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Formação Identitária Dentro e Fora do Território Quilombola

5. EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA – NEGRITUDE,

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a escola, durante o mês de novembro as pinturas nas paredes eram de mulheres negras, e em uma das paredes estava ali pinturas e esculturas de vasos e outros artefatos africanos que algumas turmas haviam produzido. Isso ilustra que os espaços estão em constante mudanças, e que grandes mudanças levam tempo para ocorrer.

Já no Colégio E. Q. Diogo Ramos o espaço sempre foi muito convidativo e educador, as paredes da escola traziam marcas permanentes de representatividade, através de pinturas de Adinkras, ou de grafites realizados pelos próprios alunos trazendo mensagens sobre a escola. Em toda visita que eu realizava a escola tinha uma novidade no espaço, um novo desenho, uma nova informação no jornal mural da escola, algo que despertasse meu olhar, porém o que despertou o olhar da Secretária de educação foram as portas que pela ação do tempo estavam se deteriorando. Essa e outras dificuldades da estrutura da escola dificultavam a aprendizagem dos estudantes. As salas eram novas, mas como a obra ainda não havia sido finalizada muitas coisas funcionavam improvisadamente, como a iluminação. Algumas medidas provisórias podiam até apresentar risco para quem convivia naquele espaço, a falta de cortinas e de ventiladores dificultava as aulas nos dias de muito sol, e nos dias de chuva as quedas de energia eram frequentes. Esses empecilhos não impediram que a educação escolar quilombola ocorresse no colégio, porém se a estrutura física tivesse mais recursos financeiros para a finalização da obra e manutenção da escola com certeza a aprendizagem teria um rendimento maior.

As paredes e outros espaços nos contam como é a rotina escolar, a relação dos alunos com seu espaço e a relação dos professores com seu ambiente de trabalho, até mesmo quando nada está aparente há uma mensagem sendo disparada. A mensagem que carreguei desses dois campos é que somos nós quem transformamos o espaço, e se ele está em constante mutação que seja para ser mais representativo, mais educador, mais transgressor.

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A formação identitária traduz nosso modo de ser e estar, e é de grande importância para estabelecer as relações entre os diferentes grupos da sociedade, “Indica traços culturais que se expressam através de práticas lingüísticas, festivas, rituais, comportamentos alimentares e tradições populares referências civilizatórias que marcam a condição humana. ” (GOMES, 2005, p. 41) A nossa formação identitária revela aquilo que tempo de singular e coletivo num processo de construção continua. Para HALL (2014) as identidades precisam ser compreendidas como produções de locais e instituições históricas especificas, com discursos, práticas e estratégias especificas. Ele ainda complementa que quando as identidades emergem “[...] no interior do jogo de modalidades especificas de poder” (HALL, 2014, p.110) elas podem ser mais um produto de marcação da diferença reforçando as exclusões. As formações identitárias estão em constante disputa. Nesse sentido “Se a discussão sobre a identidade já é permeada de tanta complexidade e usos diversos, o que não dizer quando a ela somamos os adjetivos pessoal, social, étnica, negra, de gênero, juvenil, profissional, entre outros? ” (GOMES, 2005, p. 40) uma identidade que é construída coletivamente ao pertencer a um determinado grupo étnico racial e que carrega marcas históricas e sociais na sua trajetória individual ou em grupo. Uma história de inferiorização, onde os traços marcadamente identitários da população negra foram criminalizados e desumanizados por séculos, afetando a formação identitária das novas gerações. Complexos com sua imagem, traços fenotípicos, cor de pele e origem são os mais comuns dos efeitos que racismo causou na população negra, porém as marcas não evidentes como complexo de inferioridade, problemas com autoestima, síndrome do impostor, depressão, e outros transtornos que vem sendo gerados por experiências de violência racial são os problemas que a população negra tem trazido para o debate a partir de uma ressignificação da sua construção identitária. “A educação é uma referência concreta para alterar o quadro de desinformação da população brasileira no que se refere ao lugar insignificante a que os contextos afrobrasileiros têm sido relegados em quase todos os sistemas e níveis de ensino. ” (ANJOS, 2005, p. 176) e um importante espaço de acolhimento e construção de novas perspectivas sobre a própria imagem. O ambiente educacional pode potencializar as identidades fragilizadas e fortalecer a estima da população negra de diferentes maneiras. Mas:

100 Embora concordemos que a educação tanto familiar como escolar possa fortemente contribuir nesse combate, devemos aceitar que ninguém dispõe de fórmulas educativas prontas a aplicar na busca das soluções eficazes e duradouras contra os males causados pelo racismo na nossa sociedade. (MUNANGA, 2005, p. 18)

Para Gomes (2005) é necessária uma renovação do pensar pedagógico entre os educadores e os currículos escolares passam a ter um espaço de disputa maior dentro das escolas, em especifico por sujeitos sociais que pautam os movimentos e organizações coletivas abrindo um espaço para culturas silenciadas e negadas dentro das escolas. E um dos desafios desses sujeitos é a descolonização dos currículos. Se tratando da educação escolar quilombola é importante que haja um movimento de maior ruptura epistêmica nos espaços de formação acadêmicas para que se propague com maior alcance os ensinamentos dessa modalidade. A formação identitária dos educandos depende da formação teórica e identitárias de seus professores e professoras.

A escola precisa ser um espaço de acolhimento para as crianças quilombolas, onde a formação das suas identidades precisa ser fortalecida. Durante a pesquisa foi possível perceber uma grande diferença nessa categoria entre as duas escolas. Apesar da iniciativa e esforços da Escola M. C. Augusto Pires de Paula em promover uma educação escolar quilombola, ainda eram poucos os resultados favoráveis. A relação entre os educandos e entre os professores com crianças quilombolas era muito desigual em comparação com as crianças brancas. Mesmo depois das mudanças nas posturas políticas e estruturais, as mudanças nas relações pessoais e no currículo ou na tomada de decisões, ou na elaboração dos projetos e planejamentos ainda seguia uma lógica eurocêntrica de organização e hierarquização. Já o Colégio E. Q. Diogo Ramos nesse período de acompanhamento demostrava a intensa preocupação em fortalecer a identidade desses educandos, e prepara-los não somente para o vestibular, mas para as demandas das lutas quilombolas. O que em muito momentos exigia um resultando que nem todos os educandos iriam demonstrar pois cada ser é singular, e por mais compreensível que seja a importância da luta ao território e todo o seu engajamento, também é importante permitir que nesse momento os educandos sejam as crianças e adolescentes e que almejem outras possibilidades. A escola precisa ser um espaço de fortalecimento, e

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também um espaço de oportunidades. A seriedade e complexidade que o jogo jurídico racista demanda nas disputas territoriais não são facilmente compreendidos, é preciso tempo e preparo para compreender as artimanhas do poder político e judiciário que circunda as titulações de terras. As comunidades quilombolas vivem num contexto social onde as lutas não esperam, é preciso estar sempre em prontidão para se defender de ataques que podem surgir a qualquer espaço, e sofrem com a constante ameaça ao seu direito a terra. Mas a escola, diante desse contexto precisa ser um local de acolhimento e de fortalecimento, e que respeite o processo formativo dos educandos.

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