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O LUGAR DESTINADO AOS GÊNEROS TEXTUAIS DURANTE A EDUCAÇÃO

Embora tenha sido recorrente o ensino de produção escrita com foco na tipologia clássica, sobretudo a dissertação, e maior ênfase dada às questões formais e estruturais, houve alguns relatos em houve a referência aos gêneros textuais. O relato abaixo denota estas questões:

[44] [A07] No meu primeiro ano que eu tive uma professora nova. Aí ela trouxe uma outra perspectiva para o primeiro ano. Uma outra base para poder trabalhar. Foi que eu trabalhei com crônica [...] trabalhei com charges, artigo de opinião, nem tanto. No segundo ano eu desenvolvi um artigo de opinião, não um artigo cientifico. No segundo ano eu desenvolvi um artigo cientifico com o meu professor de biologia que ele tava me auxiliando. Ele auxiliou direitinho. Também eu aprendi muita coisa. Aprendi a citar um autor dentro do texto que eu não sabia de nada disso, nunca tinha trabalhado. Artigo de opinião eu também trabalhei, trabalhei com narrativas e trabalhei com dissertação que foi o que ela mais pegou, dissertação sempre. Ela dava exemplos. Ela tinha a parte teórica que ela falava como dissertar e como fazer tudo isso e a parte prática. Que era artigo de opinião. Tinha também o texto mais reduzido que é só um parágrafo que você desenvolve, ela também trabalhava com isso, para a gente trabalhar com a questão de

saber argumentar em determinado número de linhas, trabalhava com tudo isso.

Este trecho da narrativa é muito interessante, pois revela um misto de prática que evidencia a tensão que há entre as concepções de língua, já que, ao mesmo tempo em que a professora se direcionava para um estudo apoiado em gêneros textuais – visão de língua como prática social, fazendo uso da tipologia como fonte principal da produção –, estava pautada em uma perspectiva estruturalista. Dessa forma, notamos uma metodologia engessada que enfoca a forma, ainda que se trabalhe com as crônicas e com artigo científico e de opinião, revelando conhecimento dos gêneros textuais, o que, talvez, possamos presumir ser em virtude das orientações dispostas nos documentos oficiais, a exemplo dos PCN. Outro ponto que podemos destacar é a importância da mediação exercida pelo professor de biologia. A orientação dada pelo professor constitui-se como sendo algo positivo e que possibilitou aprendizado para a aluna. Essa questão pode ser observada a partir do seguinte trecho: “[...] No segundo ano eu desenvolvi um artigo científico com o meu professor de biologia que ele tava me auxiliando. Ele auxiliou direitinho. Também eu aprendi muita coisa. Aprendi a citar um autor dentro do texto que eu não sabia de nada disso [...] ”.

Outros alunos também relataram terem tido contato com outras modalidades de texto que não a dissertação, como é possível ilustrar com o seguinte excerto:

[45] [A06] A gente trabalhou com outros gêneros textuais e também com o tema gênero textual, principalmente, com essa professora, no ensino médio, porque gênero textual no primário era narrativa, era ficar criando um monte de historinhas. No ginásio na quinta e na sexta série eu ainda via alguns outros gêneros, como carta. Eu acho que eu só lembro de ter visto carta e a narrativa mesmo. Mas, na sétima e oitava série só dissertação. Na oitava série no último semestre já para fechar o ano a gente deu carta, só que não foi muito valorizado assim, porque, era final do ano, entendeu? Então, foi aquela coisa assim, muito rápida. Ai quando eu entrei no ensino médio, não. Eu vi sobre vários tipos de carta, a gente via currículo, a gente via outros gêneros textuais que não fosse só a dissertação. Até porque dissertação também a gente viu muito.

Nesse dado, observamos a partir do relato da aluna referência aos gêneros textuais durante o Ensino Médio. A própria aluna estabelece um contraponto entre o conteúdo do ensino fundamental e o conteúdo do ensino médio. Essa questão pode

ser observada a partir do seguinte trecho: “ [...] Ai quando entrei no ensino médio, não. Eu vi sobre vários tipos de carta, a gente via currículo, a gente via outros gêneros textuais que não fosse só a dissertação”.

O relato de A05 chama atenção para outra problemática que também permeia a sala de aula que é a de ocorrer indicação do trabalho com os gêneros textuais, todavia, sem que seja de fato trabalhado. Essa questão ficará evidente no trecho da entrevista destacado a seguir:

[46] [A05] Só no terceiro ano que a gente fez um pouco mais de resenhas, agora que eu lembrei. Porque a gente leu mais livros no terceiro ano. O professor mandava fazer resenhas e mais resumos. Ah! faça um resumo do livro que você leu, pronto. Na verdade, era só para contar ponto. Era apenas assim: você fez, completou a página, está ótimo.

O relato de A05, a princípio, sugere um trabalho a partir da abordagem dos gêneros textuais, o que é visto de forma positiva. A inserção dos gêneros textuais na sala de aula ocorre para atender a um propósito, qual seja o de trabalhar com a resenha e com o resumo para que o aluno possa pôr em prática a compreensão das obras literárias trabalhadas e a leitura e o estudo em sala de aula. Entretanto, a atividade perde parte de seu significado ao adquirir o papel de somente avaliar o aluno. Assim sendo, é possível evidenciar que havia um trabalho com a produção textual, todavia não de forma significativa do ponto de vista da funcionalidade do gênero textual.

Ainda no tocante a essa questão, selecionamos um trecho da entrevista de A02 no qual percebemos que houve, durante o Ensino Médio, atividades que partiam da visão de linguagem como prática social, a partir de uma abordagem por meio dos gêneros textuais, quando há menção ao resumo e ao artigo de opinião, no entanto mantendo um foco maior na dissertação, por conta do vestibular.

[47] [A02] Bom. Por iniciativa isolada dos meus professores de humanas, eles faziam com que eu escrevesse, principalmente a professora de literatura, a professora Olívia, e a professora Ivana, de Redação. São ex-alunas daqui também. Mas um trabalho específico, muito bem elaborado, não. Era um trabalho para passar no vestibular e só isso [...] trabalho com a estrutura da redação dissertativa argumentativa e por ai vai. Eu lembro que a gente trabalhava na verdade, geralmente, dois ou três gêneros, que era o que para o

vestibular, o artigo de opinião e a resenha. Resumo era muito pouco, geralmente, era a resenha mesmo.

É importante ressaltar que, apesar de o foco maior recair sobre a redação dissertativa, o trabalho como outros gêneros textuais constitui-se como sendo produtivo para o aluno, por ter permitido a vivência com outras modalidades textuais.

Houve trecho das entrevistas em que os alunos informaram que escreveram outros textos, além da dissertação, ou, até mesmo, textos com ênfase na tipologia clássica. Todavia, tal ensino se deu de forma equivocada, como fica evidente no trecho abaixo:

[48] [A01] Assim, quais são os tipos de gêneros textuais? Era questão da prova de redação, são esses, esses e esses. Mas fazer certos tipos de gênero, não. Era como eu falei, era trabalhado narração, descrição e dissertação. Falava-se sobre os gêneros, mas não trabalhava. Eu acho que quando eu era pequena, até a quarta série eu acho que era trabalhado mais, porque a escola que eu estudava tinha muitos projetos em relação a isso, então a gente aprendia um pouco. Mas ai como era quarta série e como não trabalhei isso apagou da cabeça. Deve tá aqui em algum lugar, mas dizer que eu tive contato com isso depois da quarta série, não.

O relato de A01 exemplifica mais uma vez a questão sinalizada por Mendes (2008) a respeito da confusão terminológica entre os gêneros textuais e a tipologia textual. No relato em análise, observamos que havia menção aos gêneros textuais, mas o que ocorria era o estudo das estruturas tipológicas. Os relatos selecionados para análise remetem a pensar que a questão não reside no fato de ocorrer ou não o ensino sob a perspectiva dos gêneros textuais, mas na forma como ocorre o ensino. Na seção anterior, os excertos selecionados nos permitiram concluir, com segurança, que o ensino se dava sob a perspectiva tipológica, a partir da concepção de língua estruturalista. Já os trechos selecionados para a discussão neste tópico revelam uma compreensão, no mínimo equivocada quando não questionável, sobre o significado de trabalhar com o gênero textual. Isso decorre do fato de não ser produtivo adotar uma teoria nova e seus conceitos sem que se tenha de forma clara em qual concepção de língua a abordagem está amparada.

4.4 AINDA AS PRODUÇÕES: CARACTERÍSTICAS DAS PRODUÇÕES TEXTUAIS