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Projeto Comunitário de Emancipação e Mobilização Social no Fortalecimento

3. COLÉGIO ESTADUAL QUILOMBOLA DIOGO RAMOS – JOÃO SURÁ/

3.3 Projeto Comunitário de Emancipação e Mobilização Social no Fortalecimento

A educação formal no colégio, a garantia de ensino público próximo da comunidade, a ampliação do conhecimento, a educação na comunidade João Surá faz parte de um projeto de emancipação e mobilização dos sujeitos. A transformação que a escola desde 2009 causa no espaço comunitário provoca a reflexão sobre a potência da unificação escola/comunidade. A escola nesse espaço representa o reconhecimento do Estado sobre o direito da comunidade a acesso a políticas públicas. Também representa a garantia de avanços para o diálogo sobre a titulação do território. A escola, quando combinada com os interesses da comunidade e com um projeto crítico sobre a realidade social das comunidades quilombolas na atualidade, representa um poderoso instrumento de articulação de forças e estratégias para a resistência no território. A escola também pode representar outro movimento:

62 Eu comecei a trabalhar aqui em 2017, antes eu morava em Iporanga estava tenho uma vida meio complicada lá, o que eu ganhava no mercado só dava para pagar a comida mesmo, ai eu comecei a fazer a faculdade em 2015 e depois abriu a oportunidade de eu dar aula aqui no colégio daí eu voltei de novo pra minha comunidade. (Roselaine da Silva Rosa, 2019)

A migração do campo para a cidade acontece individualmente ou de forma coletiva por diferentes motivos. Sair da comunidade em busca de melhores condições de vida é parte da realidade de muitos jovens que vão para cidade em busca de emprego e de estudo. A escola nesse espaço representa outras opções. É através do relato de outra professora que fica evidente que a aprendizagem não é única e exclusiva do estudante, mas que os professores também estão em constante processo de aprendizagem na escola:

[...] eu queria dar aula para aprender mesmo, também se apropriar desse conhecimento que eu achei que nunca ia conseguir mesmo estando na faculdade. Eu achava que ainda era pouco, ou que eu poderia dominar bem mais. Dando aula era uma possibilidade de ter acesso a uma estrutura ter acesso a uma biblioteca. Era assim que eu achava. (Carla Fernanda Pereira Galvão, 2019)

O espaço educacional é um propulsor de aprendizagens, de forma constante, possibilitando a afirmação das identidades dos sujeitos de forma emancipatória. Mas também pode exercer o papel contrário no processo de construção identitária. Repensar sobre essa potencialidade é fundamental na luta antirracista presente na educação escolar quilombola. A escola não pode ser somente um espaço para trocas de conhecimento, mas precisa ser um espaço formador de pensamento crítico:

Una reformulación y perspectiva que no llevan simplemente a poner el conocimiento en diálogo sino a adoptar un posicionamiento crítico sobre esos conocimientos ante los objetivos del proyecto de transformación. En estos proyectos vemos un pensamento crítico fronterizo y un posicionamiento [...]. (WALSH, 2007, p. 55)

Para haver um posicionamento é preciso também compreender quem são os sujeitos nesse espaço/tempo, o que representa ser uma professora quilombola exercendo sua função com propriedade de assuntos. A quem atinge essa identidade em evidencia. Quais são os efeitos que esse posicionamento vai causar na sociedade. Essas questões aparecem quando uma professora quilombola é questionada sobre o significado da educação escolar quilombola e a resposta que se tem é essa:

63 Porque quando se fala em quilombola você pensa em um coisa ruim, era vista como um coisa ruim, por exemplo eu nunca tive coragem de falar que morava em João Surá porque eu sofria demais com o preconceito. E hoje não, hoje eu tenho orgulho! Onde que você mora? Eu moro no Quilombo João Surá! Então isso é muito importante, a nossa escola a educação é uma luta uma conquista muito grande. Eu tenho orgulho! (Glasiele Matos de Andrade, 2019)

Com o processo de emancipação e empoderamento a professora passa até se auto afirmar com orgulho sobre sua identidade, que determina uma origem, um espaço e uma etnia vinculada a uma raça, se deve também com sua relação ao espaço educacional que ela leciona. Esse espaço de poder que é de difícil acesso para os quilombolas passa a ser ocupado em um processo paulatino e cheio de percalços, mas que vem com a intencionalidade de não retroceder a esses avanços em relação a ocupação dos espaços educacionais. A afirmação dessas identidades também está relacionada ao conhecimento sobre sua história que contribui para reafirmar a identidade de grupo a qual os sujeitos são pertencentes.

Você vai vendo que as crianças, a partir do momento que elas começam a conhecer a sua história, o potencial que têm, o que está em volta da sua comunidade, as diferenças que tem na sua comunidade com as coisas de fora, acaba se sentindo incluído nesse processo. Sente que “aqui é o meu espaço e eu vou lutar por ele”. A questão do PPP a gente percebe que está andando para o futuro. Você olha o passado como foi construído, e no processo atual como nós estamos, e acaba olhando para o futuro. Ainda está tímido, está devagar, mas a gente já está olhando lá na frente. Então nossas crianças também estão cunhando esse processo. Já tem até professor da comunidade, para quem não tinha nada! (Antonio Carlos Pereira de Andrade, 2019)

Imergindo na comunidade João Surá, no cotidiano do Colégio Estadual Quilombola Diogo Ramos, pude conhecer diferentes histórias de luta e resistência. Os professores que não são da comunidade são exemplo de resistência, quando deixam seus lares para ficar durante a semana inteira na comunidade sem desistir do oficio, mesmo não tendo a estabilidade na carreira pela falta de concursos públicos destinados às escolas quilombolas. A escolha desse grupo de permanecer na comunidade ao longo da semana, pela distância de suas casas e a dificuldade de transporte até a comunidade, facilita o ensino e proporciona maior afinidade com a educação quilombola, pois o território ensina. Durante o campo realizado esse grupo me acolheu na sua convivência

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acompanhei a rotina diária de trabalho e também os processos de elaboração de planejamentos e outras discussões dos projetos que desenvolviam em grupo.

Os jovens que trabalham arduamente e conciliam essa jornada dupla em busca de conhecimento também são exemplo de resistência. Muitos dos educandos precisam administrar a sua rotina na escola com as tarefas que desenvolvem fora dela, no auxílio das famílias. Esses educandos convivem com seus familiares diferentes situações de ameaças e opressões, de posseiros e grileiros, do Estado que age de forma performática quando opera de diferentes maneiras para se eximir das responsabilidades, como a promoção das políticas públicas de qualidade para a comunidade. “A explosão de resistências e, por conseguinte, de existências propõe posturas afirmativas [..]” (BORBA, 2013, p.141). A maior resistência que o espaço educacional da comunidade tem exercido é permanecer em funcionamento, contrapondo os projetos educacionais que limitam e enquadram os estudantes.

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4 ESCOLA MUNICIPAL AUGUSTO PIRES DE PAULA – PALMITAL DOS