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O tratamento de questões referentes ao ensino e à aprendizagem de língua materna como objeto de investigação da Linguística Aplicada, doravante LA, é recente, haja vista essa abordagem ter atingido maior destaque no Brasil por volta da década de 1990. Desde então, essa subárea da LA tem avançado e incorporado questões importantes quanto à compreensão do funcionamento da língua e os pesquisadores dessa área têm refletido na busca por uma forma de estabelecer uma ponte entre essas descobertas e a sala de aula de língua materna. De acordo com Cavalcanti (2004, p. 25),

No começo dos anos noventa, iniciou-se a inserção (às vezes um renascimento) da Linguística Aplicada nos cursos de formação do professor de língua da graduação. Os anos 90 também viram o nascimento de novos programas de pós-graduação em LA, o crescimento da pesquisa e a diversificação de subáreas em Linguística Aplicada, incluindo linguagem no local de trabalho, linguagem e mídia, linguagem e gênero, linguagem e tecnologia; e ainda uma diversificação de subáreas em LA em sua interface com educação

O desenvolvimento das pesquisas em LA na área do ensino de língua materna tem possibilitado a revisão constante das orientações metodológicas que durante muito tempo sustentaram o estudo e o ensino de línguas, as quais eram pautadas nos pressupostos da Linguística, frequentemente, chamada de geral. Dessa forma, as orientações metodológicas para o ensino de língua materna, antes apoiadas na perspectiva estruturalista, passam por uma reviravolta, as quais começam a argumentar em favor de teorizações que incluam o sujeito em suas pesquisas e que tenham um ensino de língua pautado na diversidade dos povos, bem como na perspectiva interacionista da linguagem.

Dentre as teorias para o ensino de língua de que temos notícia, a teoria dos gêneros textuais surge como uma alternativa para o tratamento de questões linguísticas que têm como base o sujeito e a sua atuação no mundo, além da possibilidade de trabalhar a língua como um lugar de interação e do desenvolvimento de ações de linguagem situadas.

[...] nos anos 2000, surgiu, especialmente no sul do país, uma variedade de trabalhos na área de Lingüística Aplicada dedicados ao estudo de gêneros textuais [...]. Esses trabalhos têm enfatizado o papel da linguagem em constituir as atividades sociais, as relações interpessoais e os papéis sociais em contextos específicos. As atividades sociais podem ser definidas como ações por meio das quais as pessoas tentam alcançar determinados objetivos e que foram motivadas por outras ações do próprio sujeito ou de outros em um processo histórico dinâmico (KOZULIN, 1986, p. xlix). Essas atividades podem ser recorrentemente mediadas pela linguagem, o que as qualifica como gêneros textuais.

Partindo dessas considerações, o campo de pesquisa em torno da temática dos gêneros textuais encontra-se fértil, tal como apontam Marcuschi (2008) e Mendes (2008). Esta última, ao afirmar que “a reflexão sobre gênero textual tem sido, de certo modo, uma prática recente e produtiva no meio acadêmico contemporâneo” (MENDES, 2008, p. 171). De acordo com Brait (2000), o conceito de gênero tem atraído cada vez mais pesquisadores e professores, basta observar o grande volume de estudos em torno dos gêneros textuais voltados, sobretudo, para o seu uso em sala de aula.

Entre os benefícios da adoção da teoria dos gêneros para o ensino de línguas, Oliveira (2010, p. 143) ressalta que a proposta de um ensino pautado nos gêneros textuais possibilita um ensino voltado para o “[...] desenvolvimento da consciência dos alunos acerca dos elementos pragmáticos da textualidade”. Em outras palavras, a teoria dos gêneros permite o ensino de língua por meio de textos reais, que circulam em diferentes esferas da sociedade, desvinculando-se de práticas tradicionais, a partir das quais o texto é estudado de forma descontextualizada, levando-se em consideração somente os seus aspectos estruturais.

Rojo (2008, p. 97), por exemplo, afirma que

[...] a assunção do gênero do discurso como objeto de ensino das línguas e das linguagens se justifica por serem os gêneros mais flexíveis e aptos a uma abordagem persuasiva, às apreciações de valor, à abordagem persuasiva, às apreciações de valor, à abordagem criativa, centrífuga, ao contrário do ensino das formas, das normas, das regras, da gramática e das tipologias.

Assim, o ensino de língua associa-se a contextos reais de uso da linguagem. Uma prática cuja abordagem se dê a partir dos gêneros textuais permite também

que os estudantes ampliem a sua visão de texto, passando a compreendê-lo como sendo uma unidade dotada de sentido e não a partir de unidades isoladas, descontextualizadas, exatas e uniformes.

Sobre essas questões, Alves (2014), a partir das reflexões de Dolz, Gagnon e Decândio (2010) acerca do ensino de língua, tendo por base a teoria dos gêneros textuais, afirma que

[...] o ensino de produção textual a partir dos gêneros textuais se ancora em três argumentos: o trabalho de agrupamento dos gêneros facilita o desenvolvimento de conteúdos de ensino; as possibilidades de trabalharmos com práticas sociais; o trabalho a partir das representações sociais facilita a aprendizagem significativa (ALVES, 2014, p. 104).

Partindo dessa perspectiva, uma forma de trabalhar a língua em uso pode se dar a partir da inserção dos diferentes gêneros textuais no contexto da sala de aula, pois os mesmos são instrumentos capazes de permitir o trânsito dos alunos em inúmeras situações comunicativas, as quais refletem ambientes sociais e culturais diferentes. Nesse sentido, os aprendizes poderão ser estimulados a produzir textos nos quais sobressaia as suas identidades culturais e que sejam significativos. Ressalto que a diversidade de gêneros é importante, mas o essencial é a relação estabelecida entre os gêneros e as esferas de comunicação, bem como seus propósitos comunicativos, inclusive ideológicos.

Antunes (2009, p. 51), por sua vez, afirma que, com a consideração da textualidade, entrou em cena a proposta de que o estudo das línguas recobraria mais consistência e mais relevância se elegesse como ponto de referência o texto. Isso porque o cenário dos estudos linguísticos foi marcado pelo domínio da perspectiva estruturalista e, com isso, a perspectiva textual não seria objeto de pesquisa, tampouco de ensino. A virada veio somente a partir dos avanços da pesquisa no campo da pragmática e das perspectivas interacionais. De acordo com Antunes (2009, p.49),

[...] influências que vieram de muitas direções, principalmente do campo da pragmática, das perspectivas interacionais da linguagem, conduziram a linguística até o âmbito mais amplo da língua como

forma de atuação social e prática de interação dialógica, e, a partir

A partir de então, começou-se a postular a inserção do texto como objeto de ensino, possibilitando revisão dos construtos teóricos que durante muito tempo sustentaram o ensino de línguas. Dessa forma, o objeto de estudo da Linguística Textual passa a ser o texto, uma vez que investigar a palavra ou a frase isolada não possibilita o entendimento de que há diversos fenômenos linguísticos, sendo estes melhor explicados dentro do próprio texto, levando em consideração que a nossa comunicação se dá por meio de textos. Nesse sentido, trabalhos como os de Marcuschi (2008), Mendes (2008), Oliveira (2010), Silva (2014), Motta-Roth (2006) e Antunes (2003; 2009), dentre outros, trazem reflexões sobre essas questões e propõem uma abordagem para o processo de ensino-aprendizagem de línguas em que os conteúdos, materiais e ações sejam guiados pelos gêneros textuais.

Mendes (2008, p. 171) afirma que

[...] a reflexão sobre gêneros textual tem sido, de certo modo, uma prática recente e produtiva no meio acadêmico contemporâneo. Entre outros motivos, ela foi desencadeada, por um lado, pelas orientações difundidas pelos PCNs para o ensino de Língua Portuguesa, como ressalta Brait (2002), e também Kleiman (2005), que destaca que a proposta dos PCNs desencadeou um movimento relevante de pesquisa que visa, entre outras coisas, “descrever uma variedade considerável de gêneros a partir dos heterogêneos textos que os atualizam”.

Como é possível evidenciar através da citação de Mendes (2008), as pesquisas em torno dos gêneros foram desencadeadas, dentre outras questões, devido à sua menção nos PCN, sobretudo por conta das orientações presentes no documento que apontam para um ensino pautado nos gêneros, com vistas ao desenvolvimento da cidadania do estudante, conforme vimos na seção 2.2. Assim, à medida que a teoria dos gêneros textuais passou a figurar nos documentos oficiais, mais pesquisas foram desenvolvidas nesse campo.

Vale ressaltar que a proposta de inserção dos gêneros textuais nas aulas de língua materna se dá devido ao entendimento de que toda a esfera de atividade linguística do ser humano ocorre por meio de textos, os quais são manifestados nos mais diferentes gêneros textuais. Como indica Marcuschi (2008), o trabalho com gêneros textuais é uma extraordinária oportunidade de lidar com a língua em seus mais diversos usos, pois toda manifestação linguística do indivíduo se dá através de algum gênero.

Faz-se necessário, entretanto, que tanto o conceito de gênero textual, quanto de tipo textual sejam compreendidos à luz dos estudos da teoria dos gêneros textuais. Visto que ainda é recorrente certa confusão terminológica entre os referidos conceitos. Marcuschi (2008), por exemplo, ao tratar da teoria dos gêneros textuais nos PCN afirma que

[...] este aspecto é complexo e não passa despercebido aos PCNs. Contudo, as observações são, no geral, vagas. Às vezes se trata de tipos de texto ou sequências discursivas (p.45) tais como: narrativa,

descrição, exposição, argumentação e conversação. Em outros

casos, trata-se de gêneros textuais (p. 40 e 43): entrevista, debate, palestra, conto, novela, artigo, reportagem etc. não se faz uma distinção sistemática entre tipos (enquanto construtos teóricos) e

gêneros (enquanto formas textuais empiricamente realizadas e

sempre heterogêneas).

Sobre essa questão é que iremos nos deter na próxima seção, apontando as diferenças existentes entre os termos e suas implicações para o ensino de língua.

2.4 TIPO TEXTUAL OU GÊNERO TEXTUAL: IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO DE