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LETRAMENTO UNIVERSITÁRIO: IMPACTOS DO ENSINO MÉDIO NA PRODUÇÃO ESCRITA DOS ALUNOS INGRESSOS EM LETRAS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA

CRISTIANE SANTOS PEREIRA

LETRAMENTO UNIVERSITÁRIO:

IMPACTOS DO ENSINO MÉDIO NA PRODUÇÃO ESCRITA DOS ALUNOS INGRESSOS EM LETRAS

Salvador 2015

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CRISTIANE SANTOS PEREIRA

LETRAMENTO UNIVERSITÁRIO:

IMPACTOS DO ENSINO MÉDIO NA PRODUÇÃO ESCRITA DOS ALUNOS INGRESSOS EM LETRAS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura, Área de Concentração em Línguas, Linguagens e Culturas Contemporâneas, Linha de Pesquisa em Aquisição, Ensino e Aprendizagem de Línguas, do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Letras.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Edleise Mendes.

Salvador 2015

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CRISTIANE SANTOS PEREIRA

LETRAMENTO UNIVERSITÁRIO:

IMPACTOS DO ENSINO MÉDIO NA PRODUÇÃO ESCRITA DOS ALUNOS INGRESSOS EM LETRAS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura, Área de Concentração em Línguas, Linguagens e Culturas Contemporâneas, Linha de Pesquisa em Aquisição, Ensino e Aprendizagem de Línguas, do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Letras.

Aprovada em: ____ de ____________ de 2015.

Banca Examinadora

Edleise Mendes Oliveira dos Santos (Orientadora)__________________________ Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.

Universidade Federal da Bahia

Ana Lúcia Silva Souza_________________________________________________ Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.

Universidade Federal da Bahia

Carla Luzia Carneiro Borges_____________________________________________ Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.

Universidade Estadual de Feira de Santana

Salvador 2015

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Dedico este trabalho aos meus pais, Alci e Jaime, exemplos de caráter e de determinação, por terem me proporcionado as ferramentas necessárias para atingir minha formação.

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AGRADECIMENTOS

Tenho muito a agradecer a todos que, de alguma forma, me ajudaram nesta travessia e o faço de maneira muito especial:

A Deus, por ter me dado forças para trilhar este caminho, dando-me sabedoria e alimentando minha fé nos momentos em que eu pensei em desistir.

À minha querida e estimada orientadora, Prof.ª Dr.ª Edleise Mendes, por ter me acolhido e por ter acreditado em meu potencial quando decidi mudar de área. Em meio às suas tão disputadas vagas para orientação, eu tive a honra de ser aceita. Meu respeito e admiração para esta profissional excepcionalmente dedicada à profissão sem perder de vista a sensibilidade necessária para lidar com o outro.

Aos meus queridos pais, um homem e uma mulher simples, mas que possuem, e souberam me transmitir, valores que extrapolam qualquer formação no mais alto grau acadêmico. Vocês são meu porto seguro. Agradeço, imensamente pelo amor incondicional, pelo apoio e, sobretudo, por terem proporcionado o meu acesso à educação.

Aos meus queridos irmãos, Elane e Edcarlos, por terem acreditado em mim, pelo apoio, amor e carinho e por terem entendido meu mau humor e minha ausência, devido aos momentos solitários de escrita. Sem vocês, eu não teria conseguido.

A todos os meus familiares, em especial a Roque, Ariane e minha tia Del, que sempre torceram pelo meu sucesso profissional e pessoal.

A Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Silva Souza e a Prof.ª Dr.ª Carla Luzia Carneiro Borges por terem aceitado o convite para compor a banca de avaliação dessa pesquisa.

À minha querida amiga, Lavínia Neves, que desde a graduação me acompanha, motivando-me a trilhar os passos do ambiente acadêmico, além do imprescindível

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apoio e das reflexões para esta pesquisa. Por quem nutro uma amizade e uma admiração muito especiais.

Aos meus queridos amigos, Lisana Sampaio e Ton Israel, pelas experiências trocadas durante a Iniciação Cientifica no Projeto DEPARC, pelos momentos de discussão e descontração. Mudamos de área, mas o diálogo e a amizade se mantêm cada vez mais fortes.

A Camila Gusmão, com quem pude estreitar relações de confiança e amizade. Sempre presente para dar uma palavra de ânimo/apoio tão inestimáveis em muitos momentos.

A Juliana Lesquives, colega desde a graduação, com quem estreitei fortes laços de amizade, meu agradecimento pelo olhar atento na revisão deste trabalho, além da imprescindível escuta durante todo o processo de escrita.

Às minhas amigas Nete e Samylle, pela disponibilidade em fazer a tradução do resumo, pela amizade e apoio extremamente indispensáveis em momentos difíceis.

A Claudia, que de uma colega dos corredores de Letras tem se mostrado uma grande amiga, sobretudo, nos momentos finais de escrita, através do imprescindível diálogo e leitura atenciosa de meu texto.

Às minhas colegas do Mestrado, que se tornaram minhas amigas, Aninha, Liliane, Nete, Samylle e Sandra pelas experiências trocadas durante as aulas, pelos bons momentos compartilhados fora da Academia e pelas incontáveis conversas em nosso grupo do Whatsapp, “Na sofrência da escrita”, em momentos de “folga” e consolo.

Aos meus amigos, Camila Marinho, Chirlene West, Idália Bandeira, Juliana Sodré, Miquele Batista, Sara Oliveira, Lissandra Silva e João de Jesus, pelo carinho, pelas incontáveis mensagens de incentivo durante todo o processo de escrita, por terem

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entendido a minha ausência e suportado o meu mau-humor em momentos em que as coisas pareciam não está caminhando bem.

Aos professores, Edleise Mendes, Sávio Siqueira, Marcia Paraquett, Denise Scheyerl, Simone Bueno e Suzane Costa pelas valiosas contribuições, tanto para minha pesquisa, como para minha formação dentro e fora do âmbito acadêmico, por meio das discussões e reflexões desenvolvidas durante as disciplinas ofertadas nesse programa de Mestrado.

Ao Prof. Dr. Américo Venâncio Lopes Machado Filho, pelos ensinamentos durante meu período de graduação, através do desenvolvimento da pesquisa durante a Iniciação Científica no Projeto DEPARC.

Aos alunos da disciplina LET A 09 – Oficina de Leitura e Produção de textos, do semestre 2014.2, sem os quais esta pesquisa não teria saído do papel, meu mais sincero agradecimento.

Aos colegas do curso de Mestrado, em especial a Mônica, Raulino, Patricia, Rochele, Polyana, Michelle, Paula, Josane, pelo companheirismo, pelos bons momentos e conhecimentos partilhados.

À CAPES, pelo imprescindível apoio financeiro;

A todos que, mesmo não nomeados, o que não significa que sejam menos importantes dentre os mencionados, contribuíram para meu sucesso, pois cada um teve um papel significativo nessa jornada.

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Sobre escrever

“Às vezes tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que, ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não sabia que sabia”.

(Clarice Lispector).

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a produção ou a sua construção. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.” (Paulo Freire)

“Mestre não é quem ensina, mas quem de repente aprende. Por que é que todos não se reúnem para sofrer e vencer juntos de uma vez”. (Guimarães Rosa)

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RESUMO

Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa de base qualitativa, de caráter etnográfico, que teve por objetivo investigar as produções textuais dos estudantes do curso de Letras, do primeiro semestre, da Universidade Federal da Bahia, e a relação de tais produções com as práticas de escrita do Ensino Médio. A pesquisa foi norteada a partir da seguinte pergunta geral: quais dificuldades os estudantes ingressos no curso de Letras apresentam em relação à produção textual e quais relações essas dificuldades possuem com a formação adquirida no Ensino Médio? Para tanto, a pesquisa foi estruturada em dois momentos: inicialmente, solicitamos aos alunos matriculados na disciplina LET A 09 – Oficina de leitura e Produção de Textos que produzissem um relato autobiográfico narrando os principais fatos de sua vida, relacionados com as práticas de escrita; em seguida, realizamos entrevista semiestruturada com os estudantes e, por fim, relacionamos os dados obtidos através dos relatos e das entrevistas com as produções textuais dos estudantes no contexto acadêmico. A análise dos dados revelou que a maioria dos alunos não teve aulas de produção textual em sua fase escolar fundamentada em uma concepção de linguagem que a reconhece como prática social, tendo como consequência um ensino na Educação Básica com ênfase na gramática normativa, a partir das estruturas tipológicas tradicionais, reconhecidas como narração, descrição e dissertação, com foco na estrutura dissertativa. Por conta dessas práticas, as produções dos estudantes, no Ensino Superior, apresentam interferências da dissertação escolar, ainda que se trate de resumos, resenhas e artigos de opinião, os quais se caracterizam por outra estrutura. Todas as discussões e análises implementadas tiveram como objetivo chamar atenção para essa problemática que faz parte da realidade da maioria dos estudantes calouros do curso de Letras.

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RESUMEN

Este trabajo presenta los resultados de una investigación de base cualitativa, etnográfica, cuyo objetivo ha sido analizar las producciones textuales de los estudiantes del curso de Letras, del primer semestre, de la Universidade Federal da

Bahia y la relación que mantienen con las prácticas de escrita de la escuela

secundaria. La investigación ha sido guiada por la siguiente cuestión general: ¿cuáles dificultades los estudiantes ingresos en el curso de Letras presentan en relación a la producción textual y cuáles relaciones estas dificultades poseen con la formación recibida en la escuela secundaria? De este modo, la investigación fue estructurada en dos fases: inicialmente, solicitamos a los alumnos registrados en la asignatura LET A 09 – Taller de lectura y producción de textos que produjeran un relato autobiográfico narrando los acontecimientos más importantes de su vida relacionados con la práctica de la escrita. En seguida, realizamos una entrevista semiestructurada con los estudiantes y, por fin, relacionamos los datos obtenidos a través de los relatos y de las entrevistas con sus producciones textuales en el contexto académico. El análisis de los datos ha revelado que la mayoría de los estudiantes no tuvieron clases de producción textual en sus años escolares, desde una concepción de lenguaje que la reconoce como practica social, teniendo como consecuencia una enseñanza en la educación básica con énfasis en la gramática normativa, a partir de las estructuras tipológicas tradicionales, reconocidas como narración, descripción y disertación, centrándose en la estructura de la disertación. Debido a dichas prácticas las producciones de los estudiantes, en la educación superior, presentan interferencias de la disertación escolar, aunque se trate de resúmenes, reseñas y artículos de opinión, los cuales se caracterizan por otras estructuras. Todas las discusiones y análisis implementados tuvieron como objetivo llamar la atención para esta problemática que es parte de la realidad de la mayoría de los estudiantes del primer año del Curso de Letras.

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LISTA DE ABREVIATURAS

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio LET A 09 – Oficina de Leitura e Produção de Textos

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SUMÁRIO

1 DESCREVENDO O PERCURSO DA PESQUISA ... 13

1.1 ANTECEDENTES DA PESQUISA: DA MOTIVAÇÃO À DELIMITAÇÃO DO OBJETO ... 13

1.2 PERGUNTAS DE PESQUISA ... 18

1.3 OBJETIVOS ... 18

1.3.1 Objetivo geral ... 18

1.4 ORIENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA ... 19

1.5 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ... 25

1.5.1 Cenário e sujeitos de pesquisa ... 29

1.5.2 Perfil dos alunos investigados ... 30

1.6 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO ... 31

2 UM BREVE PANORAMA SOBRE A TEORIA DOS GÊNEROS TEXTUAIS ... 33

2.1 EMERGÊNCIA DA TEORIA DOS GÊNEROS TEXTUAIS ... 33

2.2 IMPACTOS DA TEORIA DOS GÊNEROS TEXTUAIS EM DOCUMENTOS OFICIAIS ... 37

2.3 REPERCUSSÃO DA TEORIA DOS GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO DE LÍNGUA ... 46

2.4 TIPO TEXTUAL OU GÊNERO TEXTUAL: IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO DE ESCRITA ... 50

2.5 OS GÊNEROS TEXTUAIS E O ENSINO DE PRODUÇÃO DE ESCRITA ... 57

3 GÊNEROS TEXTUAIS E O ENSINO DE PRODUÇÃO TEXTUAL NA ESCOLA .. 71

3.1 ALGUNS RECORTES HISTÓRICOS SOBRE O ENSINO DE ESCRITA NO BRASIL ... 71

3.2 LETRAMENTOS E GÊNEROS TEXTUAIS: A ESCRITA EM PRÁTICA ... 82

3.3 A TEORIA DOS GÊNEROS NA PRODUÇÃO DE TEXTOS ACADÊMICOS ... 91

4 INVESTIGANDO A ESCRITA DOS CALOUROS DE LETRAS: MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DA EXPERIÊNCIA ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO ... 96

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4.1 O PAPEL DA FAMÍLIA NA FORMAÇÃO DE LEITOR E ESCRITOR ... 98

4.2 O PAPEL DA ESCOLA NO PROCESSO DE ESCRITA... 101

4.2.1 O que nos revelam os relatos autobiográficos e as narrativas acerca do processo de letramento dos sujeitos inseridos na pesquisa? ... 102

4.2.2 De que forma o ensino de Língua Portuguesa com ênfase na tipologia e na estrutura gramatical interfere no desenvolvimento da produção escrita dos estudantes em sua inserção no Ensino Superior? ... 113

4.3 O LUGAR DESTINADO AOS GÊNEROS TEXTUAIS DURANTE A EDUCAÇÃO BÁSICA ... 136

4.4 AINDA AS PRODUÇÕES: CARACTERÍSTICAS DAS PRODUÇÕES TEXTUAIS DOS ALUNOS DO PRIMEIRO SEMESTRE NA UNIVERSIDADE ... 140

4.5 A VISÃO QUE O ALUNO TEM DE SUA ESCRITA E COMO ESTA QUESTÃO INFLUENCIA EM SUA AUTOESTIMA ... 154

4.6 AS CONTRIBUIÇÕES DA DISCIPLINA LET A 09 ... 157

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 162

REFERÊNCIAS ... 166

APÊNDICES ... 173

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1 DESCREVENDO O PERCURSO DA PESQUISA

1.1 ANTECEDENTES DA PESQUISA: DA MOTIVAÇÃO À DELIMITAÇÃO DO OBJETO

O tratamento das questões que envolvem a escrita na formação escolar, desde muito, se constitui em uma preocupação por parte dos estudiosos da língua, fato evidenciado a partir do grande volume de artigos e livros publicados versando sobre a incidência das dificuldades de escrita que ocorrem neste contexto. A obra organizada por Bunzen e Mendonça (2006), intitulada Português no Ensino Médio e

Formação do Professor, é exemplo de pesquisa nessa área.

Ainda a respeito deste tema, é recorrente a queixa de professores de que seus alunos não possuem habilidades para produzir textos escritos em diferentes esferas discursivas, conforme pontua Mendes (2008, p. 168):

[...] grande parte dos que alcançaram, pelo menos, um grau mediano de instrução, e, ainda, muitos dos que fazem parte do seleto grupo dos sujeitos considerados cultos, têm pouco ou nenhum contato com a leitura e a escrita de modo crítico, autônomo e criativo.

Em outras palavras, é significativo o número de sujeitos que ainda não dispõem de habilidades para fazer uso da língua em diferentes contextos, com características individuais e criticidade. Uma possível causa para a existência desse quadro é o fato de a escrita não ter destaque nas aulas de língua. Antunes (2006, p. 177), por exemplo, afirma que

[...] é flagrante a falta de condições para que a escrita seja uma prioridade e ocupe, de fato, um plano de trabalho significativo. Pesquisas já têm demonstrado que a maior parte do tempo em sala de aula é gasta com explicações ou exposições orais – compatíveis com o papel “transmissivo” que os professores historicamente assumiram, deixando as atividades de leitura e de escrita (entenda-se aqui planejamento, redação e revisão de texto) relegadas a um segundo plano, na dependência do tempo que sobra e do espaço disponível na pauta do programa.

As palavras de Antunes nos permitem inferir que o ensino de língua portuguesa tem ocorrido de forma incipiente no cenário brasileiro, não permitindo aos alunos recém-saídos do Ensino Médio atuarem produtivamente nas diferentes

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situações que envolvem a língua1. Nesse sentido, a existência do quadro delineado por Antunes tem feito com que profissionais da área da linguagem investiguem essas questões, transformando-as em roteiros de pesquisas com vistas a provocar reflexões e mudanças nesse contexto.

Os autores que têm se preocupado em discutir o ensino de escrita na Educação Básica chegaram à conclusão de que as lacunas apresentadas são decorrentes de a escrita ficar à margem das aulas de língua por conta da supremacia do ensino da gramática normativa ou, em outros casos, por conta do ensino de uma única produção textual como modelagem para todas as práticas de escrita que ocorrem no contexto escolar, conforme argumentam autores da área de Linguística Aplicada e dos Estudos Linguísticos, como Mendes (2008), Marcuschi (2008) e Antunes (2006), entre outros.

Assim, se por um lado é visto como problemático a escrita não possuir destaque nas aulas de língua, tal como foi pontuado por Antunes (2006), por outro, também não é coerente o tratamento dado à escrita de forma engessada, sob a perspectiva de um único modelo servindo de base para todas as situações comunicativas. Tal ensino de escrita pode ser exemplificado através das típicas aulas da disciplina de redação. Nesta disciplina, é recorrente o ensino exclusivo de um único modelo de texto, a saber, a dissertação escolar, conforme tem sido discutido e problematizado por Bonini (1998), Bunzen (2004) e Geraldi (2011).

Partindo desse pressuposto, para Terzi e Pontes (2006, p. 666), essa realidade educacional limitante, cuja produção escrita está sustentada normalmente na perspectiva tipológica ou, até mesmo, concentrada no ensino da gramática, fragiliza o desenvolvimento de competências que tornem os discentes aptos a usarem a linguagem escrita em diferentes situações de interação no seu cotidiano. Nesse sentido, uma possível causa das problemáticas sinalizadas pode ocorrer devido ao fato de serem as práticas de letramento trabalhadas nas escolas isoladas do contexto social. Esse tipo de letramento, denominado autônomo, segundo Street (1984), consiste, justamente, no ensino da escrita de forma descontextualizada, na qual o texto é visto apenas como um elemento linguístico a ser analisado e não tomado como sendo uma unidade de ensino que será moldada, consoante as situações de uso da língua.

1 O sujeito que atua de forma produtiva na língua é aquele capaz de transitar por diferentes esferas

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Dessa forma, conforme argumentam Terzi e Pontes (2006), as relações sociais, econômicas, políticas e culturais não são consideradas nessa abordagem. Por conseguinte, o letramento exercido nas escolas implica em problemas de formação de escrita dos estudantes, por não ser apoiado em uma perspectiva crítica, na qual o estudante assume o papel de protagonista, além do fato de a escrita não ser concebida como prática social. O reconhecimento de ser a escrita uma prática social, de acordo com Kleiman (2006), amplia a visão de escrita, desconsiderando práticas de escrita pautadas em um único modelo, haja vista serem presentes na sociedade, a todo momento, várias situações de uso. Nas palavras da autora,

As nossas atividades são realizadas no mundo social, em situações concretas, e é através da linguagem, nas suas diferentes modalidades, que realizamos muitas das ações que nos interessam. São as situações sociais, com objetivos sociais e com modos sociais de interação, as que determinam, em grande medida, os tipos de atividades que podem ser realizadas, que tipo de contextos podem ser construídos pelos participantes, quais são as interações possíveis (KLEIMAN, 2006, p. 25).

Assim, Kleiman chama atenção para o fato de que as atividades de escrita que ocorrem na escola não podem ser pautadas em um único modelo textual, pois este não é o reflexo do que ocorre em situações reais de interação, uma vez que cada ação humana demanda uma determinada modelagem textual. Daí o porquê de o ensino de escrita, quando pautado na perspectiva unilateral, ocasionar problemas na formação do estudante.

Isto posto, a situação evidenciada no contexto da Educação Básica, quando não problematizada com o intuito de propiciar mudanças, pode reverberar no Ensino Superior. Partindo dessas considerações, quando os estudantes forem solicitados a participar das atividades exercidas no mundo acadêmico, se surpreenderão com o fato de que se comunicar em sua própria língua vai além da decifração de mensagens do cotidiano, pois lhes serão exigidas as habilidades para transitarem em diferentes instâncias discursivas. Dessa forma, o estudante deve se apropriar tanto de conhecimento de situações características do cotidiano quanto do domínio de textos considerados mais complexos, conforme expõe Mendes (2008). De acordo com a referida autora, os estudantes ao chegarem no Ensino Superior,

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[...] trazem experiências de escolarização cujas práticas de leitura e de escrita resumiam-se às institucionalizadas pela escola, as quais, via de regra, não os prepararam para fazer uso da linguagem de modo competente e diversificado, nos diferentes contextos e situações sócio-discursivas (MENDES, 2012, p. 101).

A citação de Mendes remete a pensar que, em nossas salas de aulas, o ensino de língua ainda não se pauta em uma visão interacionista da linguagem, embora seja esta defendida em documentos oficiais, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de Língua Portuguesa para os Ensinos Fundamental e Médio – PCN e PCNEM, respectivamente. Esses documentos orientam que o ensino seja pautado na inserção de diferentes textos, a fim de que os estudantes possam estudá-los de forma crítica, considerando a sua circulação na sociedade. A concepção de língua interacionista passou a fazer parte do cenário dos estudos linguísticos em oposição à concepção de linguagem como comunicação e decorrente de contribuições dos estudos da sociolinguística, pragmática, linguística textual, análise do discurso, linguística da enunciação e da linguística aplicada. A partir dessas teorias houve um deslocamento da visão de língua como código para uma concepção de língua através da “[...] qual os indivíduos atuam no mundo e se constituem como sujeitos – a língua é, mais do que tudo, ação entre sujeitos situados social, histórica e culturalmente” (MENDES, 2012, p. 671).

Diante do exposto, para muitos desses estudantes fazerem uso da linguagem em situações rotineiras, como produzir uma lista de compras, ou até mesmo enviar um bilhete para alguém, já seria o suficiente. Contudo, quando são confrontados a atuarem de forma crítica perante situações mais complexas de uso da linguagem, a exemplo dos textos típicos do ambiente acadêmico, se veem diante de uma série de dificuldades, que vão desde a estrutura composicional – pois cada texto demanda uma estrutura própria – até questões de adequação contextual, uso de linguagem apropriada ao nível de formalidade à esfera discursiva etc.

Para além dos dados relatados, posso afirmar, considerando uma experiência pessoal, que durante minha inserção no curso de Letras apresentei várias dificuldades em termos de produção escrita. Tais dificuldades foram fruto de uma formação escolar lacunar na qual não havia o trabalho com o texto sob a perspectiva interacionista, tal como está sendo defendida neste trabalho. Dessa forma, apoiada no fato de que as pesquisas no âmbito da Linguística Aplicada possuem um estreito

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diálogo com a realidade que cerca o indivíduo, surge como fonte de dados a experiência adquirida pelo sujeito ao longo de sua trajetória. Partindo desse pressuposto, a motivação para pesquisar na área da Linguística Aplicada surgiu a partir de dois episódios, ambos oriundos de minha experiência.

O primeiro momento remonta ao período de inserção no curso de Letras. Devido ao fato de a minha formação não ter sido pautada sob a perspectiva de uma concepção de escrita voltada para o desenvolvimento de diferentes textos, como dito antes, ao lidar com textos típicos do ambiente acadêmico as dificuldades foram inevitáveis. O segundo momento aconteceu quando saí da posição de aluna universitária para a de professora. Na condição de professora, participei de uma conversa entre professores da rede pública de ensino acerca dos conteúdos da disciplina de língua portuguesa. Para os professores em questão, tal disciplina não precisava de atualizações de seus conteúdos, visto que era sustentado pelo ensino da gramática normativa e este, na concepção dos mesmos, não sofreria alterações.

Assim sendo, o interesse por investigar os reflexos das experiências de escrita durante a educação básica dos estudantes recém-matriculados no curso de Letras surgiu devido às suas constantes queixas, bem como de professores de que estes não possuíam habilidades para o desenvolvimento da escrita de forma autônoma. Dessa forma, investigar como ocorreu o processo de desenvolvimento da escrita (ou do letramento) poderá oferecer pistas para a compreensão deste quadro, o qual só é desvelado quando os estudantes são solicitados a assumir identidades de escritores, segundo Mendes (2012). Estas questões necessitam ser problematizadas, por haver crenças por parte do corpo docente do Ensino Superior de que os estudantes já deveriam saber o que não sabem, ou seja, a Universidade não seria o lugar, para essas pessoas, de o estudante aprender a escrever.

Diante deste complexo cenário, e a partir de minha experiência, vislumbramos como um campo de pesquisa a investigação das “dificuldades” que são apresentadas por estudantes ingressos no curso superior quando solicitados a produzir textos que circulam no ambiente acadêmico. Para tanto, recorreremos às produções textuais dos estudantes calouros do Curso de Letras, da Universidade Federal da Bahia, a fim de observar suas características e suas prováveis relações com as práticas de escrita da Educação Básica.

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1.2 PERGUNTAS DE PESQUISA

Tendo em vista as discussões anteriores, nos colocamos diante da seguinte pergunta geral:

 Quais dificuldades os estudantes ingressos no curso de Letras apresentam em relação à produção textual e quais relações essas dificuldades possuem com a formação adquirida no Ensino Médio?

Com o propósito de responder à pergunta geral acima exposta, destacamos as seguintes questões norteadoras da pesquisa:

i) Quais características apresentam as produções textuais dos estudantes de uma turma de calouros do curso de Letras, da Universidade Federal da Bahia?

ii) De que modo os gêneros de textos desenvolvidos no Ensino Médio, de acordo com a tradição escolar, estão representados nas produções dos alunos universitários?

iii) O que revelam os estudantes sobre seu processo de desenvolvimento da escrita?

iv) De que modo esta investigação pode contribuir para que os estudantes do Ensino Superior possam produzir textos de modo competente e adequado às diferentes situações comunicativas?

1.3 OBJETIVOS

Com o propósito de responder as questões norteadoras apresentadas, esta pesquisa terá os objetivos expostos abaixo.

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 Investigar as produções textuais dos estudantes que ingressam no Curso de Letras a fim de observar de que maneira a sua formação adquirida no Ensino Médio reverbera em sua escrita no campo universitário.

1.3.2 Objetivos específicos

i) Investigar quais características se apresentam nas produções textuais dos estudantes de uma turma de calouros do curso de Letras, da Universidade Federal da Bahia;

ii) Investigar de que modo os gêneros textuais desenvolvidos no Ensino Médio, de acordo com a tradição escolar, estão representados nas produções dos alunos universitários;

iii) Analisar e refletir sobre o que revelam os estudantes a respeito de seu processo de desenvolvimento da escrita;

iv) Contribuir através desta investigação para que os estudantes possam produzir textos com competência e adequados às diferentes situações comunicativas.

1.4 ORIENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

Por estarem intimamente relacionados aos dados da pesquisa e à forma de obtenção dessas informações, torna-se fundamental o estabelecimento dos caminhos metodológicos trilhados ao longo desta investigação. Para tal, é preciso compreender como foram tratados esses dados e o modo como esta operação relaciona-se com o percurso metodológico empreendido pelo pesquisador. Como uma das etapas mais importantes para o desenvolvimento de uma pesquisa, a metodologia adotada precisa ser bem definida, pois a escolha dos métodos e técnicas para a sua consecução imprime a coerência e a pertinência necessárias a uma investigação que se deseja profícua, além de possibilitar maior aproveitamento dos dados gerados.

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Este pensamento corrobora o que Mendes (2004, p. 21) expõe em sua tese de doutoramento a respeito dos caminhos trilhados na metodologia. Para esta autora, o pesquisador

[...] deve ter em mente a complexidade de aspectos que estão em jogo e também as dificuldades que irá enfrentar para dar conta desta realidade. Ele também deve estar apto para eleger o arcabouço teórico mais adequado à consecução desta tarefa, o qual forneça os procedimentos e instrumentos adequados de observação e análise que permitam, além da geração e apreensão de dados, a realização de uma adequada interpretação do fenômeno estudado.

As palavras de Mendes (2004) elucidam os caminhos que o pesquisador deve trilhar, tendo em vista que seria sua tarefa selecionar o método de pesquisa que melhor se adeque ao seu objeto, sendo necessário, antes de sua escolha, conhecimento dos modelos de pesquisa disponíveis.

Partindo desse pressuposto, optamos, na presente pesquisa, pela abordagem qualitativa, uma vez que esta, diferentemente da abordagem quantitativa, permite um grau maior de interpretação por parte do pesquisador. A pesquisa de base qualitativa encontra suas raízes no final do século XIX, mais precisamente no momento em que os cientistas sociais passaram a defender a perspectiva subjetivista do conhecimento, provocando debates a respeito do paradigma qualitativo versus quantitativo. A discussão se fez presente porque os cientistas sociais passaram a questionar se era pertinente utilizar métodos de investigação das ciências naturais para o estudo dos fenômenos humanos e sociais. (ANDRÉ, 1995). Até porque, conforme argumenta André mais adiante, o argumento em favor do uso da pesquisa qualitativa se deve também ao fato de os pesquisadores acreditarem na impossibilidade do estabelecimento de leis gerais a fenômenos humanos e sociais, haja vista sua complexidade e dinamicidade. É importante ressaltar que o parâmetro de pesquisa quantitativo exerceu domínio durante um bom tempo nos estudos sociais porque era defendido que uma área de estudo só seria científica caso utilizasse as orientações das pesquisas do campo das ciências naturais, estas dotadas de prestígio, e isto incluía também as considerações metodológicas.

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Atualmente, a opção por modalidades qualitativas de investigação tem sido cada vez mais frequente na pesquisa em educação, visto que os educadores e os professores têm se interessado pelas qualidades dos fenômenos educacionais em detrimento de números que muitas vezes escondem a dimensão humana, pluralidade e interdependência dos fenômenos educacionais na escola.

A escolha do paradigma qualitativo pode se dar também devido a não preocupação por parte do pesquisador com um grande volume de dados para avaliar. Isso ocorre, sobretudo, por este paradigma não ter como princípio a busca por dados quantitativos volumosos. Pelo contrário, há o princípio básico de que é necessário interpretar os dados, ainda que não sejam numerosos. Por esse viés, Cançado (1994, p. 57) afirma que nas pesquisas de base qualitativa os resultados podem ser alcançados a partir de um pequeno número de informantes e, ainda assim, “[...] ao final da coleta o que se tem é uma grande quantidade de registros”.

Mendes (2004, p. 23), por exemplo, afirma que

[...] o adjetivo ‘qualitativo’ denota a ênfase no processo e nos significados que são rigorosamente avaliados em termos de

qualidade, quantidade, intensidade e frequência. Implica, também, a

percepção da realidade como fruto de um processo de construção e de atribuição social de significado e de valor.

Assim sendo, a opção pelo paradigma qualitativo indica que a pesquisa está sendo desenvolvida levando-se em consideração a sócio-história dos sujeitos que participam do estudo. Tendo em vista que na presente pesquisa iremos investigar as dificuldades que os estudantes ingressos no curso de Letras apresentam em relação à produção textual e quais relações essas dificuldades possuem com a formação adquirida no Ensino Médio, por meio de seus relatos autobiográficos, entrevistas e suas produções textuais, o uso do paradigma qualitativo tornou-se imperativo, principalmente por conta da orientação interpretativa a ser atribuída aos dados por parte do pesquisador. Como aponta Flick (2009, p. 24), a “[...] pesquisa qualitativa leva em consideração que os pontos de vista e as práticas no campo são diferentes devido às diversas perspectivas e contextos sociais a eles relacionados”.

Nesse sentido, Bortoni-Ricardo (2008, p. 32) acrescenta que “[...] não há como observar o mundo independente das práticas sociais e significados vigentes”. Partindo dessas considerações, a vivência do sujeito da pesquisa também passa a

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ser um dado relevante, por meio da interpretação de suas ações dentro de um contexto social.

Assim sendo, o ponto de vista dos sujeitos envolvidos na pesquisa ganha relevância no momento de análise dos dados, pois o desenvolvimento do estudo sem a visão do sujeito desconsidera o fato de que a realidade é mutável e está sujeita a uma série de fatores, os quais não podem ser mensuráveis somente através de dados numéricos. O contexto social, histórico, ideológico e cultural no qual os sujeitos estão inseridos é um fator preponderante para a análise dos dados. Assim, faz-se necessário uma visão interpretativa do fenômeno de pesquisa.

Com o intuito de tornar os resultados advindos da interpretação dos dados obtidos na abordagem qualitativa mais confiáveis, tem sido recorrente o uso da triangulação pelos pesquisadores da Linguística Aplicada. Cavalcanti e Lopes (1991, p.139), por exemplo, afirmam que o uso da triangulação torna a subjetividade, típica de pesquisas de base qualitativa, intersubjetiva, uma vez que há o uso de diferentes instrumentos de análise, com foco em um mesmo objeto. Nas palavras dos autores,

[...] a assim chamada subjetividade inerente a estes tipos de dados adquire uma natureza intersubjetiva ao se levar em conta várias subjetividades – ou várias maneiras de olhar para o mesmo objeto de investigação – na tarefa de interpretação dos dados, aumentando assim sua confiabilidade.

Esse processo de interpretação dos dados advém do cruzamento das informações geradas na investigação, por meio do uso de vários instrumentos de pesquisa. Para Cançado (1994), consiste no uso de diferentes tipos de corpora a partir de uma mesma situação-alvo, com diferentes métodos, e uma variedade de instrumentos de pesquisa.

Partindo dessas considerações, acreditamos que a utilização da triangulação pode se constituir como sendo uma alternativa para que a interpretação dos dados feita pelo pesquisador ocorra de forma mais consistente, pois uma mesma situação-alvo passa a ser vista sob diferentes perspectivas. Esta mesma autora enumera alguns tipos de triangulação, a saber: a) a triangulação teórica implica o uso de várias perspectivas diferentes na análise do mesmo corpus; b) a triangulação do

corpus visa a obtenção de observações com múltiplas estratégias: observações no

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triangulação do investigador que consiste no uso de mais de um observador no campo da pesquisa; d) a triangulação metodológica, a qual pode ser feita de duas formas: a intra-métodos (variedades do mesmo método) e a inter-métodos (vários métodos); e) triangulação múltipla que consiste na combinação de múltiplos métodos, vários tipos de corpora, vários observadores e teorias dentro da mesma investigação. (CANÇADO, 1994, p. 57)

Fica evidente que há várias formas de triangulação com o propósito de tornar a pesquisa o mais confiável possível. Na pesquisa em questão, iremos optar pelo uso da triangulação de corpus, tendo em vista que o uso de diferentes instrumentos irá conferir maior autenticidade ao trabalho, haja vista a configuração e o escopo investigativo relacionados ao processo interpretativo de que lançamos mão.

Uma vez delimitado o paradigma no qual se fundamenta a investigação, faz-se necessária a escolha pela modalidade de pesquisa. De acordo com André (1995), o paradigma qualitativo comporta diferentes modalidades de estudo, como a pesquisa-ação, estudo de caso e a pesquisa etnográfica, entre outras. Todas estas modalidades são relevantes para o tratamento de questões no âmbito da educação. Entretanto, neste trabalho, fizemos a opção pela pesquisa etnográfica, haja vista ser possível o estudo do comportamento humano em seu meio natural de ocorrência, com foco na interpretação dos fenômenos sociais e culturais, conforme aponta Cançado (1994).

Mendes (2004, p. 24) afirma que “[...] o método etnográfico, ou etnografia, teve o seu surgimento e principal desenvolvimento na antropologia, onde surge, a princípio, como tentativa de descrição da cultura e da sociedade”. Partindo desse pressuposto, é interesse da etnografia olhar para o que acontece na vida das pessoas e de que forma ocorre a interação de uns com os outros. Trata-se, portanto, de um método de pesquisa no qual o interesse maior é dar conta do que as pessoas fazem em determinado contexto, sempre considerando a maneira como estes sujeitos enxergam suas ações no cotidiano.

Mendes (2004), citando Watson-Gegeo (1988), elenca alguns princípios subjacentes ao método de pesquisa etnográfico. O primeiro deles está relacionado ao interesse pela investigação dos comportamentos das pessoas em seus grupos, bem como à forma como os padrões culturais interferem sobre os mesmos. Partindo do pressuposto de que nesta pesquisa houve o interesse de compreender a

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influência que o contexto sócio-cultural exerce sobre os sujeitos no que se refere às suas práticas letradas, justifica-se a escolha da pesquisa de cunho etnográfico. O segundo princípio diz respeito ao caráter holístico da pesquisa etnográfica, tendo em vista que qualquer aspecto da cultura ou do comportamento dos sujeitos estudados deve ser descrito e interpretado.

Cançado (1994) também chama atenção para o segundo princípio sinalizado por Watson-Gegeo (1988), o “princípio holístico”, e acrescenta o “princípio êmico” como sendo também de relevância para o estudo etnográfico. Para a autora,

[O] “princípio êmico” demanda que o observador deixe de lado visões pré-estabelecidas, padrões de medição, modelos, esquemas e tipologias, e considere o fenômeno sala de aula sob o ponto de vista funcional do dia a dia. O “princípio holístico” examina a sala de aula como um todo: todos os aspectos têm relevância para a análise da interação; tanto os aspectos sociais, como os pessoais, os físicos, etc (CANÇADO, 1994, p. 56).

Por esse viés, em uma pesquisa sobre a forma como o estudante desenvolve as produções textuais dentro do contexto acadêmico, não basta identificar apenas as dificuldades que enfrentam. Antes, é importante mapear qual a relação destas dificuldades com o seu contexto social, cultural e histórico. Dessa forma, a consideração desses princípios é uma alternativa para aqueles que se opõem “[...] à observação sistemática, isto é, com o uso de códigos pré-determinados.” (CANÇADO, 1994, p. 56), sem que a historicidade do sujeito seja contemplada.

Geertz (2008, p. 10) corrobora com esta ideia e afirma:

Segundo a opinião dos livros-textos, praticar a etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por diante. Mas não são essas coisas, as técnicas e os processos determinados, que definem o empreendimento. O que o define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma “descrição densa”, tomando emprestada uma noção de Gilbert Ryle.

A descrição densa a que o autor se refere diz respeito à percepção que o pesquisador deve ter no momento da interpretação de seus dados, com o intuito de observar atentamente o que estes revelam, para que não sejam mascarados através de uma análise superficial. Por esse motivo, Cançado (1994) afirma ser

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imprescindível a adoção do princípio holístico. É preciso, como aponta Bortoni-Ricardo (2009, p. 49), que ocorra o “[...] desvelamento do que está dentro da ‘caixa preta’ no dia a dia dos ambientes escolares, identificando processos que, por serem rotineiros, tornam-se ‘invisíveis’ para os atores que deles participam. ”

Assim, “o desvelamento do que está dentro da caixa preta” poderá ser feito através de duas perguntas norteadoras, a saber, olhar e perguntar. Essas perguntas são postas por Cançado (1994, p. 56) para obter os dados que serão analisados dentro da pesquisa de base etnográfica. Nas palavras da autora,

“Olhar” se refere a várias técnicas de observação existentes, como anotações de campo, gravações de áudio e vídeo (e subsequente transcrições). “Perguntar” refere-se à utilização de questionários, entrevistas, diários de professor, diários de alunos, estudo de documentos, etc.

Nesse sentido, com vistas a analisar as produções textuais dos estudantes calouros do curso de Letras e suas prováveis relações com a formação básica, investigaremos o contexto social e histórico dos sujeitos inseridos na pesquisa. Para tanto, utilizaremos como material de análise as produções textuais, as entrevistas e os relatos autobiográficos. Os instrumentos e procedimentos de análise serão descritos na próxima seção.

1.5 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

O desenvolvimento da pesquisa só foi possível graças à inscrição como estagiária na disciplina Oficina de Leitura e de Produção de textos. Esta disciplina é de natureza obrigatória e é um dos componentes curriculares do primeiro semestre do curso de Letras, da Universidade Federal da Bahia, do semestre 2014.1.

A pesquisa foi desenvolvida em algumas etapas, fazendo uso de documentos, tais como os relatos autobiográficos, a resenha, o resumo e o artigo de opinião e instrumento de análise, em nosso caso específico, o uso da entrevista semiestruturada.

Antes dos alunos escreverem o relato autobiográfico, houve uma conversa inicial com os mesmos com o intuito de convidá-los a participar da pesquisa, um procedimento que está de acordo com o que Cançado (1994) orienta quanto a um

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relacionamento amistoso entre o pesquisador e os sujeitos de pesquisa, tendo em vista que, caso ocorresse recusa por parte dos estudantes, ficaria difícil dar prosseguimento ao trabalho, sendo preciso encontrar outra forma de obtenção dos dados. Em seguida, deixamos os alunos cientes de como se daria a sua participação em todas as etapas da investigação.

Cançado (1994) orienta que o pesquisador etnográfico estabeleça uma postura ética, dotada de profissionalismo e, ao mesmo tempo, amistosa com os participantes da pesquisa, com o intuito de evitar possíveis problemas no momento de constituição dos dados. Dessa forma, nesta investigação, na qual a participação dos estudantes matriculados na disciplina LET A 09 – Oficina de Leitura e Produção de textos – era de fundamental importância para a obtenção dos dados, o desenvolvimento de um relacionamento amistoso e ético foi o principal ingrediente. Para tanto, fez-se necessário explicitar claramente os objetivos e as etapas da pesquisa para os sujeitos envolvidos, considerando principalmente o sigilo das informações. É importante que o pesquisador assuma uma postura de não julgamento dos sujeitos que fazem parte da pesquisa. Assim,

[...] tendo em vista esse aspecto, o pesquisador etnográfico, no momento da aplicação da pesquisa, deve ter um comportamento de não julgamento em relação ao seu foco de pesquisa, isto é, estudar a interação do jeito que ela ocorre no contexto, sob a perspectiva daqueles que estão sendo estudados (CANÇADO, 1994, p. 57).

Dando prosseguimento à pesquisa, foi necessário partir para a segunda etapa, que se refere à elaboração dos relatos autobiográficos. Assim sendo, como um dos objetivos da investigação era o de compreender os possíveis significados que os participantes atribuíam para as suas práticas letradas, em especial às do contexto acadêmico, nesta fase, fora solicitada a elaboração de relatos nos quais os estudantes matriculados na disciplina escrevessem sobre a sua relação com a leitura e a escrita antes de sua inserção no curso superior.

As pesquisas a partir das histórias de letramento dos sujeitos têm alcançado notoriedade no cenário acadêmico contemporâneo, conforme apontou Mendes (2012) em artigo sobre esta temática, uma vez que fornecem pistas para a compreensão do estágio de letramento que o sujeito se encontra. Em suas palavras, “o trabalho com relatos autobiográficos ou narrativas autobiográficas tem se

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mostrado uma importante ferramenta de investigação, sobretudo em contextos de formação docente” (MENDES, 2012, p. 104).

Com o propósito de auxiliar na elaboração deste relato e por estar na posição de estagiária da turma, houve a provocação de discussão acerca do tema por meio de uma roda de conversa. Nesse momento, foram levantadas algumas questões, a fim de direcioná-los no momento de escrita de seu texto. As perguntas colocadas, as quais podiam ser desdobradas em outras, constam no apêndice.

Cumpre ressaltar que as perguntas norteadoras para elaboração do relato, longe de serem um instrumento engessado, tinham o propósito de fomentar a discussão para que, no momento de constituição do relato, os participantes da pesquisa estivessem mais familiarizados com o tema.

É importante ressaltar que, seguindo os pressupostos do paradigma qualitativo, analisamos os dados de forma indutiva, elencando as impressões obtidas por meio de categorias de análise, as quais emergiram durante a investigação. Assim sendo, o relato autobiográfico funcionou como uma espécie de sondagem, a partir da qual os sujeitos inseridos na pesquisa contaram de forma livre como se deu a sua inserção na escrita. Esses textos serão explorados ao máximo, de modo a tornar a análise a mais profícua possível, sobretudo em vista de uma interpretação que seja pertinente, seguindo o princípio da investigação holística. Dando continuidade ao levantamento dos dados, realizamos uma entrevista semiestruturada com vistas à ampliação das informações que estavam presentes nos relatos, no que tange ao tratamento dado à escrita tanto em âmbito familiar quanto escolar, com destaque para este último. O roteiro contendo as perguntas que foram utilizadas na entrevista encontra-se no apêndice.

A escolha da entrevista semiestruturada se deu por possibilitar o desenrolar de outras perguntas no decorrer da entrevista, tendo em vista que não se constitui numa formulação engessada. Dessa forma, as perguntas abertas da entrevista semiestruturada têm por objetivo explorar as percepções pessoais, crenças, além das opiniões dos informantes. Ainda no que diz respeito à elaboração das perguntas, estas foram feitas com o intuito de mapear as concepções de língua, ensino e aprendizagem de língua portuguesa, bem como o tratamento dado à escrita antes da inserção no curso superior.

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Para diferenciar os dados obtidos através dos relatos autobiográficos e da entrevista, utilizaremos os seguintes códigos:

i. Letra “A” seguida de número de 1 a 10 onde “A” representa a palavra “aluno” e o número distingue cada um dos participantes. Esta opção foi adotada com o intuito de preservar a sua identidade.

ii. Letra “A” seguida de número de 1 a 10 e da letra “R”, cujo o propósito é o de indicar que o dado referente foi obtido por meio do relato autobiográfico.

Dando continuidade ao processo de levantamento de dados, recorremos à produção textual para evidenciar, através de outro instrumento de análise, questões verificadas nos outros instrumentos, processo denominado de triangulação dos dados. Para tanto, foram selecionadas as produções textuais desenvolvidas ao longo do semestre, a saber, o resumo, a resenha e o artigo de opinião. Estes gêneros fazem parte do conteúdo programático da disciplina, mas podem ser reportados ao ensino médio, visto que também são utilizados neste contexto, o que corrobora a retomada desse tipo de produção.

A escolha da resenha se deu por se tratar de um gênero textual que, para ser desenvolvido, depende que o aluno sinalize uma posição argumentativa com relação ao texto resenhado. De acordo com Medeiros (2003), trata-se de uma redação técnica que demanda do resenhista posição seletiva, uma vez que deve destacar o que considera relevante, assumindo, portanto, uma posição de criticidade. Assim poderemos observar através deste gênero como o aluno se posiciona criticamente e observar de que forma tal postura foi desenvolvida durante a educação básica. No que se refere à escolha do resumo, esta se deu por acreditarmos que se trata de um gênero que requer do estudante o poder de síntese, o qual deve ser construído a partir do entendimento global do texto. Nesse sentido, é necessário que o aluno acione conhecimentos de compreensão do texto, os quais vêm a partir do exercício constante da escrita e da leitura. Para Leite (2006, p.11),

O Resumo é uma forma reduzida de informação. É o resultado de um processo mental de compreensão desencadeado ao sermos

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expostos a qualquer situação de comunicação. Diz-se também que resumir é sumarizar a informação e que o resumo, produto desse processo, é a evidencia, isto é, a comprovação de que houve, efetivamente, compreensão da informação a que o sujeito foi exposto.

Por último, foi escolhido o gênero artigo de opinião que demanda do estudante posicionamento crítico em defesa de um ponto de vista. De acordo com Koche (2010, p. 34), “esse gênero pertence a ordem de argumentar, uma vez que o sujeito enunciador assume uma posição a respeito de um assunto polêmico e a defende”. Acreditamos que o trabalho com estes três gêneros permitirá o entendimento do nível dos estudantes investigados no que se refere ao seu desenvolvimento em termo de produções textuais.

Cumpre ressaltar que as produções textuais que foram desenvolvidas em cada um dos gêneros selecionados fazem parte do conteúdo programático da disciplina.

Para analisar os textos, elencamos as seguintes categorias de análise:

 O papel da família no processo de letramentos;

 O papel da escola no processo de letramentos;

 As experiências de letramentos que os alunos sujeitos da pesquisa trouxeram para a universidade;

 As imagens que os alunos constroem de si mesmos em relação a sua escrita;

 Características das produções textuais apresentadas pelos estudantes quanto a quatro aspectos: estrutura composicional, estilo de escrita, características formais de linguagem e inserção da produção em práticas sociais de linguagem;

 As expectativas com relação à disciplina LET A 09. 1.5.1 Cenário e sujeitos de pesquisa

Com o propósito de responder à pergunta geral da pesquisa, a qual busca investigar as dificuldades que os estudantes calouros do curso de Letras apresentam em termo de produção escrita e qual a relação com a sua formação

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escolar, foi realizado um estágio supervisionado na disciplina LET A 09 – Oficina de Leitura e Produções de Textos, na Universidade Federal da Bahia.

Esta disciplina é de natureza obrigatória e é um dos componentes curriculares do primeiro semestre do curso de Letras, cuja ementa propõe que sejam desenvolvidas estratégias de leitura e interpretação de textos de tipologias e gêneros distintos, considerando-se as modalidades oral e escrita. É importante ressaltar que a escolha da disciplina se deu por ser possível através dela o levantamento das características das produções textuais de alunos que ingressaram no curso de Letras. A pesquisa foi desenvolvida durante o semestre letivo de 2014.1.

1.5.2 Perfil dos alunos investigados

A turma de Oficina de Leitura e Produção de Textos era composta por 25 alunos. Entretanto, nem todos desenvolveram todas as atividades, o que impossibilitou a realização da pesquisa com toda a turma, além de que alguns alunos se recusaram a participar do estudo. Dessa forma, ao final do estágio, 10 alunos aceitaram participar da investigação e disponibilizaram o seu material para compor os corpora. Abaixo apresentamos uma tabela contendo algumas informações a respeito dos participantes da pesquisa

Relação de alunos

Local em que estudou

Ensino Fundamental Ensino Médio A01 Instituição Particular Instituição Particular A02 Instituição Particular Instituição Pública / Militar A03 Instituição Particular Instituição Particular A04 Instituição Pública Instituição Pública

A05 Instituição Particular Instituição Pública Federal CEFET A06 Instituição Particular Instituição Particular

A07 Instituição Particular Instituição Particular

A08 Instituição Pública Instituição Pública / Projeto EJA A09 Instituição Particular Instituição Pública

A10 Instituição Pública Instituição Pública Tabela 01 – Relação dos alunos

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Dentre os dez participantes da pesquisa, três estudaram todo o ciclo da educação básica em escola pública, quatro estudaram em escola particular e três estudaram o ensino fundamental em escola particular e o ensino médio na escola pública. Dois alunos estudaram no Centro Federal de Educação Tecnológica - Cefet e outro no Militar, instituições consideradas de referência no ensino. Todos os participantes da pesquisa têm faixa etária entre 17 e 25 anos.

Os alunos matriculados na disciplina chegam à Instituição de Ensino Superior cheios de expectativas e crenças2 quanto ao que irão aprender nesse componente curricular. E, embora não seja foco de minha investigação o trabalho em torno das crenças desses estudantes, é importante ressaltar que estas se fazem presentes, refletindo concepções e valores em torno do ensino de língua portuguesa. Dessa forma, ao terem o primeiro contato com a disciplina em menção, o questionamento inicial dos estudantes foi a respeito do aprendizado da escrita, por intermédio da disciplina, uma vez que se tratava de um componente que possui a prática de produção textual como sendo uma de suas bases3. Nesse sentido, devido à riqueza de dados que é provável de gerar através da disciplina, acreditamos que será possível encontrar respostas para a pergunta geral de nossa investigação, a saber:

 Quais dificuldades os estudantes ingressos no curso de Letras apresentam em relação à produção textual e suas prováveis relações com a formação adquirida no Ensino Médio?

1.6 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO

A dissertação encontra-se organizada em 4 seções. Na primeira, fizemos uma introdução com o propósito de contextualizar o tema. A contextualização do tema aborda as dificuldades apresentadas pelos estudantes que ingressam no curso superior no que tange à produção escrita e qual a relação que a sua formação básica exerce neste quadro. Em seguida, apresentamos as perguntas e os objetivos

2O trabalho em torno das crenças tem se tornado uma prática no contexto acadêmico, desde que as

experiências dos indivíduos passaram a ser um dado relevante para as pesquisas, sobretudo pela influência de trabalhos pelo viés etnográfico. É um exemplo de pesquisa nesta área a desenvolvida por Barcelos (2007).

3 As questões que giram em torno dessa expectativa de aprendizagem serão discutidas com maior

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da pesquisa. Dando sequência à seção, apresentamos a organização da dissertação, encerrando com as considerações metodológicas, a descrição do cenário e dos sujeitos de pesquisa e a discriminação da operacionalização dos dados.

A segunda seção, referente à parte teórica da pesquisa, será dedicada aos estudos sobre gêneros textuais. Essa seção versa sobre o surgimento da teoria dos gêneros textuais e sobre o modo como tal teoria figura em documentos oficiais que regulam o ensino de língua portuguesa no Brasil, bem como sobre a repercussão dos estudos dos gêneros. Na sequência, apresentamos as implicações para o ensino acerca da não consideração das diferenças existentes entre o gênero textual e o tipo textual, encerrando com uma discussão sobre as diferentes perspectivas que há em torno dos estudos sobre os gêneros.

Na terceira seção, também de natureza teórica, discutimos o ensino de produção textual na Educação Básica, articulando-o com as principais concepções de língua de que temos notícia. Em seguida, abordamos a teoria dos gêneros textuais na produção de textos acadêmicos, encerrando com a relação entre letramentos e gêneros textuais.

A quarta seção destina-se à análise dos dados. Nesta seção, ocorrerá a análise dos três instrumentos selecionados para a realização da pesquisa e a triangulação dos dados.

A dissertação encerra-se com as Considerações Finais e as Referências utilizadas, seguidas dos Apêndices e dos Anexos.

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2 UM BREVE PANORAMA SOBRE A TEORIA DOS GÊNEROS TEXTUAIS 2.1 EMERGÊNCIA DA TEORIA DOS GÊNEROS TEXTUAIS

Ignorar a natureza do enunciado e as particularidades de gênero que assinalam a variedade do discurso em qualquer área do estudo linguístico leva ao formalismo e a abstração, desvirtua a historicidade do estudo, enfraquece o vínculo existente entre a língua e a vida. A língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua (BAKHTIN, 1997, p. 282).

A afirmação de Bakhtin exposta no livro A estética da criação verbal, que veio a público pela primeira vez na década de 1960, tem alcançado cada vez mais notoriedade no cenário dos estudos de língua na contemporaneidade, sobretudo no que se refere ao ensino de língua materna, haja vista a explosão de estudos sobre os Gêneros Textuais (ou discursivos, na terminologia bakhtiniana) que surgiram a partir da década de 1990. Ideias como essa se tornaram uma espécie de mandamento para qualquer estudioso da língua que a considerasse como uma prática social, fazendo da teoria sobre os gêneros textuais, com todos os seus desdobramentos pós Bakhtin, de grande impacto nos estudos linguísticos contemporâneos. Por conta dessa questão, os estudos em torno dessa temática encontram-se férteis, originando um grande volume de pesquisas no âmbito acadêmico, com vistas à alteração do cenário educacional, uma vez que o ensino ainda não está pautado em uma visão interacionista da linguagem, embora já conste discussão sobre esta temática em documentos oficiais. Partindo dessa perspectiva, ainda há metodologias para o ensino de línguas que não contemplam a teoria dos gêneros textuais, permanecendo, fazendo uso das palavras de Bakhtin, no formalismo e na abstração, deixando de fora o vínculo existente entre “língua e a vida”.

Cabe afirmar, entretanto, que os estudos em torno dos gêneros textuais, inicialmente, estiveram restritos ao campo da literatura. Esta observação pode ser encontrada em Bakhtin (1997) na passagem em que o autor aborda a diversidade de gêneros discursivos. Nas palavras do autor,

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Estudaram-se, mais do que tudo, os gêneros literários. Mas estes, tanto na Antiguidade como na época contemporânea, sempre foram estudados pelo ângulo artístico-literário de sua especificidade, das distinções diferenciais intergenéricas (nos limites da literatura), e não enquanto tipos particulares de enunciados que se diferenciam de outros tipos de enunciados, com os quais contudo têm em comum a natureza verbal (linguística). (BAKHTIN, 1997, p. 281)

Mascuschi (2008) também chama atenção para essa questão e afirma que o estudo do gênero esteve primeiro relacionado a três gêneros específicos: o épico, o dramático e o lírico. Dessa forma, o uso do termo gênero não é novo, tampouco exclusivo dos estudos linguísticos, pois seu conceito remonta ao período dos estudos literários a partir da Retórica de Platão. Neste momento, havia uma preocupação por parte dos estudiosos em aprofundar o estudo dos gêneros literários. Como expõe Marcuschi (2008, p. 147),

[...] o estudo dos gêneros textuais não é novo e, no Ocidente, já tem pelo menos vinte e cinco séculos, se considerarmos que sua observação sistemática iniciou-se em Platão. O que hoje se tem é uma nova visão do mesmo tema.

Mais adiante, Marcuschi (2008, p. 147) afirma que

A expressão “gênero” esteve, na tradição ocidental, especialmente ligada aos gêneros literários, cuja análise se inicia com Platão para se firmar com Aristóteles, passando por Horácio e Quintiliano, pela Idade Média, o Renascimento e a Modernidade, até os primórdios do século XX. Atualmente, a noção de gênero já não mais se vincula apenas à literatura.

Dessa forma, o gênero, que antes estava mais concentrado no campo dos estudos literários, passa a ter destaque também no âmbito dos estudos linguísticos, exercendo um grande impacto na área de ensino de línguas, sobretudo ao impulsionar o desenvolvimento de novas metodologias para a área.

Ainda no que se refere à essa questão, Ramires (2005, p. 49) afirma que

Nos estudos mais tradicionais sobre gêneros, a ênfase recaía sobre os aspectos textuais, numa abordagem muito mais descritivo que analítica, próxima dos modelos de estudos sobre os textos literários. Abordagens mais recentes procuram ir além dessa tendência para

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buscarem compreender os gêneros textuais a partir de uma visão articulada entre os processos sociais e os diversos usos da língua.

A afirmação da autora põe em evidência o fato de que ainda há estudos tradicionais sobre os gêneros, todavia há uma tendência cada vez mais marcada de se propor a compreensão dos gêneros textuais através dos processos sociais. A perspetiva de estudo dos gêneros a que a autora se refere é justamente a que passou a ter destaque no desenvolvimento de metodologias para o ensino, sobretudo com a chegada do concenso da textualidade, a partir da década de 1970 no Brasil, conforme acena Antunes (2009), em que a defesa pelo uso do texto nas metodologias de ensino de língua passou a ter maior destaque. Essa questão será melhor discutida na seção 2.3, deste trabalho.

Para Bakhtin (1997), toda e qualquer manifestação verbal realizada pelo homem ocorre por meio de textos, isso porque os indivíduos interagem linguisticamente através de enunciados concretos, os quais, por sua vez, estão inseridos nas mais variadas esferas da comunicação humana, sendo materializados nos diferentes gêneros textuais. Por ter essa característica, os gêneros textuais representam uma perspectiva interacionista da linguagem, entendida como aquela que compreende o sujeito como um ser social. Tal como Marcuschi (2008) afirma, a língua é tomada nessa visão como um conjunto de práticas enunciativas e não de forma descontextualizada, uma vez que a língua está em completo funcionamento, por esse motivo há a defesa por um ensino de língua sob a perspectiva interacionista. Por esse viés, a adoção da teoria dos gêneros textuais para o ensino de línguas significou uma mudança de postura quanto à metodologia a ser utilizada, haja vista que antes de ocorrer a defesa por um ensino, cujas bases deveriam ser o texto, a gramática tradicional possuía maior destaque.

Antunes (2003, p. 19) afirma que

[...] um exame mais cuidadoso de como o estudo da língua portuguesa acontece, desde o Ensino Fundamental, revela a persistência de uma prática pedagógica que, em muitos aspectos, ainda mantém a perspectiva reducionista do estudo da palavra e da frase descontextualizadas.

A supremacia do estudo da gramática em sala de aula ainda persiste devido à forte herança estruturalista e ao entendimento equivocado de que, para o estudante

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