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Gestão Escolar de Confronto – Relação Entre Secretaria de Educação e

5. EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA – NEGRITUDE,

5.1 Gestão Escolar de Confronto – Relação Entre Secretaria de Educação e

Durante a realização da pesquisa uma das relações que mais chamou a atenção foi com as direções e as secretarias de educação. A pesquisa ocorreu num momento de transição em ambas as escolas, no Colégio E. Q. Diogo Ramos estava no fim da gestão do Diretor Cassius Marcelus Cruz, enquanto que na Escola M. C. Augusto Pires de Paula uma nova gestão se iniciava com a diretora Marilei Ferreira Gonçalves. A maior semelhança entre as escolas se deu na tratativa das Secretarias de Educação, tanto a Municipal como a Estadual. As duas escolas apresentaram gestões que se comprometeram com o desenvolvimento de uma proposta educacional transformadora, e ao afirmar essa postura em espaços de poder enfrentaram maiores cobranças vindas do poder público. “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate.” (FREIRE, 1996, p.104). E no debate com o poder público as gestões se mostraram firmes em defender os interesses da comunidade escolar que nem sempre são os mesmos interesses do governo. Em momentos de tensão, acompanhados durante a pesquisa, foi notável as exigências em excesso vindas da Secretaria de Educação e os esforços das duas direções em manter diálogos pacíficos, ao mesmo tempo que se desdobravam para manter a autonomia das escolas.

Foram várias as visitas surpresas da Secretaria de Educação nas escolas. As equipes de fiscalização exigiam documentação, ou faziam vistorias na estrutura física. Em uma das visitas na Escola M. C. Augusto Pires de Paula a equipe da Secretaria de Educação do município exigiu que os professores

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mostrassem seus cadernos de planejamento pessoal das aulas, mesmo depois da coordenação pedagógica ter apresentado os planejamentos gerais dos professores. As equipes estavam buscando qualquer tipo de irregularidade nas escolas. Nesse sentido, Estado se mostra muito eficiente e participativo quando a intenção é a manutenção do controle. Mas quando a demanda é gerada pelas comunidades o Estado se exime, alegando falta de tempo para agenda de visitação, cortes de verba para transporte, a distância excessiva e outras tantas justificativas para não comparecer nas escolas a pedido da comunidade escolar. A presença das equipes das Secretarias de Educação nas escolas, na tentativa de intimidação das gestões que se mostraram insubmissas, abre a reflexão sobre o racismo institucional.

Se trata de escolas que além de atender uma modalidade de ensino especifica e historicamente discriminada, também conta com agentes educacionais que se posicionam contrários ao racismo institucional e que denunciam através de suas gestões e trabalhos pessoais as desigualdades cotidianas das comunidades quilombolas e outros povos tradicionais. Pessoas que exercem uma importante articulação política dentro das comunidades e que estão também a frente das gestões escolares. É possível destacar tal posicionamento combativo em menções anteriores desses pesquisadores, e que foram usados cuidadosamente como referencial teórico dessa pesquisa, por se tratar de textos de considerável potência argumentativa e conhecimento dos campos pesquisados.

As direções das duas escolas agem com grande engajamento na luta por uma educação transformadora e acreditam que a educação é uma das ferramentas para modificar o contexto atual de desigualdades e discriminações que os povos tradicionais, em especifico comunidades quilombolas vivenciam, pois “Historicamente as experiências escolares dessas comunidades têm sido marcadas pela dupla exclusão do sujeito do campo e sujeito negro. ” (CRUZ, 2012, p.109) evidenciando a ambiguidade que a escola apresenta para grupos subalternizados:

Deste modo, entendemos que as comunidades continuarão invisíveis, caso os municípios, as escolas, os professores, funcionários, alunos e as comunidades não construam coletivamente amplos debates, nos quais sejam consideradas a identidade dos povos e a organização para

95 mobilização social que incidam em transformações educacionais, que gerem novas políticas que atendam as lutas e resistências das comunidades tradicionais locais. (GONÇALVES, 2017 p.149)

As posturas das Secretarias de Educação demostram “A forma institucional do racismo, [...] que implica em práticas discriminatórias sistemáticas fomentadas pelo Estado ou com o seu apoio indireto. ” (GOMES, 2005, p. 51) e estão fortalecidas pelo anonimato do estado jurídico, onde as ações cometidas por uma determinada equipe de trabalho está sempre relacionada a decisões de outras equipes, de outros departamentos, respondendo a ordens de outros que recebem ordens de outros, e por fim a responsabilidade pelos atos discriminatórios se perdem pelos departamentos, ou são justificadas pelas ordens de algum superior. O fato é que quando responsabilizamos o Estado estamos responsabilizando todo aquele conjunto de sujeitos atuantes para a manutenção de um sistema opressor, na tentativa da modificação do comportamento do grupo, mas quando o Estado é acusado de proporcionar o racismo institucional logo esse mesmo sistema que se eximia encontra um único responsável para punir e culpabilizar. Por isso é necessária uma mudança radical e estrutural no sistema educacional, pois a manutenção do velho arranjo de gerencia contribui para a perpetuação de velhas práticas discriminatórias na ânsia de manter o controle social.

5.2 “Paredes Que Falam” – Sobre os Espaços Escolares e Representatividade Negra

A estrutura física de uma escola apresenta algumas características que socialmente facilitam a identificação desse espaço como as salas de aula com uma lousa e giz, carteiras e cadeiras, e outros elementos que por muito tempo configuravam uma escola. Porém surgiram com o passar do tempo diferentes modelos de escolas, com estruturas físicas diferenciadas e dinâmicas de ensino que não se comparam. As duas escolas pesquisadas tiveram seu projeto de construção marcados por uma visão que modernizasse o espaço educacional ao mesmo tempo que incorporasse a tradicionalidade local. Mas a essência do espaço escolar vai além dos projetos arquitetônicos no qual foram planejadas.

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Uma escola é feita por pessoas que ensinam e aprendem, de forma sistêmica e orgânica, nesse sentido a aprendizagem pode ocorrer dentro e fora da sala de aula, e que quando se está em um território que tem mais de 200 anos de existência a aprendizagem com certeza ganha muitas outras formas para além dos prédios escolares. A minha questão nesse item era como as duas escolas pesquisadas incorporaram a negritude de forma representativa no espaço escolar.

A educação tradicional foi utilizada como aparato de controle social, condicionando desde muito cedo os seres humanos a terem determinados comportamentos perante a sociedade, onde os professores tinham o papel de controlar seus alunos. Esse paradigma foi redefinido na medida que a busca e indagações sobre qualidade de aprendizagem apontavam para uma melhor eficácia quando o corpo e a mente estavam em harmonia em estado de felicidade. Sabemos que “O corpo é constituído, moldado e remoldado pela intersecção de uma variedade de práticas discursivas disciplinares. ” (HALL, 2014, p. 121) e de que maneira a educação vem pensando os corpos negros no espaço escolar? O corpo e a mente assimilam as informações que estão explicitas e as implícitas também, ainda que essa informação seja dissipada de maneira sutil é possível ter a percepção, mesmo que inconscientemente das mensagens. A construção identitária dessas crianças em formação é repleta de informações sendo disparadas para seus corpos. Que mensagens o espaço escolar que não apresenta em suas salas de aula nenhuma forma de representatividade da população negra vai disparar aos corpos negros que ali frequentam? Qual a mensagem oculta que as paredes vazias de uma escola dizem para crianças e adultos num ambiente que tem em sua função social a criação? “Podemos considerar que os primeiros julgamentos raciais apresentados pelas crianças são frutos do seu contato com o mundo adulto.” (GOMES, 2005, p. 55) Se o mundo adulto só apresenta a subalternização dos corpo negros e a supremacia dos corpos brancos, esse julgamento desde muito cedo está submetido as amarras do racismo, se esse mundo adulto não apresenta nenhuma visão sobre os corpos negros há também um favorecimento do imaginário racista da invisibilidade ou inexistência do negro ou da negra. Então é importante que o mundo adulto, ou o mundo no qual os adultos planejam

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e apresentam para as crianças seja representativo, para que deixemos de corroborar com os mecanismos do racismo. É importante salientar que:

O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa apenas aos alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras ascendências étnicas, principalmente branca, pois ao receber uma educação envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas afetadas. Além disso, essa memória não pertence somente aos negros. (MUNANGA, 2005, p. 17) Nesse sentido pude perceber nas escolas pesquisadas que o espaço escolar nos conta histórias muito antigas sem precisar de palavras para serem ditas. Na Escola M. C. Augusto Pires de Paula em poucas caminhadas que realizei pelo espaço da escola pude me conectar com arvores que os primeiros trabalhadores da escola plantaram, com a histórias da formação da escola, por exemplo, na escola tem uma escada que dá direto para um muro, eu me questionava no início sobre quem teria a ideia de construir uma escada sem utilidade, foi só depois de investigar sobre a construção da escola que descobri que a escada era a antiga entrada, e que com o passar dos anos e a ampliação do espaço foi necessário construir ali um muro, essa conversa deu início a outras histórias sobre a criação da escola e como as coisas eram na década de 80. As histórias ainda se mantem de certa maneira viva só esperando que seja contada.

A representatividade também foi se mostrando presente ao longo da pesquisa, ainda de maneira tímida. No início do ano, nas primeiras visitas as paredes estavam vazias, haviam espaços destinados para o registro de atividades, mas não estavam preenchidas, com o passar do ano letivo foi possível acompanhar o preenchimento daqueles espaços, não somente com cartazes informativos, mas com elementos culturais das comunidades que estão presentes na escola. Em momentos comemorativos estavam presentes ali de forma decorativa elementos como a Mão de Pilão, os cestos, alimentos da agricultura familiar e outros objetos que carregam valores históricos dos povos do campo. Me lembro que na primeira visita realizada na escola havia na parede de uma das salas de aula desenhos de vasos e outras esculturas, por um segundo me alegrei pensando que poderiam ser os registros de artefatos africanos ou da cultura quilombola, porém eram referentes a história da Grécia antiga, naquele momento muitas expectativas que eu tinha criado sobre uma escola que atendia quilombolas haviam se frustrado. Na última visita que realizei

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a escola, durante o mês de novembro as pinturas nas paredes eram de mulheres negras, e em uma das paredes estava ali pinturas e esculturas de vasos e outros artefatos africanos que algumas turmas haviam produzido. Isso ilustra que os espaços estão em constante mudanças, e que grandes mudanças levam tempo para ocorrer.

Já no Colégio E. Q. Diogo Ramos o espaço sempre foi muito convidativo e educador, as paredes da escola traziam marcas permanentes de representatividade, através de pinturas de Adinkras, ou de grafites realizados pelos próprios alunos trazendo mensagens sobre a escola. Em toda visita que eu realizava a escola tinha uma novidade no espaço, um novo desenho, uma nova informação no jornal mural da escola, algo que despertasse meu olhar, porém o que despertou o olhar da Secretária de educação foram as portas que pela ação do tempo estavam se deteriorando. Essa e outras dificuldades da estrutura da escola dificultavam a aprendizagem dos estudantes. As salas eram novas, mas como a obra ainda não havia sido finalizada muitas coisas funcionavam improvisadamente, como a iluminação. Algumas medidas provisórias podiam até apresentar risco para quem convivia naquele espaço, a falta de cortinas e de ventiladores dificultava as aulas nos dias de muito sol, e nos dias de chuva as quedas de energia eram frequentes. Esses empecilhos não impediram que a educação escolar quilombola ocorresse no colégio, porém se a estrutura física tivesse mais recursos financeiros para a finalização da obra e manutenção da escola com certeza a aprendizagem teria um rendimento maior.

As paredes e outros espaços nos contam como é a rotina escolar, a relação dos alunos com seu espaço e a relação dos professores com seu ambiente de trabalho, até mesmo quando nada está aparente há uma mensagem sendo disparada. A mensagem que carreguei desses dois campos é que somos nós quem transformamos o espaço, e se ele está em constante mutação que seja para ser mais representativo, mais educador, mais transgressor.

5.3 Formação Identitária Dentro e Fora do Território Quilombola