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DA SALETA DE COSTURA AOS JORNAIS: a dimensão da publicidade ou ,,, dos exercícios aclamativos

Como fosse grande arabista, achou no Corão que Maomé declara veneráveis os doidos, pela

8. DA SALETA DE COSTURA AOS JORNAIS: a dimensão da publicidade ou ,,, dos exercícios aclamativos

[...] tão polido que não cumprimentava alguém sem levar o chapéu ao chão; na rua, acontecia-lhe correr uma distância de dez a vinte braças para ir apertar a mão a um homem grave, a uma senhora, às vezes a um menino, como acontecera ao filho do juiz-de-fora. Tinha a vocação das cortesias. De resto, devia as boas relações da sociedade, não só aos dotes pessoais, que eram raros, como à nobre tenacidade com que nunca desanimava diante de uma, duas, quatro, seis recusas, caras feias, etc. O que acontecia era que, uma vez entrado numa casa, não a deixava mais, nem os da casa o deixavam a ele, tão gracioso era o Gil Bernardes. [...]

Machado de Assis

Nas páginas anteriores, quando falávamos sobre os exercícios do

regime do aprumo e do compasso e da arte de pensar o pensado por muitas

vezes as aclamações, as liturgias e as cerimônias privadas e públicas estiveram presentes como pano de fundo ou adorno dos temas principais abordados naqueles momentos. Aqui, trataremos por meio das interpretações abaixo coligidas, dos mais íntimos aos mais públicos: os exercícios aclamativos da oikonomia do medalhão, a sua dimensão da publicidade.

Em princípio, lembremos Giorgio Agamben, que em O Reino e a

Glória, concorda com a tese de Carl Shcmitt: considera que as aclamações são

fenômenos eternos em todas as comunidades políticas e cumprem uma função de premissa para a existência do povo, como a existência deste é premissa para a existência de qualquer Estado. Esse posicionamento coloca a aclamação no centro dos estudos políticos contemporâneos, reforçando seu caráter central nos processos de legitimações do direito e do poder político estatal. Agamben ensina que uma aclamação é:

Uma exclamação de aplauso, de triunfo (―lo triumphe!‖), de louvor ou de desaprovação (acclamatio adversa) era gritada por uma multidão em determinadas situações. A aclamação vinha acompanhada do gesto de erguer a mão direita (de que temos testemunhas tanto na arte pagã quanto na cristã) ou, nos teatros e nos circos, de aplaudir e agitar lenços. Nesse caso, a aclamação podia ser dirigida, como testemunha Cícero, tanto aos atletas ou atores quanto aos magistrados da República e, mais tarde, ao imperador. A chegada do soberano a uma cidade ocasionava uma parada cerimonial (o adventos), em geral acompanhada de aclamações solenes. A aclamação podia ter várias formas, que Peterson examina pormenorizadamente: votos de vitória (nika, vincas), de vida e fecundidade (vivas, floreas, zes,felicissime), de longa vida (polia ta ete, eis aiõnas, de nostris annis augeat tibi luppiter anos), de força e salvação (valeas, dii te nobis praestent, te salvo salvi et \ .securi sumus), invocação e prece (kyrie, kyrie sõzõn, kyrie eleeson), aprovação e aplauso (axios, dignum et iustum esti, fiat, amen). As aclamações eram muitas vezes ritualmente repetidas e, às vezes, moduladas. [...] (AGAMBEN, 2011, p. 187)

Elementos fundamentais em qualquer oikonomia da glorificação que se estude, os repetitivos rituais de aclamação que interessam aos exercitantes da medalhonização ganharam especial atenção do contista Machado de Assis. Praticamente não encontramos um conto que não tenha pelo menos uma aclamação privada ou pública, de triunfo ou desaprovação.

A importância dos exercícios aclamativos é ressaltada pelo pai de Janjão, pois são os caminhos para alcançar o que ele chama de os ―benefícios da publicidade‖. Aqui, a publicidade, tal qual a Fortuna em Maquiavel, é comparada a uma mulher, não uma deusa como fez o florentino, mas a uma humana: uma ―dona loureira e senhoril‖ que não deve ser conquistada pela honra, coragem ou heroísmo; mas por meio de dois grupos de exercícios que, embora tenham o mesmo motivo que é brilhar na opinião dos outros representam duas dimensões de uma mesma diferenciação. Essas instâncias distintas entre si se entrelaçam para criar a loureira publicidade. Uma delas vai ser chamada de publicidade miúda e a outra de publicidade cordial.

A publicidade miúda é conquistada através de exercícios formados pelos ―[...] pequenos mimos, confeitos, almofadinhas, coisas miúdas, que antes exprimem a constância do afeto do que o atrevimento e a ambição.‖, como

ensina o pai de Janjão essa é a dimensão da publicidade que é ―[...] constante, barata, fácil, de todos os dias [...]‖. O pai não titubeia ao dizer que apenas um lunático como D. Quixote buscaria os favores da dona loureira pelo heroísmo.; ―O verdadeiro medalhão tem outra política.‖!

Os estratagemas da política do Medalhão, ou melhor, a oikonomia- política do medalhão envolve forjar, implantar e divulgar notícias sobre si mesmo para que no passo seguinte, aos poucos, consiga o praticante participar, aclamar e admirar nos espaços públicos de adoração. O Pai de Janjão sentencia:

[...] Uma notícia traz outra; cinco, dez, vinte vezes põe o teu nome ante os olhos do mundo. Comissões ou deputações para felicitar um agraciado, um benemérito, um forasteiro, têm singulares merecimentos, e assim as irmandades e associações diversas, sejam mitológicas, cinegéticas ou coreográficas. Os sucessos de certa ordem, embora de pouca monta, podem ser trazidos a lume, contanto que ponham em relevo a tua pessoa. Explico-me. Se caíres de um carro, sem outro dano, além do susto, é útil mandá-lo dizer aos quatro ventos, não pelo fato em si, que é insignificante, mas pelo efeito de recordar um nome caro às afeições gerais. Percebeste? (ASSIS, 2008, Vol. II, p.273)

A outra dimensão da publicidade é a publicidade cordial, ligada às relações pessoais e familiares, apresentada no conto como a mais importante e duradoura dimensão da publicidade. Dependendo do sobrenome que tem ou dos seus padrinhos, o sujeito tem suas forças e recursos no xadrez dos medalhões aumentados ou plenamente consolidados pela tradição de fazer parte de alguma linhagem de notáveis, forjadas nas opiniões imemoriais. Uma vez nascido numa família tradicional ou sendo amigo das ―pessoas certas‖, o caminho da medalhonização e da nomeada fica menos árido.

[...] Qualquer que seja a teoria das artes, é fora de dúvida que o sentimento da família, a amizade pessoal e a estima pública instigam à reprodução das feições de um homem amado ou benemérito. Nada obsta a que sejas objeto de uma tal distinção, principalmente se a sagacidade dos amigos não achar em ti repugnância. Em semelhante caso, não só as regras da mais vulgar polidez mandam aceitar o retrato ou o busto, como seria desazado impedir que os amigos o expusessem em qualquer casa pública. Dessa maneira o nome fica

ligado à pessoa; os que houverem lido o teu recente discurso (suponhamos) na sessão inaugural da União dos Cabeleireiros, reconhecerão na compostura das feições o autor dessa obra grave, em que a "alavanca do progresso" e o "suor do trabalho" vencem as "fauces hiantes" da miséria. No caso de que uma comissão te leve a casa o retrato, deves agradecer-lhe o obséquio com um discurso cheio de gratidão e um copo d'água: é uso antigo, razoável e honesto. Convidarás então os melhores amigos, os parentes, e, se for possível, uma ou duas pessoas de representação. Mais. Se esse dia é um dia de glória ou regozijo, não vejo que possas, decentemente, recusar um lugar à mesa aos repórteres dos jornais. Em todo o caso, se as obrigações desses cidadãos os retiverem noutra parte, podes ajudá-los de certa maneira, redigindo tu mesmo a notícia da festa; e, dado que por um tal ou qual escrúpulo, aliás desculpável, não queiras com a própria mão anexar ao teu nome os qualificativos dignos dele, incumbe a notícia a algum amigo ou parente. (ASSIS, 2008, Vol. II, p.273-274)

Para conseguir que os amigos façam-lhe homenagens, um medalhão precisa merecê-las, mas como vimos por não ter afeição ao heroísmo. O meio que lhe resta é ser benemérito, em outras palavras, sustentar quando possível uma vasta ou pequena parentela (esse é tamanho determinado por circunstâncias financeiras diversas) composta de agregados, empregados, assessores, comensais, devedores. Uma corte íntima de amigos influentes e bajuladores, portanto quanto maior ela é, maior será o cortejo nos dias de aclamações e homenagens.

As aclamações e as homenagens precisam ser insufladas e realimentadas. Quem é objeto delas, não deve apenas agradecer a honraria, mas retribuir com a mesma benevolência àqueles que não cansam de promover seu nome. É preciso exaltar aqueles que te exaltam. Tudo isto de forma pública, anunciada aos quatro ventos, pois nesse evangelho a mão esquerda deve sempre saber o que faz a direita.

Fica muito evidente a relação fundamental entre a publicidade e as aclamações e homenagens que juntas, servem ao único objetivo de fazer brilhar o nome do praticante na arena de certa opinião pública; ter relações pessoais com glorificados para receber homenagens e estabelecer novas relações pessoais glorificadoras. A invenção de uma alma exterior que brilhe na opinião dos outros, é o sentido, o motivo da ação, o fim da publicidade perseguida pelos praticantes da oikonomia dos medalhões. Todos os

exercícios aclamativos e honrarias são orientados para elevar o nome do exercitante do chão da obscuridade comum aos céus do reconhecimento público.

[...] É difícil, come tempo, muito tempo, leva anos, paciência, trabalho, e felizes os que chegam a entrar na terra prometida! Os que lá não penetram, engole-os a obscuridade. Mas os que triunfam! E tu triunfarás, crê-me. Verás cair as muralhas de Jericó ao som das trompas sagradas. Só então poderás dizer que estás fixado. Começa nesse dia a tua fase de ornamento indispensável, de figura obrigada, de rótulo. Acabou-se a necessidade de farejar ocasiões, comissões, irmandades; elas virão ter contigo, com o seu ar pesadão e cru de substantivos desadjetivados, e tu serás o adjetivo dessas orações opacas, o odorífero das flores, o anilado dos céus, o prestimoso dos cidadãos, o noticioso e suculento dos relatórios. E ser isso é o principal, porque o adjetivo é a alma do idioma, a sua porção idealista e metafísica. O substantivo é a realidade nua e crua, é o naturalismo do vocabulário. (ASSIS, 2008, Vol. II, p. 274)

O triunfo de aclamar e ser aclamado como um ―adjetivo da sociedade‖ é perseguido por uma extensa gama de personagens espalhados por muitos dos contos lidos. A publicidade que o medalhão persegue tanto pode ser conquistada nos exercícios da sua dimensão miúda como nos exercícios da sua dimensão cordial, mas ambos os pacotes de exercícios acabam por se misturar nas cerimônias de aclamações cotidianas.

A combinação dessas dimensões deve ser tecida de acordo com as circunstâncias estruturais e conjunturais, potencializando assim a eficácia do ofício. O medalhão precisa ser um alfaiate habilidoso e perspicaz para não errar a feitura do vestido.

Seguindo nesse tema sobre vestidos e costuras, o primeiro conto que vamos abordar é o gigantesco e pequenino, Um Apólogo. Publicado pela primeira vez em 1º de março de 1885, na Gazeta de Notícias com o título A

agulha e a linha, tendo o título modificado para sua republicação uma década

depois, em Várias Histórias no ano de 1895.

A arenga entre a agulha ressentida e atrevida com a linha orgulhosa e arrogante sobre qual delas é a mais querida pela costureira; é um estudo

minucioso sobre a importância do par publicidade/aclamação nas relações sociais, culturais e políticas dos praticantes dos exercícios do Medalhão.

A agulha deixa claro que a causa da sua revolta com o novelo de linha é seu ar orgulhoso, usado para fingir algum valor para o mundo. O que não atinge a linha que justifica seu ar por se considerar a responsável por coser os vestidos feitos pela costureira, alegando que prende os pedaços do pano e dá feição aos babados; a linha também aproveita a oportunidade para desdenhar da parte do trabalho feito pela agulha, considerado por aquela como ínfimo e obscuro. A agulha responde dizendo ser ela a grande responsável pela costura, afinal é ela quem vai à frente da linha que, puxada e obediente, só faz o que ela manda.

Enquanto a discussão ocorria, a costureira chegou para continuar seu trabalho na casa de uma baronesa, ―[...] que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela [...]‖ (ASSIS, 2008, Vol. II, p. 516). A costureira enfia a linha na agulha e se põe a coser um pano que era a melhor das sedas. Quando a agulha falou: ―- Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima.‖ A linha nada responde e segue fazendo seu trabalho ―[...] silenciosa e ativa como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando." (ASSIS, 2008, Vol. II, p. 516). O silencioso trabalho na sala de costura terminou ao fim do dia, mas continuou por outros três, quando a obra ficou pronta. Na noite do baile que a baronesa usaria o vestido:

A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E quando compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:

— Ora agora, diga-me quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá. (ASSIS, 2008, Vol. II, p. 517)

A desconcertante resposta da linha revela com detalhes de crueldade qual o verdadeiro sentido da glorificação da medalhonização: brilhar nas festas e opiniões elegantes, pelo menos participar como figurante desses rituais com os poderosos e influentes, para aos poucos aclamar e ser aclamado socialmente como um deles. A agulha tem um destino diferente, está condenada ao ―esquecimento‖, por continuar frequentando os espaços e mantendo relações com quem não tem poder nem prestígio social. Quem determina, não apenas quem vai brilhar no baile ou ser esquecido na obscuridade, mas o próprio destino das coisas e das costureiras, é a utilidade que possam ter ou não, aos caprichos de algum rico que goste de trazer as pessoas ao seu pé, tal como a baronesa com a modista.

A conversa ocorrida entre a linha e a agulha, jamais ocorreria entre a modista e a baronesa; entre as mulheres do conto não há diálogo e se houvesse, provavelmente, seria alguma ordem para apertar o vestido aqui ou ali. Entre elas, reina o silêncio do conflito sangrento que separa e determina qual o lugar de cada uma delas naquele mundo, quais os limites entre o que pode e o que não pode ser dito, pensado e perguntado. O triste silêncio da agulha depois da desforra da linha se confunde com a mudez da costureira, subordinada ao silêncio da baronesa que equivale à tagarelice pedante do novelo de linha. No conto, temos outros três personagens que dão outras pistas para o entendimento dos meandros dessa publicidade.

O primeiro é o tecido, a melhor das sedas, que embora envolvido diretamente na questão de quem é mais importante para o vestido, não se pronuncia em momento algum com uma indiferença digna de uma baronesa. Afinal, quem será realmente elogiado, invejado e imitado quando forem falar da elegância do vestido da baronesa? Não será a agulha esquecida e muito menos a linha coadjuvante e deslumbrada com algumas migalhas da ribalta. Talvez, ciente da sua superioridade na conquista da opinião dos outros, a seda preferiu não se misturar com disputas subalternas.

O segundo personagem é o famoso alfinete ―[...] de cabeça grande e não menor experiência‖, que murmurando disse à pobre agulha: ―— Anda,

aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.‖ (ASSIS, 2008, Vol. II, p. 517). A confidência sussurrada do alfinete grita aos quatro ventos sobre dois componentes importantíssimos da dimensão da publicidade da oikonomia do medalhão: a) o primeiro componente são que esses exercícios aclamativos compõem um jogo de regras arriscadas no qual alguns jogam e pouquíssimos vencem. Quem se propõe a lutar pela benquerença da opinião dos outros deve aceitar tacitamente a condição de eventualmente ser agulha; b) o segundo componente é uma solução para o dilema de aceitar ser agulha para vislumbrar alguma superioridade efêmera nos dedos de uma costureira solitária numa sala de costura. O remédio oferecido pelo alfinete é amargo, pois não participar da trama dos medalhões significa abrir mão da oportunidade de obter o próprio brilho, mesmo que seja falso. Não abrir caminhos equivale a nunca ir a lugar algum.

O que é pior ser alfinete, linha ou agulha? No final do conto, o narrador diz, ―Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!‖ (ASSIS, 2008, Vol. II, p. 517). O professor de melancolia salientando que não haveria mestre melhor para opinar sobre uma história tão triste, consciente dos limites da sua existência e das possibilidades de seu tempo, não louva a atitude do alfinete, nem se queixa por ser agulha, mas por sê-lo para linhas ordinárias. Mesmo compartilhando do mesmo lugar de subalterno, não perdem a oportunidade de pisar nos seus iguais para saborear as sobras dos banquetes dos que lhe podem garantir poucos instantes da ilusão cintilante, de participar da atmosfera de glamour, das aclamações elegantes, antes do descarte inevitável quando esgarça sua serventia diante do próximo capricho do dominante.

A publicidade miúda por ser mais acessível aos homens comuns, ao pequeno burguês, aos pobres livres e residualmente aos escravos libertos é uma batalha de conquista, formada por exercícios cotidianos de aclamações,

bajulações e submissões. Vejamos agora quatro contos que são exemplos de algumas variações dessas aclamações miúdas.

Comecemos por um conto no qual os exercícios das aclamações miúdas brilham intensamente, intitulado Pobre Cardeal!, publicado em 06 de julho de 1886, em A Gazeta de Notícias. Nesse conto, temos um bom exemplo das aclamações sendo usadas na oikonomia do medalhão como exercícios para conquistar a algum brilho na opinião dos outros para obter benefícios.

O conto é composto por duas histórias. Uma funciona como pano de fundo da outra história que é a principal. O narrador principal não é personagem da história, mas as duas histórias são contadas por dois personagens que assumem a função de narradores ao longo do conto. O primeiro personagem-narrador chama-se Martins Netto que se considerava o homem mais alegre do século, opinião compartilhada por muitos.

Ninguém lhe vira nunca nenhuma sombra de melancolia. Já maduro, era ainda o melhor acepipe dos jantares, um repositório de ditos picantes, anedotas joviais, repentes crespos e crus; mas, além disso, que é a despesa exterior da alegria, ele a tinha em si mesmo, no sangue e na vida. (ASSIS, 2008, Vol. III, p. 254)

Nosso hábil exercitante das artes da publicidade miúda, como dito no trecho acima, resolveu, perto de morrer, confessar a um amigo que invejava seu temperamento, pois aquela alegria tinha origem numa injustiça. Martins conta que no ano de 1851 tinha sido jurado num processo de estelionato cujo réu era um sujeito chamado João da Cruz. Martins soube através de um capitão de nome José Leandro, filho de um general português que chegou ao Brasil com D. João VI em 1808, de um fato da vida do réu que foi fundamental na decisão a qual tomou no julgamento.

Ainda nos tempos de menino, o capitão conheceu o réu João da Cruz, quando este apareceu em casa de seu pai, e ―[...] lembrava-se que ele os festejava e adulava muito‖ (ASSIS, 2008, Vol. III, p. 254). Também lembrou

que no fim do ano de 1816, João da Cruz beirava a miséria, trajando uma roupa branca, mal remendada e amarelada pelo uso. José Leandro resolveu mostrar a Martins que o João da Cruz provavelmente seria culpado, pois acreditava que ele tinha nascido com o ―[...] gênio da fraude e da duplicidade‖. Para provar o que dizia, contou que num dia qualquer de 1817, ele adentrou ao salão da casa angustiado, perturbado e bradando:

— Pobre cardeal! pobre cardeal! Ah! minha senhora D. Luísa, que grande desgraça! Pobre cardeal!

D. Luísa levantou-se assustada, e perguntou-lhe o que era, se falava do general...

— Não, acudiu João da Cruz, não é nada com o digno marido de V. Excia.; falo do cardeal! pobre cardeal!

— Mas que cardeal? (ASSIS, 2008, Vol. III, p. 254-255)

Depois de sentar, suspirar pesadamente e limpar os olhos com um