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A partir das questões levantadas a respeito do conceito de Letramento, é possível afirmar que os alunos que estão inseridos no Ensino Superior não carecem de ser alfabetizados nesse contexto, como afirmou Feitoza (2010), uma vez que são sujeitos letrados. O que é preciso é que esses alunos passem a vivenciar as práticas de letramentos típicas do ambiente acadêmico. Assim sendo, a autora pontua que

[...] os alunos que ingressam na universidade, diferentemente do que apontam algumas pesquisas e alguns professores universitários, concluindo que eles “precisam ser alfabetizados no ensino superior”, são sujeitos letrados e que, portanto, trazem para essa esfera concepções de escrita construídas não apenas na escola, mas em outros contextos (familiar, religioso, profissional, etc.). (FEITOZA, 2010, p. 39)

O que ocorre, no entanto, é o ensino da Educação Básica não ser suficiente para que os indivíduos se insiram de imediato nas práticas do universo acadêmico. A esse respeito, Feitoza (2010, p. 39) traz a seguinte afirmação “[...] nem sempre essas concepções são suficientes para que se engajem de modo imediato nas práticas letradas do domínio acadêmico, visto que precisam de tempo para se familiarizar com elas. ”

Outro agravante para o delineamento desse quadro é o fato de os alunos serem submetidos, durante a sua educação básica, a um modelo de letramento que não reconhece a escrita como prática social, o que não permite o entendimento de que há várias possibilidades de uso da língua, conforme discutimos na seção anterior, quando mencionamos a existência do letramento considerado autônomo. Assim sendo, a maioria dos estudantes que ingressam no curso superior não está familiarizada com os letramentos típicos do ambiente acadêmico. Esta situação é o reflexo de um problema que se inicia ainda no ciclo escolar, quando os diferentes gêneros textuais deixam de ser contemplados na sala de aula.

Segundo Mendes (2012, p. 99),

A maior parte dos alunos, antes mesmo de chegarem à universidade, mantêm relações muito frágeis com essas práticas, das quais apenas terão consciência quando forem forçados a assumir identidades de leitores e escritores.

É, pois, no momento em que o estudante se depara com as práticas de escrita típicas do ambiente acadêmico que este toma consciência de que as práticas de escrita do Ensino Médio não são capazes de dar conta das habilidades de que será preciso lançar mão para desempenhar as atividades do contexto acadêmico. Ainda de acordo com Mendes (2012, p. 101), estes

[...] trazem experiências de escolarização cujas práticas de leitura e de escrita resumiam-se às institucionalizadas pela escola, as quais, via de regra, não os prepararam para fazer uso da linguagem de

modo competente e diversificado, nos diferentes contextos e situações sócio-discursivas.

Assim sendo, o letramento acadêmico consiste na aprendizagem de gêneros que circulam nesse ambiente, sendo estes orais ou escritos, tais como entrevistas, resenhas, seminários, aulas, resumos, dentre outros. A respeito do aprendizado desses gêneros, há uma alardeada queixa de que os alunos têm dificuldades na elaboração desses gêneros, quer pelo corpo docente ou até mesmo pelos próprios alunos. Para Marinho (2010), a existência desse quadro alerta para a necessidade de transformar essas queixas em propostas de ensino e de pesquisa.

Ainda no que diz respeito a essas questões, Marinho (2010, p. 366) acena que

Umas das prováveis justificativas para essa lacuna pode ser a crença (subjacente aos discursos de senso comum e aos currículos) no princípio de que se aprende a ler e a escrever (não importa qual seja o gênero) no ensino fundamental e médio. Aos professores universitários, costuma causar estranhamento o fato de encontrar alunos pouco familiarizados com a leitura e a produção de gêneros que sustentam as suas aulas e outros eventos próprios à vida acadêmica.

A autora ainda traz o exemplo de uma disciplina que foi criada no curso de pedagogia, cujo propósito era o de desenvolver a leitura e a escrita dos estudantes e foi questionada pelo corpo docente sobre a sua relevância, sob o argumento de que os alunos aprovados no vestibular já tinham sido avaliados em suas competências de leitura e de escrita, portanto, estavam aptos a desenvolver as práticas de leitura e de escrita no contexto acadêmico.

Entretanto, corfome argumenta Bezerra (2012, p. 247), o fato de o aluno passar a fazer parte do ambiente acadêmico não o torna, categoricamente, preparado para lidar com as práticas discursiva dessa instância de letramento. Nas palavras do autor,

Diversos estudos sobre os letramentos no ensino superior quer se voltem para cursos de graduação quer para a pós-graduação lato e stricto sensu, dão conta de que não é simples para os estudantes se apropriarem de novas práticas de leitura e escrita tão somente pelo fato de haverem sido promovidos a esses níveis de ensino. Trata-se de práticas complexas que envolvem a orientação do aluno para o

desenvolvimento de múltiplas competências, numa complexa inter- relação entre aspectos linguísticos, cognitivos e socioculturais.

Vale ressaltar que os gêneros que circulam na academia não se constituem como sendo práticas de ensino durante a Educação Básica. Até porque os gêneros acadêmicos são produzidos na Universidade, por ser nesse ambiente que há necessidade de que estes sejam produzidos. Diante dessa realidade, tal como aponta Marinho (2010), ao se defender o conceito de linguagem e de gênero presente em Bakhtin, compreendemos que o gênero tem o seu lugar de circulação, e, portanto, há gêneros que só circulam no ambiente acadêmico, por isso os alunos só irão aprender neste contexto, o que torna aceitável que os alunos não tenham domínio dessas práticas de escrita, e que precisam aprender. Assim, torna-se

[...] coerente esperar e aceitar que os alunos universitários se familiarizem e aprendam a ler e a escrever os gêneros acadêmicos, sobretudo, na instituição e nas esferas do conhecimento em que são constituídos, portanto, quando se inserem nas práticas de escrita universitária. (MARINHO, 2010, p. 366.)

Até porque o domínio de um gênero é um comportamento social.

Marinho (2010) relata que uma aluna, ao receber a nota de uma resenha feita na Universidade com vários comentários do seu professor, sentiu-se desapontada por conta de seu insucesso, porém, compreendeu que a escrita acadêmica era diferente da que ela realizava com sucesso na escola.

Sob uma perspectiva diferente, Feitoza (2010) faz um estudo sobre a resenha no contexto acadêmico para verificar se os alunos deveriam ou não ter tido contato com a resenha durante a Educação Básica. Para tanto, recorreu aos documentos oficiais que regulam o ensino de Língua Portuguesa no Brasil, a fim de observar quais orientações estavam disponibilizadas para o ensino de escrita, verificando qual é a visibilidade dada pelos documentos oficiais ao gênero resenha. A autora afirma, então, apoiada em documentos oficiais, que os alunos já deveriam vir familiarizados com os gêneros textuais. Para defender o seu posicionamento, faz uso da seguinte citação, presente nos PCNs de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental:

[...] o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo

da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social ao exercício da cidadania. (BRASIL, 1998, p. 32).

Diante da recomendação expressa nos PCN, Feitoza (2010) conclui que durante o Ensino Fundamental deve ocorrer um ensino pautado nos diferentes gêneros textuais, com vistas à ampliação da cidadania do aluno. Nesse sentido, a elaboração de atividades tais como resenhas, resumos, só para citar alguns exemplos, estão presentes no documento para serem ensinados.

Diante dessas considerações, Feitoza (2010, p. 5) afirma ser possível depreender

[...] da análise dos dispositivos legais que alguns gêneros acadêmicos, bem como algumas convenções que regulam a escrita acadêmica, não deveriam ser totalmente desconhecidos por parte dos estudantes que ingressam na universidade, embora pareçam ser, quando consideradas suas dúvidas em relação à produção de resenha.

Feitoza (2010) pontua, então, considerando os dispositivos legais, que durante a educação houve familiarização dos alunos com gêneros que circulam no ambiente acadêmico. Entretanto, ao adentrar no contexto acadêmico, o gênero é ressignificado e, por isso, as dúvidas quanto ao gênero nesse âmbito são recorrentes.

Há ainda casos em que os alunos, exercendo as práticas acadêmicas, continuam reproduzindo concepções de texto engessadas. É o que Marinho (2010) relata no que se refere a um tipo de texto cristalizado, denominado “trabalho”. Esse texto, semelhante ao que ocorre com a redação escolar, circula no contexto acadêmico, a fim de dar conta de qualquer gênero solicitado.

Essa prática denota o quanto a escrita no contexto acadêmico apresenta reflexos da Educação Básica, sobretudo por conta de ainda se fazer presente um modelo de letramento que não reconhece a escrita como sendo uma prática social. Assim, com vistas à maior elucidação dessas questões, apresentaremos, na próxima seção, a análise dos dados obtidos através das entrevistas e produções textuais dos alunos que participaram desta pesquisa, a fim de demonstrar se há interferências da escrita do Ensino Médio nas produções do contexto acadêmico.

4 INVESTIGANDO A ESCRITA DOS CALOUROS DE LETRAS: MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DA EXPERIÊNCIA ESCOLAR NO ENSINO MÉDIO

Nesta seção, expomos e analisamos os dados gerados através dos instrumentos / procedimentos utilizados para a realização desta pesquisa: relatos autobiográficos, entrevistas, produções textuais e diário de registro, este último obtido através de minhas impressões acerca das aulas ministradas durante o período de estágio docente. Todos os materiais que foram utilizados como instrumentos de análise foram obtidos no estágio docente realizado na disciplina LET A 09 – Oficina de Leitura e Produção de Textos, durante o período da manhã, como explicitado na seção 1.

Nos relatos autobiográficos e nas entrevistas, como já era de se esperar, observamos que os estudantes apresentam dificuldades de escrita e percebemos que estas são decorrentes de vários aspectos. Entre eles está o fato de terem sido trabalhadas durante a Educação Básica práticas de escrita mecânicas e centradas na correção gramatical, como foi possível visualizar por meio de trechos dos relatos autobiográficos e das entrevistas semiestruturadas. Isso se deve também ao trabalho que não considera a escrita como uma prática de linguagem situada e contextualizada a experiências de interação realizadas na vida social, feito durante a formação escolar.

Analisamos as produções textuais dos estudantes, com o propósito de investigar suas características quanto à estrutura composicional, ao estilo de escrita, às características formais de linguagem e à inserção da produção em práticas sociais de linguagem. De forma geral, observamos que as produções desenvolvidas pelos estudantes durante o estágio docente apresentam interferências da dissertação escolar, ainda que se tratem de resumos, resenhas e artigos de opinião, os quais se caracterizem por outra estrutura. A investigação do que interferiu na existência dos dados apresentados nos relatos autobiográficos e nas entrevistas será apresentada a partir da seleção de alguns trechos, e estes serão confrontados através das produções textuais dos estudantes. Nesse sentido, com o propósito de tornar a análise dos dados mais consistente, elencaremos algumas categorias, as quais serão discriminadas a seguir:

 O papel da escola no processo de escrita;

 As experiências de letramento que os alunos sujeitos da pesquisa trouxeram para a Universidade a partir dos relatos autobiográficos e das entrevistas

 As imagens que os alunos constroem de si mesmos em relação a sua escrita;

 Características das produções textuais apresentadas pelos estudantes quanto a quatro aspectos: estrutura composicional, estilo de escrita, características formais de linguagem e inserção da produção em práticas sociais de linguagem;

 As expectativas com relação à disciplina LET A 09.

Através da definição das categorias de análise elencadas acima, acreditamos que será possível responder às perguntas norteadoras propostas para esta pesquisa, as quais constam na seção inicial, mas que serão aqui retomadas para melhor orientar o leitor, quais sejam:

i) quais características apresentam as produções textuais dos estudantes de uma turma de calouros do curso de Letras, da Universidade Federal da Bahia?

ii) de que modo os gêneros de textos desenvolvidos no Ensino Médio, de acordo com a tradição escolar, estão representados nas produções dos alunos universitários?

iii) o que revelam os estudantes sobre o seu processo de desenvolvimento da escrita?

iv) de que modo esta investigação pode contribuir para que os estudantes do Ensino Superior possam produzir textos de modo competente e adequado às diferentes situações comunicativas?

Iniciaremos a análise apontando o papel da família no processo de letramento do indivíduo.