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Machado de Assis entre caiporas e medalhões: glorificação, cultura e política

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MACHADO DE ASSIS ENTRE CAIPORAS E MEDALHÕES:

glorificação, cultura e política

JOÃO PAULO BANDEIRA DE SOUZA

NATAL/RN – FORTALEZA/CE 2016

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MACHADO DE ASSIS ENTRE CAIPORAS E MEDALHÕES:

glorificação, cultura e política

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais

Orientador: Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas

NATAL/RN – FORTALEZA/CE 2016

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Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Souza, João Paulo Bandeira de.

Machado de Assis entre caiporas e medalhões: glorificação, cultura e política / João Paulo Bandeira de Souza. – 2016.

300 f. : il. –

Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais, 2016.

Orientador: Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas.

1. Política e cultura – Brasil. 2. Assis, Machado de,1839-1908 – Contos. 3. Imagens – Interpretação. 4. Literatura brasileira. I. Costa, João Bosco Araújo da. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

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_________________________________________________________ Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas

Orientador – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_________________________________________________________ Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior

Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_________________________________________________________ Prof. Dr. João Bosco Araújo Da Costa

Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_________________________________________________________ Prof. Dr. Hermano Machado Ferreira Lima

Instituição: Universidade Estadual do Ceará

_________________________________________________________ Prof. Dr. Antônio André Alves

Instituição: Instituto Federal do Rio Grande do Norte

Suplente

_________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Celeste Magalhães Cordeiro

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Não sei se o leitor é da minha opinião; eu cuido que

se pode avaliar um homem pelas suas simpatias

históricas; tu serás mais ou menos da família dos

personagens que amares deveras. Aplico assim

aquela lei de Helvetius: "O grau de espírito que nos

deleita dá a medida exata do grau de espírito que

possuímos”.

Machado de Assis

Uma traça bifara o resto da palavra; comeu o

eterno e deixou o minuto. Não se pode saber a que

atribuir essa preferência, se à voracidade, se à

filosofia das traças. A primeira causa é mais

provável; ninguém ignora que as traças comem

muito.

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esmero e amor. Sempre me contando suas histórias de perseverança, honestidade, dignidade e coragem.

Para Meu Pai, pelo cuidado, amor e proteção incondicionais. Por ter me levado tantas vezes para brincar em estúdios de rádios e reuniões políticas, me ensinado pelo exemplo a honrar os compromissos assumidos da melhor forma possível .

Para Deda, por ter me trazido nos braços, acreditado nos meus passos e compreendido os meus percalços.

Para Fernanda, Roberta e Odenizio Filho, parceiros e exemplos nas brincadeiras de crianças e nas responsabilidades de adultos.

Para Mírian, calmaria de alegrias onde sossego as tormentas da minha alma.

Ao Raimundo Sapatinho e a Lolita pela alegria que só os gatos sabem proporcionar.

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Aos Deuses que sempre me ajudam nos momentos de certezas e incertezas!

À Vovó Naninha (In Memoriam), Tia Dadá, Dodó (In Memoriam) e Deda, que me receberam, ainda menino, em sua casa situada na rua Machado de Assis e deram todo apoio necessário aos desenvolvimento de meus estudos, minha eterna gratidão!

Ao professor Alex Galeno, que me ensinou através de seu exemplo que os exercícios da arte de ensinar são desafios cotidianos de generosidade, compreensão e ousadia. Eu que procurava um orientador, acabei encontrando um mestre timoneiro de saberes.

Ao amigo e mestre Hermano Machado, exemplo de educador, pelo tratamento respeitoso e sincero, sempre cuidando de me ensinar algo novo para me ajudar a pensar melhor sobre as coisas políticas e da vida.

À Celeste Cordeiro por ter acreditado na minha ideia de canário, pela amizade, ensinamentos, conselhos, livros e atenção que sempre teve comigo.

À professora Fernanda Bandeira pela leitura atenta e correção precisa deste texto. Só alguém com tamanha coragem e conhecimento da língua portuguesa poderia ter concluído com tanto êxito e em tão pouco tempo a tarefa de ajustar o caos do meu pensar à ordem necessária ao bom texto.

Aos talentosos artistas e amigos, Nicole Costa, Leo Portella e Mírian Rocha que ilustraram este trabalho. Obrigado não apenas pelos desenhos lindíssimos, mas principalmente por terem tido paciência, sensibilidade e generosidade de ouvir, entender e traduzir em imagens aquilo que eu só consegui explicar-lhes com palavras.

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Doglas Diniz Barreto, Nilo Régis, Fernando Brito, Dudu Oliveira Souza, Marco Tulio Cardoso, Juliano Menezes, Janice Holanda, Rodrigo Mesquita, Patrícia Teixeira, Lissandra Bezerra, David Moreno, Helder Nogueira, Pedro Mourão, Odilon Monteiro, Paulo Massey Nogueira, Alexandra Arruda (In Memoriam), Vanessa Nogueira e a Yandra Lôbo.

Aos meus familiares, tios, primos e ancestrais da minha tribo no mundo, e aos que contribuíram de alguma forma com esse trabalho. Em nome deles saúdo e homenageio: Vovó Bárbara, tia Osair Porfírio, Mário Porfírio, Didia, Tia Lúcia, Amanda Bandeira, tia Rejania, tio Wilmar, Maninha Holanda e Dona Rita.

Ao professor Orivaldo Pimentel, pelas leituras e contribuições preciosas dadas a este trabalho desde quando ele era um esperançoso projeto de doutorado.

Aos professores João Bosco Araújo e André Alves por terem aceito o convite de participar da banca examinadora deste trabalho.

Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte, seu corpo docente, funcionários e meus

companheiros e companheiras de turma.

À Capes pela bolsa de estudo, que apesar da longa espera de quinze meses a qual deixou-me aos cuidados da bondade dos outros e da Providência, foi fundamental para a realização desta pesquisa. Sem ajuda eu não teria conseguido concluir o curso de Doutorado.

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O diálogo entre as Ciências Sociais e Literatura é fonte incessante de saberes sobre os modos como os mais diversos coletivos humanos criam, vivem e representam artisticamente suas relações sociais, culturais e políticas. Este estudo versa sobre as noções de medalhonização e caiporismos duas constelações/coleções de imagens literárias presentes nos contos de Machado de Assis que ajudam a compreender como a glória e a falta dela foram vividas e interpretadas na cultura política dos brasileiros. O objetivo da tese foi compreender a medalhonização como uma oikonomia da glorificação (AGAMBEN) e o caiporismo como uma forma-de-vida (AGAMBEN). A metodologia desenvolvida na pesquisa é um exercício complexo de interpretação poética do devaneio (BACHELARD) a partir dos contos machadianos que são aqui considerados como universais singulares (SARTRE). Partindo de novas organizações das coleções de imagens guardadas em cinquenta e dois contos sobre medalhões e caiporas, selecionados entre os duzentos e nove escritos pelo contista carioca, foram pensadas as glorificações e ignomínias no nomotopo (SLOTERDIJK) dos brasileiros. A medalhonização é composta por quatro grupos de exercícios (SLOTERDIJK) de uma oikonomia da glorificação na opinião dos outros: os exercícios corporais e sua dimensão do regime do aprumo e do compasso; os exercícios opinativos e sua dimensão da arte de pensar o pensado; os exercícios aclamativos e sua dimensão da publicidade; os exercícios litúrgicos e sua dimensão cerimonial. O caiporismo não é cultivado por meio de uma oikonomia, no entanto, são formados por exercícios criados por formas-de-vidas condenadas a uma existência de empobrecimento material, de desproteção, de obscuridades e de esquecimento. A pesquisa ensinou três lições: a) a existência de dialógica condição de pavão na cultura política dos brasileiros, b) o entendimento que a imagens presentes nos contos são universais e singulares e c) o encontro com um contista interessado em glorificações, cultura e política.

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The dialogue between the Social Sciences and Literature is unceasing source of knowledge about the ways in which various human groups create, live and artistically represent their social, cultural and political. This study deals with the medalhonização notions and caiporismos two constellations / literary gifts image collections in Machado tales of Assisi that help to understand the glory and the lack of it were lived and interpreted in the political culture of Brazil. The aim of the thesis was to understand the oikonomia medalhonização as a glorification (AGAMBEN) and caiporismo as a way-of-life (AGAMBEN). The methodology developed in this research is a complex exercise of poetic interpretation of reverie (Bachelard) from machadianos tales that are considered here as singular universal. Starting from new organizations of collections of images stored in fifty-two tales of medallions and caiporas, selected among the hundred and nine written by the Rio storyteller, it was thought the praise and ignominy in nomotopo (SLOTERDIJK) of Brazilians. The medalhonização consists of four exercise groups (SLOTERDIJK) a oikonomia glorification in the opinion of others: the physical exercises and its size the aplomb of the regime and compass; the opinionated exercises and their size the art of thinking the thought; aclamativos the exercises and their size advertising; the liturgical exercises and its ceremonial dimension. The caiporismo is not cultivated by a oikonomia, however, they are formed by exercises designed for life-forms-sentenced to a lifetime depletion material, deprotection, and darks forgetfulness. The research taught three lessons: a) the existence of dialogic condition of peacock in the political culture of Brazilian, b) the understanding that the present images in the stories are universal and natural and c) the meeting with an interested story writer in glorificaciones, culture and politics.

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El diálogo entre las ciencias sociales y literatura es fuente incesante de conocimientos sobre las formas en que los diversos grupos humanos crean, viven y artísticamente representan su desarrollo social, cultural y político. El estudio trata de las nociones medalhonização y caiporismos dos constelaciones / regalos literarios colecciones de imágenes de los cuentos de Machado de Asís que ayudan a comprender la gloria y la falta de ella se vivieron e interpretadas en la cultura política de Brasil. El objetivo de la tesis era comprender las medalhonização oikonomía como una glorificación (AGAMBEN) y caiporismo como una vida-forma de (AGAMBEN). La metodología desarrollada en esta investigación es un ejercicio complejo de interpretación poética de la ensoñación (Bachelard) de machadianos cuentos que se consideran aquí como singular universal. A partir de las nuevas organizaciones de colecciones de imágenes almacenadas en cincuenta y dos cuentos de medallones y caiporas, seleccionados entre los ciento nueve escrito por el narrador Río, se pensó que el elogio y la ignominia en nomotopo (SLOTERDIJK) de los brasileños. El medalhonização consta de cuatro grupos de ejercicio (Sloterdijk) una exaltación oikonomía en la opinión de los demás: los ejercicios físicos y su tamaño el aplomo del régimen y la brújula; los ejercicios obstinado y su tamaño el arte de pensar el pensamiento; aclamativos los ejercicios y su publicidad tamaño; los ejercicios litúrgicos y su dimensión ceremonial. El caiporismo no se cultiva por un oikonomía, sin embargo, que se forman por medio de ejercicios diseñados para las formas de vida, condenados a un material de por vida el agotamiento, la desprotección, y la obscuridad olvido. La investigación enseña tres clases: a) la existencia de la condición dialógica del pavo real en la cultura política de brasileña, b) el entendimiento de que las imágenes presentes en las historias son universales y naturales, y c) el encuentro con un escritor de historia interesado en la alabanza, la cultura y la política.

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Página

Machado de Assis: vida e obra. Edição digital de imagens. 52

Uniformes de Alferes da Guarda Nacional. Desenho digitalizado. 95

O hábito do Medalhão. Desenho com lápis de cor, grafite e nanquim. 116

A originalidade do pensamento pensado. Folha em branco. 151

Vestido de Baronesa. Desenho com lápis de cor e nanquim. 196

Receitas com peru. Edição digital de imagem. 213

Menu 1. Edição digital de imagem. 214

Menu 2. Edição digital de imagem. 215

Menu 3. Edição digital de imagem. 216

A Hidra do Caiporismo. Desenho com lápis de cor e nanquim. 244

Uma folha literária. Edição digital de imagem. 274

Dialógica condição de pavão. Aquarela com nanquim. 291

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1. Introdução ... 14

Parte I. Experimentações dialógicas com imagens literárias em ciências sociais... 19

2. Contos Machadianos: artefatos nomotópicos...22 3. Advertências sobre a invenção de uma obra:

um contista entre a poesia e a política...31 4. Interpretar contos é devanear com palavras: caminhos metodológicos...53

Parte II. A glorificação multiexercitante dos Medalhões:

liturgias, opiniões e cerimônias...64

5. De Pai para Filho: oikonomia e os exercícios da medalhonização...67 6. O gesto e a casaca: a dimensão do regime do aprumo

e do compasso ou dos exercícios corporais... 96 7. O brilho falso das ideias medíocres: a dimensão da arte de pensar

o pensado ou dos exercícios opinativos... 117 8. Da saleta de costura aos jornais: a dimensão da publicidade

ou dos exercícios aclamativos... 152 9. Trinchando perus e relações pessoais: a dimensão cerimonial

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10. Caiporismos e Caiporas:

as diferentes formas de cair de costas e quebrar o nariz... 220 11. O lado oculto do caiporismo:

destinos inventados e acasos traçados... 245 12. Compensações da Obscuridade: a resignação como bálsamo... 257 Parte IV – Reorganizações e perspectivas...275

13 - Três lições devaneadas em oito contos: o poeta e o imortal,

o cientista e o faraó, os compadres e o imperador do divino... 276

14- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 292

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1. INTRODUÇÃO

Desde então adquiriu um olhar de lince capaz de descobrir, à primeira vista, se um homem tem na cabeça miolos ou massa quimérica. Não há vaidade que possa com ele.

Machado de Assis

Machado de Assis nos legou uma obra em contos quantitativamente considerável. São duzentos e nove textos escritos nos mais variados formatos, para diferentes públicos e em diferentes tempos. Os contos frequentaram desde as revistas femininas aos novos jornais vendidos nas ruas fluminenses, uma novidade de final de século. São dezenas de histórias curtas e longas, geniais e perturbadoras, escritas e reescritas ao longo dos cinquenta anos da carreira de um contista que cultivou a arte de escrever histórias curtas por sua vida inteira. O primeiro deles foi publicado no ano de 1858 e o último no ano de 1907.

Para Jonh Gledson, ―[...] os contos de Machado não são levados tão a sério quanto mereceriam.‖ (GLEDSON, 2006, p.35), e que ―boa parte do sabor desses contos provém de sua íntima relação com o Brasil, e em particular com o Rio de Janeiro.‖ (GLEDSON, 2006, p.36) e pontua: ―[...] eles ainda contêm surpresas para quem souber lê-los com o espírito do autor.‖! (GLEDSON, 2006, p.37).

Neste trabalho, os contos machadianos são compreendidos como: portadores de devaneios, artefatos de cultura e lugares de colheita que permitem entrever em suas camadas de significações, imagens e saberes, determinados aspectos da cultura política dos brasileiros, seus imprintings e efervescências, não vistos em outros que pensaram a política na mesma época. Sobre o Machado de Assis contista, dizia José Veríssimo em 1906:

Mas se a sua obra de mais esforço, e neste sentido mais forte, é o romance, a sua obra verdadeiramente distinta e superior é o conto. Dessas histórias, como gosta de chamar-lhes, tem acabados pela originalidade e imprevisto da invenção, simples sem rebusca, mas

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nunca banal, pela perfeição rara da composição, sempre vernácula e jamais antiquada, elegante sem preciosidade, formosa sem atavios ou enfeites, casando-se admiravelmente com um pensamento próprio, irônico, ondeante, feito de uma observação arguta e desiludida da vida. VERÍSSIMO In: (MAGALHÃES JR., Vol. IV, p. 279)

O escritor falou sobre artes, amores, fantasias, razão, loucuras, vaidades, dissimulações, traições, ciúmes, esperanças, medos, desejos, frustrações, dores profundas e amenidades cotidianas. Escreveu sobre seus contemporâneos e seu tempo com suas modas, crenças e ambições; também tratou da ostentação do poder, da indiferença das elites, seus rituais de glorificações e desdouros. De acordo com John Gledson, os contos têm uma significação especial, pois ao contrário dos romances nos quais os ricos e glorificados dos estamentos políticos são protagonistas, os mais pobres e suas penúrias ganham grande relevo nas histórias curtas. Nos contos, muitos protagonistas pertencem a grupos sociais sem direitos nem salamaleques: classes médias urbanas, escravos e empobrecidos dependentes dos favores e proteções dos ricos.

Pensando do Rio de Janeiro, de onde quase nunca saiu, indo no máximo à Petrópolis, como ensina a anedota famosa; escrevendo para os seus contemporâneos, o poeta fez-se bruxo e tornou-se universal, seguindo o programa que ele mesmo elaborou no famoso artigo Instinto de Nacionalidade.

O contista desenvolveu o ―certo sentimento íntimo‖ que lhe dava a condição de ser homem do seu tempo e do seu país, mesmo quando estivesse falando sobre coisas longínquas no tempo e no espaço. Vejamos o trecho do artigo que traz a ideia:

Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região; mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que deve se exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento intimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço. (ASSIS, 2008, Vol. III, p. 1205)

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Na busca de ser um homem do seu tempo e do seu país ao mesmo tempo em que pretendia ser universal, dialogando com tempos e espaços remotos, Machado de Assis acabou por se fazer o que Giorgio Agamben definiu como sendo um contemporâneo: um sujeito que mesmo submerso em seu nomotopo, perscrutador atento de seu tempo, não se deslumbra por seus encantos e desencantos conseguindo perceber as luzes vindas da escuridão que iluminavam o espírito da época. O contemporâneo Machado de Assis, interpretando o bailado das modas e das ideias, viu convicções sociais e políticas diversas morrerem e nascerem, sabendo perceber segredos e movimentos da cultura política brasileira sem se iludir com eles.

Os contos desse pensador original proporcionam revelações surpreendentes, até para os dias de hoje tão desnudos de pudores políticos, sobre a cultura política praticada no Brasil, seus rituais e imaginários. Machado de Assis foi ao mesmo tempo tecelão e escavador da cultura política dos brasileiros e por meio das letras interpretou como poucos de seu tempo as relações humanas fundadas numa cultura política que somente os que tinham acesso à tríade: relações fidalgas, grossos cabedais e relações pessoais eram levados em consideração, valiam alguma coisa; como ensina Sidney Chalhoub, ao refletir sobre os significados históricos e sociais da obra machadiana no livro

Machado de Assis: historiador.

A pesquisa objetiva compreender a existência de dois conjuntos de imagens literárias, que também chamaremos de constelações de imagens. Essas constelações guardam os estudos e interpretações machadianas sobre imitações e diferenciações dos exercícios de glorificações e aclamattio adversa na cultura dos brasileiros: imagens da medalhonização e imagens dos caiporismos.

A medalhonização se compõe de uma pluralidade de exercícios, de práticas, de execuções e de resultados; das imitações, das contradições e das reinvenções de uma oikonomia que busca ser glorificado na opinião dos outros. Os exercícios da gestão para uma vida de medalhonização são: a) os exercícios corporais e sua dimensão do regime do aprumo e do compasso; b) os exercícios opinativos e sua dimensão da arte de pensar o pensado; c) os

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exercícios aclamativos e sua dimensão da publicidade; d) os exercícios litúrgicos e sua dimensão cerimonial.

Do outro lado, temos os caiporismos e suas infinitas diferenciações e possibilidades de manifestações sociais e individuais. O caiporismo não é ensinado e cultivado por meio de uma oikonomia, no entanto, também são formados por exercícios criados por formas-de-vidas condenadas a uma existência de empobrecimento material, de desproteção, de obscuridades e de esquecimento em vida; existências criadas no vácuo causado pela falta de imunidades e proteções sociais, culturais e políticas obtidas pelos que dominam com destreza os exercícios da medalhonização.

Tal experimentação com imagens literárias em Ciências Sociais foi empreendida para compreender a glorificação e a falta dela através de um diálogo entre as Ciências Sociais e a Literatura. O exercício de pensar com imagens sobre política foi inspirado e guiado pela utilização do método barcheladiano de devanear sobre devaneios, seguindo a ―leitura feliz‖, como ensinou Barchelard: é a leitura que é interpretação, um devaneio a partir de outros devaneios. Gilbert Durand ensina interpretando seu mestre que:

É certo que existe sempre um risco em ‗interpretar‘, mas a ‗leitura‘, que é interpretação, constitui a felicidade da ‗leitura feliz‘ (G. Bachelard) e interpretar um texto literário é (lê-lo!) como uma peça musical ou como a tela de um pintor constitui um ‗belo risco a correr‘ (como dizia, num outro contexto), Sócrates. O ‗ sentido‘ de uma obra humana, de uma obra de arte, está sempre por descobrir, ele não é automaticamente dado através de uma receita fastfood de análise. [...] (DURAND, 1996, p. 251)

Ler os contos machadianos por meio de uma leitura feliz foi um exercício que fez descobrir novos sentidos nas antigas imagens as quais corremos o risco de interpretar. Interpretando seus devaneios, encontramos nos contos miríades de possibilidades interpretativas, constelações de subjetividades e novas coleções de significados. Refletindo sobre a política, o poder, a glória e a ignomínia através das peripécias e sofrimentos de

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Medalhões e Caiporas, conseguimos interpretar a obra com a obra através da obra e para além da obra.

Em princípio são essas as intenções e desejos que animaram a escrita da tese que tens em mãos; resultado de um longo e ainda vivo exercício de leitura, surgido da admiração de um menino pelos livros de Machado de Assis e da alegria que ele sentia quando tentava entender sobre o que ele dizia e que, por muitas vezes, dormiu sem entender!

A admiração e a vontade de pensar com o autor carioca se expandiram com essa pesquisa e por isso obriga a dizer que a vastidão e grandiosidade dos contos de Machado de Assis não cabem numa tese; o que torna os resultados obtidos por esse trabalho um apanhado de anotações inconclusas, portanto, aberto ao reproche e contribuições que ajudem a perceber outras possibilidades de interpretações sobre medalhonização e caiporismos nas histórias curtas de Machado de Assis.

A tese é composta por quatro partes. A primeira parte:

Experimentações dialógicas com imagens literárias em ciências sociais,trata de nossas opções metodológicas e epistemológicas. A segunda

parte: A glorificação multiexercitante dos Medalhões: liturgias, opiniões e

salamaleques, traz os resultados dos estudos sobre os exercícios da

oikonomia da medalhonização. A terceira parte é intitulada A hidra de mil

cabeças: o caiporismo como forma-de-vida discorre sobre os caiporismos e

suas variações. A quarta parte: Três lições em oito contos: o poeta, o

imortal, o cientista, o faraó, os compadres e o imperador do divino guarda

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PARTE I

Experimentações dialógicas com imagens literárias em

ciências sociais

A filosofia é uma boa senhora, e o vulgo é um

sujeito prático; seria parcialidade inclinar-me a

qualquer deles. Atento-me a ambos.

Machado de Assis

Hoje, quando ele aí vai, de áloe e cardamomo

Na cabeça, com ar taful,

Dizem que ensandeceu, e que não sabe como

Perdeu a sua mosca azul.

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Pesquisa, aqui desenvolvida, navega entre as Ciências Sociais e a Literatura, tem o devaneio como método e imagens literárias como campo de pesquisa. Da busca de pensar a política com a literatura, foram desenvolvidas metodologias de leitura e de pesquisa qualitativa com textos que retroativamente intervieram nos processos de mediações teóricas e conceituais que engendravam essas mesmas metodologias apresentando possibilidades não imaginadas de caminhos de investigação, abrindo novas rotas, refazendo percursos e permitindo que a atividade de pesquisa fosse uma reflexão contínua sobre suas formas, intenções e conteúdos.

As metodologias são guias a priori que programam as pesquisas, enquanto que o método derivado de nosso percurso será uma ajuda à estratégia [...] O objetivo do método, aqui, é ajudar a pensar por si mesmo para responder ao desafio da complexidade dos problemas. (MORIN, 1998, p. 35-36)

Esta primeira parte da tese apresenta nossas opções teóricas e metodológicas para pensar com o método fenomenológico-devaneador barchelardiano a partir dos contos de Machado de Assis os quais são ―universais singulares‖ e por isso ajudam a pensar sobre o fenômenos universais a partir de suas singularidades. Sobre este conceito ensina Galeno:

[...] Um indivíduo plural ou um sujeito universal singular, conforme termo usado por Sartre em seu estudo sobre Flaubert. Gerd Bornheim destacou a importância teórico metodológica de tais vinculações em seu estudo sobre o Flaubert sartreano. O autor argumenta que Sartre fez de Flaubert um ―universal singular‖, em que o tema obsessivo da biografia se configura numa ―ideia-objeto‖ que singulariza e sintetiza sua interpretação sobre a sua vida e também sobre acontecimentos na História. (GALENO, 2005, p.44)

E mais adiante o mesmo autor continua dizendo sobre o assunto:

[...] Em Sartre, torna-se necessária a tentativa de reconstruções sintéticas ao olharmos fatos particulares/ singulares e suas relações com fenômenos gerais/ universais. Para exemplificar tais formulações, o autor destaca o poeta Paul Valéry e o escritor Gustave Flaubert. [...] (GALENO, 2005, p.45)

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Os contos são singularidades formadas pelo cruzamento de outras singularidades, pois cada personagem medalhão ou caipora é uma miríade de singularidades que exemplificam as universais ideias de glorificação e ignomínia.

Além disso, cada conto é um artefato cultural criado por uma imaginação devaneadora sobre uma cultura política que guarda em si imagens e saberes sobre a invenção dessa mesma cultura política. Esta parte é formada pelos capítulos 2. Contos Machadianos: artefatos nomotópicos; 3.

Advertências sobre a invenção de uma obra: um contista entre a poesia e a

política e 4. Interpretar contos é devanear com palavras: caminhos metodológicos.

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2. CONTOS MACHADIANOS: artefatos nomotópicos

La vigencia del derecho y las costumbres dentro del grupo ejercen un permanente estímulo autoestresante sobre los miembros y coloca al colectivo en una vibración simbólica, que con lo mejor que se podría comparar es con la temperatura corporal, endógenamente estabilizada, de un ser vivo de sangre caliente.

Peter Sloterdijk

Uma cultura política é formada por infinitas e múltiplas interações entre as subjetividades que a inventam e criam através de movimentos de inovações, repetição e renovação. As culturas são feitas de resquícios e novidades, possibilidades e retroações; e desenvolvidas através de imaginários, imagens, símbolos, significados, interpretações, rituais, liturgias, exercícios, efervescências e permanências.

A cultura é em si mesma e por si mesma um complexo de miríades de ações e narrativas que exigem conhecimento aberto e capacidade de interpretação para que sejam realmente compreendidas. Comparada a um labirinto, a cultura é um lugar de caminhos desorientadores, ela tem nos acordos, liturgias, artes, religiões, ritos, conceitos, teorias e mitos os fios que guiam os homens pelas entradas que levam às saídas e suas saídas que conduzem a novas entradas.

Pensar sobre a complexidade da cultura significa compreender esse fenômeno humano a partir de sua relação de partilha e de criação mútua com a sociedade, da tensão dialógica e retroativa entre a vida social que cria a vida cultural e a vida cultural que cria a vida social.

Edgar Morin, no Método 4, apresenta a cultura como uma ―máquina cognitiva cuja práxis é cognitiva‖, um ―megacomputador complexo‖ portador de dois ―poliprogramas‖, um de origem bioantropológico e um de origem sociocultural, interligados por um ininterrupto processo de ―inter-retroações dialógicas‖, formando um ―anel bio-antropo(-cérebro-psico)-cultural.‖(MORIN, 1998, p. 21-22)

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A cultura é organizada/organizadora via o veículo cognitivo da linguagem, a partir do capital cognitivo coletivo dos conhecimentos adquiridos, das competências apreendidas das experiências vividas, da memória histórica, das crenças míticas de uma sociedade. Assim se manifestam ―representações coletivas‖, ― consciência coletiva‖, ―imaginário coletivo‖. E, dispondo de seu capital cognitivo, a cultura institui as regras/normas que organizam a sociedade e governam os comportamentos individuais. As regras/normas culturais geram processos sociais e regeneram globalmente a complexidade social adquirida por essa mesma cultura. (MORIN, 1998, p. 19)

Essa cultura que envolve a todos e ao mesmo tempo está em cada um de nós, humanos, é feita a partir da complexa ação sapiens demens de compreender, interagir e transformar seu entorno numa dialógica triúnica entre indivíduo-sociedade-espécie, como ensina Edgar Morin, no quinto volume de O

Método. O pensador francês considera que não existem fronteiras e divisões

entre o cultural/social/político e o natural, mas uma totalidade não totalizadora, advinda do fato do homem ser, ao mesmo tempo, 100% cultura e 100% natureza.

O pensador da complexidade invoca a linguagem como dimensão fundamental para entender o fenômeno humano; por meio dela os homens se conectam entre si através dos tempos e criam seu próprio tempo e suas próprias interpretações.

Assim, tudo se encontra contido na linguagem, mas ela própria é uma parte contida no todo que contém. A linguagem está em nós e estamos na linguagem. Fazemos a linguagem que nos faz. Somos, na e através da linguagem, abertos pelas palavras, fechados nas palavras, abertos para o outro (comunicação), fechados para o outro (mentira, erro), abertos para as ideias, fechados nas ideias, abertos para o mundo, fechados ao mundo. Reencontramos o paradoxo cognitivo maior: somos prisioneiros daquilo que nos liberta e libertos por aquilo que nos cerca. (MORIN, 1998, p. 210)

Na linguagem e pela linguagem, a cultura se instala como ―patrimônio organizador‖, ―emergência maior da sociedade humana‖, sendo as todas as culturas concentradoras de um ―duplo capital: [...] por um lado, um capital cognitivo e técnico (práticas, saberes, saivor-faire, regras); por outro

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lado, um capital mitológico e ritual (crenças, normas, interdições, valores).‖ (MORIN, Mét. 5 p. 165) Nessa perspectiva a cultura é composta por um capital organizado e por uma linguagem própria que garante sua rememoração, comunicação, transmissão e reinvenção.

Desse modo, não é possível pensar a cultura humana afastada das outras instâncias da trindade humana, indivíduo-sociedade-espécie, fazendo parte de uma cultura e de uma sociedade que se autoproduzem. Os homens criam e inventam suas ações, suas ideias e seus entornos por meio de suas obras, dos seus artefatos, das suas linguagens, em duas palavras, para lembrar Aristóteles, da sua segunda natureza.

Indo por outros caminhos, Peter Sloterdijk; para compreender a cultura, no livro Esferas III: esferologia plural; ensina como é possível interpretar a vida humana tendo como metáfora ontológica: as espumas. Pensar a vida humana a partir das espumas, permite entender de forma mais plena e ampla sobre como se deu a invenção das formas sociais, culturais e políticas contemporâneas.

Espumas é ar em lugar inesperado, impulso para cima, ocasionado por uma revolução, uma agitação na realidade criadora de uma estrutura que é um quase nada, mas não é o nada, pois existem efemeramente. Para o pensador alemão, a experiência da vida contemporânea possibilitou a superação de uma vez, dos velhos conceitos que explicavam a ―sociedade‖ como: contrato, organismo, totalidade e seus ensinamentos que diziam ser os indivíduos partes de uma coletividade que lhes precedia ou membros de uma coletividade constituída intencionalmente.

As espumas humanas são um fenômeno simbiótico em que as micro-bolhas, em outras palavras, as multiplicidades de células mundano-vitais encontram-se roçando umas nas outras sem aberturas. Cada uma dessas células é um du-divíduo. Cada um desses du-divíduos é uma ilha interconectada com outras ilhas ou mesmo um universo multidimensional interligado a outras multidimensionalidades. E como é possível pensar numa sociedade de ilhas multidimensionais interconectadas?

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A reposta do filósofo das espumas é certeira. Ele diz que existe entre essas ilhas o que ele define como intercambio simbólico y en

compromisos transaccionales, em terminologia marxista, é o que se denomina

trabalho. Mas, aqui, não é o trabalho que faz as vezes de liga entre os humanos, mas a comunicação, sendo então a ―sociedade‖ um ajuntamento de ilhas coligadas e conectadas em redes e unidas a outros grupos de ilhas que podem estar momentaneamente ou cronicamente ligadas a estruturas de ilhas maiores.

Esses ajuntamentos não tomam a forma nem de arquipélagos, tampouco das massas, mas de Espumas: formadas por individualidades autônomas que possuem entre si um minimun inter-autista, uma parede de separação e ligação comum entre os integrantes do par e os outros grupos coligados. Essas ilhas coligadas possuem nove dimensões, e aqui interessa-nos especificamente a dimensão que envolve e permeia a cultura: a dimensão do nomotopo.

El nomotopo, que vincula reciprocamente a los coexistentes por ―costumbres‖ comunes, por reparto del trabajo y expectativas recíprocas, con lo que, por el intercambio y el mantenimiento de la cooperación, aparece una tensegridad imaginaria, una arquitectura social compuesta de expectativas, apremios y resistencias mutuos, en una palabra: una primera constitución. (SLOTERDIJK, 2006, p. 280)

Refletir sobre algum aspecto da cultura é realizar um esforço de

nomotopia; uma tentativa de pensar a dimensão nomotópica, mais

especificamente aspectos da ―tensegridad imaginaria‖ que envolvem os ―costumbres comunes‖, as ―expectativas recíprocas‖ e a ―arquitetura social‖ de uma determinada manifestação nomotopica do ser-no-mundo.

Sloterdijk argumenta que todas as ―ilhas humanas‖ experimentam processos geracionais e participam de uma estabilização quase secreta, cuja existência não é difícil de compreender: tais agregados sociais geram em si padrões de arquitetura cultural rígidos e poderosos com o intuito de incutir nos

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usuários as leis como obrigatórias e o estatuto jurídico como realidade constritiva.

Fazendo um diálogo com Hegel, Sloterdijk chama esse fenômeno de ―éter moral‖ que, em sua opinião, tem as características do ―espírito objetivo‖: pré-ordenado para o indivíduo, como algo que é mantido intacto, contra a sua vontade através dos nomes dos deuses, mitos e rituais de uma tribo, torna-se estável e imperceptivelmente transmitindo-se de uma geração para outra; no nomotopo os mortais vêm e vão; as formas, as leis permanecem. No princípio, a objetividade ritual foi experimentada com tanta força que faz parecer que as pessoas eram meras trupes empíricas recolhidas pelos deuses unicamente para preservar suas formas. (SLOTERDIJK, 2006, p. 357)

Quien se detiene em la isla humana observa que su grupo de habitantes está sometido a una tensión local de reglas: una tensión que es de significado elemental para la estática social. Que el clima normativo de un grupo esté relacionado positivamente com su estabilidad, es decir, con su capacidad de supervivencia, es uma intuición temprana de los sábios y de los ancianos de todos los pueblos: ninguna de las comunidades arcaicas de supervivencia se ha podido permitir nunca tomar a la ligera sus costumbres, sus formas, sus dogmas. Sólo la teoria de la sociedad contemporánea, sistémica e inspirada deconstructivamente, ha aprendido a admitir que todo conjunto de reglas está dentro de uma red de excepciones tolerables. [...] (SLOTERDIJK, 2006, p. 357)

O filósofo das espumas admite que certas culturas enfatizam os indivíduos e se organizam especificamente para um modo de ordenamento que destaca a organização como regra. Esse duplo significado é mais bem compreendido através de duas frases: a cultura é um texto e a cultura é a sintaxe. No âmbito desta arquitetura da comunidade, implica na tese: a cultura é um edifício e segue uma regra para criar espaço. A ilha humana apresenta uma tensão de regras atestando que dentro dela existe uma regulamentação vigente imperceptível para os seus membros e perceptível/surpreendente para pessoas de fora. (Cf. SLOTERDIJK, 2006, p. 362)

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A integração de um grupo qualquer, sua estabilidade exemplar e reprodutibilidade simbólica dependem da sua capacidade de colocar seus membros sob ―pressão repetida‖ como o facilitadora da cultura. Os agrupamentos humanos, antigos e contemporâneos: a) sempre projetaram algo, trabalhos ou festas, guerras ou eleições; b) continuamente se sentem provocados por algo, sejam catástrofes naturais, ataques inimigos, crimes, escândalos; c) subvertem constantemente seu material temático para se adequarem a sua conjuntura, ou para sermos mais fiéis ao pensamento sloterdijkiano, sua situação de imunidade, seu estado de estresse.

Os coletivos humanos se agitam em uma excitação contínua, gerada internamente que faz do estresse normativo seu tom normal e, na maioria das vezes, não percebem e apenas tematizam essa tensão de fundo nomotópica, criando uma rotina, esta é a forma do esforço esperado, esvaziado por repetição, sendo assim, imperceptível.

No entanto, a dimensão nomotópica de uma ―sociedade‖ não é feita apenas de sua matéria invisível, esta possui um lado visível, público, sem o qual não subsistiria. Os grupos humanos animados pela norma vivem a força performativa dos rituais e seus impulsos de manifestação e através deles reforçam essas mesmas normas.

A fonte da majestade política, tanto do poder como do sistema jurídico, não se perpetua sem as festividades, os juramentos, as paradas, as condecorações, as encenações e os cerimoniais responsáveis por tornar visível a autoridade criadora de ordem. No nomotopo, permanência e mudança ocorrem simultaneamente. A existência de uma regra comporta ao mesmo tempo suas forças, a conservação e a destruição.

Outro modo de pensar sobre a cultura o qual influenciou diretamente a elaboração desta pesquisa foi o elaborado por Zygmunt Bauman que parte da compreensão do fenômeno cultural como um esforço civilizador que concebia o mundo como uma escola na qual a regra substituiu o acaso, fazendo a norma superar a espontaneidade; para depois revelar sua superação.

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Dialogando com Foucault, o pensador da vida líquida entende que o conceito de Fábrica de Ordem, desenvolvido pelo pensador francês, permite compreender de forma ampla sua ideia de modernidade sólida: criadora de um tipo de cultura que especificava e apresentava necessidades prescrevendo princípios, regras e padrões, que deveriam ser seguidos para satisfazê-las. (Cf. BAUMAN,1998, p.163).

O pensador da modernidade líquida propõe a ocorrência da superação desse fixo e hierárquico paradigma, originado nas noções de Cícero sobre a cultura como agricultura, aquela sempre precisou uma ação externa para sua existência e manutenção. A superação de tal paradigma se deu graças à clássica noção de bricolage desenvolvida por Lévi-Strauss no livro O

Pensamento Selvagem. Vejamos abaixo como Bauman lida com essa noção:

Toda cultura, inclusive o tipo menos complexo segundo os padrões da vanguarda, está diretamente envolvida naquilo a que Lévi-Strauss deu o memorável nome de bricolage; ela interfere continuamente novos signos de qualquer coisa que, por acaso, se ache à mão e verte continuamente novos significados em tudo o que, por acaso, se ache próximo, à espera de se tornar um signo. (BAUMAN, 1998, p. 174)

Os movimentos de bricolage fizeram com que os duros, longos e lentos movimentos culturais, que culminaram na Modernidade Sólida, transformassem-se nos movimentos fluidos, efêmeros e velozes movimentos da Modernidade Líquida e sua cultura acelerada.

Os gerentes culturais precisaram abandonar as práticas da ―fábrica de ordem‖, criando novas formas de lidar com a ―cooperativa de consumidores‖ que transformou a cultura líquida indo da regulação à sedução pelos caminhos de sua ode ao Indivíduo e ao Mercado; incentivando a inclusão pelo consumo e a afirmação da individualidade através daquilo que Bauman chamou de ―síndrome consumista‖ que faz a duração fora de moda e promove em milhares de likes a transitoriedade, fazendo a novidade ser mais referenciada e valorizada do que a permanência. (BAUMAN, 2007, p.83).

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O tempo flui – não ―marcha‖ mais. Há mudança, sempre mudança, nova mudança, mas sem destino, sem ponto de chegada e sem previsão de uma missão cumprida. Cada momento vivido está prenhe de um novo começo e de um novo final: antes inimigos declarados, agora irmãos siameses. (BAUMAN, 2007,p. 85)

Os artefatos culturais da indústria de consumo da modernidade líquida não necessitam de um conteúdo que atravesse os tempos, na verdade, os conteúdos não passam de lampejos. Os contos são artefatos/mercadorias de grande valor, agregados na cultura da modernidade líquida. Não esqueçamos que além do conteúdo, a maioria deles foi feita para ser lida em curtos espaços de tempo. Nada melhor para um tempo que flui!

As histórias curtas machadianas sobreviveram ao tempo e hoje, fazem parte da cultura líquida contemporânea, podendo ser adquiridas nas bancas, livrarias, nas ruas, nos shoppings, nos aeroportos e gratuitamente na internet em milhares de sites. Os contos continuam sendo portadores e produtores da velha cultura humanista. Sobre o humanismo, Peter Sloterdijk, respondendo ao que disse Heidegger em sua carta ao humanismo, entende a cultura humana como a busca de tornar o homem verdadeiramente humano o

qual se materializa no que ele denomina: uma questão de mídias. As relações, que compõem essa questão de mídias, têm naturezas

antagônicas e conflitantes, por um lado temos as mídias bestializadoras que exerciam nos seres humanos influências desinibidoras de seu embrutecimento; e por outro, temos as mídias domesticadoras que inibem nos seres humanos o desenvolvimento desse mesmo embrutecimento.

O humanismo é uma longa corrente de cartas e tem em Machado de Assis um dos seus elos mais fortes na América Latina, ele era o tipo raro de leitor que consegue completar a obra dos autores indo além deles, fazendo novos leitores e incitando outras respostas. O autor exerceu, aprendeu e divulgou o humanismo como poucos do seu tempo. Fez-se universal pelas cartas (seus romances) mandadas, mas também os bilhetes têm garantido lugar no panteão da literatura também pelos bilhetes, melhor dizendo, seus

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contos os quais muitas vezes, o autor confessou ser o gênero literário que mais lhe agradava e divertia escrever.

Os contos machadianos são artefatos/mercadorias/produtos do mercado cultural que dão acesso aos vestígios que permitem perceber o movimento do imaginário da cultura política no Brasil. Esse conteúdo resistiu ao esquecimento, permanecendo ainda próximo e fazendo muito sentido nessa era da cultura aligeirada.

As formas tomadas pela tensão nomotópica no Brasil Imperial estão nos contos e em seus fragmentos, retalhos de uma cultura que a representam e guardam seus saberes e segredos sempre prontos a serem novamente tocados por uma leitura devaneadora.

Artefatos da cultura e da linguagem, os contos estão na cultura; esta, por sua vez, permeia e os preenche através de um movimento recursivo no qual o conto produz a cultura que o reproduz. Esse fluxo também é dialógico, pois ao mesmo tempo é antagônico e complementar. Como num holograma, cada trecho de um conto é um ponto que guarda em suas coleções de imagens o todo da cultura, do nomotopo que representa.

Os contos são fontes fundamentais de informações sobre a forma como a dimensão do nomotopo se desenvolveu na sociedade brasileira a qual, segundo Machado de Assis (reconhecendo dialogicamente a tensão entre ordem e desordem, permanência e mudança presentes em todas as culturas), mudava para permanecer como era, trocando de roupa sem mudar de pele.

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3. ADVERTÊNCIAS SOBRE A INVENÇÃO DE UMA OBRA: um contista entre

a poesia e a política

Moneu mi, faisons toujours des contes... Le temps se passe, et le conte de la vie s´achvé, sans qu´no s´en aperçoive.

Denis Diderot

Da imaginação criativa de um homem, que ao nascer, tinha tudo para ser mais um dos tantos, como ele, condenados à dura vida reservada aos empobrecidos na sociedade brasileira do século XIX, surgiu uma obra em contos que o coloca entre os maiores contistas da cultura universal, certamente ela fará parte de qualquer lista séria que pretenda relacionar os maiores no gênero das histórias curtas, ao lado de nomes como Edgar Alan Poe, Voltaire, Merimmé, Jorge Luis Borges, Stendhal.

Machado de Assis escreveu 209 (duzentos e nove) contos em cinco décadas de uma carreira que começou quando ele tinha dezenove anos de idade e o acompanhou por toda sua vida. O primeiro conto que publicou foi

Três tesouros perdidos, na revista Marmota Fluminense, em 05 de janeiro de

1858; e o último publicado em vida foi O escrivão Coimbra que saiu nas páginas do Almanaque Brasileiro Garnier em janeiro de 1907. Os contos foram publicados em jornais, revistas femininas, livros e almanaques; no Jornal das

Famílias, foram 70 (setenta) contos publicados entre os anos de 1864 a 1878;

na revista A Estação, foram 37 (trinta e sete) contos entre os anos de 1879 a 1898:

O Jornal das Famílias e A Estação eram revistas femininas [...] A transição de uma para outra - o Jornal deixou de ser publicado em dezembro de 1878, e A Estação lançou seu primeiro número em janeiro de 1879 - é um momento significativo e, como tantas outras coisas na vida de Machado, ocorreu no final década de 1870. [...] Conquanto as duas revistas tenham muito em comum - ambas eram impressas na Europa, ambas davam grande destaque para a moda, com ilustrações coloridas de trajes elegantes -, o Jornal era mais conservador, apresentando, por exemplo, ensinamentos religiosos e crônicas culinárias. A Estação não só era mais luxuosa (era impressa

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na Alemanha, embora com modelos franceses, e apenas o suplemento literário, para o qual Machado escrevia, era feito no Brasil), como também argumentava, com o devido respeito pelo ponto de vista masculino, que as mulheres deviam ser instruídas e não se limitar tão completamente à vida do lar. [...]. (GLEDSON, 2006, p. 38).

Na Gazeta de Notícia, foram 56 (cinquenta e seis) publicações entre os anos de 1881 e 1897; também encontramos contos escritos em quantidades mais modestas nas seguintes publicações: A Marmota Fluminense, O Cruzeiro,

O Futuro, Almanaque Brasileiro Garnier, Almanaque da Gazeta de Notícias, Revista Brasileira e nas coletâneas publicadas pelo escritor. (Cf. GLEDSON,

2006, p.35-36)

A Gazeta de Notícias, onde Machado publicou muito de seus contos mais memoráveis, [...] foi fundada em 1874. Foi uma novidade entre os jornais brasileiros, pois era vendida nas ruas, e não apenas para assinantes. Era um jornal liberal no melhor sentido da palavra, politicamente independente, vivo e empenhado em apoiar boas produções literárias. (GLEDSON, 2006, p.37)

As coletâneas de contos publicadas em vida por Machado de Assis, todas pela Livraria Garnier, traziam contos republicados e perfazem um total de sete livros, são eles: Contos fluminenses de 1870, Histórias da meia-noite de 1873, Papéis avulsos de 1882, Histórias sem data de 1884, Várias histórias de 1895, Páginas recolhidas de 1899 e Relíquias de casa velha de 1906.

Podemos dizer, talvez, que as coletâneas em que ele os editou têm importância relativamente pequena. As sete que Machado publicou em vida incluem ao todo 76 contos. Essas coletâneas têm muitos de seus melhores trabalhos, mas isso não devia nos impedir de ler os mais de cem deixados de fora. Os contos eram escolhidos entre aqueles publicados em anos anteriores e que Machado julgava terem sido apreciados por seu público e que, desse modo, venderiam. Isso se reflete em seus títulos pouco expressivos: Histórias sem data, Várias histórias, Páginas recolhidas (que também contém algumas crônicas e uma peça de teatro). [...] (GLEDSON, 2006, p. 39)

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Uma característica comum às coletâneas, que salta aos olhos, é o fato de que, exceto em Contos Fluminenses, em suas publicações originais constavam uma primeira página com algumas advertências do autor, que além de informações aos leitores sobre os contos e suas outras obras, são chaves importantíssimas para entender a relação do criador de contos com as suas criações.

As advertências das coletâneas são o fio condutor deste capítulo que apresenta uma síntese de um diálogo que fiz com intérpretes do conto machadiano, mais precisamente com Magalhães Júnior, Jonh Gledson, Raymundo Faoro, Roberto Schwarz e Sidney Chalhoub, sobre a obra do Machado de Assis contista, ainda necessária aos tempos bestializados e líquidos nos quais esse texto foi escrito. Tal diálogo permitiu pensar sobre as mudanças ocorridas na obra do autor e em suas interpretações. Lembremos o que Antônio Cândido diz sobre a vida das obras e suas mudanças:

A literatura é pois um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que estes a vivem, decifrando-a, aceitando-a, deformando-a. A obra não é produto fixo, unívoco ante qualquer público; nem este é passivo, homogêneo, registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos que atuam um sobre o outro, e aos quais se junta o autor, termo inicial desse processo de circulação literária, para configurar a realidade da literatura atuando no tempo. (CÂNDIDO, 1980, p. 74)

Outro ganho desta pesquisa foi o conhecimento gerado sobre o autor, seu tempo, sua obra e seu público, ―[...] a série autor-público-obra, junta-se outra: autor-obra-público. Mas o autor, do junta-seu lado, é intermediário entre a obra, que criou, e o público, a que se dirige; é o agente que desencadeia processo, definindo uma terceira série interativa: obra-autor-público.‖ (CANDIDO, 1980, p. 38).

Assim, a primeira tarefa é investigar as influencias concretas exercidas pelos fatores socioculturais. É difícil discriminá-los, na sua quantidade e variedade, mas pode-se dizer que os mais decisivos se ligam à estrutura social, aos valores e ideologias, às técnicas de

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comunicação. O grau e a maneira por que influem estes três grupos de fatores variam, conforme o aspecto considerado no processo artístico. Assim, os primeiros se manifestam mais visivelmente na definição da posição social do artista, ou na configuração de grupos receptores; os segundos, na forma e conteúdo da obra; os terceiros, na sua fatura e transmissão. [...] (CÂNDIDO, 1980, p. 21)

E como mudou a obra do contista do Cosme Velho dos primeiros contos românticos eivados de poesia, amores, traições, ciúmes, amores impossíveis, vidas felizes, arranjados, namoricos de mocinhas de família com garbosos bacharéis quase não parecem ser do mesmo autor das mordazes ironias sobre política, cultura e tensões sociais dos contos escritos a partir dos anos de 1880.

A primeira fase da carreira do contista é a mais extensa, talvez pelo fato de nesse tempo ele escrever para comer, pois os ganhos com poesias e contos compunham as fontes de renda do agora recém-casado e novo contratado da Garnier, o qual editaria, em 1870, Falenas e Contos

Fluminenses, “[...] quase simultaneamente, após o casamento, o contrato com

a casa Garnier fora firmado em maio de 1869, em pleno noivado, quando Machado ainda trocava cartas de amor com Carolina.‖ (MAGALHÃES JR., 2008, Vol. II, p. 140).

O ano da publicação das Falenas e dos Contos fluminenses foi um período crítico. Caía, no fim de setembro, o gabinete conservador do visconde de Itaboraí, que vinha de 1868, e do qual José de Alencar impulsivamente se desligara a 10 de janeiro. Viria outro gabinete conservador, o do visconde de São Vicente, abolicionista que nada chegou a fazer de concreto pela abolição. Como funcionário do Diário Oficial, Machado de Assis começara o ano subordinado ao visconde de Itaboraí (Ministro da Fazenda), para terminá-lo subordinado precisamente ao Visconde de Inhomirim. (outra vez ocupando pasta que exercera de 12 de dezembro de 1858 a 9 de agosto de 1859). Quando ele ainda era apenas o Dr. Francisco de Sales Tôrres-Homem) Machado de Assis vivamente o atacara pelas colunas de O Paraíba, censurando sua renúncia ―ao apostolado das liberdades públicas", assumido quando era violento panfletário sob o pseudônimo de Timandro, e comparara sua reforma bancária a um "ratinho econômico", como o do parto da fábula. [...] (MAGALHÃES JR., 2008, Vol. II, p. 152)

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Dissabores profissionais à parte, é importante dizer que o contrato com a Garnier prosperou, as histórias desse período são tão longas e variadas, foram criados alguns pseudônimos para assinar as muitas histórias publicadas no período: Max, J.J., Manasés, Máximo, J.,Victor de Paula, Job, Lara, estão entre os que assinam os 53 longos e alguns muito longos contos do período.

―Frei Simão‖, o primeiro conto de Machado para o Jornal das Famílias, era uma narrativa exageradamente romântica. Sua figura central, o beneditino Frei Simão de Santa Agueda, escandaliza seu abade, na hora extrema, dizendo - coisa estranha para um monge: "Morro odiando a humanidade!" Nesse conto está o embrião de um dos romances machadianos -Iaiá Garcià) [...], Tudo muito esquemático, pré-fabricado, precipitado. Mais tarde, com o mesmo ponto de partida, apenas trocando o pai tirano pela mãe tirana, Machado conseguiria melhor efeito dessa mesma situação em Iaiá Garcia. (MAGALHÃES JR., 2008, Vol. I, p. 275)

Os contos escritos nesse período ainda não têm a mordaz ironia e o estilo consagrado do mestre no auge da carreira, mas certamente a contém em estado latente, isso é claramente percebido nos contos menos românticos da época, o que não significa que nos contos recheados de infidelidades, ciúmes e esperanças casamenteiras não estejam presentes formulações desconcertantes e sarcásticas sobre os costumes sociais.

Ao iniciar-se como contista, Machado de Assis não hesitava em valer-se de fábulas e de provérbios, parafravaler-seando aquelas histórias morais e utilizando estes como temas de contos. Valia-se também de episódios históricos ou pseudo-históricos, como no caso de ―Virginius (Narrativas de um advogado)‖, conto sobre aspectos brutais da escravidão, publicado no Jornal das Famílias. (MAGALHÃES JR., 2008, Vol. I, p. 276)

Dessa fase são as histórias publicadas em Contos fluminenses (Miss

Dollar, Luís Soares, A mulher de preto, O segredo de Augusta, Confissões de uma viúva moça, Linha reta e linha curva, Frei Simão). ―[...] Excetuada a

narrativa inicial, inédita, as demais haviam sido publicadas, em anos anteriores, no Jornal das Famílias [...]‖ (MAGALHÃES JÚNIOR, Vol II, p. 149)

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Nesta fase, os poetas falsos e verdadeiros são personagens constantes nas narrativas do jovem poeta-contista que sonhava em ser dramaturgo, o que não acontece nas fases seguintes, aos poucos os poetas vão sumindo e dando lugar aos bacharéis, aos profissionais liberais, aos pobres; com os poetas também se foi a poesia dando lugar ao estilo humorístico e sarcástico da maturidade.

Magalhães Júnior apresenta uma crítica da época sobre a primeira coletânea do poeta-contista, o texto foi publicado no jornal da Tarde e assinado por França Júnior:

A aparição de um bom livro é sempre um acontecimento que a imprensa deve registrar. Eis por que, cumprindo a promessa que fiz há muito tempo, no noticiário desta folha, venho hoje saudar de chapéu na mão ao mimoso escritor dos Contos Fluminenses./ [ Eu simpatizo com esses Contos por dois motivos: primeiro porque são meus patrícios, segundo porque são escritos por um poeta./ [...]/ O livro do Sr. Machado de Assis é um fluminense às direitas./ Elegante satírico, caprichosamente encadernado, ele corre essa boa cidade, conquistando o que Humbold jamais conseguiu conquistar – leitoras./ Há um anexim antigo que diz: enquanto se descansa, carregam-se pedras. O Sr. Machado de Assis, mesmo descansando, sabe carregar sua pedra para o edifício da grandeza nacional./ Quando deixa a lira, empunha a pena de prosador e revela o fogo do céu em escritos ligeiros./ Está no caso daquele célebre menino de bronze do Passeio Público, que é útil ainda brincando.‖ (MAGALHÃES JR., 2008, Vol. II, Vol. II, p. 151)

Mas nem todas as críticas sobre os contos foram tão benevolentes, por exemplo, as de Araripe Júnior que relembrava vinte dois anos depois da publicação do livro suas críticas aos contos: ―[...] Daí uma consequência - as Falenas seriam toleráveis, mas os Contos mereciam morte, afrontosa e violenta. Escrevi o folhetim indignado e descansei no fim da obra, certo de ter causado a ruína de um edifício colossal. Como são agradáveis estas ilusões e perversidades infantis!". (MAGALHÃES JR., 2008, Vol. II, p. 152)

Histórias da Meia Noite foi o segundo livro de contos tendo sido

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de 1870 e 1873, entre eles: A Parasita Azul e As bodas de Luís Duarte, Ernesto

de Tal, Aurora sem dia, O relógio de ouro e Ponto de vista (Quem desdenha).

Nas Advertências de Histórias da Meia-Noite (1873), Machado de Assis faz duas revelações, uma espécie de programa de escrita de toda a sua obra de contista. Ele diz: ―Vão aqui reunidas algumas narrativas, escritas ao correr da pena, sem outra pretensão que não seja a de ocupar alguma sobra do precioso tempo do leitor.‖ Há ainda uma defesa dos contos reeditados no livro ―Não digo com isto que o gênero seja menos digno da atenção dele, nem que deixe de exigir predicados de observação e de estilo. O que digo é que estas páginas, reunidas por um editor benévolo, são as mais desambiciosas do mundo.‖ E ao correr da pena, foram escritas no mesmo período preciosidades como O país das quimeras, Virginius, O Teles e o Tobias, Uma excursão

milagrosa, O Oráculo, O rei dos caiporas, Mariana, Rui de Leão, Uma loureira, Uma águia sem asas, Quem conta um conto..., Tempo de crise, Decadência de dois grandes homens, Um homem superior.

Entre Histórias da Meia Noite e Papéis Avulsos foram quase dez anos, nesse período, temos uma produção de contos muito significativa e podemos observar plenamente tanto as mudanças dos temas e estilos dos contos como a amplitude da capacidade de devanear em histórias curtas desenvolvidas por Machado de Assis ao longo da vida. Dos 36 contos publicados entre os anos de 1873 e 1879, apenas Chinela Turca seria republicado.

Nessa fase temos um contista dedicado a escrever tanto sobre cenas da vida cotidiana como sobre tragédias particulares e histórias fantásticas e mirabolantes. São desse período os contos: Os óculos de Pedro

Antão, Um dia de entrudo, Valério, Antes que cases, A mágoa do infeliz Cosme, Um esqueleto, O sainete, Casa, não casa, Encher tempo, Sem olhos, Um almoço, Silvestre, A melhor das noivas, Um ambicioso, O machete, A herança, Conversão de um avaro, Folha rota, Dívida extinta, Filosofia de um par de Botas e Elogio da Vaidade.

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Nos anos oitenta do século XIX, a paixão que Machado de Assis cultivava pelos prazeres da arte de escrever contos chegou aos seus mais profícuos frutos, animado por autores como Diderot, o contista na Advertência de Papéis Avulsos de 1882 revela um dos segredos da sua arte:

Quanto a Diderot, ninguém ignora que ele, não só escrevia contos, e alguns deliciosos, mas até aconselhava a um amigo que os escrevesse também. E eis a razão do enciclopedista: é que quando se faz um conto, o espírito fica alegre, o tempo escoa-se, e o conto da vida acaba, sem a gente dar por isso. (ASSIS, 2008, Vol. II, p. 236)

O mesmo argumento sobre as recompensas de escrever contos reaparece na Advertência que abre a coletânea Várias Histórias (1895), nela o comentário do enciclopedista francês foi colocado como epígrafe. Abaixo temos o comentário que o autor do livro faz sobre ela:

As palavras de Diderot que vão por epígrafe no rosto desta coleção servem de desculpa aos que acharem excessivos tantos contos. É um modo de passar o tempo. Não pretendem sobreviver como os do filósofo. Não são feitos daquela matéria, nem daquele estilo que dão aos de Mérimée o caráter de obras-primas, e colocam os de Poe entre o primeiros escritos da América. (ASSIS, 2008, Vol. II, p. 446)

Nessa advertência temos uma bem humorada vantagem atribuída aos contos, ―[...] O tamanho não é o que faz mal a este gênero de histórias, é naturalmente a qualidade; mas há sempre uma qualidade nos contos, que os torna superiores aos grandes romances, se uns e outros são medíocres: é serem curtos.‖ (ASSIS, 2008, Vol. II, p. 446).

Papéis Avulsos (O alienista, Teoria do Medalhão, A chinela turca, Na arca, D. Benedita, O segredo do Bonzo, O anel de Polícrates, O empréstimo, A sereníssima república, O espelho, Uma visita de Alcibiades, Verba testamentária.) de 1882; Histórias Sem Datas (A igreja do diabo, O lapso, Último capítulo, Cantiga de esponsais, Singular ocorrência, Galeria póstuma,

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Capítulo dos chapéus, Conto alexandrino, Primas de Sapucaia!, Uma senhora, Anedota pecuniária, Fulano, A segunda vida, Noite de almirante, Manuscrito de um sacristão, Ex cathedra, A senhora do Galvão, As academias de Sião) de

1884, e Várias Histórias (A cartomante, Entre santos, Uns braços, Um homem

célebre, A desejada das gentes, A causa secreta, Trio em lá menor, Adão e Eva, O enfermeiro, O diplomático, Mariana, Conto de escola, Um apólogo, D. Paula, Viver!, O cônego ou metafísica do estilo) formam uma trilogia dentro das

coletâneas. Papéis Avulsos, sem dúvidas, é a mais festejada delas, não apenas pela relevância dos contos que a compõe, mas pela novidade e radicalidade de sua proposta:

[...] é a mais notável coletânea de Machado, a mais original e radical, [...] tem uma unidade peculiar, muito difícil de definir, [...] Entre essas histórias as melhores têm também uma força peculiar [...]. Machado conseguiu encarnar uma espécie de força mítica [...] (GLEDSON, 2006, p.45)

É preciso dizer, desde já, que acredito que aqui, mais do que nunca, as especulações de Machado se centram na questão da identidade nacional que tão frequentemente tem preocupado os intelectuais latino-americanos desde a independência. (GLEDSON, 2006, p.72)

Publicada um ano depois de Memórias póstumas de Brás Cubas,

Papéis Avulsos ―[...] representa para o Machado de Assis contista o que as

Memórias póstumas de Brás Cubas representaram para o Machado romancista.‖ (GLEDSON, 2006, p.51).

Em Papéis Avulsos e Brás Cubas, a energia é, acima de tudo, satírica: o Machado bem-comportado dos romances da década anterior, que só tinha mostrado o seu lado mais perigoso em contos ―A parasita azul‖ (1872) ou nas estranhas ―fantasias‖ publicadas em O Cruzeiro, em 1878, revela-se, finalmente, em pé de igualdade com os grandes temas de um Erasmo ou um Swift. (GLEDSON, 2006, p. 71)

Ambos marcam o início do que se convencionou chamar de segunda fase da obra machadiana após o período do também chamado de a ―crise dos

Referências

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