobre música na escola dos estudantes de pedagogia e de música, ingressantes e concluintes ... 162

4. Para finalizar ... 166

Referências ... 172

Apêndices ... 179

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Funk na escola ... 75

Figura 2: Show de rock na escola ... 75

Figura 3: Aula de percussão na escola ... 76

Figura 4: Apreciação musical na escola ... 77

Figura 5: Musicalização infantil ... 77

Figura 6: Música e movimento na escola ... 78

Figura 7: Flauta-doce na escola ... 79

Figura 8: Ritmos africanos na escola ... 79

Figura 9: Funk na escola ... 154

Figura 10: Show de rock na escola ... 155

Figura 11: Aula de percussão na escola ... 157

Figura 12: Apreciação musical na escola ... 158

Figura 13: Musicalização infantil ... 159

Figura 14: Música e movimento na escola ... 159

Figura 15: Flauta-doce na escola ... 160

Figura 16: Ritmos africanos na escola ... 161

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Distribuição por sexo ... 81

Gráfico 2: distribuição por faixa etária ... 82

Gráfico 3: Distribuição por instrumento musical que os estudantes tocam ... 83

Gráfico 4: Distribuição por tempo de prática instrumental ... 84

Gráfico 5: Situações de aprendizagem ... 85

Gráfico 6: Aulas de música na escola regular ... 86

Gráfico 7: Participação em coral ... 86

Gráfico 8: Distribuição por tipos de corais citados pelos estudantes ... 87

Gráfico 9: Distribuição por turma dos que costumam cantar ... 88

Gráfico 10: Distribuição por experiência como professor em escola regular ... 89

Gráfico 11: Tempo de magistério ... 89

Gráfico 12: Aceitabilidade da música pop na escola ... 135

Gráfico 13: Aceitabilidade do jazz na escola ... 139

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Frequência e ordem média de evocações para o pop por estudantes de

pedagogia ... 100

Quadro 2: Categorias a partir das justificativas e significações atribuídas ao pop pelo

grupo de estudantes de pedagogia ... 101

Quadro 3: Frequência e ordem média de evocações para o jazz por estudantes de

pedagogia ... 105

Quadro 4: Categorias a partir das justificativas e significações atribuídas ao jazz pelo

grupo de estudantes de pedagogia ... 106

Quadro 5: Frequência e ordem média de evocações para o world music por estudantes de pedagogia ... 108

Quadro 6: Categorias a partir das justificativas e significações atribuídas ao world music pelo grupo de estudantes de pedagogia ... 109

Quadro 7: Frequência e ordem média de evocações para o pop por estudantes

de música ... 113

Quadro 8: Categorias a partir das justificativas e significações atribuídas ao pop pelo

grupo de estudantes de música ... 114

Quadro 9: Frequência e ordem média de evocações para o jazz por estudantes de

pedagogia ... 120

Quadro 10: Categorias a partir das justificativas e significações atribuídas ao jazz pelo grupo de estudantes de pedagogia ... 121

Quadro 11: Frequência e ordem média de evocações para o world music por estudantes de pedagogia ... 124

Quadro 12: Categorias a partir das justificativas e significações atribuídas ao world music pelo grupo de estudantes de pedagogia ... 125

(11)
(12)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo discutir o potencial formativo da música a partir das representações sociais sobre música e música na escola dos estudantes de licenciatura em pedagogia e de licenciatura em música, tendo em vista que são esses estudantes, futuros professores, que atuarão no ensino de música na Educação Básica.

(13)

recente retorno da música aos currículos escolares brasileiros1, como conteúdo obrigatório em toda a Educação Básica.

A discussão no presente trabalho, parte da seguinte visão sobre música: a música como fenômeno é invenção do homem, possui historicidade e encontra-se socialmente inserida. Nesse sentido, a música deixa de ser apenas um agrupamento de sons e/ou ruídos e/ou silêncios, pois depende da intencionalidade de quem a produz que, por sua vez, depende do contexto social, cultural e histórico em que essa música é produzida, disseminada, mantida ou transformada, de acordo com a reação que é capaz de provocar e/ou dos usos e funções que dela se faz. Um estudo sobre a música foi realizada no Capítulo I deste trabalho.

Até a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB n. 9.394 de 1996, os alunos da Educação Básica, no Brasil, foram privados durante trinta anos do ensino de música na escola. Durante esse período, o ensino de arte ficou restrito, na maioria das vezes, às técnicas de produção das artes visuais. Para compreender esse processo, foi realizada uma breve retrospectiva histórica que também consta no Capítulo I deste trabalho. O levantamento de literatura realizado mostrou que a escola ainda não se ocupa dos aspectos estéticos sistematicamente, e que, é necessário investigar o perfil de formação do futuro professor de música das escolas de Educação Básica.

A análise documental de 15 projetos pedagógicos de licenciatura em música no Brasil, realizada por Mateiro (2009), revelou que os cursos superiores de formação de professores de música pesquisados privilegiam o conhecimento científico básico (música), seguido do conhecimento aplicado (pedagogia) e em menor proporção, o desenvolvimento das habilidades técnicas para o exercício profissional. Em todos os projetos, as concepções de formação, as intenções das ações pedagógicas e a estrutura curricular são basicamente as mesmas, o que não contempla o perfil do aluno-egresso proposto, nem possibilita a sua plena atuação nos múltiplos espaços profissionais.

Henriques (2011) buscou averiguar a presença da música como conteúdo da disciplina Artes dos cursos de Pedagogia do Estado de São Paulo, também através

1 A Lei Federal 11.769/2008 alterou a LDB 9394/96 tornando o ensino de música obrigatório em toda

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de uma pesquisa documental, e verificou que, de 199 cursos pesquisados, a música estava presente como disciplina em apenas 6 desses cursos. Outros estudos (Queiroz; Marinho, 2008; Aquino, 2007; Krobot, 2006; Scarambone, 2006; Diniz, 2006; Mateiro, 2003; Bellochio, 2003; Del Ben, 2001, 2003) indicam que tanto os cursos de licenciatura em música quanto os cursos de pedagogia deixam lacunas no que diz respeito às habilidades necessárias para a atuação plena como professor de música na Educação Básica.

Partindo das considerações feitas até o momento, e da compreensão de que a visão dos licenciandos em pedagogia e em música sobre música e música na escola pode influenciar as suas práticas futuras, pretende-se discutir a temática a partir das seguintes questões:

Quais são as representações sociais sobre música e música na escola dos licenciandos em pedagogia e em música?

Quais são os elementos constitutivos dessas representações que poderiam contribuir para o processo formativo?

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A análise dos resultados será apresentada no Capítulo III deste trabalho e foi realizada em duas Fases. Na 1ª Fase foi analisada a centralidade das representações sobre música dos grupos de estudantes de licenciatura em pedagogia e em música a partir da escuta de três músicas de gêneros diferentes:

pop, jazz e world music. Nesta fase não foi feita a diferenciação entre os estudantes ingressantes e concluintes, dos cursos de licenciatura em pedagogia e em música, tendo em vista que não houve diferenças significativas entre os grupos de ingressantes e concluintes dos respectivos cursos. Na 2ª Fase, a análise das representações sobre música na escola dos grupos de licenciandos em pedagogia e em música, foi realizada diferenciando os grupos de ingressantes e concluintes dos dois cursos. A análise da 2ª Fase partiu das seguintes questões: grau de aceitação das músicas pop, jazz e world music no contexto escolar; o que os licenciandos pensam sobre a escola pública; porque levar música para a escola; como ensinar música na escola; e classificação das imagens/ fotografias sobre a música na escola.

A análise da escuta musical permitiu a identificação de cinco Eixos Temáticos constituintes das representações sociais sobre música dos licenciandos em pedagogia e em música: afetividade, comunicação, movimento, contexto e formação. Os eixos da afetividade e do contexto foram indicados como sendo os mais significativos para a compreensão do papel humanizador da música na educação. Dependendo da visão que os grupos de licenciandos em pedagogia e em música, ingressantes e concluintes revelaram sobre a escola e a educação de modo

geral, as representações sobre “música” se apresentaram como potencial formativo

ou como restrições nas representações sobre “música na escola”.

A classificação das imagens evidenciou a existência de duas concepções presentes nas representações sobre música na escola dos licenciandos: uma apolínea, que tende à manutenção da ordem e do controle social, e uma dionisíaca, que se revela ao atribuírem às músicas dos gêneros funk e rock, um papel pouco educativo. Uma prática reflexiva e transformadora requer oferecer aos futuros professores, as condições necessárias para a superação da dicotomia existente entre o caráter apolíneo e dionisíaco da música, e entre a música do cotidiano e a

música “própria para a escola”, dilema que acompanha a história da música e da

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MÚSICA E MÚSICA NA ESCOLA: SIGNIFICADOS, USOS E FUNÇÕES TEMA E

VARIAÇÕES

Partitura de canto gregoriano

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1. MÚSICA E MÚSICA NA ESCOLA: SIGNIFICADOS, USOS E FUNÇÕES

Discutir música é sempre uma tarefa complexa, já que o seu conceito envolve múltiplas significações e sua existência remonta à própria história da humanidade. Não se pode precisar a sua origem, mas estudos especulativos a partir de objetos encontrados em buscas arqueológicas sugerem que o homem já produzia sons intencionalmente a partir de objetos de uso cotidiano, que por sua vez, provavelmente, originaram os instrumentos musicais (Pahlen, s/d; Grunfeld, 1978). Outra hipótese, levantada por Darwin (2012), seria a de que, possivelmente, o canto tenha surgido da imitação dos gritos de animais ou como acreditava Rousseau (1978, p. 186), como desdobramento da linguagem falada e articulada, diferenciados

pelo “ritmo e inflexões melodiosas dos acentos”. A música como linguagem criativa e, portanto intencional, é exclusividade do homem. Lévi-Strauss (1991, p. 30), na obra O cru e o cozido, afirma que, “[...] a natureza produz ruídos, e não sons musicais, que são monopólio da cultura enquanto criadora dos instrumentos e do canto. [...] Os sons musicais não existiriam para o homem se ele não os tivesse

inventado”.

Em algumas sociedades tribais africanas, a vida em comunidade está de tal forma impregnada pela música, que não existe uma palavra para defini-la. A música faz parte do todo da vida em comunidade e, consequentemente da educação, possuindo uma ampla gama de possibilidades sonoras e de características conforme os modos de vida de cada sociedade. Para os antigos chineses e indianos, a música conjuntamente com o ensino da escrita, da matemática, agricultura, poesia, dança, arquitetura, pintura e escultura, fazia parte da educação como um todo, estando intimamente ligada à religião e à ordem social.

Ao iniciar seu texto, no livro A filosofia da música, Ridley (2008, p. 9)

esclarece que o escreveu a partir da convicção “de que a música é parte da vida”. O autor afirma que “a música e os sons musicais são onipresentes” (p.10), pois se

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exemplo: “o rádio do vizinho, as vinhetas de TV, os sinos das igrejas, o muzak2das

lojas, alguém que assobia, o som de carros que passam, secretárias eletrônicas,

juke boxes, jingles de publicidade, músicos de rua”. (p.10)

A música também tem historicidade, tendo em vista que os significados, as funções e as concepções sobre música mudam com tempo. Nesse sentido, Ridley (2008, p.10) ilustra e esclarece:

[...] onde agora temos computadores, certa vez tivemos crumhorns3e,

antes deles, liras e monocórdios. Os papéis musicais mudam: o lugar da música na dança tribal é diferente do seu lugar cristão, e tampouco é o mesmo que seu lugar no Albert Hall [...]. As concepções de música mudam: tivemos a metafísica pitagórica, a harmonia das esferas, a música devocional, a música como ornamento, a música como arte elevada, a música völkisch4, a música de protesto, a música

mercadoria. O propósito da música, o que foi considerado música e a maneira como foi ouvida e como se pensou nela – todas essas coisas mudaram, o que significa que, para compreendermos a música e as experiências musicais que agora temos, elas terão de ser compreendidas historicamente, pelo menos em parte – como produtos complexos de acréscimo, assimilação, atrofia e decadência”.

A música é sempre socialmente inserida, já que não existe em um vácuo, não

vem de Marte, porque ela ocupa um “espaço conceitual” pela qual ela condiciona e é condicionada, “nos interstícios de um conjunto indefinidamente maior e mutável de

outros interesses”, como por exemplo, “[...] por meio da dança, a música une-se reciprocamente ao sexo e à sociabilidade, por meio dos hinos e cânticos religiosos à saúde da alma, por meio das canções de ninar à brincadeira, por meio de marchas

ao exército, por meio dos hinos à solidariedade [...]”. (RIDLEY, 2008, p.10-11).

Seguindo raciocínio semelhante, em The Anthropology of Music, Alan Merrian (1964, p.7, tradução nossa), define música da seguinte forma: “A música é um

2 Muzak - Música ambiente (nota nossa). 3 Crumhorn

– “o mesmo que krumhorn; instrumento de palheta dupla encapsulada, com tubo

cilíndrico e a extremidade inferior recurvada em direção ao corpo [...]. O mais importante instrumento de palheta encapsulada durante o séc. XVI e início do séc. XVII, está ligado principalmente à

Alemanha, à Itália e aos Países Baixos”. (Dicionário Grove de música, 1994, nota nossa).

4Völkisch - o tradutor e o autor da citação preferiram manter a palavra no original alemão por se tratar

de um termo de difícil tradução. A princípio o termo völkisch poderia ser traduzido como popular, mas

significa mais do que isso na língua alemã, significa: “o mais genuinamente alemão”. (MASKE, 2004,

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produto do comportamento humano e possui estrutura, mas sua estrutura não pode

ter existência própria se divorciada do comportamento que a produz”.

Para Wisnik (2007) a música se constitui de forma metafórica, como um retrato ideológico da sociedade, como um paradigma utópico da sociedade em harmonia, que busca ordenar os ruídos e sons do mundo, buscando apaziguar os conflitos e o caos presentes na sociedade. Schafer (1997, p.138) define ruído como

“qualquer som indesejado [...] são música ou ruído depois que determinamos se

constam da mensagem que se quer ouvir ou se são interferências misturadas a ela”.

Para esclarecer a noção de ruído e sua implicação no campo da arte, Wisnik (2007, p.33) descreve uma microfonia:

A microfonia é ruído, não só porque fere o ouvido, por ser um som penetrante, hiperagudo, agressivo e “estourado” na intensidade, mas porque está interferindo no canal e bloqueando a mensagem. Essa definição de ruído como desordenação interferente ganha um caráter mais complexo em se tratando de arte, em que se torna um elemento virtualmente criativo, desorganizador de mensagens/códigos cristalizados e provocador de novas linguagens. (grifo do autor).

A música como fenômeno é, portanto, invenção do homem, possui historicidade e encontra-se socialmente inserida. Nesse sentido, a música deixa de ser apenas um agrupamento de sons e/ou ruídos e/ou silêncios, pois depende da intencionalidade de quem a produz, que por sua vez depende do contexto social, cultural e histórico em que essa música é produzida, disseminada, mantida ou transformada, de acordo com a reação que é capaz de provocar e/ou dos usos e funções que dela se faz.

1.1. A música

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musas são “as cantoras divinas, cujos coros e hinos alegram o coração de Zeus e

de todos os Imortais, já que sua função principal era presidir ao Pensamento sob todas as suas formas: sabedoria, eloquência, persuasão, história, matemática,

astronomia” (BRANDÃO, 2002, p. 203).

A música ocupava lugar central na sociedade grega antiga de forma complexa, já que também não era concebida dissociada de outros saberes. O estudo da música envolvia o aprendizado da lira e de outros instrumentos musicais como cítara e flauta, o canto e a declamação de poesias; estudo esse indissociável da dança, que educava o corpo. Assim, a educação grega compreendia duas partes essenciais: gymnastiké (ginástica) para o corpo e mousiké (música) para a alma. Música se referia à cultura do espírito em geral, que não era separada da cultura física, uma conduzia à outra, isto é, a música como expressão dos sentimentos era capaz de guiar condutas e vontades. (MANACORDA, 1999).

Baseada no conhecimento musical dos egípcios e mesopotâmios, que acreditavam na harmonia entre o universo (macrocosmo) e o ser humano (microcosmo), representada pela música e pela origem dos números, os gregos criaram a teoria musical ocidental. Essa teoria musical ainda não se constituía como um sistema explicativo da música como um sistema autônomo, mas como um princípio universal que encontrava correspondência entre os astros e os sons, entre os sons e os números e regia a ordem social. O mito da harmonia das esferas celestes (descrita no Livro X da República de Platão) seria então uma referência ideal pela qual os planetas estavam dispostos no universo de forma ordenada e equilibrada e encontravam correspondência com os sons musicais. Os sete planetas da astrologia antiga: Lua, Sol, Vênus, Mercúrio, Marte, Júpiter e Saturno, correspondiam às sete notas musicais, e as estrelas fixas representavam a essência numérica do mundo. Essa correspondência entre astros, números e sons que só existia no mundo ideal, era uma música silenciosa e é nesse sentido que se constituía como uma teoria. Ao mesmo tempo, a harmonia das esferas era uma ciência da alma, psykhé5, ou princípio vital, capaz de mover as coisas.

5

Psykhé: Alma, psique; sopro de vida; princípio da vida; o vivente; caráter, temperamento; sede dos desejos, sentimentos e pensamentos. Personificada, Psyché simboliza a imortalidade e é

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A natureza numérica da phýsis ou a estrutura harmônica do mundo ou kósmos está presente em todas as coisas e também na alma, psykhé. Segundo os doxógrafos6, Pitágoras e seus discípulos teriam dito que “a alma é harmonia” (portanto, unificação de muitos elementos e concordância dos contrários ou discordantes). Justamente por ser constituída pela mistura de muitos elementos discordantes, a alma precisa buscar a concordância entre eles e fazer com que os elementos superiores dominem os inferiores. Pitágoras afirmava o poder terapêutico da lira sagrada de Orfeu porque a harmonia de seus sons auxiliava o esforço da alma para ser, ela também, harmonia, estabelecendo a justa proporção entre os contrários que a constituem. Há, portanto, em Pitágoras uma ética deduzida da cosmologia. (CHAUÍ, 2002, p. 69).

A relação entre números, sons e ordem social já havia sido explorada pelos antigos chineses, que associavam as notas musicais aos comprimentos de tubos e cordas que as produziam, pelas quais os intervalos musicais consonantes de quarta, quinta e oitava7, tornaram-se ponto de partida para diversos sistemas de escalas musicais8. Mas para os chineses, a escala musical era interpretada como modelo cosmogônico9 e político. Cada nota da escala pentatônica (escala de cinco notas) corresponde a um componente da vida social: a nota Kong (fá) representa o príncipe; Chang (sol) os ministros;kio (lá) o povo; tché (dó) os negócios e yu (ré) os

6 Escritores antigos que escreveram comentários a partir da leitura dos escritos originais dos

pré-socráticos, sobre as teorias propostas. Esses escritos são a única fonte de referência que existe até hoje. (Nota nossa).

7 O intervalo musical é a distância existente entre dois sons afinados no campo das alturas. O

intervalo consonante tem como característica, ser agradável ao ouvido. Essas propriedades do som já eram estudadas pelos gregos, chineses e outros povos, mas a sistematização desse conhecimento na tradição ocidental foi atribuída aos pitagóricos. O monocórdio, possivelmente inventado por Pitágoras, era um instrumento que consistia em uma corda estendida entre dois cavaletes sobre uma prancha que possibilitou uma série de experimentos pelos quais Pitágoras buscava associações entre as formações sonoras e uma ordem numérica e harmônica. Os experimentos permitiram observar, entre outras coisas, que pressionando a corda na metade de seu comprimento e tocando-a, era possível ouvir a sua repetição num registro mais agudo, ou seja, transpondo esse conhecimento para o sistema musical atual, uma oitava acima (se for a nota dó, por exemplo, a oitava será a mesma nota dó num registro mais agudo). Ao pressionar a corda num ponto situado a 2/3 de seu comprimento, ouvia-se uma quinta acima, (se o som original for dó, sua quinta seria a nota sol). O intervalo de quinta é considerado o mais consonante dentro do sistema de alturas. Pressionando a corda a 3/4 do comprimento forma-se o intervalo de quarta (no caso do som original ser a nota dó, a quarta seria a nota fá). (WISNIK, 2007; ABDOUNUR, 2003)

8Escala é o “conjunto mínimo de notas com as quais se forma a frase melódica. [...] Não importa que

a nossa tradição pense a escala como uma sequência de notas que vão do grave para o agudo, e que os gregos pensassem as suas escalas como um conjunto descendente indo do agudo para o grave. [...] é um estoque simultâneo de intervalos, unidade distintivas que serão combinadas para formar sucessões melódicas”. (WISNIK, 2007, p.71).

9 Cosmogônico

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objetos. Cada elemento deve contribuir para manter o equilíbrio da ordem social (metaforicamente e metonimicamente) através da associação de sons claros e distintos (agudos) ou sons fortes e poderosos (graves) com cada uma das notas,

buscando não “perturbar” o equilíbrio dos cinco sons. (WISNIK, 2007).

Mas foram os gregos (principalmente os pitagóricos) que, a partir da sistematização desse conhecimento, criaram a astronomia marcando definitivamente a passagem do modelo de pensamento cosmogônico das culturas orientais para o

modelo cosmológico, caracterizado pela “explicação racional da origem do mundo”.

(CHAUÍ, 2002, p. 24).

Embora a filosofia de Platão e Aristóteles tenha sido claramente influenciada pelo pensamento pitagórico, ela dá um novo sentido a esse modelo cosmológico e ontológico para atender a uma nova ordem: garantir o bem estar do cidadão da

pólis10. Platão (2006) parte do modelo da harmonia das esferas para discursar sobre a cidade ideal. Preocupado com a manutenção da ordem social da nova pólis,

recomendava a utilização dos instrumentos de Apolo11, como a lira e a cítara, rejeitando os instrumentos de muitas cordas, como a harpa e o aulos (instrumentos de Dionísio) que poderiam produzir harmonias12 indesejadas e, consequentemente, comportamentos inadequados para o bom cidadão da pólis. Os guardiões deviam ser os responsáveis por zelar pela boa música e pela boa educação, a fim de garantir o equilíbrio da pólis.

Na obra República, Platão (2006) discute o papel pedagógico da poesia13 e da música para a formação moral da criança, explicando que as fábulas contadas

10 Pólis: Cidade; Cidade-Estado; reunião dos cidadãos em seu território e sob suas leis. Dela se

deriva a palavra política (politikus: cidadão, o que concerne ao cidadão, os negócios públicos, a

administração pública)”. (CHAUÍ, 2002, p.509).

11 Pela mitologia grega, Apolo era o Deus da luz e da palavra, patrono da filosofia, enquanto Dionísio

era o Deus do êxtase e do entusiasmo, considerado o protetor das belas artes e conhecido como Baco (latim).

12 O termo harmonia para os gregos tinha um sentido diferente da linguagem musical moderna. Está

relacionado à ideia desenvolvida por Platão de harmonia das esferas celestes. “Ele designa não só a

relação e a disposição dos intervalos entre as notas da melodia, mas também a afinação, a altura do som, o andamento melódico, as cores, a intensidade, o timbre da música. Os diferentes grupos de

harmonia compõem os ‘modos’ musicais”. (PLATÃO, 2006, p. 113 – Nota de rodapé de Daniel R.N. Lopes).

13 Platão faz uma crítica ao modelo de educação tradicional da Grécia dos séculos V e VI a.C.,

(23)

para as crianças deveriam ser escolhidas dentre aquelas que fossem as mais

adequadas à educação, “as mais belas e as mais apropriadas para ensinar-lhe a

virtude”. Segundo o pensador, as crianças ainda não conseguiriam distinguir o que havia de verdade nas fábulas e justamente por isso: “a música deve vir antes da

ginástica”, para “moldar” o caráter dos futuros guardiões da cidade que devem

tornar-se “piedosos e semelhantes aos deuses na maior medida que mortais o possam ser”. (PLATÃO, 2006, p.85-96, Livro II, 376e, 377a, 378e, 383c).

Aristóteles também estava preocupado com a função da música em seu

tempo, que como forma de diversão estava ligada aos “prazeres vulgares”, nos

banquetes e festividades, e acreditava que os músicos profissionais

preocupavam-se mais em “fazer música” para divertir os ouvintes do que necessariamente serem bons músicos. E nesse sentido, deviam-se educar as crianças desde cedo para que aprendessem a apreciar boa música, condição para serem bons cidadãos. A música é descrita por Aristóteles em A política como forma de lazer e fonte de prazer do

homem livre, porque “é o princípio de todos os encantos da vida”. (ARISTÓTELES,

2006, Livro II, p.80).

Essa visão hedonista de Aristóteles sobre a música se estende também à

educação, tendo em vista que “a música é uma excelente parte da educação e deve ser ensinada às crianças, senão como necessária ou útil para ganhar a vida, pelo

menos liberal e honesta. É a música a única no gênero dos talentos agradáveis [...]”.

(ARISTÓTELES, 2006, Livro II, p. 81).

De certa maneira, Platão e Aristóteles compartilhavam ideias semelhantes acerca da educação ideal do jovem cidadão da pólis. Se antes do período clássico grego, a música era considerada somente em sua função ritual, feita para os cultos a Apolo e Dionísio, no período clássico de Platão e Aristóteles, passa a desempenhar outras funções na vida social da pólis, dando um novo sentido ao termo mousiké. A música cívica, de caráter apolínio se caracterizava como a música mais adequada para a educação de jovens e crianças em detrimento da música de caráter dionisíaco. Essa forma de pensar, mais tarde, mostrará seus reflexos com o

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desenvolvimento de duas vertentes musicais que coexistirão na tradição ocidental: uma ligada à música praticada dentro das igrejas e monastérios (que dará origem à

música clássica), caracterizada pelo desenvolvimento de um “saber técnico/teórico musical” e outra que se referia às músicas “profanas” e “populares”, de tradição oral.

A distinção entre os diferentes gêneros e funções da música será abordada a seguir.

1.2. Gêneros, usos e funções sociais da música

O sistema musical da Grécia antiga, baseada no modelo da harmonia celeste, era composto por escalas ou modos que determinavam o caráter das músicas. De um lado, existia uma música de caráter apolíneo, e de outro uma música dionisíaca, que daria origem às músicas sacras e profanas na Idade Média e acabariam por determinar os caminhos que seguiria o desenvolvimento da música ocidental, com a invenção do tonalismo14, ou seja, da escala musical temperada, tal qual a conhecemos hoje. Em contraposição à música ocidental, Wisnik (2007) chama de música modal, a música surgida antes do advento do tonalismo. O mundo modal a que se refere o autor, diz respeitos às sociedades pré-capitalistas, “englobando

todas as tradições orientais (chinesa, japonesa, indiana, árabe, balinesa e tantas outras), ocidentais (a música grega antiga, o canto gregoriano e as músicas dos

povos da Europa), todos os povos selvagens da África, América e Oceania”.

(WISNIK, 2007, p. 34).

São as escalas, modos ou gamas15 que determinam as características ou

“sotaques musicais” das melodias. Em outras palavras, as melodias tornam-se

“reconhecíveis” a partir do uso recorrente dessas escalas dentro de um determinado

contexto cultural.

14 O tonalismo é caracterizado pela unificação do campo das alturas sonoras através de uma escala

cromática. A escala cromática consiste em doze semitons (a menor medida intervalar padronizada entre dois sons) iguais no espaço entre as notas de uma escala. Seria o equivalente às sete notas brancas e as cinco pretas do teclado. Esse conhecimento foi sistematizado por J. S. Bach na obra O Cravo bem temperado – um livro de prelúdios e fugas escritas em 24 tons maiores e menores para o estudo de instrumentos de teclas.

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As escalas variam muito de um contexto cultural para outro e mesmo no interior de cada sistema (os árabes e os indianos, por exemplo, têm um sistema escalar intrincado, composto de dezenas de escalas e centenas de derivados escalares). As escalas são paradigmas construídos artificialmente pelas culturas, e das quais se impregnam fortemente, ganhando acentos étnicos típicos. Ouvindo certos trechos melódicos, dos quais identificamos não conscientemente o modo escalar, reconhecemos frequentemente um território, uma paisagem sonora, seja ela nordestina, eslava, japonesa, napolitana, ou outra. (WISNIK, 2007, p.71-72).

No entanto, não é somente a melodia e o parâmetro das alturas que determinam se uma música é deste ou daquele tipo. O emprego dos diferentes tipos de sons também deve ser considerado, questão essa também relacionada ao contexto histórico e social em que ocorre. Nesse sentido, Brito (2003) faz uma observação importante:

O ruído, por exemplo, considerado durante muito tempo como não-som, ou som não musical, presente apenas nas produções musicais alheias ao modelo musical ocidental, foi incorporado e valorizado como elemento de valor estético na música ocidental do século XX. Se o parâmetro altura, com a ordenação de tons (sons com afinação determinada), predominou na música ocidental desde a Idade Média até o final do século XIX, o timbre tornou-se o parâmetro por excelência no século XX, pela ampliação das fontes sonoras que foram incorporadas ao fazer musical. (BRITO, 2003, p.25).

Os parâmetros sonoros são as qualidades intrínsecas do som: altura, intensidade, duração e timbre. A altura está relacionada à criação das melodias, a intensidade diz respeito à expressão dinâmica (sons fortes ou fracos), a duração determina a organização da música no tempo (ritmo) e o timbre depende da sua fonte de produção sonora. São essas características do som que são organizados de acordo com o caráter que se quer dar à música. Como por exemplo, o território modal, descrito por Wisnik (2007) como sendo ruidoso e ritualístico, com escalas que remetem a uma circularidade cíclica, “capaz de exaltar, levar ao transe ou ao êxtase, à meditação ou à dança, sem falar nas gradações sutis desses estados [...]”.

(p.83).

(26)

exemplo, tinha a função de causar introspecção, sendo assim, as melodias eram sobrepostas de modo a se evitar o trítono16 considerado diabólico e capaz de provocar comportamentos indesejados. As canções de ninar são de tradição oral, estão presentes em quase todas as culturas e são entoadas pelas mães com o intuito de fazer adormecer os bebês, seja pelo ritmo muitas vezes ditados pelos versos da canção e pelo embalo provocado, seja pelas letras (no caso das cantigas brasileiras) muitas vezes amedrontadoras para disciplinar o sono das crianças. (MACHADO, 2012).

Falar sobre música e seus contextos, implica em falar sobre os gêneros musicais. Segundo Fabbri (1981) um gênero musical é “um conjunto de eventos

musicais17 (reais ou possíveis) cujo curso é governado por um conjunto definido de

regras socialmente aceitas”.

Fabbri (1981) recorre à teoria dos conjuntos para definir o que seria um gênero musical. Explica que um gênero só pode ser considerado em relação a outro gênero ou subgênero, assim como um conjunto só pode ser considerado em relação a outro conjunto ou subconjunto, ou ainda na intersecção dos conjuntos. Um evento musical pode pertencer tanto a um ou a outro gênero, quanto a dois ou mais gêneros ao mesmo tempo, constituindo-se como gênero ou subgênero dependendo do consenso em relação ao conjunto de regras estabelecidas socialmente, que determina e nomeia um gênero como sendo de um ou outro tipo. Esse conjunto de regras pode ser de caráter genérico ou particular. O conjunto de regras genéricas tem um caráter codificado e está associado com a regulação da relação entre os níveis de expressão e de conteúdo do evento musical, que já se encontram estabelecidos historicamente e mais amplamente aceitos socialmente. O caráter particular dessas regras diz respeito aos novos acordos estabelecidos pelas comunidades musicais (produtores/compositores/instrumentistas, mediadores/ meios de comunicação/instituições econômicas, receptores/público/ouvintes), a partir dos

16 O trítono é o intervalo entre alturas de duas notas musicais, que possua exatamente três tons

inteiros (simplificando e exemplificando, seria o equivalente a tocar as notas fá e si ao mesmo tempo), e constitui uma das dissonâncias mais complexas da música ocidental. Por causar sensação de tensão e movimento, o seu uso foi proibido pela igreja católica durante certo período.

17Segundo Fabbri (1981, p. 52) “evento musical” é “qualquer tipo de atividade exercida em torno de

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gêneros já existentes, dependendo do contexto em que ocorrem. O autor descreve as seguintes regras que podem determinar um gênero musical: regras formais e técnicas, regras semióticas, regras de comportamento, regras sociais e ideológicas, e regras econômicas e jurídicas.

As regras formais e técnicas abarcam as convenções no nível da composição e execução da música, estabelecidas e situadas historicamente, e que determinam as escolhas quanto aos elementos musicais (melodia, harmonia, ritmo) e/ou entre os elementos textuais e musicais, que mesmo sendo variáveis ou relativos estabelecem uma referência.

As regras semióticas encontram-se no eixo da produção de sentidos do texto musical, tanto para produtores quanto para os ouvintes. São códigos que criam uma relação entre a expressão de um evento musical e o seu conteúdo, e são estabelecidas pelo elemento textual ou pelo discurso musical determinando sua função comunicativa (que o autor toma emprestado da linguística): referencial, emocional, fática, imperativa, metalinguística ou poética. Um evento musical pode ser analisado a partir da leitura de seu texto musical situando-o em seu desenvolvimento histórico. Isso é possível porque as diferenças no conceito de desenvolvimento musical de diferentes épocas e gêneros já estão bastante codificados. As regras dos gêneros dependem da predominância existente entre as diferentes funções comunicativas, como por exemplo: a função emocional para a

música de cinema ou os jingles publicitários; ou a função fática para a música de fundo. Na função emocional, onde se destaca o emissor, outro exemplo seria o modo de cantar de determinado intérprete que pode remeter a um gênero de música pop romântica ou a um rock hardcore.

Diferentes canções e gêneros musicais apresentam timbragens, mixagens e dicções características; antes de se reconhecer quem ou o que se canta, a canção é endereçada ao ouvinte pelos “modos de cantar e tocar”. Assim, a vocalização e a interpretação de certa canção são “incorporações musicais”. Ouvir música é “incorporar” não só as vozes, mas também os instrumentos harmônicos e percussivos. (JANOTTI JUNIOR, 2006, p. 45).

(28)

respeito a certas regularidades encontradas, em relação à postura, aos gestos e movimentos de certos cantores, instrumentistas, regentes, ouvintes ou até mesmo de críticos musicais. Estão relacionadas ao grau de identificação das comunidades musicais com determinado gênero.

Toda expressão musical da cultura popular massiva indica modos específicos de participação corporal diante da música. A maioria dos gêneros musicais midiáticos pode ser associada a determinado modo de dança, que aqui não significa somente uma expressão pública de certos movimentos corporais diante da música e, sim, a corporificação presente na própria música. Mesmo os gêneros musicais que remetem a uma espécie de audiência passiva em termos de movimentos corporais pressupõem alguma forma de relação rítmica com o corpo dos ouvintes. Quando dançamos (pelo menos em se tratando de danças codificadas socialmente), sujeitamos os movimentos de nossos corpos a regras musicais, o que revela um senso físico da produção de sentido diante da música. Dançar, como demonstram, por exemplo, o samba e o funk, é um modo codificado de processar a música. (JANOTTI JUNIOR, 2006 p.43)

Com relação às regras sociais e ideológicas, Fabbri (1981) explica que cada gênero é definido por uma comunidade musical de estrutura variável, que aceita as regras e cujos membros participam de várias formas, durante o curso de um evento musical. Certos gêneros estão associados a grupos de determinada faixa etária ou função social, como por exemplo: a música de protesto.

Já as regras econômicas e jurídicas se relacionam com as condições de produção e disseminação dos gêneros musicais, que garantem a sua prosperidade e sobrevivência .

O gênero musical, portanto, é determinado pelo processo de apropriação dessas regras e códigos pelos atores sociais, mais especificamente, pela comunidade musical, constituindo-se como um produto do uso dessas regras, dada a sua função categorizadora. Os subgêneros são o resultado das hibridizações dos gêneros. Por exemplo: um rock, um samba ou um jazz são gêneros facilmente reconhecíveis a partir das regras genéricas descritas anteriormente, mas podem constituir subgêneros como o samba-rock ou o jazz-rock cujos limites já não são tão definidos e refletem o seu caráter particular. O mesmo se aplica a alguns gêneros como o world music ou as músicas de tradição oral, isso sem falar nas músicas dos

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veiculação desses produtos, ganham rótulos que possam permitir o seu consumo.

Esse processo de “rotulação” leva a uma padronização e massificação dos gêneros,

atendendo assim, às necessidades mercadológicas da Indústria Cultural.

Observa-se que os gêneros musicais se constituem nos consensos ou dissensos, conflitos ou contradições, entre o que é genérico ou particular, entre o tradicional ou o novo, num processo dinâmico que, por sua vez, é determinado pelos usos e funções que se fazem deles. Os usos da música se referem à forma como ela é empregada na sociedade e as funções são os motivos pelos quais a música é utilizada. Merrian (1964) propõe e discute dez usos e funções psicológicas e sociais da música, que serão descritas a seguir:

Função de expressão emocional é a função pela qual a música pode expressar uma gama variada de emoções, porque é capaz de promover “a liberação

de pensamentos e ideias de outro modo inexprimíveis, a correlação de uma grande variedade de emoções e música, a oportunidade de desabafar e talvez, resolver os

conflitos sociais” 18. (p.222-223).

A função de prazer estético é uma questão discutível, pois depende do fator cultural e se faz presente tanto para o produtor (compositor ou intérprete) quanto para o receptor (audiência). Essa função pode estar presente na maioria das culturas, principalmente na cultura ocidental, mas não estar presente “nas culturas do mundo não letrado” [...]. “E só pode ser dito que a função de prazer estético é

claramente operatória em algumas culturas do mundo, e talvez presentes em

outros.” (p.223).

A função de entretenimento ou diversão está presente em todas as

culturas, mas “[...] uma distinção deve ser feita entre, provavelmente, puro

entretenimento, que parece ser uma característica particular da música na sociedade ocidental, e entretenimento combinado com outras funções, que pode ser

uma característica mais predominante em sociedades não letradas”. (p.223).

A função de comunicação também depende da cultura e da compreensão dos signos musicais presentes em cada cultura. Por exemplo, em uma canção com letra, o idioma precisa ser compreendido para comunicar integralmente a

(30)

informação, as ideias e as emoções contidas em determinada música. Apesar de ser

uma atividade humana partilhada por todos os povos, “a música não é uma

linguagem universal, mas é moldada de acordo com a cultura de que faz parte [...] e entre todas as funções da música, a função de comunicação é talvez a menos

conhecida e compreendida”. (p.223).

Quanto à função de representação simbólica, “há pouca dúvida de que a

música seja uma representação simbólica de outras coisas, ideias e

comportamentos”. (p.223).

Para Merrian (1964), a transmissão de informações musicais ou contidas nos textos das canções (componente extramusical), como narrativas, valores ou ideias, envolve a construção social do significado musical dentro de contextos culturais. O

autor descreve quatro níveis de simbolismo na música: “os signos e os símbolos

evidenciados nos textos da canção, o reflexo simbólico ou significado afetivo ou cultural, as reflexões sobre o comportamento cultural e outros valores, e o

simbolismo profundo presente nos princípios universais”. (p.258).

A função de resposta física ou reação fisiológica é apresentada com alguma hesitação por Merrian (1964). A música provoca resposta física e é utilizada pelas diferentes sociedades, mas as respostas podem ser diferentes conforme as

convenções culturais. “A produção de resposta física parece, claramente, ser uma

função importante da música; a questão é saber que esta resposta biológica primária pode ser provavelmente substituída, pelo fato de que ela é moldada culturalmente”.

(p.224).

A Função de impor conformidade às normas sociais é descrita como uma

das maiores funções da música. “A música para o controle social é parte importante

de um número substancial de culturas, tanto para alertar diretamente os membros

da sociedade, quanto para estabelecer um comportamento considerado adequado”. (p. 224). Um exemplo disso são as canções escolares que “ditam regras” de

comportamento.

(31)

sociais ou preceitos religiosos, dizendo o que as pessoas devem ou não fazer. (p.225).

A Função de contribuição para a continuidade e estabilidade da cultura

tem como pressuposto que, “se a música permite a expressão das emoções e a

comunicação, oferece prazer estético e entretenimento, elicia respostas físicas e valida as instituições sociais e religiosas, fica claro que a música contribui para a

continuidade e estabilidade da cultura”. (p.225). Não se trata de uma função

exclusiva da música, mas poucos elementos da cultura oferecem ao mesmo tempo, a oportunidade para a expressão das emoções, para o entretenimento, para a comunicação, entre outras coisas. Exemplo dessa função são as canções folclóricas.

Na função de contribuição para a integração da sociedade, a música promove um ponto de convergência no qual os membros da sociedade se agrupam em torno de atividades que requerem cooperação e solidariedade, como por exemplo: canções de trabalho e canções nacionais. (p.226).

Em 1999, Hargreaves e North fizeram uma revisão das categorias de Merrian (1964) e afirmam que pesquisas (Sloboda, 1991; Hargreaves e North, 1997) confirmam que a música como expressão das emoções tem uma função social explícita, já que as respostas à música dependem do fator cultural. “A música

através de suas funções cognitivas, emocionais e sociais é um veículo essencial através do qual o patrimônio cultural é passado de uma geração para a seguinte”.

(HARGREAVES e NORTH, 1999, p. 75 – tradução nossa).

(32)

implica em “dar sentido ao contexto, seja histórico, social, biográfico, acústico ou outro”. (p.50).

Swanwick (2003) defende uma educação musical transformadora e dialógica.

E para isso, o “fazer musical” precisa ser considerado como expressão emocional,

prazer estético, comunicação e representação simbólica. Todas essas categorias

são formas simbólicas que possibilitam “um realinhamento metafórico”, mesmo que tenham algum componente reprodutivo.

Isso quer dizer que, de certo modo, elas podem envolver elementos do que Piaget chama representação interna, a manipulação de imagens, a produção de relações entre essas imagens, a criação e desenvolvimento de vocabulários compartilhados e a negociação e troca de ideias com outros. (SWANWICK, 2003, p.49).

Uma das principais funções da educação musical é justamente dar acesso a uma forma de expressão simbólica que possibilite a expressão de coisas, situações e emoções que de outra forma seriam difíceis de ser expressas, tanto no campo da produção (criação/ composição/ interpretação), quanto da mediação (reprodução/

disseminação) e da recepção (apreciação/audiência) da linguagem musical. O “fazer musical” envolve tanto o processo de produção quanto o de recepção. Ao ouvir música, o sujeito reconstrói simbolicamente a escuta, e é nesse sentido, que a

pessoa “faz música”. Esse “fazer musical” é social e cultural, pois é do meio social

que são selecionados os elementos necessários para esse “fazer musical” e é no

contexto cultural que esse processo ocorre. A função social da música está então,

subordinada ao processo do “fazer musical”.

Atualmente, com o desenvolvimento da tecnologia, o acesso à música tornou-se extremamente amplo, podendo tornou-ser encontrada nos meios de comunicação de massa (rádio e televisão), na internet, em gravações de CD, em aparelhos portáteis (MP3, MP4, Ipod, etc.), nos bares e restaurantes, nos supermercados e shopping centers, na rua, na igreja, em casa, entre tantos outros meios e lugares. A música está por toda parte, como diria Schafer (1997), mas ainda se faz pouco presente nas escolas brasileiras.

(33)

formas de conhecimento fossem contempladas no contexto escolar e nesse sentido, Paulo Freire (2002, p.78) explica que:

Especificamente humana a educação é gnosiológica, é diretiva, por isso política, é artística e moral, serve-se de meios, de técnicas, envolve frustrações, medos, desejos. Exige de mim, como professor, uma competência geral, um saber de sua natureza e saberes especiais, ligados à minha atividade docente.

Com relação à música, o domínio da afetividade pode englobar também as funções de: expressão das emoções (alegria, tristeza), prazer estético (fruição) e reação fisiológica (dança/movimento) pelo modo com o sujeito é afetado ou afeta o meio pela música; comunicação, por ser o fator de interação; e entretenimento por ser fonte de prazer. Essas funções do domínio da afetividade são também condições para a humanização. Portanto, dentre as funções sociais da música na educação, será abordada com maior ênfase a função afetiva da música, tendo em vista que, a música na escola possibilita trabalhar a dimensão humanizadora19 do processo ensino-aprendizagem.

1.3. Sobre a música e a afetividade

Voltando à perspectiva da inserção social da música, é possível afirmar que um fenômeno sonoro torna-se música quando os membros, de cada grupo social consensualmente, determinam ou nomeiam este fenômeno sonoro como sendo

música. Ainda assim, determinar e nomear não são tarefas óbvias ou muito menos simples, quando se trata de música, pois:

[...] a música não refere nem nomeia coisas visíveis, como a linguagem verbal faz, mas aponta com uma força toda sua para o não-verbalizável; atravessa certas redes defensivas que a consciência e a linguagem cristalizada opõem à sua ação e toca em pontos de ligação afetivos do mental e do corporal, do intelectual e do afetivo. (WISNIK, 2007, p. 28).

19 O termo humanizador é utilizado no sentido dado por Paulo Freire (1982; 2002) ao se referir a uma

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A afirmação de Wisnik (2007) indica que a música, diferentemente da linguagem verbal, não cria imediatamente imagens passíveis de nomeação, dependendo assim, de outros sistemas de significação, ao mesmo tempo em que reforça a ideia de que, por isso mesmo, age em todas as dimensões do humano.

O conteúdo da música só pode ser articulado através do som. [...] Não podemos definir música como algo que tem apenas conteúdo matemático, poético ou sensual. Trata-se de tudo isso e muito mais. Relaciona-se à condição humana, porque a música é escrita e executada por seres humanos que expressam seus pensamentos íntimos, sentimentos, impressões e observações. (BARENBOIM, 2009, p. 18).

Ao afirmar que, “a música se assemelha ao mito”, Levi-Strauss (1991) parte da ideia que a mitologia e a música acionam estruturas mentais comuns no ouvinte (citando Baudelaire), mantendo clara a distinção entre o sistema musical e a linguagem articulada, como sendo “diametralmente opostas”, colocando a mitologia

numa posição mediana entre os dois sistemas, mas procurando aproximar o mito da música. Ambos – mito e música – operam simultaneamente em dois domínios, como um duplo contínuo: um externo, de ordem material, dado pelo meio (cultural) e outro interno, de ordem psicofisiológica.

Um externo, cuja matéria é constituída, num caso, por acontecimentos históricos ou tidos como tais, formando uma série teoricamente ilimitada de onde cada sociedade extrai, para elaborar seus mitos, um número limitado de eventos pertinentes; e no outro caso, pela série igualmente ilimitada dos sons fisicamente realizáveis, onde cada sistema musical seleciona a sua escala. O segundo contínuo é de ordem interna. Tem seu lugar no tempo psicofisiológico do ouvinte, cujos fatores são muito complexos: periodicidade das ondas cerebrais e dos ritmos orgânicos, capacidade da memória e capacidade de atenção. (LEVI-STRAUSS, 1991, p.25)

O autor procura transcender a oposição entre o sensível e o inteligível, mostrando como estes se exprimem um através do outro. (LEVI-STRAUSS, 1991, p.24-25)

(35)

muito além dos limites que outras artes evitariam ultrapassar. Tanto do lado da natureza quanto da cultura, ela ousa ir mais longe do que as outras. Assim se explica o princípio (quanto não a gênese e a operação, que continuam sendo, como dissemos, o grande mistério das ciências do homem) do poder extraordinário que possui a música de agir simultaneamente sobre o espírito e sobre os sentidos, de mover ao mesmo tempo as idéias e as emoções, de fundi-las numa corrente em que elas deixam de existir lado a lado, a não ser como testemunhas e como respondentes. (LEVI-STRAUSS, 1991, p.35)

Em Psicologia da Arte, Lev Vigotski (2001) faz um estudo sobre o papel social da arte e a descreve como potencialmente capaz de suscitar emoções no âmbito

pessoal sem, contudo, deixar de ser social, afirmando que [...] “a arte é o social em

nós [...] o social existe até onde há apenas um homem e suas emoções pessoais...”

(p.315).

A refundição das emoções fora de nós realiza-se por força de um sentimento social que foi objetivado, levado para fora de nós, materializado e fixado nos objetos externos da arte, que se tornaram instrumento da sociedade. De igual maneira, a arte é uma técnica social do sentimento, um instrumento de sociedade através do qual incorpora ao ciclo da vida social os aspectos mais íntimos e pessoais do nosso ser [...] mas torna-se pessoal, quando cada um de nós vivencia uma obra de arte [...] sem com isto deixar de continuar social. (VIGOTSKI, 2001, p.315)

Vigotski (2001) explica que os efeitos da arte sobre as reações afetivas não são de ordem direta, chamando a atenção para a complexidade do fenômeno, justificando que as emoções estéticas são diferentes das emoções reais, pois as emoções estéticas não se manifestam de forma imediata em ações práticas sendo,

portanto, potenciais. Isso não quer dizer que a arte, não tenha o “poder” de mover

para a ação. Na mesma obra, Vigotski (2001) cita como exemplo disso, uma descrição sobre os efeitos da música feita por Tolstói na novela Sonata a Kreutzer20,

na qual explica que no caso específico da música, sua ação ocorre de forma catártica ou coerciva. Identifica nessa descrição, os dois traços a seguir, sendo que o primeiro indica que:

[...] a música nos motiva para alguma coisa, age sobre nós de modo excitante porém mais indefinido, ou seja, de um modo que não está

20 A novela de Lev Tolstói Sonata a Kreutzer, publicada em 1981, foi inspirada em obra homônima de

(36)

diretamente vinculado a nenhuma reação concreta, a nenhum movimento ou atitude. Nisto vimos a prova de que ela age simplesmente de modo catártico, ou seja, elucidando, purificando o psiquismo, revelando e explodindo para a vida potencialidades imensas até então reprimíveis e recalcadas. Mas isso já é conseqüência e não ação da arte, é antes vestígio que efeito. (VIGOTSKI, 2001, p.319)

E o segundo relaciona a música ao seu poder coercivo:

O segundo traço corretamente ressaltado nessa descrição consiste em reconhecer para a música certo poder coercivo, e o autor tem razão quando diz que a música deve ser assunto do Estado. Com isso ele quer apenas dizer que a música é uma questão social. (Idem, 2001, p.319)

Posto dessa maneira, a música pode ser descrita como afetiva, no âmbito da experiência subjetiva, sem deixar de ser social, pois a arte carrega em potência, as múltiplas formas de realização do comportamento cotidiano.

[...] a música, por si mesma e de forma imediata, não está mais isolada do nosso comportamento cotidiano, não nos leva diretamente a nada, mas cria tão-somente uma necessidade imensa e vaga de agir, abre caminho e dá livre acesso a forças que mais profundamente subjazem em nós, age como um terremoto, desnudando novas camadas [...]. A arte é antes uma organização do nosso comportamento visando ao futuro, uma orientação para o futuro, uma exigência que talvez nunca venha a concretizar-se, mas que leva a operar acima da nossa vida o que está por trás dela. (Ibidem, 2001, p.320)

A teoria psicogenética de Henri Wallon (2005) indica que a emoção é contagiante, pois afeta os que estão no mesmo campo de percepção e ação.

Segundo Wallon (2005, p. 141) “o contágio das emoções é facto comprovado

frequentemente. Depende do poder expressivo delas, no qual se basearam as primeiras cooperações de tipo gregário, e que incessantes permutas e, sem dúvida, ritos colectivos transformaram de meios naturais em mímica mais ou menos

convencional”.

Considerando que pessoas em todas as culturas cantam e dançam juntas, provavelmente há milênios, pode-se especular que a música possui esse “poder”

Imagem

Figura 2 –  Show de rock na escola   (Fonte: Revista Nova Escola on-line. Disponível em:
Figura 3  –  Aula de percussão na escola
Figura 4  –  Apreciação musical na escola   (Fonte: Revista Nova Escola on-line
Figura 6  –  Música e movimento na escola
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Referências

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