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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ FABIANE MOREIRA DA SILVA

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ FABIANE MOREIRA DA SILVA

ESCOLAS PARA QUILOMBOLAS: IDENTIDADE, TERRITORIALIDADE NO COLÉGIO ESTADUAL QUILOMBOLA DIOGO RAMOS E NA ESCOLA

MUNICIPAL DO CAMPO AUGUSTO PIRES DE PAULA

CURITIBA 2020

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FABIANE MOREIRA DA SILVA

ESCOLAS PARA QUILOMBOLAS: IDENTIDADE, TERRITORIALIDADE NO COLÉGIO ESTADUAL QUILOMBOLA DIOGO RAMOS E NA ESCOLA

MUNICIPAL DO CAMPO AUGUSTO PIRES DE PAULA

Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná como requisito a obtenção do título do grau de Mestra em Educação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carolina dos Anjos de Borba.

CURITIBA 2020

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Dedicatória

Foram muitas noites em claro, foram muitos os choros, foram muitas incertezas e sentimento de impotência. Foi cansado e difícil, foi também doloroso. Foi também prazeroso, foi provocador e foi gratificante. Foi acima de tudo um trabalho que me trouxe a oportunidade de viver novas experiências e aprendizagens.

Dedico estas palavras aos meus colegas de profissão, que assim como eu estão ao encontro de uma educação que seja libertadora e insubmissa. Dedico também a todos os envolvidos nesta pesquisa, todo esse trabalho só foi possível de se realizar porque contei com o auxílio e apoio de muitas pessoas, que doaram seu tempo, me receberam em suas casas, me acolheram como alguém da família. Agradeço muito às amizades que construí nesse processo. Também dedico esse trabalho aos meus amigos de longa data, que trilharam esse percurso comigo, acompanharam meus maiores medos e estavam atentos quando eu me mostrei enfraquecida, agradeço pela paciência e pelo apoio em me incentivar a continuar nessa caminhada.

Agradeço a minha família por me acolher nos momentos de fraqueza e por sempre demonstrar o seu carinho e orgulho sobre o trabalho que venho desenvolvendo. Foram suas palavras de apoio e tantas outras demonstrações de amor que me motivaram durante as incertezas da trajetória. Dedico também esse trabalho a minha orientadora e amiga, que me acompanhou nos melhores e piores momentos, que luta e resiste ao meu lado as batalhas mais difíceis da vida e que ainda me encanta com o seu jeito de ler o mundo e de guiar os insubmissos.

Dedico este trabalho ao meu/minha filho(a) que vem como a renovação dos ciclos e que me trouxe outros motivos para seguir lutando por uma educação que acolha e liberte a todos. Dedico aos quilombolas, e que esse trabalho seja mais um fortalecedor para essa luta desigual que os povos e comunidades tradicionais vem resistindo a tantos anos.

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Encontrei minhas origens na cor da minha pele... Oliveira Silveira

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RESUMO

A busca por um modelo educacional que contemple a luta antirracista, territorialidade e identidade negra me levou a questionar se a escola pode ser um espaço de fortalecimento para as lutas das comunidades quilombolas e de que maneira ela contribui no fortalecimento da identidade desses educandos. Compreendendo que a instituição escolar é um espaço de disputa epistêmico e ontológico, e que a educação escolar quilombola é uma modalidade de ensino ainda recente, necessitando de uma organização curricular específica e de propostas pedagógicas que contemplem na teoria e na prática as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola. A intenção do projeto é compreender como a escola pode contribuir para o fortalecimento na luta pelo território e identidade quilombola no Colégio estadual Quilombola Diogo Ramos - que se localiza na comunidade quilombola João Surá, em Adrianópolis - PR na região de alta concentração de comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, e na escola Augusto Pires de Paula - que se localiza em Campo Largo - PR atendendo alunos quilombolas do quilombo Palmital dos Pretos, analisando nos documentos pedagógicos que regem o funcionamento de cada instituição as especificidades da modalidade , acompanhando a maneira que se estabelece a interação da escola com a comunidade, registrando práticas educacionais desenvolvidas pelas escolas que estejam em consonância com as Diretrizes e identificando as estratégias e práticas que as escolas utilizam para fortalecer a identidade quilombola e a luta pelo território. Para realização da pesquisa optei em utilizar a etnografia como metodologia principal, utilizando de entrevistas, registros fotográficos e caderno de campo na formulação de dados da pesquisa. Pensando em pedagogias Insubmissas e nas perspectivas decoloniais da construção do pensamento, trago uma reflexão em torno dessa modalidade que envolve movimento quilombola, escola e comunidade.

PALAVRAS CHAVE: EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA, TERRIÓRIO, PEDAGOGIAS INSUBMISSAS

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ABSTRACT

The search for an educational model that contemplates the anti-racist struggle, territoriality and black identity led me to question whether the school can be a space for strengthening the struggles of quilombola communities and how it contributes to the strengthening of the identity of these students. Understanding that the school institution is a space of epistemic and ontological dispute, and that quilombola school education is a still recent modality of education, requiring a specific curriculum organization and pedagogical proposals that include in theory and practice the National Curriculum Guidelines for Quilombola School Education. The purpose of the project is to understand how the school can contribute to the strengthening of the struggle for quilombola territory and identity in the Quilombola Diogo Ramos State College - located in the João Surá quilombola community, in Adrianópolis - PR, in the region of high concentration of quilombola communities in the state. Vale do Ribeira, and at the Augusto Pires de Paula school - located in Campo Largo - PR serving quilombola students from the Palmital dos Pretos quilombo, analyzing in the pedagogical documents that govern the operation of each institution the specificities of the sport, following the way that establishes the interaction of the school with the community, recording educational practices developed by schools that are in line with the Guidelines and identifying the strategies and practices that schools use to strengthen quilombola identity and the struggle for territory. To conduct the research I chose to use ethnography as the main methodology, using interviews, photographic records and field notebook in the formulation of research data. Thinking about Unsubmissive Pedagogies and the decolonial perspectives of the construction of thought, I bring a reflection around this modality that involves quilombola movement, school and community.

KEY WORDS: QUILOMBOLA SCHOOL EDUCATION, TERRORY, UNSUBMISSED PEDAGOGIES

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...11

2. CAMPOS DE BATALHAS EDUCATIVAS PARA QUILOMBOLAS...26

2.1 Movimento Quilombola Na Luta Pelo Território E Pela Educação...31

2.2 João Surá E Palmital Dos Pretos – Diferenças E Semelhanças No Campo Educacional...36

3. COLÉGIO ESTADUAL QUILOMBOLA DIOGO RAMOS – JOÃO SURÁ/ ADRIANÓPOLIS...42

3.1 10 Anos De Educação Escolar Quilombola em João Surá – Um Processo De Luta e Resistência...46

3.2 Sankofa – Uma Proposta de Educação Que Ultrapassa as Barreiras da Sala de Aula...51

3.3 Projeto Comunitário de Emancipação e Mobilização Social no Fortalecimento aa Identidade e Territorialidade Quilombola...61

4. ESCOLA MUNICIPAL AUGUSTO PIRES DE PAULA – PALMITAL DOS PRETOS/ CAMPO...65

4.1 Escola do Campo X Escola no Campo – Educação Escolar Quilombola Como Anexo da Educação do Campo...67

4.2 Identidade Negra e Identidade Quilombola – Racismo e Discriminação no Ambiente Escolar...75

4.3 Olhar de Refração – Insubmissão nas Práticas Educacionais...83

5. EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NEGRITUDE, TERRITORIALIDADE E INSSUBIMISSÃO...90

5.1 Gestão Escolar de Confronto – Relação Entre Secretaria de Educação e Escola...94

5.2 “Paredes Que Falam” – Sobre os Espaços Escolares e Representatividade Negra...95

5.3 Formação Identitária Dentro e Fora do Território Quilombola...98

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...102

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8 FIGURAS FIGURA 1 ...37 FIGURA 2 ...38 FIGURA 3 ...39 FIGURA 4 ... 40 FIGURA 5 ...41 FIGURA 6...43 FIGURA 7 ...44 FIGURA 8 ...51 FIGURA 9 ...52 FIGURA 10... 53 FIGURA 11 ... 54 FIGURA 12... 56 FIGURA 13 ... 57 FIGURA 14... 58 FIGURA 15... 59 FIGURA 16... 63 FIGURA 17 ... 64 FIGURA 18... 72 FIGURA 19 ...74 FIGURA 20 ... 78 FIGURA 21 ... 77 FIGURA 22 ... 82 FIGURA 23 ... 82 FIGURA 24 ... 86 FIGURA 25 ... 88

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9 TABELAS E GRÁFICOS TABELAS: TABELA 1... 51 TABELA 2... 56 GRÁFICOS: GRÁFICO 1...21 GRÁFICO 2...21 GRÁFICO 3...22

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SIGLAS E ABREVIATURAS

PPP – Projeto Político Pedagógico

SEED – Secretaria Estadual de Educação

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito

DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais

DCNEEQ –Diretrizes Curriculares Nacionais Para Educação Escolar Quilombola

SEPPIR - Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

CONAQ -Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Quilombolas INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

MPF- Ministério Público Federal

ITCG - Instituto de Terras, Cartografia e Geologia CEQDR – Colégio Estadual Quilombola Diogo Ramos

EMCAPP – Escola Municipal do Campo Augusto Pires de Paula OIT – Organização Internacional do Trabalho

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1 Introdução

Sou mulher negra e periferizada. Uma única frase traz aqui conceitos que denunciam não só meu lugar de fala, mas também as condições de vida que me trouxeram até essa trajetória. Ser mulher em uma sociedade machista e misógina coloca 51,4% da população brasileira (IBGE, 2016), em situação de risco apenas por ser do gênero feminino, coloca também desvantagem econômica e de representatividade. Ser negro num país que tem aproximadamente 205,5 milhões de habitantes, sendo que 54% da população é negra (IBGE, 2016), e que também representa a maioria da população mais pobre do pais é um grande determinante social. Ainda mais quando não se encontra representação política ou em qualquer outro setor da sociedade que possa atender as expectativas da maioria da população. Uma sociedade desigual que por muito tempo foi considerada democrática racialmente, mas extermina todo ano 23.100 mil jovens negros, segundo a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Senado sobre o Assassinato de Jovens brasileiros de 2016. E quando eu me apresento como mulher, negra e periférica eu não digo apenas meu gênero, minha cor ou de onde eu vim, mas que ao longo dos meus 20 e poucos anos eu vivo sob a sombra desses determinantes desiguais da sociedade impostos a pessoas como eu.

A interssecionalidade desses fatores condicionam a maioria das mulheres negras no Brasil à uma posição social de extrema desigualdade. Mas essa apresentação também denuncia o rompimento de um paradigma da desigualdade social. Quando me posiciono como mulher negra e periférica em um espaço de poder estou também relembrando toda essa trajetória de resistência, da qual uma parcela muito pequena da sociedade faz parte, um passo muito importante para a história da educação desse país. Essa realidade que vivencio num espaço que muitos acreditam que não era para uma mulher negra e periférica me motivou a discutir a importância de se pensar em educações outras que combatam as desigualdades sociais, que sejam antirracistas, que valorizem a diversidade e respeitem as diferenças. Essa busca

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por um modelo educacional que seja inclusivo me trouxe até a Educação Escolar Quilombola.

Certo dia alguém me perguntou o que impediria a população branca de trazer novamente um modelo econômico escravagista em grande escala. Segundo a OIT, entre 1995 e 2015, foram libertados 49.816 mil trabalhadores que estavam em situação análoga à escravidão no Brasil, sendo que 95% dos trabalhadores libertados são homens, 83% têm entre 18 e 44 anos de idade e 33% são analfabetos e 37,8% possuem até o 5º ano incompleto. A criminalização desse ato, segundo o Art. 149 do Código Penal, estipula pena de reclusão de 2 a 8 anos e multa, que pode ser aumentada da metade, se o crime for cometido contra crianças e adolescentes, ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Somente as medidas legais não são suficientes para impedir que o trabalho escravo seja erradicado no Brasil, sendo que, dos trabalhadores resgatados 61% são pessoas negras (OIT e MPT, 2018).

Com base nos dados apresentados acredito que a Educação é importante ferramenta mobilizadora para conscientização da população, projetando esperança como necessidade ontológica (FREIRE, 1992) e através dela conseguimos mostrar que a humanidade tem muito mais a ganhar respeitando as diferenças entre os povos e garantindo seu direito de existência do que brigando por uma possível eliminação. Mas a educação não é o único vetor que impulsiona essa mobilização, é preciso a descolonização do pensamento para poder transformar as realidades, e esse processo de descolonização é sempre um fenômeno violento (FANON, 2006) mas necessário para a ruptura das amarras coloniais, assim como é necessária a esperança crítica, pois “[...] sem um mínimo de esperança não podemos sequer começar o embate[...]” (FREIRE, 1992). Ora, somos 54,9% da população brasileira (IBGE, 2016), sendo o país das américas com maior número de população negra1 e, além de tudo, somos também responsáveis pelo funcionamento das grandes metrópoles, seja com mão de obra, com o cultivo da terra, com a extração de minérios, ou na simples manutenção da organização social extremamente desigual.2

1 Dos países fora do continente africano o Brasil é o que tem maior população negra – ICD - Institute for Cultural Diplomacy.

2 O trabalho doméstico representava 15,8% do total da ocupação feminina brasileira. Entre os/as trabalhadores/as domésticos/as, 93,6% são mulheres, e entre elas, 61% são negras. Mesmo

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A pergunta a se fazer é porque ainda não invertemos essa pirâmide social que tem como base a população negra? O porque teria diferentes explicações, que Abdias do Nascimento, Lélia Gonzáles e outros tantos intelectuais vêm tentando compreender nas relações sociais afetadas pela colonização e pelo racismo. Acredito, também, que um dos motivos seria algo que aprendi no convívio com as comunidades: nossa palavra tem valor! Nós levamos a sério o combinado, e por essas razões acreditamos no bem viver em comunidade. Essa nossa virtude e de outros povos que respeitam a vida na terra nos colocou em destaque na visão de extermínio capitalizada dos “colonizadores” que não conseguem compreender que o mundo não é nosso e sim que somos o mundo.

Será necessário reorganizar nossa visão de mundos e entender como reeducar uma população que se acha detentora do conhecimento, para que a mesma não acabe com tudo que é existente. “Este é o cenário, a ideia de pedagogias insubmissas nos convoca a fazer o exercício de olharmos como construtores de horizontes de futuro, a partir de conceber a educação com a capacidade para modificar sujeitos e sociedades” (MELGAREJO, 2015, p.33) Nesse sentido me voltei os olhos a esse modelo educacional na busca de compreender se o espaço educacional poderia ser um espaço que fortalecia a identidade negra e quilombola e de suas lutas. Pois:

31,5% das crianças quilombolas de sete anos nunca frequentaram bancos escolares; as unidades educacionais estão longe das residências e as condições de estrutura são precárias, geralmente as construções são de palha ou de pau a pique; poucas possuem água potável e as instalações sanitárias são inadequadas. O acesso à escola para estas crianças é difícil, os meios de transporte são insuficientes e inadequados e o currículo escolar está longe da realidade destes meninos e meninas. Raramente os alunos quilombolas veem sua história, sua cultura e as particularidades de sua vida nos programas de aula e nos materiais pedagógicos. Os professores não são capacitados adequadamente, o seu número é insuficiente para atender a demanda e, em muitos casos, em um único espaço há apenas uma professora ministrando aulas para diferentes turmas. (BRASIL, 2003. p.15)

O questionamento a se fazer é se o espaço escolar contribui para a construção da identidade quilombola e no fortalecimento da luta pelo Território no Colégio Estadual Quilombola Diogo Ramos e na escola Municipal do Campo

com um número bastante significativo de mulheres empregadas nesse setor, somente 26,8% do total de trabalhadores/as domésticos/as possuem carteira de trabalho assinada, e entre as trabalhadoras domésticas negras, este percentual é ainda menor: 24%. (OIT, 2011, p.4)

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Augusto Pires de Paula. Ambas a instituições recebem alunos quilombolas e precisam atender as especificidades das Diretrizes Curriculares Para Educação Escolar Quilombola. Compreendendo que os dois espaços apresentam características próprias em relação à educação, tornando mais interessante o processo de compreensão e percepção dos mesmos sobre os fazeres pedagógicos que ocorrem nos dois estabelecimentos. As motivações que me guiaram até a esse campo de conhecimento se dão principalmente na busca por uma educação que seja realmente emancipadora. Durante meu percurso na graduação tive um breve contato com diferentes pedagogias que desenvolvem diferentes práticas e teorias para uma melhor aprendizagem. O foco da formação docente, se tratando da sociologia da educação ou estudos sobre a infância, se baseiam em teóricos e modelos educacionais que, em geral, são de exemplos europeus, num contexto econômico bem diferente das realidades periféricas do Brasil. Na busca de algo que se comunicasse com a realidade a qual pertenço e trouxesse na sua essência não somente a emancipação do sujeito, mas também a luta antirracista e pedagogias insubmissas, busquei por propostas de:

Pedagogias que se constroem em relação a outros setores da população, que suscitam uma preocupação e consciência pelos padrões de poder colonial ainda presentes e a maneira que nos implicam a todos, e pelas necessidades de assumir com responsabilidade e compromisso uma ação dirigida à transformação, à criação e ao exercer o projeto político, social, epistêmico e ético da interculturalidade. São estas pedagogias ou apostas pedagógicas que se dirigem para a libertação destas correntes, ainda presentes nas mentes, e para a reexistência de um desígnio de “bem-viver” e “com-viver” onde realmente caibam todos. (WALSH, 2009, p.38)

Em 2016, nos primeiros contatos com a educação escolar quilombola, vi uma possibilidade de educação que respondesse a esses meus anseios. Esse contato inicial foi essencial para despertar o interesse sobre essa outra modalidade educacional que conversava não somente com minhas origens, mas também com minhas expectativas enquanto educadora. Iniciando pesquisa sobre educação escolar quilombola em contato com a primeira escola quilombola estadual do Paraná pude conhecer como funcionava essa modalidade que resultou no trabalho de conclusão do curso de pedagogia, sobre a pedagogia quilombola do Colégio Estadual Quilombola Diogo Ramos, localizado na comunidade de João Surá. As minhas perguntas se ampliaram principalmente em relação ao território e a educação. Querendo compreender o

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fazer pedagógico em outros espaços de educação escolar quilombola, tendo contato com outras práticas educacionais que possibilitem a formação de um sujeito atuante no seu próprio ensino. Então fui provocada a compreender como esses espaços educacionais podem fortalecer a luta territorial e indentitária das comunidades quilombolas. Compreender como a escola pode ser um espaço que promova e fortaleça a causa dos movimentos sociais, da luta pelo território e meio ambiente, da identidade quilombola e negra, do bem viver, se baseando em pedagogias outras ou pedagogias insubmissas:

Mas qual é o conhecimento que a escola se vê como instituição responsável a transmitir? Por mais que hoje tenhamos mais experiências de educação e diversidade, ainda é possível afirmar que é o conhecimento cientifico, e não as outras formas de conhecer produzidas pelos setores populares e pelos movimentos sociais. (GOMES, 2017, p. 53)

Esse questionamento sobre o conhecimento transmitido, sobre a interação que o movimento social tem com a escola, sobre a história de ancestralidade e de resistência da população Quilombola motivou minha pesquisa para compreender como funciona essa modalidade na pratica educacional escolar em escolas quilombolas do estado do Paraná. Atualmente no estado existem duas escolas em território quilombola: Colégio Estadual Quilombola Maria Joana Ferreira, em Palmas, e o Colégio Estadual Quilombola Diogo Ramos, em Adrianópolis. Além das 43 unidades estaduais e municipais que atendem alunos quilombolas. Mas o motivo principal da escolha foi pelo estado ser pioneiro nas propostas pedagógicas para uma educação escolar quilombola, antecedendo e iniciando um movimento nacional que demandou as Diretrizes Curriculares Nacionais Para Educação Escolar Quilombola. O Colégio Estadual Quilombola Diogo Ramos foi criado em 2008, e vem servindo de modelo educacional para outras instituições do pais. Estas instituições necessitam que seu currículo escolar seja adaptado para atender os alunos oriundos de quilombos. As Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs de 2013 já separam um dos seus capítulos para tratar especificamente da Educação Quilombola e de como o currículo deverá ser organizado e pensado segundo as singularidades das comunidades:

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16 o fato de uma instituição escolar estará localizada em uma dessas comunidades ou atender a crianças, adolescentes, jovens e adultos residentes nesses territórios não assegura que o ensino por ela ministrado, seu currículo e o projeto político-pedagógico dialoguem com a realidade quilombola local. Isso também não garante que os profissionais que atuam nesses estabelecimentos de ensino tenham conhecimento da história dos quilombos, dos avanços e dos desafios da luta antirracista e dos povos quilombolas no Brasil. (BRASIL,2013, p. 447-448)

Como a citação anterior faz menção, somente a existência do documento, por mais organizado e bem-vindo que ele seja, não faz com que as práticas curriculares das escolas quilombolas sejam estruturadas. Sendo necessário um esforço conjunto entre escola, comunidade e professor para que haja coerência no ensino ofertado. O currículo é parte essencial neste processo conjunto, garantido

Art. 34 (...) II - a flexibilidade na organização curricular, no que se refere à articulação entre a base nacional comum e a parte diversificada, a fim de garantir a indissociabilidade entre o conhecimento escolar e os conhecimentos tradicionais produzidos pelas comunidades quilombolas; (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica, 2012, p.14)

Art. 6 (...) VII - subsidiar a abordagem da temática quilombola em todas as etapas da Educação Básica, pública e privada, compreendida como parte integrante da cultura e do patrimônio afro-brasileiro, cujo conhecimento é imprescindível para a compreensão da história, da cultura e da realidade brasileira. (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica, 2012, p. 5)

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais Para A Educação Escolar Quilombola Na Educação Básica os currículos devem se organizar a partir dos seus valores e interesses sobre a sociedade e escola, assim como refutar os contextos socioculturais, regionais e territoriais das comunidades quilombolas, garantindo ao educando o direito de conhecer a história dos quilombos no Brasil, assim como o protagonismo do movimento negro, e seu histórico de lutas, bem como reconhecer a história e a cultura afro-brasileira como elementos estruturantes do processo civilizatório nacional, considerando as mudanças, as recriações e as ressignificações históricas e socioculturais. Além disso, deve promover o fortalecimento da identidade étnico racial, da história e cultura afro-brasileira e africana resignificada, recriada e reterritorializada nos territórios quilombolas.

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eixos temáticos, projetos de pesquisa, eixos geradores ou matrizes conceituais, em que os conteúdos das diversas disciplinas podem ser trabalhados numa perspectiva interdisciplinar. Por fim é primordial que a escola ofereça ferramentas que fortaleçam suas identidades. Com a leitura dos documentos é que se pode perceber os avanços legislativos alcançados de um período muito recente da história do Brasil, e por mais que estes avanços estejam acontecendo, fornecendo respaldo e garantias de um currículo adaptado aos quilombolas, como já argumentado anteriormente, somente o trabalho em conjunto garante a adaptação eficaz do currículo. Nesse sentido, é importante pensar a organização curricular e a pratica pedagógica com confluência à lógica de organização de cada comunidade. Desse modo, é possível organizar atividades educacionais que valorizem o conhecimento quilombola, focalizando uma forma de pensamento diferente e com muito mais significado. Um exemplo é incorporar as práticas do plantio e pesca nos planejamentos pedagógicos:

O saber acerca das luas e das lavouras, ao ser repassado, produz uma rede de relações sociais que forja memorias duradouras e, ao mesmo tempo, renovadas a cada momento que é acessada; o ato de buscar as memorias significa fortalecer ensinamentos acerca de si mesmo que são fundamentais em um processo de reinvindicação contemporânea cuja a auto definição quilombola é o ponto de partida. [...] Através do conhecimento científico, tais saberes poderiam transcender os limites que os conhecimentos práticos lhes impõem; buscar a compreensão matemática, física, química, biológica e geográfica para compreender os resultados obtidos nas diversas engenharias quilombolas seria um exercício enriquecedor, de aprender vencendo as barreiras cognitivas que a sua realidade apresenta. (NUNES, 2016, p. 169)

Essa relação do território e das territorialidades com a escola fortalece o pertencimento ao ambiente, e incentiva a apropriação das causas da comunidade, como o cuidado com as nascentes e rios, ou plantas nativas da região. Assim também como o pensamento crítico sobre as questões sócio territoriais que os quilombolas enfrentam, como conflitos agrários possibilitando também compreender as lutas da comunidade. Para isso é preciso pôr em prática uma educação que seja insubmissa e que busque outros olhares para as relações sociais e interação com o ambiente. A provocação para uma educação insubmissa está presente nas discussões do pensamento Decolonial, que traz a crítica a essa forma de organização colonialista. Essa crítica vem sendo cada vez mais apresentada como novas possibilidades de se pensar uma diferente

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organização social, pois é impossível propor uma educação insubmissa que seja nos moldes do capitalismo e construídas com perspectivas eurocêntricas coloniais.

A educação insubmissa traz na força da palavra a insubmissão e re-existencia de se manter libertadora e autônoma das formas de imposição e subalternização que a lógica escravista emprega na sociedade capitalista. A educação insubmissa é essa prática educacional que ocorre nos espaços de resistência ao modelo educacional eurocêntrico, que acontece em espaços de luta, pois ser contrário ao modelo capitalista hoje é viver em constante luta contra os imaginários consumistas e superficiais. E também contra a imposição da meritocracia, e de mecanismos de controle e subordinação de classes, que estabelecem pirâmides sociais da exploração do trabalho e de condições de vida, que favorecem uma pequena parcela da sociedade, fundada nas teorias racistas e que se perpetuam através da violência e segregação de raças, afirmando não somente que existe uma raça superior a outras, mas que ela merece estar no poder. A educação insubmissa vem denunciar esses tipos de violências, mas, para além, ela vem trazer uma outra lógica de pensamento:

No caso de Waman Poma, nas línguas, nas memórias indígenas confrontado com a modernidade incipiente; no caso de Cugoano, no Memórias e experiências de escravidão, confrontadas com o assentamento da modernidade, tanto na economia como na teoria política. O pensamento descolonial, para se estabelecer em experiências e discursos como os de Waman Poma e Cugoano nas colônias das Américas, segue (amigavelmente) a partir da crítica pós-colonial.3 (MIGNOLO, 2007, p. 33).

Esse deslocamento das teorias críticas existe por que para o pensamento Decolonial a crítica não é só ao mecanismo de dominação, mas também atrelada ao racismo diretamente. Em uma educação insubmissa as discussões sobre as diversas opressões aparecem na construção de um pensamento crítico e de

3En el caso de Waman Poma, en las lenguas, en las memorias indígenas confrontadas con la

modernidad naciente; en el caso de Cugoano, en las memorias y experiencias de la esclavitud, confrontadas con el asentamiento de la modernidad, tanto en la economía como en la teoría política. El pensamiento decolonial, al asentarse sobre experiencias y discursos como los de Waman Poma y Cugoano en las colonias de las Américas, se desprende (amigablemente) de la crítica poscolonial. (MIGNOLO, 2007, p. 33).

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desobediência. Enaltecendo uma pratica que rompe com o pensamento homogêneo. Ela busca combater o racismo, as desigualdades e opressões, e não busca se encaixar, mas sim provocar o desencaixe.

Em suma, a genealogia do pensamento Decolonial é pluriversal (não universal). Assim, cada nó da rede desta genealogia é um ponto de partida e abertura que reintroduz línguas, memórias, economias, organizações sociais, subjetividades, esplendores e misérias de legados imperiais. A atualidade pede, reclama, um pensamento descolonial que articule genealogias espalhadas por todo o planeta e oferece "outras" modalidades econômicas, políticas, sociais e subjetivas. O processo está em andamento e o vemos todos os dias, apesar das más notícias que nós chegam [..]4 (MIGNOLO, 2007, p. 45). Patrícia Melgarejo (2015, p. 46) traz em contradição aos pensamentos eurocentristas, um dos principais aspectos da educação para comunidades afrolatinas, o princípio de que “[...] a postulação de uma pedagogia da desobediência é o marco de uma educação libertadora, transformadora e descolonizadora”5 visando assim a ruptura com esses paradigmas da modernidade, refletindo sobre a construção de uma outra visão de nós mesmos, latino americanos, deslocadas dessas concepções dominantes europeias. Stuart Hall abre seu texto intitulado A Identidade Cultural da Pós-modernidade, dizendo que “Esse processo de mudança, tomadas em conjunto, representam um processo de transformação tão fundamental e abrangente que somos compelidos a perguntar se não é a própria modernidade que está sendo transformada” (2006, p. 9) E pensando na realidade brasileira de múltiplas identidades, aprofundo a discussão sobre questões étnico-raciais para repensar a educação e todas essas concepções de cultura e identidade. Assim como Kabengele Munanga destaca na finalização em seu texto Uma Abordagem

Conceitual Sobre as Noções de Raça, Racismo, Identidade e Etnia, dizendo que: “Esta identidade política é uma identidade unificadora em busca de propostas transformadoras da realidade do negro no Brasil. Elas se

4 Con todo, la genealogía del pensamento decolonial es pluriversal (no universal). Así, cada nudo de la red de esta genealogía es un punto de despegue y apertura que reintroduce lenguas, memorias, economías, organizaciones sociales, subjetividades, esplendores y miserias de los legados imperiales. La actualidad pide, reclama, un pensamento decolonial que articule genealogías desperdigadas por el planeta y ofrezca modalidades económicas, políticas, sociales y subjetivas “otras”. El processo está en marcha y lo vemos cada día, a pesar de las malas noticias que nos llegan[...] (MIGNOLO, 2007, p. 45).

5 “[...] la postulación de una pedagogía de la desobediencia en el marco de una educación liberadora, transformadora y descolonizadora.”concepções de cultura e identidades. (MELGAREJO, 2015, p. 46).

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20 opõem a uma outra identidade unificadora proposta pela ideologia dominante, ou seja, a identidade mestiça, que, além de buscar unidade nacional, visa também a legitimação da chamada democracia racial brasileira e a conservação do status quo.” (MUNANGA, 2004, p.33). Assim como Munanga denuncia, a intenção é reafirmar o conceito de identidades, em específico das comunidades Quilombolas, e as produções acerca da educação do campo para povos e comunidades tradicionais, com o recorte para povos negros do Brasil. Pensar a temática quilombola exige refletir sobre sua territorialidade, para complementar esta questão o autor José Carlos dos Anjos aborda em seus estudos tanto as práticas e costumes das comunidades, como suas relações com os territórios no qual estão inseridos os conflitos judiciais a cerca desta problemática, assim como a autora Carolina dos Anjos de Borba, que trabalha a territorialidade e os direitos sobre a terra, e que influenciam diretamente na educação dos povos quilombolas. Cassius Marcelus Cruz reflete em sua tese de dissertação sobre as Trajetórias, Lugares e

Encruzilhadas na Construção da Política de Educação Escolar Quilombola no Paraná no Início do III Milênio, onde ele cita que as comunidades e os

movimentos sociais “[...] inclui a educação na pauta de demandas quilombolas a partir de uma lógica estratégica de reconhecimento, ou seja, em que escola pode potencializar o reconhecimento social dos quilombolas.” (CRUZ, 2012, p.109) Ele também aponta que esse espaço pode ser problemático quando não se pensa o projeto político-pedagógico adequado para a escola quilombola. Nesse sentido, os teóricos elencados embasaram o diálogo ao longo da pesquisa, fundamentando e qualificando os resultados da análise da educação escolar quilombola das comunidades escolhidas.

Na busca pela produção acadêmica a cerca da temática foi possível encontrar 301 resultados, utilizando as palavras: Educação Escolar Quilombola e Educação Quilombola como descritores da busca, mas desses resultados apenas 14 artigos realmente discorriam com profundidade sobre a temática. Das dissertações e teses foram possíveis encontrar 50 resultados que discorriam sobre a temática. Analisando as teses e dissertações produzidas acerca da temática de educação escolar quilombola, foi possível perceber algumas características importantes que determinam a relevância de se discutir a temática com maior aprofundamento. Desde 2012 a educação escolar

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quilombola é regulamentada por Diretrizes Curriculares Nacionais, que embasam o ensino e organização das instituições que oferecem o ensino para alunos quilombolas. Nesse mesmo período foi possível perceber um maior interesse em pesquisar essa modalidade educacional, assim como está representado no gráfico que segue:

Gráfico 1 - Dissertações e Teses sobre educação escolar Quilombola por ano:

FONTE: A Autora (2018)

No ano de 2012 houve a maior produção sobre a temática com 11 publicações. Pensando na localidade das produções acadêmicas, acerca da educação escolar quilombola, foi possível também analisar que a maior parte de publicações são da região Nordeste (NE) do país, em segundo a região Sudeste (SE). A região Centro-oeste (CO), Norte (N) e Sul (S) apresentam uma quantidade menor de publicações sobre a temática, veja no gráfico abaixo:

Gráfico 2: Dissertações e Teses sobre educação escolar quilombola por região do país

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FONTE: A Autora (2018)

Ainda analisando a relação entre as dissertações teses defendidas foi possível perceber que a maior parte veio de instituições públicas em relação às instituições privadas (Gráfico 3).

GRÁFICO 3: Relação entre as defesas de Dissertações e Teses sobre educação escolar quilombola de Instituições Públicas de Ensino e Privadas.

FONTE: A Autora (2018)

Por mais que já tenha um espaço de discussão, é visível que precisamos ampliar os estudos acerca do tema. Ainda são poucas as publicações que se aprofundam a temática de educação escolar quilombola, parte desse fato ocorre por ser uma modalidade ainda recente no cenário educacional brasileiro, ainda que as discussões sobre regularizar a educação formal voltada para a população

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quilombola já acontecem há décadas no cenário político e social. Porém, os avanços das políticas públicas afirmativas e de assistência voltadas à população negra se mostram ainda muito recentes. No espaço acadêmico essa também é uma discussão recente, o que amplia a importância de se discutir sobre este tema, para melhor compreender as peculiaridades que a modalidade apresenta, e também para ampliar a discussão nesse cenário, propondo diferentes olhares e reflexões sobre a educação escolar quilombola.

Para isso proponho também uma metodologia que busque trazer maior profundidade na interação e compreensão do objetivo da pesquisa em identificar a relação das práticas pedagógicas nas escolas com a comunidade. A etnografia, utilizada pela antropologia, e outras áreas do conhecimento, possui um formato diferenciado de pesquisa. Seus princípios são ver e ouvir, estando presente no ambiente de observação:

Esse debruçar-se incerto sobre os fatos é justamente o fundamento da Etnografia. Se tem algum valor, é porque ela lida com a surpresa, é porque ela é um método cujo objetivo, ao ser aplicado, é mostrar ao pesquisador, em primeiro lugar, o que ele não sabia que estava lá. A Etnografia nasce e se consolida em desafio à previsão. (CONTANDA, SILVA, 2008, p.72)

Na intenção de encontrar nas práticas dos sujeitos as respostas para o problema anunciado na pesquisa busquei a imersão na realidade apresentada pelo local. As idas a campo foram fundamentais nesse sentido, pois, somente assim foi possível a compreensão das práticas analisadas. Para este projeto em especifico foi necessário um tempo de interação com a comunidade, e a etnografia realizada em cada campo de pesquisa foram descritas durante nessa pesquisa, através dos relatos das experiências vivenciadas, das entrevistas realizadas, do caderno de campo ou dos registros fotográficos. O caderno de campo traz o registro do que foi observado em campo, e auxilia na retomada das memórias e das vivências, facilitando posteriormente a sistematização e organização dos resultados obtidos na pesquisa.

A análise dos documentos da escola - como o Projeto Político Pedagógico (PPP), o regimento escolar, os planos de aula e projetos - e coleta de dados específicos sobre a comunidade e a escola observada, são facilmente encontrados em documentos da Secretarias de Educação (SEED), e também serão instrumentos para fundamentar a investigação, assim como a pesquisa

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bibliográfica acerca do tema, buscando fundamentar o que já se pesquisa sobre a educação escolar quilombola, ou sobre as comunidades quilombolas, auxiliando na comparação de movimentos voltados a educação e na organização das comunidades.

Outra técnica importante para a pesquisa são as entrevistas, em especial com os mais velhos da comunidade, pois são a fonte mais confiável para a averiguação das práticas analisadas. Assim como entrevistas com os professores de cada instituição e com a equipe gestora das escolas. Pois através da conversa com essas pessoas, e de suas histórias contadas é possível reconhecer as ações buscadas pela pesquisa. Para isto os instrumentos a serem utilizados para a melhor sistematização dos dados das entrevistas é o uso de gravadores, apenas para entrevistas direcionadas, com o roteiro pré-estabelecido e apresentado anteriormente para os entrevistados. Estas ações só são realizadas com o consentimento da comunidade e antes de serem utilizadas são apresentadas para a associação da comunidade, como um princípio de ética na pesquisa a ser realizada. Bem como com as imagens captadas para registro do espaço escolar ou da caracterização dos quilombos.

Em um período de 1 ano aproximadamente foram realizadas as visitas nas duas instituições, sendo 6 meses em de interação em cada escola, que não foi linear. Na organização desse comparativo acompanhei momentos cruciais que em conjunto com a equipe da escola e com minha orientadora entendemos que seriam importantes para compreender como a educação escolar quilombola acontecia, ou se não acontecia. Os momentos priorizados foram as semanas pedagógicas, um mês de acompanhamento das aulas em sala de aula, eventos que a instituição organizava com a comunidade e a semana de consciência negra, pois se trata de um evento importante para a história do povo negro e quilombola do pais.

Nos tempos atuais a aplicação de uma educação insubmissa vem se tornando cada vez mais difícil, isto por que estamos passando por um confronto mundial onde a violência, a intolerância, o racismo, a meritocracia e outros valores do colonialismo estão novamente tomando mais destaques, através do posicionamento de líderes de governo e de grupos extremistas. A falta de representatividade das populações historicamente excluídas nos espaços de

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poder contribuem para dificultar a garantia de modelos educacionais que sejam contra hegemônicos. A luta pela garantia da educação escolar quilombola também está atrelada, como a educação do campo, à luta pelo território e pela garantia dos diretos sociais, ameaçados pelos novos governos. É nesse momento que a pesquisa acadêmica precisa se fazer presente nestes espaços para afirmar a importância de uma educação emancipadora e antirracista através da resistência das comunidades Quilombolas.

A educação, de um modo geral, deveria ser o campo por excelência a construir muitas entradas e saídas nas fronteiras que nos separam. Esse poderá ser o exercício epistemológico e político de uma pedagogia das ausências e das emergências enquanto componentes da pedagogia da diversidade. (GOMES, 2017, p. 137)

Por mais difícil que pareça se estabelecer uma educação insubmissa, ela já acontece nas práticas nas escolas Quilombolas pesquisadas. Nos próximos capítulos que seguem veremos como cada escola se organiza em relação à comunidade e se trazem para o espaço formal a ancestralidade e territorialidade de cada quilombo. Também poderemos compreender como essa pratica pode ser emancipadora na luta pela transformação social e afirmação das comunidades Quilombolas. Apesar das dificuldades impostas pelo governo, pela sociedade racista, classista e pela violência, não tem como recuar a uma mudança social, a tendência é insurgir com mais força as educações insubmissas nos territórios e em outros espaços formais, seja pela colaboração dos atores envolvidos, ou pela revolta dos que lutam contra a subordinação.

O primeiro capitulo deste trabalho tem o intuito de ampliar o debate sobre os desafios que permeiam a educação escolar quilombola, relembrando o papel importante que os movimentos sociais desempenharam para chegar nas conquistas que hoje temos em relação a essa modalidade de ensino, e também busca apresentar os campos de pesquisa a serem analisados. O segundo Capitulo traz as análises e coletas de dados realizados no Colégio Estadual Quilombola Diogo Ramos. O terceiro capitulo analisa os dados coletados no campo de pesquisa da Escola Municipal do Campo Augusto Pires de Paula. No quarto capitulo pretendo fazer o cruzamento dos dados obtidos durante a realização da pesquisa a fim de apontar algumas familiaridades entre os campos, principalmente nos conflitos vivenciados, e para finalizar realizei algumas considerações finais a sobre a temática estudada.

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2 – CAMPOS DE BATALHAS EDUCATIVAS PARA QUILOMBOLAS

As comunidades quilombolas vivenciam situações conflituosas por sua mobilização sobre o direito à titulação de seus territórios. Diferente de outros movimentos campesinos que lutam pela terra, as comunidades quilombolas reivindicam há séculos o direito ao seu território e suas territorialidades. Esta última apresenta uma complexidade na relação dos sujeitos, não é apenas de terra que estamos falando, mas sim de cosmovisão, onde o ser humano não está desassociado da natureza, e o sujeito não é dono da terra, mas faz parte daquele espaço por suas relações temporais e espaciais com o ambiente.

Território e identidade estão intimamente relacionados enquanto um estilo de vida, uma forma de ver, fazer e sentir o mundo. Um espaço social próprio, específico, com formas singulares de transmissão de bens materiais e imateriais para a comunidade. Bens esses que se transformarão no legado de uma memória coletiva, um patrimônio simbólico do grupo. (SEPPIR, 2004, p. 10)

A identidade quilombola está intrinsecamente relacionada ao território, configurando grupos sociais com especificidades, a começar pela herança social da escravização. O sequestro de negros e negras africanos, causando o rompimento com a sua terra materna, de forma extremamente violenta, trouxe resquícios ainda hoje vivenciados pelas gerações seguintes que herdaram as batalhas contra o racismo e os resquícios da colonização, mas também herdaram o modo de vida, a cultura, tradições, linguagem e outras manifestações que as caracterizam como grupo.

Muitas dessas comunidades mantêm ainda tradições que seus antepassados trouxeram da África, como a agricultura, a medicina, a religião, a mineração, as técnicas de arquitetura e construção, o artesanato, os dialetos, a culinária, a relação de uso da terra, dentre outras formas de expressão cultural e tecnológica. (ANJOS, 2004 p. 4) Tais tradições de matriz africana ainda são extremamente hostilizadas na nossa sociedade por conta do racismo, como a religião e a linguagem. Faz parte do cotidiano de um estudante quilombola problemas no transporte, conflitos territoriais, desigualdade social, racismo e outras opressões, seja no ambiente escolar ou em outros espaços pelo qual essas crianças transitam. Falar de educação para quilombolas é falar sobre racismo, decisões políticas

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governamentais, conflitos agrários, etnicidade, pertencimento identitário e outros tantos temas que estão interligados à vida nas comunidades.

Morar em um quilombo é a dupla assunção dos lugares que o ocupam, é a moradia concreta e subjetiva de uma negação, então, o que fazer? Quais são as políticas que possibilitariam esse se assumir nos seus lugares de pertencimento: negro e remanescente de quilombo? (NUNES, 2006, p. 357)

Para avançar nessa discussão ainda é preciso desfazer estereótipos em relação aos quilombos. A afirmação identitária das comunidades faz parte das lutas sociais para garantia de seus territórios, reivindicando que a representatividade nos espaços de poder e nos espaços de formação auxiliam a romper com um imaginário de inevitável extinção das comunidades:

A história brasileira tem se referido aos quilombos sempre no passado, como se eles não fizessem mais parte da vida do pais. Não podemos perder de vista que esse aparente desaparecimento das populações negras, principalmente nos livros didáticos, faz parte da estratégia do branqueamento da população brasileira. (ANJOS, 2004 p. 2)

Esse discurso favorece a uma parcela muito interessada no apagamento de outras formas de vida social, a começar por grandes mineradoras e madeireiras, que sempre souberam onde as comunidades quilombolas, ou territórios indígenas se encontravam. A grilagem de terras e invasão dos territórios quilombolas, resulta ainda hoje em conflitos violentos, atingindo as comunidades como um todo na luta desigual pela proteção ao território que não apresenta diferença no cenário político atual. A violência contra as lideranças, principalmente indígenas e quilombolas tem sido negligenciada pelo poder público que não tem políticas de proteção a essa população. “Nesse contexto é perceptível que, em nome do Estado de Direito, a luta dos povos indígenas e movimentos sociais é descaracterizada, criminalizada e alvo da violência física e simbólica, que se institucionaliza.” (SCHWENDLER, 2015, p. 176). O Estado brasileiro ainda age em defesa dos interesses do agronegócio afetando a sobrevivência dos povos tradicionais.

Outro ponto que ajuda a contestar esse falso imaginário de isolamento das comunidades é através da educação, pois há relatos de professores e professoras quilombolas que faziam o ensino e alfabetização nesses espaços. A precarização e falta assistência desse trabalho não significa que ele não acontecia e acontece, mas sim que as Universidades e o Estado não o

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considerava nas suas diferentes formas de ser e existir em relação ao fazer pedagógico. “A condição de ser remanescente de quilombo gera, muitas vezes, concepções equivocadas a respeito do que é ser uma comunidade quilombola. ” (NUNES, 2006, p. 345) E o terceiro e mais incomodo fato que desmistifica o imaginário de isolamento é a atuação de políticos que, em momentos de eleição buscam visitar esses espaços para angariar votos, com promessas de melhoria de estradas e outras necessidades que as comunidades precisam. Então de que isolamento estamos falando? Ou estamos falando de uma tentativa de apagamento da história?

Por isso essa temática se faz de extrema importância dentro do ambiente escolar, promovendo o olhar crítico sobre o racismo que as comunidades ainda sofrem na tentativa do seu apagamento histórico. E como todos os espaços sociais, a escola também se encontra em constante disputa entre as ideologias que reforçam o epistemicidio dos pensamentos fronteiriços e as manobras de resistência e insubmissão.

Neste sentido, a escola deve oferecer à criança o acesso ao saber historicamente acumulado, como disputa de poder na forma de direito a trabalho, moradia e saúde; direito também de poder ressignificar o lugar de onde fala, onde vive, onde se corporifica a afirmação da sua cor de pele, da sua remanescência como lugares habitados com auto-estima, imagem positiva de si mesmo. (NUNES, 2006, p. 357)

Ao escrever sobre pedagogias insubmissas busco a provocação de pensar mudanças significativas nas estruturas físicas e nas práticas da rotina escolar. Essas alterações incluem a pratica diária como um calendário escolar inclusivo que atenda às demandas das comunidades. Pensar em transformações que podem ser através do cardápio das merendas com iniciativas de incluir alimentos que possam promover a soberania alimentar por meio da agroecologia, valorizando o cultivo de alimentos dos agricultores da própria comunidade, e pensando no bem viver dos alunos. Isso também significa pensar em mudanças profundas, como a conscientização dos envolvidos na comunidade escolar, para um projeto educacional emancipador.

Essas mudanças no ambiente escolar podem ser refletidas no convívio social, exigindo tempo de adaptação e assimilação de todos os envolvidos, mas principalmente precisam da colaboração e empatia dos agentes transformadores. Questões que não tem soluções práticas, pois criar empatia e

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solidariedade é um dos grandes problemas no nosso pais, principalmente quando esses movimentos estão ligados ao reconhecimento das injustiças históricas e na abdicação de privilégios. Nesse sentido:

Enquanto a dupla modernidade-colonialidade historicamente funcionou a partir de padrões de poder fundados na exclusão, negação e subordinação e controle dentro do sistema/mundo capitalista, hoje se esconde por trás de um discurso (neo) liberal multiculturalista. Desse modo, faz pensar que com o reconhecimento da diversidade e a promoção de sua inclusão, o projeto hegemônico de antes está dissolvido. No entanto, mais que desvanecer-se, a colonialidade do poder nos últimos anos esteve em pleno processo de reacomodação dentro dos desígnios globais ligados a projetos de neoliberalização e das necessidades do mercado; eis aí a “recolonialidade. (WALSH, 2009, p. 16)

Essa batalha no campo educacional tem se tornado mais tensionada quando as representações governamentais têm um projeto social que proporciona a subalternização dos sujeitos, e garante os privilégios das elites brasileiras. Se faz necessário problematizar essa tensão governamental com as comunidades sobre a demarcação territorial, que atinge diretamente a vida das pessoas que necessitam das suas terras demarcadas e tituladas para a garantia de qualidade de vida e o território é parte crucial da construção identitária dessas crianças, sendo assim é função social escolar fazer parte dessa reflexão.

É nesse momento que o movimento quilombola se faz de extrema necessidade para a defesa do território, ocupando espaços de poder e promovendo a pluralização do debate, tanto no âmbito governamental como nos espaços comunitários, quando traz as informações para as associações dentro das comunidades. Por isso falar de educação é também defender a atuação desses agentes transformadores e toda a luta que o movimento quilombola vem enfrentando para a garantia dos direitos básicos e principalmente por seus territórios.

2.1 - Movimento Quilombola Na Luta Pelo Território E Pela Educação

Andar quilômetros de distância em estradas sinuosas, a pé ou com alguma condução, pela noite a fora, na busca pelo conhecimento. Essa é a realidade de muitos jovens quilombolas, que ainda conciliam trabalho e estudos na busca por ampliar seus conhecimentos e que também veem ocupando espaços de mobilização com maior engajamento.

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A resistência desses estudantes me faz refletir sobre a importância da luta pelo conhecimento. Porque enfrentar tantas barreiras para estudar? Essas e outras questões que foram aparecendo durante a pesquisa desenvolvida também me motivaram a olhar não somente para a micro relação direta entre o estudante e a busca pela informação, mas pensar no macro efeito que ser um quilombola com formação educacional representa para as comunidades e para sociedade como um todo. Muitos desses jovens que buscam ingressar e dar continuidade nos estudos estão pensando no bem-estar e continuidade do seu modo tradicional, e esse ponto esbarra e chega na pergunta principal: seria o espaço educacional um lócus de fortalecimento dessas identidades?

A mobilização e organização na busca pela educação se dá num projeto muito maior que vem sendo planejado dentro dos movimentos sociais. Entendo que estabelecer relações com o governo, com as formas de legislar e julgar do Estado – e como ela se articula de forma imparcial – exige um certo domínio na linguagem que foi padronizada, menosprezando a linguagem de grupos sociais situados como “outros” onde o padrão é embranquecido e trabalha para o embranquecimento social onde “[...] as nossas vozes - graças ao racismo como sistema - tem sido sistematicamente desqualificadxs” (KILOMBA, 2016, p.4). Se torna produto do racismo o impedimento do acesso a tais linguagens, para que os privilégios sejam mantidos. Nesse sentido os movimentos quilombolas tem papel fundamental na mobilização e incentivo à luta pela democratização dos espaços, valorizando sua linguagem, suas cosmologias e sua territorialidade.

A década de 90 foi importante marco para a mobilização e articulação nacional da luta quilombola e por políticas públicas para a população negra do pais. A luta antirracista tomou grande proporção nos anos 90, a discussão sobre ocupar espaços decisórios estava novamente em diferentes âmbitos dos movimentos sociais. Foi em 1993 que atos como a Chacina da Candelária e Chacina do Vigário no Rio de Janeiro6 levantaram os protestos contra a violência a população negra e extermínio de jovens negros, pois em 1993 a quantidade de homicídios de jovens na faixa etária de 15 a 29 anos, foi de 15.417 mil jovens em todo o Brasil, segundo os dados do Ipea no Atlas da Violência. O cenário foi favorável para ações dos movimentos sociais, levantando a discussão dentro do

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parlamento sobre políticas públicas de assistências para populações mais afetadas pela desigualdade. O movimento negro além das denúncias sobre o racismo nesse período tem destaque “ [...] pela sua atuação na esfera jurídica, política, social e econômica via a cobrança da garantia de oportunidades e do direito a educação [...]” (GOMES, 2018, p. 50). O cenário mundial também estava voltado para as questões raciais quando o ganhador do prêmio Nobel da paz de 1993 Madiba – assim chamado pelo povo o líder político Nelson Mandela – trouxe com seu discurso de paz o fim do apartheid na África do Sul e, em 1994, se torna presidente do país, um marco importante para o movimento negro mundial que vislumbra através da educação a luta antirracista e ocupação dos espaços de poder, combate à violência racial e a reparação histórica em relação a escravidão.

Nesse mesmo período os conflitos entre Estado e movimentos sociais na disputa pela terra e reforma agraria se intensificavam sendo marcado “[...] por um processo intenso de criminalização dos movimentos sociais.” (SCHWENDLLER, 2015, p.156) e por conflitos violentos como o Massacre de Haximu onde garimpeiros mataram 12 indígenas Yanomâmis em Roraima e dos 5 acusados e condenados apenas 1 continua preso, ou como em 1995 o massacre de Corumbiara em Rondônia no qual 12 pessoas morreram em conflito entre policiais militares e os militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foram 64 feridos nesse conflito de desapropriação de terras. Esse era o cenário de 1995 quando também ocorreu a Marcha Zumbi dos Palmares, marco histórico do movimento negro brasileiro que se manifestava contra o racismo, em prol de políticas públicas para população negra, reparação histórica em relação aos remanescentes de escravizados, educação da história Afro-brasileira e o direito à titulação de terras para quilombolas.

O ato reuniu na esplanada em Brasília cerca de 30mil manifestantes que em coro clamavam por direitos e respeito. Depois da Marcha Zumbi dos Palmares muitos outros movimentos sociais passaram a olhar para a questão racial como importante para a restruturação da sociedade como os movimentos sindicais. A manifestação dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares abriu espaço para a articulação das comunidades quilombolas no “I Encontro Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas” organizando uma Comissão Nacional que em 1996 se torna oficialmente a Coordenação Nacional de

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Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombola – CONAQ que desde então tem como objetivos:

[...] lutar pela garantia de uso coletivo do território, pela implantação de projetos de desenvolvimento sustentável, pela implementação de políticas públicas levando em consideração a organização das comunidades de quilombo; por educação de qualidade e coerente com o modo de viver nos quilombos; o protagonismo e autonomia das mulheres quilombolas; pela permanência do (a) jovem no quilombo e acima de tudo pelo uso comum do Território, dos recursos naturais e pela vida em harmonia com o meio ambiente. (CONAQ, 2019, p. 2) A CONAQ ocupa um espaço importante dentro das negociações com o Estado e comunidades quilombolas pela titulação das terras. Essa movimentação que tem como objetivo comum a luta pelo território se intensifica justamente pela reconfiguração identitária do que é ser quilombola nos tempos atuais. A intencionalidade em reafirmar que as comunidades quilombolas são símbolo centenário de resistência e força à violência sofrida pela escravidão, contrapõe questões sobre o mito da democracia racial. Ao se afirmar como resistência obriga o Estado a reconhecer que existe uma dívida histórica a ser paga e reparação aos danos causados a essa população. São lutas desenvolvidas pelas comunidades que almejam a manutenção de seu modo de vida, suas tradições e crenças e suas reivindicações para o bem viver em sociedade. Sendo assim:

Essa contraposição cultural ao projeto hegemônico do Estado dialoga com a emergência da organização do movimento quilombola nos últimos anos no pais. O movimento quilombola, institucionalizado em âmbito nacional a partir de 1996, traz a retórica identitária como elemento central de suas reivindicações e do estabelecimento da coesão de grupo. A partir dessa identidade étnica, os quilombos construíram sua linha central de luta, que é defesa de seus territórios. (SOUZA, 2016, p. 29)

A construção de uma identidade coletiva e garantia pelo território traz diferentes lutas transversais para alcançar o objetivo em comum das comunidades, como a questão ambiental que é importante pauta do movimento quilombola e outros povos tradicionais que são drasticamente atingidos pela negligencia do poder público brasileiro, como os crimes cometidos pela mineradora Vale, controlada pela Samarco Mineração, que deixou centenas de mortos com o rompimento das barragens nas cidades mineiras de Mariana e Brumadinho em um intervalo de 5 anos, com a ameaça do rompimento de outras barragens administradas pelas mineradoras, fora o impacto ambiental irreversível que a lama causou para a fauna e flora. As tragédias em Minas

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Gerais só trouxeram em evidencia o risco que comunidades ribeirinhas e outros povos tradicionais vem enfrentando com a ampliação de barragens de minérios e hidrelétricas, as atividades minerárias representam a “[...] existência de uma série de ameaças latentes que podem incidir sobre esses territórios e populações caso o "negócio" da mineração continue a prosperar.” (KOMARCHESKI, 2019, p. 237). A luta contra as mineradoras e ao Neoextrativismo é pauta do MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens e do MOAB – Movimento dos Ameaçados por Barragens, que vem protagonizando a discussão e movimentação contra os impactos que esse modo de produção econômico vem causando ao meio ambiente.

O novo milênio carrega conquistas importantes para os movimentos sociais, essa mudança nos anos 2000, em especial para os movimentos negros, mostram que as políticas públicas para as comunidades ganharam mais força e destaque nos espaços públicos de poder:

A partir do terceiro milênio a luta do Movimento Negro adquire um outro tipo de visibilidade nacional e política e apresenta uma mudança na sua relação com a sociedade: a efetiva passagem da fase da denúncia para o momento de cobrança, intervenção no Estado e construção de políticas públicas de igualdade racial. (GOMES, 2017, p. 50)

Os movimentos sociais tiveram mais ações práticas se desenvolvendo em relação a educação com a alteração do texto da Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da educação com a Lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino da Cultura e História Afro brasileira no currículo escolar como tema transversal por todos as disciplinas, com ênfase na Educação Artística, Literatura e História. A pressão dos movimentos sociais, tanto dentro das instâncias de poder, mas principalmente nos espaços de articulação de base é que facilita o diálogo entre o modelo de governo representativo, é a partir da mediação – conflituosa ou não – dos movimentos sociais, Estado e sociedade civil que é possível atingir os objetivos que a população almeja. “Ele organiza e sistematiza saberes específicos construídos pela população negra ao longo da sua experiência social, cultural histórica política e coletiva”. (GOMES, 2017, p.42) E assim se deu o processo de organização das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola que contou com uma comissão de 9 mulheres para pensar a educação escolar quilombola:

[..] foi instituída uma comissão quilombola de assessoramento à comissão especial da Câmara de Educação Básica, formada por oito

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35 integrantes: quatro quilombolas indicados pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Edicélia Santos (Quilombo Bom Jesus da Lapa, BA), Laura Maria dos Santos (Quilombo Campinho da Independência, RJ), Maria Diva Rodrigues (Quilombo Conceição das Crioulas, PE), Maria Zélia de Oliveira (Quilombo Conceição das Crioulas, PE); uma pesquisadora da Educação Escolar Quilombola, Georgina Helena Lima Nunes (UFPEL); uma representante da SECADI/MEC, Maria Auxiliadora Lopes; e uma representante da SEPPIR/PR, Leonor Araújo. No processo, o CNE convidou também a Secretaria de Educação Básica do MEC (SEB/MEC) e a Fundação Cultural Palmares para compor o grupo, as quais foram representadas, respectivamente, por Sueli Teixeira Mello e Maria Isabel Rodrigues. (GOMES, 2012, p. 3)

Ressalto a importância de apontar as responsáveis por esse processo, uma comissão feminina, negra e quilombola, respeitando a representatividade e lugar de fala nos espaços decisórios e de poder, pois “Pensar lugar de fala seria romper com o silêncio instituído para quem foi subalternizado. ” (RIBEIRO, 2018, p. 89). Após reuniões e audiências públicas foi aprovada em 2012 as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola. Essas e outras mobilizações de cunho nacional só ganham força pela sua articulação nas bases. As associações das comunidades representam um papel importante nessa articulação. Todo o poder decisório das comunidades quilombolas passa pela organização e mobilização das associações, desde a organização da distribuição dos programas de desenvolvimento e assistência quanto a mobilização e organização de trabalhos em conjunto.

A associação tem um importante papel na organização escolar, através da carta de anuência, que dá as comunidades o poder de aceitação ou não, de um profissional que esteja atuando na comunidade. Esse aceite pode ser revogado caso a conduta dos profissionais não seja de acordo com os princípios e tradições da comunidade, ou que divergem dos objetivos estabelecidos previamente. Esse recurso é uma forma de garantir que o ensino da educação quilombola seja respeitado dentro das comunidades e aconteça de forma diferenciada para esses alunos de acordo com suas especificidades.

Em 2007 um estudo feito pelo INEP registrou cerca de 1.253 escolas em áreas de remanescentes de quilombos, com cerca de 151.782 matriculados nessas escolas. Esse número em 10 anos provavelmente teve um aumento significativo, principalmente depois de 2012 com a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola. É necessário que os movimentos de articulação em relação as comunidades estejam inseridos na

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