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Os estados e a necessidade de um tribunal no Brasil

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

RODRIGO UCHÔA DE PAULA

OS ESTADOS CONSTITUCIONAIS E A NECESSIDADE DE UM TRIBUNAL CONSTITUCIONAL NO BRASIL

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OS ESTADOS CONSTITUCIONAIS E A NECESSIDADE DE UM TRIBUNAL CONSTITUCIONAL NO BRASIL

Tese apresentada ao programa de Pós-Graduação stricto sensu (Doutorado) em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Direito, (Ordem Jurídica Constitucional). Área de concentração: Participação Política no Estado Democrático.

Orientadora: Prof. Dra. Denise Lucena Cavalcante.

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CONSTITUCIONAL NO BRASIL

Tese apresentada ao programa de Pós-Graduação stricto sensu (Doutorado) em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Direito, (Ordem Jurídica Constitucional). Área de concentração: Participação Política no Estado Democrático.

Aprovada em ____/_____/______

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________ Professora Doutora Denise Lucena Cavalcante (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_____________________________________________________ Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_____________________________________________________ Prof. Dr. Martônio Mont´Alverne Barreto Lima

Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

_____________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Roberto Martins Rodrigues

Faculdade Farias Brito (FFB)

_____________________________________________________ Prof. Dr. André Studart Leitão

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Desculpo-me logo por saber que serei injusto por não mencionar a todos os que me ajudaram, torceram ou rezaram pela aprovação desta empreitada, mas farei uma tentativa que, longe de ser adequada, terá a virtude de ser sincera.

De início, muitíssimo obrigado a minha orientadora, Professora Denise Lucena. Na fase mais difícil da minha vida sua tranquilidade me serviu de exemplo e me tornou mais determinado. Agradeço aos demais membros da banca. Ao meu amigo e guru Martônio, que sempre foi coerente e tentou me ensinar Marx et caverva, mas nunca consegui aprender. Ao meu coorientador, a lenda1 Carlos

Roberto Martins Rodrigues, que tentou me ensinar até o que não posso mais aprender.2 Ao meu amigo genial, Hugo Segundo, o melhor da minha geração no

País. Ao meu brilhante amigo André Studart. Impressionante seus conhecimentos sobre Direito Previdenciário.

Aos meus pais, por toda a enorme paciência e carinho em cuidar dos meus filhos que nasceram no período do meu Doutoramento (e que não entenderam nada). Aos meus irmãos, Betinho e Rick, sempre na torcida pelo meu melhor.

Ao Professor Tales Montano de Sá Cavalcante, por seu apoio entusiasmado as minhas pesquisas. Ao Professor Genuíno Sales, que me salvou na minha juventude, quando o mestre decidiu por mim que eu deveria fazer Direito, e eu não sabia disso ainda.

À Desembargadora Iracema Vale, com quem tive a honra de trabalhar e aprender com ela durante oito anos, tanto no Tribunal de Justiça quanto no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. O carinho que sinto por ela é imenso e sem palavras.

1 No Estado do Ceará, no campo do ensino e da liderança, há pelo menos duas lendas: Genuíno

Sales, mestre dos mestres; além de Carlos Roberto Martins Rodrigues, a lenda da advocacia, por ter sempre me tratado como amigo e igual, apesar de eu ser, de ambos, discípulo!

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quiserem.

Aos meus melhores amigos, irmãos que a vida me proporcionou, Adriano Pessoa da Costa e José Carlos Pompeu Filho (meu compadre).1 Ao querido casal

Hélio e Christiane Leitão, responsáveis, por via indireta, em iniciar o meu namoro com minha atual esposa, ainda no ano de 2001...

À Professora Linda Gondim, que tão bem me acolheu quando fui seu aluno-ouvinte em suas turmas no Doutorado em Sociologia da UFC. Foi uma fase fantástica, em que me inseri num mundo novo e que achava que conhecia.

Claro, valeu membros do SIAGECA! Vocês sabem pouco, mas nem imaginam o quanto me ajudaram. Apesar do bullying, e também por ele, participaram desta pesquisa. São todos corporativistas e egocêntricos, mas meus amigos do coração.

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Esta tese é uma análise descritiva, empírica, ontológica, epistemológica e comparativa de vários órgãos estatais previstos na Constituição Brasileira Federal de 1988 (doravante CF/88 ou CR1), principalmente do Supremo Tribunal Federal. A

partir de tais elementos critica-se o papel, de lege lata ou lege ferenda desses entes, comparando-os com institutos equivalentes ou similares previstos nas constituições de outros países.

Procurou-se observar, na metodologia adotada nesta tese, por uma questão de padronização, as normas preconizadas pela ABNT e suas siglas e, de modo complementar, ao Guia de Normalização de Trabalhos Acadêmicos da Universidade Federal do Ceará, disponibilizado no sítio eletrônico da biblioteca da UFC. Contudo há várias siglas que fui obrigado a adotar, por invenção e arbítrio do STF.

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O Supremo Tribunal Federal não é o órgão estatal mais adequado ao exercício do controle de constitucionalidade abstrato, por não ser a instituição mais compatível ao regime democrático. Há enormes diferenças, e a Constituição Federal de 1988 não permite, explícita ou implicitamente, que tal atribuição, de forma difusa ou concentrada, possa ser remotamente confundida com o ato de legislar. Para isso será realizada uma investigação histórica do desenvolvimento, no Brasil e no Ocidente, dos Estados Constitucionais. Após será defendido que no Estado Democrático de Direito brasileiro, além de um conceito mais atual de democracia e de democracia participativa no âmbito do controle de constitucionalidade, não é mais suficiente a teoria da tripartição dos Poderes, e sim um princípio de pluralidade dos poderes. O presente trabalho investiga a mútua interferência entre processo, Constituição, Estado e Democracia, especialmente no tocante ao controle de constitucionalidade no Direito brasileiro, a fim de evidenciar que a jurisdição constitucional é, ao mesmo tempo, uma atividade jurídica e política. Esta tese comprovará que a “judicialização da política” é um processo existente há um bom tempo, e que só aumentará. Sem prescindir da experiência histórica e do exame das várias teorias acerca da legitimidade da jurisdição constitucional, conclui-se que um Tribunal Constitucional, como órgão não integrante do Judiciário, mas sim como um outro “Poder” do Estado, permitirá a participação do maior número possível de pessoas por meio do processo, na atual sociedade aberta.

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The Supreme Court is not the state institution most suited to exercising abstract control of constitutionality, not to be the most consistent democratic system. There are huge differences, and the Federal Constitution of 1988 does not, explicitly or implicitly, that such assignment, diffuse or concentrated form, can be remotely confused with the act of legislating. For this historical investigation of the development will be held in Brazil and in the West, the Constitutional States. After it will be argued that in a democratic state of Brazilian law, in addition to a more current concept of democracy and participatory democracy in the context of judicial review, is not enough the theory of tripartition of powers, but a plurality of principle of powers. This work investigates the mutual interference between process, Constitution, State and Democracy, especially with regard to judicial review under Brazilian law, in order to evidence that the constitutional jurisdiction is at the same time, a legal and political activity. This thesis will prove that the "judicialization of politics" is an existing process for a long time, and that will only increase. Without giving up the historical experience and examining the various theories about the legitimacy of constitutional jurisdiction, it is concluded that a Constitutional Court, as a body not part of the judiciary, but as another "power" of the state, will allow the participation of the greatest number can people through the process, the current open society.

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La Cour Suprême c´est ne pas l'agence d'Etat le plus adapté à l'exercice de contrôle abstrait de la constitutionnalité, de ne pas prendre des dispositions les plus cohérentes démocratiques. Il y a différences énormes, et la Constitution Fédérale brésilienne de 1988 ne constitue pas, explicitement ou implicitement, que la cession, la forme diffuse ou concentrée, peut être à distance confondu avec l'acte de légiférer. Pour cette enquête historique du développement se tiendra au Brésil et dans l'Ouest, les États Constitutionnelles. Après il sera soutenu que dans un état de droit démocratique brésilien, en plus d'une conception de la démocratie et de la démocratie participative dans le cadre d'un contrôle judiciaire plus de courant, ne suffit pas la théorie de la tripartition des pouvoirs, mais une pluralité de principe des pouvoirs. Ce travail étudie l'interférence mutuelle entre les processus, la Constitution, l'Etat et la démocratie, notamment en matière de contrôle judiciaire en vertu de la loi brésilienne, afin de démontrer que la compétence constitutionnelle est en même temps, une activité juridique et politique. Cette thèse se révélera que la «judiciarisation de la politique» est un processus existant depuis longtemps, et que ne fera qu'augmenter. Sans renoncer à l'expérience historique et d'examiner les différentes théories sur la légitimité de la compétence constitutionnelle, il est conclu que la Cour Constitutionnelle, en tant qu'organe ne fait pas partie du pouvoir judiciaire, mais comme une autre «puissance» de l'Etat, va permettre la participation du plus grand nombre Puis les gens à travers le processus, la société ouverte actuelle.

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Der Oberste Gerichtshof ist nicht die staatliche Agentur am besten zu abstrakten Kontrolle der Verfassungsmäßigkeit der Ausübung, nicht die konsequenteste demokratische Regelungen zu sein. Es gibt große Unterschiede, und die Bundesverfassung von 1988 nicht, explizit oder implizit, dass eine solche Zuordnung, diffus oder konzentrierter form kann mit dem Akt der Gesetzgebung der Ferne zu verwechseln. Für diese historische Untersuchung der Entwicklung in Brasilien und im Westen stattfinden wird, den Verfassungsstaaten. Nachdem es wird argumentiert, dass in einem demokratischen Staat des brasilianischen Recht, zusätzlich zu einem aktuelleren Konzept der Demokratie und der partizipativen Demokratie im Rahmen der gerichtlichen Kontrolle ist nicht genug, um die Theorie der tripartition der Kräfte, sondern eine Vielzahl von Prinzip der Kräfte. Diese Arbeit untersucht die gegenseitige Beeinflussung zwischen Prozess, Verfassung, Staat und Demokratie, vor allem im Hinblick auf die gerichtliche Überprüfung nach brasilianischem Recht, um zu belegen, dass die Verfassungsgerichtsbarkeit in der gleichen Zeit ist, eine rechtliche und politische Aktivität. Diese These wird beweisen, dass die "Verrechtlichung der Politik" ist ein bestehender Prozess für eine lange Zeit, und das wird nur erhöhen. Ohne Angabe der historischen Erfahrung und der Prüfung der verschiedenen Theorien über die Legitimität der Verfassungsgerichtsbarkeit auf, wird der Schluss gezogen, dass ein Verfassungsgericht, als Körper nicht Teil der Justiz, sondern als eine andere "Macht" des Staates, wird die Beteiligung der größten Zahl erlauben Menschen können durch den Prozess, der aktuelle offene Gesellschaft.

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ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas ACO Ação Cível Originária

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade ADIn Ação Direta de Inconstitucionalidade ADC Ação Declaratória de Constitucionalidade

ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADO Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão AO Ação Originária

ARE Agravo em Recurso Extraordinário AREsp Agravo em Recurso Especial art. Artigo

BVG BundesVerfassungsGericht (Tribunal Constitucional Federal) CNJ Conselho Nacional de Justiça

CJF Conselho da Justiça Federal

CPI Comissão Parlamentar de Inquérito. CPC Código de Processo Civil

CF Constituição Federal

CF/34 Constituição Federal de 1934 CF/37 Constituição Federal de 1937 CF/46 Constituição Federal de 1946 CF/67 Constituição Federal de 1967 CF/88 Constituição Federal de 1988

CR/91 Constituição da República do Brasil de 1891 DJ Diário de Justiça

DJE Diário de Justiça Eletrônico DJU Diário de Justiça da União EC Emenda Constitucional

GG (GrundGesetz) – Lei Fundamental (Constituição da República da Alemanha) ou Carta Fundamental de Bonn de 1949

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Min. Ministro

MP Ministério Público ou Medida Provisória (a depender do contexto) MS Mandado de Segurança

OAB Ordem dos Advogados do Brasil Publ. Publicado ou publicação

RE Recurso Extraordinário REsp Recurso Especial Rel. Relator

RDA Revista de Direito Administrativo RT Revista dos Tribunais

RTJ Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça TC Tribunal Constitucional

TCF Tribunal Constitucional da República da Alemanha (v. BVG). TCE Tribunal de Contas do Estado

TCM Tribunal de Contas dos Municípios TCU Tribunal de Contas da União TSE Tribunal Superior Eleitoral UFC Universidade Federal do Ceará Un. Unânime

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...18

2 DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ...25

2.1 A importância do estudo dos “Estados” de Direito...25

2.2 O Estado Liberal de Direito. Prestígio do poder legislativo...26

2.2.1 Origens históricas. O anterior Estado “absolutista” (ou de polícia)...26

2.2.2 Características...28

2.2.3 Consequências do Estado Liberal de Direito...34

2.3 O Estado Social de Direito. Ápice do Executivo...37

2.3.1 Origens ...37

2.3.2 Características. Os direitos sociais. Normas programáticas. Arbítrio do Executivo...40

2.3.3 Consequências do Estado Social de Direito...45

2.4 Atual Estado Democrático de Direito. Fastígio do poder judiciário?...47

2.4.1 Origens ...47

2.4.2 Características...48

2.4.3 Sobre a Democracia Participativa ...54

2.5 Os direitos fundamentais de quarta geração. Caracterização...56

2.6 Os direitos fundamentais de quarta geração são fatores de legitimação das decisões do Poder Judiciário que envolvam princípios constitucionais...57

3 A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E SUA INTERAÇÃO COM O PROCESSO ...63

3.1 Política e Direito...63

3.1.1 Direito, Política e Poder: uma intersecção necessária...63

3.2 Constituição e Política. Institutos interdependentes...66

3.2.1 A teoria de Alexis de Tocqueville...68

3.2.2 A teoria de Kelsen ...69

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3.4 O conceito adotado nesta tese para o termo democracia...78

3.5 Democracia “Participativa”. Como deve ser entendida...83

3.6 Democracia participativa e processo...87

4 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DEMOCRACIA ...91

4.1 Retorno ao tópico “Direito e Poder” sobre outra ótica. Análise da opção inicial da doutrina e jurisprudência do que seriam “questões políticas”...92

4.2 A consequência da jurisdição constitucional é a “judicialização da política”...100

4.2.1 “CPI dos Bingos” ...102

4.3 O impeachment da Presidente afastada Dilma Roussef...108

4.4 Críticas à “judicialização da política”. Falta de legitimidade do Judiciário, principalmente do STF...112

5 O PRINCÍPIO DA PLURALIDADE DOS PODERES...120

5.1 Explicações Preliminares. Errônea utilização do termo “separação de poderes”. Análise do artigo 2º da Constituição Federal brasileira...120

5.2 As origens – doutrinária e histórica – da “separação dos Poderes”...123

5.2.1 A contribuição de John Locke...124

5.2.2 A doutrina de Charles de Secondat...126

5.3 As funções “típicas” e “atípicas”. A doutrina dos “freios e contrapesos”....129

5.4 O evolver do princípio. Da tripartição para o princípio da pluralidade de poderes....132

5.5 Na Constituição Brasileira de 1988, existência de mais “dois” Poderes: O Ministério Público e os Tribunais de Contas...138

5.5.1 O Ministério Público. Estrutura constitucional...138

5.5.2 Os Tribunais de Contas ...142

5.5.3 Conclusões parciais...146

6 A NECESSIDADE DE UM TRIBUNAL CONSTITUCIONAL NO BRASIL ...149

6.1 Breve histórico da jurisdição constitucional – controle difuso e concentrado...149

6.2 Jurisdição constitucional nos EUA: método incidental...150

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6.4 Crítica ao sistema brasileiro: de 1988 a 2004. Progressivo aumento do controle concentrado em detrimento do controle incidental. Consequente aumento e concentração do poder ao STF...159

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1 INTRODUÇÃO

Esta tese de Doutorado apresenta o resultado de uma vasta pesquisa e exposição acerca da necessidade de criação de um Tribunal Constitucional para o Brasil, em substituição ao Supremo Tribunal Federal, mas com características próprias, concernentes à sua competência e estrutura (composição de seus integrantes).

Realizou-se uma análise descritiva, empírica, ontológica, epistemológica, histórica e comparativa de vários órgãos estatais previstos na Constituição Brasileira Federal de 1988 (CF/88 ou CF1), principalmente do Supremo Tribunal Federal. A

partir de tais elementos critica-se o papel, de lege lata ou lege ferenda desses entes, comparando-os com institutos equivalentes ou similares previstos nas constituições de outros países. Procura-se aqui expor o resultado de pesquisas com base na investigação e análise de processos já julgados pelo STF (principalmente), processos que ainda não foram julgados,2 além de uma comparação com a doutrina

nacional e estrangeira. O tema deriva da noção de jurisdição constitucional, de quem deve exercê-la com a maior autoridade (mas não exclusiva), e da evolução histórica, brasileira e ocidental, dos “Estados Constitucionais”, que originaram a expressão.

Descritiva a tese, pois em inúmeros momentos serão transcritos ou parafraseados dispositivos da CF/88, doutrina e precedentes dos principais tribunais da Federação Brasileira, principalmente do Supremo Tribunal Federal3 (STF), órgão

1Ver Seção desta tese “Siglas, Abreviaturas e Símbolos”.

2 Aqui serão mencionados inúmeros processos em que o STF, há vários anos, não julga tais causas,

apesar de existirem enormes repercussões financeiras, em questões envolvendo interesses da magistratura e em que, por pedidos de vistas dos autos por alguns ministros, fica o processo paralisado. Decisões a beneficiarem o Judiciário ou o Ministério Público como um todo, mesmo em processos que, em tese, não deveriam ter efeitos erga omnes! Nesse sentido, apenas à guisa de exemplos, um acompanhamento processual no sítio eletrônico do STF poderá ser muito útil (<www.stf.jus.br>): AO 1773; ADI 4393; ADI 3854. Do CNJ, ver Resolução nº 13/2006; Res. 102/2009; Res. 133/2011 (objeto das ADI nº 4822 e ACO 1924). Do Conselho da Justiça Federal, Resolução CJF nº 341/2015.

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máximo do Judiciário do Brasil. Empírico, porque serão mencionados casos, muitos deles considerados simbólicos4 ou emblemáticos na jurisprudência do STF, e irá se

proceder sua análise crítica.

Ontológica a tese no sentido kantiano e heideggeriano5, mas não em sua

acepção numenológica6 e sim referente à análise fenomenológica, quanto à prática

e/ou o (mau) funcionamento das instituições a serem estudadas. 7

Mas, principalmente, procura-se correlacionar as lições da História a esta tese. Apesar da convicção de que não ocorrem repetições históricas, sua ignorância sempre, em todas as situações, acarreta erros trágicos, principalmente quando se tratam de instituições, que ao fim e ao cabo lidarão com quem menos pode se defender perante o Estado, que é o indivíduo, o ser humano. Ao longo da História, não existiram nem existirão países, estados ou instituições vítimas ou vitimadas. Vítimas foram, são e serão sempre as pessoas, físicas ou jurídicas, quando ocorre o arbítrio, o abuso de poder, ou sua versão um pouco mais sofisticada, o corporativismo institucional, chaga universal e cada vez mais enraizada no Brasil, e

4 Sobre simbolismo, sistema simbólicos e sua influência sobre o Estado, segundo Pierre Bourdieu

(2010, p. 9): “Os ‘sistemas simbólicos’, como instrumentos de conhecimento e de comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados. O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supõe aquilo a que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, ‘uma concepção homogénea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências’”.

5 Para Heidegger (2013, p. 8), a “ontologia moderna não é uma disciplina isolada, mas mantém uma

peculiar imbricação com aquilo que se compreende por fenomenologia em sentido estrito. Somente com a fenomenologia surge um conceito adequado para a investigação”.

6 Numenológico é termo da epistemologia e da filosofia do conhecimento derivada da palavra

númeno, expressão muito utilizada na filosofia alemã e, que segundo a definição do Dicionário Houaiss, significa, “no kantismo, a realidade tal como existe em si mesma, de forma independente da perspectiva necessariamente parcial em que se dá todo o conhecimento humano; coisa em si, nômeno, noúmeno [Embora possa ser meramente pensado, por definição é um objeto incognoscível.] p.opos. a fenômeno”. Para Kant (2012, p. 503-504), em sua opus magnum, “o entendimento constitui um objeto para a razão do mesmo modo como a sensibilidade para o entendimento. Tornar sistemática a unidade de todas as possíveis ações empíricas do entendimento é um trabalho da razão, do mesmo modo como o entendimento conecta o diverso dos fenômenos através de conceitos e o coloca sob leis empíricas. Sem os esquemas da sensibilidade, contudo, as ações do entendimento são indeterminadas; do mesmo modo, a unidade da razão também é em si mesma indeterminada no que diz respeito às condições sob as quais o entendimento deve ligar sistematicamente os seus conceitos, e ao ponto até o qual deve fazê-lo”.

7 Do ponto de vista fenomenológico, ou quanto ao funcionamento das instituições, ou quanto ao seu

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que sempre preda o Erário. O destaque ao direito constitucional é evidente, na medida em que se trata de um estudo estrutural de todo e qualquer estado, e de suas intrínsecas relações de poder.

Será feita a análise histórica de desenvolvimento dos direitos fundamentais, da primeira geração à quarta, na acepção de Paulo Bonavides (1997), como tais o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo, mecanismos primordiais para assegurar todos os direitos fundamentais da pessoa humana. Esta que deve ser a verdadeira “globalização” dos direitos. Nesse prol, entende Bonavides (1997, p.525) que:

Já, na democracia globalizada, o Homem configura a presença moral da cidadania. Ele é a constante axiológica, o centro de gravidade, a corrente de convergência de todos os interesses do sistema. Nessa democracia, a fiscalização de constitucionalidade daqueles direitos enunciados – direitos, conforme foi visto, de quatro dimensões distintas – será obra do cidadão legitimado, perante uma instância constitucional suprema, à propositura da ação de controle, sempre em moldes compatíveis com a índole e o exercício da democracia direta.

Após as revoluções liberais, surgiram os direitos fundamentais de primeira geração a saber, os direitos civis e políticos, fase esta (Estado Liberal de Direito) de prestígio do Poder Legislativo. Com sua derrocada, em virtude do fosso criado entre Estado e Sociedade, surgiu o denominado Estado Social de Direito, com os direitos fundamentais de segunda geração, a saber, direitos sociais, que se caracterizavam por ser direitos prestacionais, vale dizer, que exigiam um fazer por parte do Estado. Daí seu corolário de fastígio do Poder Executivo. O Estado Social, porém, se compadeceu com regimes políticos antagônicos, como sejam a democracia, o fascismo e o nacional-socialismo, como muito bem lembrou Paulo Bonavides (1983), em seu clássico Do Estado Liberal ao Estado Social.

A atual fase é a do Estado Democrático de Direito, sendo este termo, inclusive, a fórmula política8 do Estado brasileiro. Fase pós-positivista,

caracteriza-se, dentre outras coisas, pela reformulação da Teoria da Norma Jurídica, onde a

8 Por fórmula política aqui denominamos “a expressão ideológica que organiza a convivência política

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Norma Jurídica é gênero, dos quais os princípios jurídicos (onde sua ambiência natural será o texto constitucional) e as regras são suas espécies. Surgem neste contexto os direitos fundamentais de terceira geração (direitos difusos, vale dizer, o próprio gênero humano) e, mais recentemente, os direitos fundamentais de quarta geração, já citados.

Assim, os princípios constitucionais, ante a nova ordem constitucional, enquanto normas definidoras de direitos fundamentais assumem relevantes funções na atividade de aplicação do Direito, especialmente no exercício da Jurisdição, quer orientando a interpretação, quer servindo como elemento de integração do ordenamento jurídico, ou ainda, e principalmente, revogando as regras jurídicas a eles contrárias, mediante o controle de constitucionalidade.

Demonstrar-se-á também que as esferas de poder, quanto mais plurais e submetidas à Constituição, aumentam o grau de legitimidade de suas atuações (=competências), e propiciam uma maior estabilidade ao próprio sistema político estatal. Por exemplo, na história recente das instituições brasileiras, a conhecida (como divulgada na grande mídia) “operação lava jato”, o julgamento da Ação Penal n. 470 no Supremo Tribunal Federal (chamado na mídia de “mensalão”), além do impeachment do ex-presidente Fernando Collor e seu julgamento no STF, com suas atuações em múltiplos órgãos (Ministério Público, Tribunais de Contas, Judiciário), aumentaram o grau democrático das instituições do Brasil.

Nesta tese, contudo, não irá se detalhar as “funções” típicas e atípicas de cada “poder”, até porque encontradiço em qualquer manual de direito constitucional. O que irá se enfatizar é qual a razão de ser de tal princípio, porque ele foi idealizado e permanece até hoje.

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Constituição Federal de 1988 que versam sobre os “poderes”, procurando ampliá-los numa perspectiva funcional e ontológica.

Necessário, contudo, antes de ingressar em uma comparação normativa de outras instituições inseridas dentre os “poderes”, cotejar os termos política, direito, poder, legitimidade e representatividade. Seu núcleo, que será desenvolvido em tópico próprio, é que o termo representatividade não conecta exclusivamente com cargos eletivos (=eleição), mas, principalmente, com sua submissão ao texto constitucional, o que aumenta seu grau de legitimidade. Tão somente ligar a noção de representatividade com o de eletividade é uma limitação, insuficiente, fetichista e conservadora (como bem explicam Mangabeira Unger (2004) e Antonio Carlos Wolkmer (2000) a crise de representatividade mundial neste século XXI.

Tal crise não deixa de conter fortes características simbólicas de nosso tempo, quanto à falta de crença nas instituições como um todo, e que afeta nossa sociedade contemporânea. Daí a necessidade de mais órgãos de representação e de mediação. É o que aponta Valentin Thury Cornejo (2002, p.231):

Para afrontar as crises de sentido de caráter estrutural que afetam as sociedades contemporâneas é necessário o desenvolvimento de forças portadoras de sentido que possam conter a diáspora. Berger e Luckman propõem assim o fortalecimento do que denominam as instituições ‘intermédias’, que atuariam como intermediárias entre as grandes instituições e o indivíduo, transmitindo reservas de sentido desde cima à base e também no sentido inverso.9

Cornejo (2002) aponta então para os denominados “grupos de pressão”, que cada vez mais ganham representatividade e mesmo, do ponto de vista processual, legitimidade para participar ativa (como autores), sejam como amici curiae nos processos de controle abstrato e difuso de constitucionalidade, e ainda em processos representativos de controvérsia legal, como previsto no novo Código de Processo Civil de 2015.

9 No original: “Para afrontar las crisis de sentido de carácter estructural que afectan a las sociedades

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A partir destas concepções, nesta segunda década do século XXI, cogita-se quanto ao prestígio do Poder Judiciário, onde este deverá agir não só “como árbitro de conflitos particulares, mas, igualmente, realizador de políticas públicas visando à modificação da realidade social e econômica”. (ROCHA,1995, p.133). Mas o Judiciário, ainda marcadamente influenciado pela formação liberal, no exercício da jurisdição constitucional, no dizer de Rocha (1995, p.133)

[...] ao invés de utilizar a Constituição para interpretar as leis, os juízes continuam utilizando a lei para interpretar a Constituição. É um caso típico de inversão da estrutura piramidal do ordenamento jurídico, a confirmar a imensa necessidade que tem o juiz brasileiro de assumir a Constituição como guia que deve orientá-lo nas suas opções interpretativas, por ser a norma que define o sentido de todo o ordenamento jurídico.

Assim, nesta atual fase pós-positivista, no exercício da jurisdição, o juiz assume função preponderante, como verdadeiro guardião da Constituição, especialmente no sistema de controle de constitucionalidade vigente no Brasil, que adota tanto o sistema difuso quanto o concentrado. Neste tocante, face a atual posição do Supremo como instância última de garantia dos direitos fundamentais, assume, no ordenamento jurídico constitucional brasileiro, verdadeiro papel de “controlador” de todas as demais funções estatais.10 Disto surge a seguinte

indagação: quem irá garantir os direitos fundamentais contra os atos do próprio Poder Judiciário, vale dizer, que ou quais seriam os sistemas legitimadores das decisões do Supremo? Qual órgão controla ou fiscaliza, não

em tese, mas efetivamente e na prática, as decisões do Supremo Tribunal Federal?

Nesta tese demonstrar-se-á que as normas constitucionais, como normas jurídicas que são, também são normas políticas, e como tais, nada impede que setores organizados da sociedade exerçam pressão sobre as decisões judiciais, não somente quando a solução de um dado caso se dê por normas-regras, mas também e principalmente quando a solução do caso exija a aplicação de princípios constitucionais. Ou nas palavras de Paulo Bonavides (1997, p.583, grifo nosso):

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Não há como conjurar, pois, esse desfecho perturbador senão introduzindo na teoria axiológica da terceira fase a supremacia dos direitos fundamentais da quarta geração, os quais abrangem principalmente a democracia, a informação e o pluralismo. Só estes terão dimensão legitimadora bastante com que obstar a uma dissolução do regime constitucional por obra dos hermeneutas da concretização, transviados pela sedução de um poder potencialmente ilimitado, oriundo da interpretação vinculante que eles, juízes supremos da constitucionalidade do ordenamento, fazem como guardas soberanos da Constituição.

Demonstrar-se-á, ainda, que a adoção da jurisdição constitucional – difusa ou concentrada - importa, na prática, em outorgar aos membros do Judiciário – que não foram escolhidos pela vontade popular, nem estão sujeitos à aprovação dela em sufrágios periódicos – o poder não apenas de dirimir conflitos de interesses, aliás, a função típica para a qual o Judiciário foi criado, no Brasil e alhures, mas mesmo de impedir certas políticas públicas, se contrárias à Constituição, e às vezes mesmo – ainda mais polêmico – implementar tais políticas, inicialmente formuladas por outras instituições mais democráticas, como os parlamentos, ou o Executivo ou os Tribunais de Contas.

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2 DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A democracia surgiu do liberalismo? A resposta é positiva. Mas sua origem não se deu diretamente, nem de forma automática. Para a compreensão dos direitos consectários à democracia e aos direitos de quarta dimensão, imprescindível a análise histórica das origens e consequências de cada um dos Estados Constitucionais, tarefa a ser adiante realizada.

2.1 A importância do estudo dos “Estados” de Direito

Qual a razão de ser da análise do evolver dos Estados de Direito, do Estado Liberal, passando do Estado Social ao atual Estado Democrático de Direito? Seria uma crítica tão somente histórica? Se não, qual seria seu fator (ou fatores) preponderante(s) num ensaio que procura decompor o papel do Judiciário e do Supremo Tribunal Federal diante do contexto constitucional vigente?

O direito, especialmente o constitucional, não é fruto somente da lógica.1

Muitas vezes, é produto de embates históricos, especialmente da e na Política. O processo de desenvolvimento dos “Estados” de Direito é cumulativo. Em outras palavras: as conquistas de direitos, em suas diferentes “gerações” (rectius: dimensões), além dos avanços institucionais alcançados, do Liberalismo até hoje, permanecem. Aceitando o princípio da proibição de retrocesso2, devem ser

1 Pontes de Miranda (1954, p. IX), aparentemente, defende o contrário: “os sistemas jurídicos são

sistemas lógicos, compostos de proposições que se referem a situações da vida, criadas pelos interesses mais diversos”. Aparentemente, ressalte-se, porque a leitura deste excerto, em sua última parte, mostra que “interesses os mais diversos” justificam a criação de institutos. Ora, nem sempre haverá uma lógica racional a justificarem tais interesses, infelizmente. Muitas vezes, interesses egoísticos é que fazem surgir certos direitos, sem serem, contudo, da maioria, mas sim de setores organizados, no que a doutrina de Ciência Política os cognomina de “grupos de pressão”.

2 A denominada “proibição de retrocesso” refere-se, para a maioria dos doutrinadores, como uma proteção dos direitos

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considerados tais avanços, e procurar localizá-los em nossa atual Constituição, nas Constituições brasileiras anteriores, no Direito Comparado e no estudo da História das Instituições brasileiras.

2.2 O Estado Liberal de Direito. Prestígio do poder legislativo

Neste ponto será explorada a evolução do Estado Liberal, no aspecto doutrinário, positivo e histórico. Sem dúvida o Estado Liberal foi o que exerceu maior influência, para o bem e para o mal, para todas as constituições ocidentais, e para todas as constituições brasileiras, desde a Constituição Imperial de 1824 até a atual Carta de 1988.

2.2.1 Origens históricas. O anterior Estado “absolutista” (ou de polícia)

O Constitucionalismo fez surgirem os “Estados de Direito”, sendo o primeiro o “Estado Liberal de Direito”, nascido após as revoluções liberais burguesas, inicialmente com a Revolução Gloriosa, na Inglaterra (para o Direito Constitucional, seu fato histórico mais característico se deu com a edição do Bill of rights, em 1689), e Revoluções Francesa (1789) e de Independência norte-americanas (1776).3

Antes de tais revoluções, tinha-se, do ponto de vista da relação entre Estado e particulares, o que se chamava de Estado absolutista ou de polícia4. Após

3 Como será explicado, o liberalismo se inspira no princípio de se erigirem limites à tendência

monopolizadora do poder, que se personifica no Estado. Não se pode esquecer, todavia, que a todo movimento revolucionário aparece um contrarrevolucionário. Neste sentido, Bonavides (1994). Assim, por exemplo, após a Revolução Francesa seguiu-se a “Restauração”. O que se quer enfatizar é que mesmo na Carta reacionária da Restauração Francesa de 1814, mal escondia o “constrangimento com que o absolutismo cedia lugar às novas ideias e a avareza com que o Estado contra-revolucionário acatava os direitos da liberdade conquistados pela burguesia ascendente” (BONAVIDES, 1993, p. 36). A melhor historiografia, escrita após a análise de Paulo Bonavides (1993) o confirma. Eric Hobsbawn (2010, p.170), ao tratar das consequências da Revolução Francesa e da Restauração, narra que “[os] Bourbon foram reconduzidos ao poder, mas ficou entendido que eles tinham que fazer concessões ao perigoso espírito de seus súditos. As principais mudanças da Revolução foram aceitas, e aquele excitante instrumento, a Constituição, lhes foi garantido, - embora, é claro, de uma maneira extremamente moderada – sob a máscara de uma Carta ‘livremente concedida’ pelo ressuscitado monarca absoluto, Luís XVIII”.

4 A expressão é de Jorge Miranda (1954, p.43). Segundo ele, há dois momentos na evolução do

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o surgimento dos primeiros Estados nacionais e decadência do regime feudal, ocorreu na história uma concentração de poder nas mãos do monarca.

O mais conhecido e mais importante de todos esses movimentos revolucionários foi o ocorrido na Revolução Francesa, no período entre 1789-1799. Nas palavras de Paulo Bonavides (1993, p.16)

Escreveram os ingleses a Magna Carta, o ‘Bill of Rights’, o ‘Instrument of Government’; os americanos, as Cartas coloniais e o Pacto federativo da Filadélfia, mas só os franceses, ao lavrarem a Declaração Universal dos Direitos do Homem, procederam como havia procedido o apóstolo Paulo com o Cristianismo. Dilataram as fronteiras da nova fé política. De tal sorte que o governo livre deixava de ser a prerrogativa de uma raça ou etnia para ser o apanágio de cada ente humano; em Roma, universalizou-se uma religião; em Paris, uma ideologia. O homem-cidadão sucedia ao homem súdito.

Os movimentos revolucionários e ideais iluministas, quanto a política, se identificaram numa ideia fundamental: a limitação da autoridade governativa, ou melhor falando, criação de mecanismos limitadores do poder5. Tal limitação se

logrou tecnicamente mediante a separação de poderes (as funções legislativas, executivas e judiciárias atribuídas a órgãos distintos) e a declaração de direitos fundamentais.

O poder, segundo o constitucionalismo liberal, deveria mover-se, por conseguinte, em órbita específica, a ser tratada pela Constituição. Com o emprego do instrumento constitucional, aquela concepção restritiva da competência dos órgãos estatais se fez dominante. Ingressou, assim, o termo Constituição na linguagem jurídica para exprimir uma técnica de organização do poder aparentemente neutra.

‘direito divino’. O rei pretende-se escolhido por Deus, governa pela graça de Deus”. Num segundo momento, “embora essa referência básica se mantenha em nível de consciência jurídica da comunidade, vai procurar-se atribuir ao poder uma fundamentação racionalista dentro do ambiente de iluminismo dominante. É o ‘despotismo esclarecido’ ou, noutra perspectiva, em alguns países, o ‘Estado de polícia’ (tomando-se então o Estado como uma associação para a consecução do interesse público e devendo o príncipe, seu órgão ou primeiro funcionário, ter plena liberdade nos meios para o alcançar)”.

5 Por poder, entenda-se, neste estudo, como a capacidade de decidir e de implementar tais decisões,

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2.2.2 Características

Dentre as mais importantes características do Estado Liberal de Direito, ocorreu a positivação, nas primeiras constituições, da Separação dos Poderes e da enunciação de direitos individuais aos particulares, oponíveis ao Estado. Dos direitos individuais, pode-se identificar, dentre os que adquiriram maior expressão, o voto, a liberdade de pensamento e a defesa intransigente da propriedade nas mãos do particular.6

Tais características sem dúvida consistiram em enorme avanço institucional, hoje praticamente prevista em todas as constituições do Ocidente, e esteio do pensamento político liberal. Inclusive, roborando com este ponto de vista, confira-se o que foi escrito à época (e até hoje em vigor) quando, em agosto de 1789, foi publicada a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, assim dispondo em seus arts. II e XVI:

Art. II. O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

[...]

Art. XVI. Toda sociedade que não assegura a garantia dos direitos nem a separação de poderes não possui constituição.

Sem dúvida que tal declaração de direitos é essencial, representando consideráveis avanços nas constituições que doravante iriam surgir. A observar, no entanto, que enquanto produto do século XVIII e do início do liberalismo, seu cunho é preponderantemente individualista, subordinando a vida social como responsabilidade de cada particular, e atribuindo ao Estado quase que tão somente

6 O Estado existe para garantir a propriedade. Esta é a expressão (não exatamente esta frase, mas

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a finalidade de conservar tais direitos individuais. A predominância do liberalismo exerceu enorme influência junto ao Estado: deu-lhe uma orientação quase que exclusivamente passiva, numa acepção um tanto cínica, na medida em que conservava os direitos dos que já os possuíam (sobretudo os de cunho patrimonial), mas nada faziam pelos que não tinham direito a conservar, nem a defender.

Assim, é o Estado Liberal de Direito a expressão jurídica da democracia liberal e do liberalismo econômico.7 E, no entender de Lenio Streck (2000, p.88), em

essência complementando o acima colocado:

O que se observa, portanto, é que no seu nascedouro o conceito de Estado de Direito emerge aliado ao conteúdo próprio do liberalismo, impondo, assim, aos liames jurídicos do Estado a concreção do ideário liberal no que diz com o princípio da legalidade – ou seja, a submissão da soberania estatal à lei – a divisão de poderes ou funções e, a nota central, garantia dos direitos individuais. (Grifo original).

Inicia-se, a partir desta época e até hoje mantido com a noção de Estado de Direito, o denominado constitucionalismo. Como tal, entenda-se o fenômeno político surgido após as revoluções liberais burguesas com o Estado liberal de direito, segundo o qual as opções políticas fundamentais deste Estado deveriam estar previstas numa lei fundamental hierarquicamente superior as demais, as Constituições. As Constituições, portanto, doravante devem não somente estruturar o poder, mas também e principalmente limitar o poder, por meio de dois institutos, a separação dos poderes e a previsão dos direitos e garantias individuais.

Surge daí também o denominado Estado de Direito, onde há a supremacia da lei sobre a Administração Pública. Nas palavras de Lenio Luiz Streck e José Luis Bolsan de Morais (2000, p. 86-87):

O Estado de Direito surge desde logo como o Estado que, nas suas relações com os indivíduos, se submete a um regime de direito quando, então, a atividade estatal apenas pode desenvolver-se utilizando um instrumental regulado e autorizado pela ordem jurídica, assim como, os indivíduos – cidadãos – têm a seu dispor mecanismos jurídicos aptos a salvaguardar-lhes de uma ação abusiva do Estado.

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Supremacia da lei, ou princípio da legalidade, vista, à época, em uma dupla acepção: de um lado, ao particular, de forma que a ele tudo aquilo que não for proibido deve ser permitido (CF/88, art. 5º, II); do outro, ao próprio Estado, onde este se autolimita, no sentido de que o Estado só pode fazer aquilo que esteja expressamente previsto em lei (Constituição Federal, art. 37, caput).8 Como visto, o

processo dos “Estados de Direito” é cumulativo, encontrando-se de forma difusa em inúmeros preceitos previstos na CF/88.

E exatamente devido a vitória política dos burgueses, por ser o princípio máximo de limitação do poder o da legalidade - onde doravante os atos do poder público só teriam validade se fossem previstas leis permitindo tais atos, se tem, por tudo isso, que a função estatal mais privilegiada neste período do Constitucionalismo foi o Poder Legislativo.

Mais prestigiado o Legislativo, pois dele originou-se o Poder Constituinte Originário, que tudo pode (ilimitado)9 e que tem por objeto, justamente, a criação de

uma Constituição que organizasse o Estado e o limitasse. Prestigiado ainda, porque tal função estatal seria àquela que editaria as leis, as regras do jogo vigentes. Isso tudo num período histórico em que ao Judiciário era tão somente reservado o papel de aplicação literal das leis previstas pelo Legislativo, e o Executivo teria um papel mínimo possível, quase que tão somente de velar pelas leis (especialmente pela proteção à propriedade privada dos meios de produção) e manutenção da ordem (status quo).

8 A expressão vista à época é proposital. Não se contesta que o princípio da legalidade até hoje é

entendido desta forma. Acontece que atualmente tal princípio é condição necessária, mas não suficiente, a consecução e desenvolvimento de um Estado Democrático de Direito. E, à época, era visto como condição necessária e suficiente...

9 A característica de ser o Poder Constituinte Originário ilimitado deve ser tomado sob uma acepção

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O final do século XIX e início do século XX operam enormes transformações institucionais e, por consequência, constitucionais, em todo o Ocidente e no Brasil. Aqui, nos anos de 1888 passamos pela abolição dos escravos negros, queda do Império e proclamação da República, e o advento da Constituição de 1891. Nossas origens autoritárias permaneceram e se realçaram. Contudo a ideia de Nação se solidificou, como aponta Gilberto Freyre (2001, p.43), pela enorme influência ideológica do Positivismo:

Generalização aplicável a eles próprios: à sua participação como Positivistas nos fatos ou acontecimentos que resultaram na transformação do Brasil de Monarquia em República. Foi uma participação de minoria intelectual que se exprimiu em torno de valores e símbolos, de considerável importância para a nação inteira; mas de tal modo se manifestou essa intervenção que, de alguns dos valores e símbolos brasileiros vindos do Império e alterados – reformados, mas de modo algum deformados, pelos positivistas de 89 – ainda hoje vive o Brasil. Um deles a própria Bandeira Nacional com o seu lema – inovação positivista – Ordem e progresso; e com a sua esfera e com as suas estrelas, também de invenção positivista. Mas sem que se tivessem modificado as formas e cores essenciais da mesma bandeira. Sem que a sofreguidão por um futuro messiânico tivesse levado aqueles bons discípulos brasileiros de Comte ao extremo de repudiar, em valores e símbolos consagrados pelo passado da sua gente, o que, nesses valores e símbolos, era já constante nacional. Constante por eles respeitada do mesmo modo que respeitaram a música do Hino Nacional.

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A inexpressiva intervenção econômica do Estado era justificada principalmente em virtude dos sujeitos que agora estavam no poder: a burguesia, encastelada no Legislativo. Ou nas palavras de Paulo Bonavides (1993, p. 41):

Antes da Revolução10, tudo se explicava pelo binômio absolutismo-feudalidade, fruto de contradição já superada. Depois da Revolução [rectius: as revoluções liberais], advém outro binômio, com a seguinte versão doutrinária: democracia-burguesia ou democracia-liberalismo.

Antes, o político (o poder do rei) tinha ascendência sobre o econômico (o feudo). Depois, dá-se o inverso: é o econômico (a burguesia, o industrialismo) que inicialmente controla e dirige o político (a democracia).

Sem dúvida que o mais importante deste período foi a positivação dos Direitos Fundamentais de 1ª. Dimensão, preceituados nas primeiras Cartas de Direitos, a saber: Bill of Rights (1689), Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (1776) e Declaração Universal dos Direitos do Homem (agosto de 1789).11 E

todos eles com um ponto identificador comum: a tentativa de privilegiar o princípio liberdade (visto como um direito natural) em detrimento do Estado. Daí porque o princípio da legalidade, inicialmente, foi tomado nesta acepção, segundo a qual todos estariam livres a praticar qualquer ato, desde que não houvesse proibição prevista na lei.

Assim, tais direitos possuíam principalmente uma índole individual, trazendo uma mensagem de limitação, abstenção do Estado. A ideia prevalecente era de que o Estado seria o Leviatã (grande monstro mítico que engole o homem), um “mal necessário”12. Em outras palavras: os direitos individuais, neste primeiro

10 O autor quer se referir, aqui, à Revolução Francesa. O raciocínio exposto pelo autor, contudo, é

aplicável para as demais revoluções liberais e, principalmente, ao período histórico do Estado Liberal de Direito.

11 Na verdade foi a Magna Carta do Rei João Sem Terra, lavrada em 1215, o primeiro documento

escrito de limite ao poder, como contenção ao arbítrio do monarca. A observar, contudo, que tal documento foi uma lei feita pelos nobres e para os nobres. Isto porque consistiu que todo o aumento de tributos que onerasse a vida dos barões (para os nobres), deveria ser primeiramente a eles comunicada...

12 Neste sentido, Bonavides (1993, p.65): “[...] não é o velho Estado liberal-democrático em que o

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momento, deveriam funcionar como “campos de força” a protegeram o homem contra o arbítrio do Estado. Têm essa característica de ser direito de abstenção ao Estado conferido ao particular. O não fazer oponível ao Estado, esta é a noção essencial. Luís Roberto Barroso (2000, p.100-101) assim coloca o evolver de tais direitos individuais:

Os direitos individuais, de origem marcada pelo jusnaturalismo, tiveram como primeira manifestação ‘legislativa’ a Declaração de Direitos Inglesa, de 1689. Não obstante, o seu ciclo de formação e aperfeiçoamento encontra-se mais ligado ao pensamento iluminista francês do século XVIII e à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Os direitos individuais, freqüentemente denominados de liberdades públicas, são a afirmação jurídica da personalidade humana. Talhados no individualismo liberal e dirigidos à proteção de valores relativos à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, contêm limitações ao poder político, traçando a esfera de proteção jurídica do indivíduo em face do Estado. Os direitos individuais impõem, em essência, deveres de abstenção aos órgãos públicos, preservando a iniciativa e a autonomia dos particulares. (Grifo nosso).

Na Constituição Federal de 1988, indicam-se os seguintes direitos de 1ª. dimensão, originados do Estado Liberal de Direito: proteção ao trinômio vida-liberdade-propriedade (cláusula do due process of law, da Constituição norte-americana, encontrada na CF/88 no art. 5º, caput, II e LIV); direito de privacidade (5º, X); inviolabilidade de domicílio (5º, XI); liberdade de locomoção (5º, LV) e sua garantia processual (habeas corpus, 5º, LXVIII); liberdade de reunião (5º, XVI), mas na época com várias restrições práticas, especialmente no tocante a reivindicação de direitos sociais; liberdade de associação (5º, XVII); direito de propriedade e de herança (5º, XXII e XXX); princípio do juiz natural (5º, XXXVII e LIII); princípio da reserva legal (5º, XXXIX); princípio da irretroatividade da lei penal (5º, XL); princípio da individualização da pena (XLV); presunção de inocência (5º, LVII); princípio da legalidade e anterioridade tributários (art. 150, III, a) e b).

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ser propiciado pelo Estado era visto como caso de polícia, e não como políticas a serem realizadas pelo Estado. Várias consequências surgiram daí.

2.2.3 Consequências do Estado Liberal de Direito

Destas características (colocadas a título exemplificativo) advieram algumas consequências:

a) na economia, tal intervenção mínima do Estado permitiu uma verdadeira revolução nas relações comerciais, financiando o que se chamou, menos de um século após a Revolução Gloriosa (1688), a denominada Revolução Industrial (a partir de 1750);

b) porém, tal intervenção mínima acabou por ser contraproducente, na medida em que o desprezo do Estado pelos menos favorecidos, acabou criando um enorme distanciamento entre Estado e Sociedade. E tal fosso fez surgir uma série de sublevações populares por toda a Europa13;

c) tais situações acabaram por gerar descrédito para com a solução constitucional adotada pelos burgueses, fazendo surgir “hipóteses alternativas” para os problemas constitucionais, a saber: o surgimento, de doutrinas socialistas, comunistas e anarquistas, num primeiro momento de forma utópica e romântica, para logo depois adquirir critérios mais científicos (socialismo científico).

Houve ainda, nas palavras de Newton Menezes Albuquerque (2001), a criação de um verdadeiro fosso entre o que era previsto nas constituições e a realidade, segundo o qual os dirigentes do poder tinham uma concepção extremamente individualista, que acabou por engendrar uma contradição insuperável entre democracia e o liberalismo:

13 Apenas a título de exemplo, temos as revoltas ludistas, que tencionavam quebrar as máquinas

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O fosso entre o caráter abstrato dos mandamentos constitucionais e a realidade concreta na qual estes se radicalizavam caracteriza-se como a questão central a impedir a realização do ideal ético do Estado de direito no âmbito do Estado liberal. A ausência de um maior controle social sobre o poder econômico, cada vez mais impermeável aos controles formais do sistema jurídico, pressupõe uma nova visão do jurídico, que assuma expressamente sua dimensão política e ética, implicando não se manter preso a uma visão negativa da liberdade que propugna um Estado mínimo, absenteísta, resignado a assistir os conflitos, só intervindo quando os direitos e prerrogativas individuais são transgredidas. Tal concepção liberal percebe o indivíduo desvencilhado dos laços sociais que o definem, e é típico de um certo individualismo solipsista, incompatível com a eticidade democrática. (ALBUQUERQUE, 2001, p. 143).

Newton Albuquerque (2001) demonstra acima sua formação histórica marxista. Quanto a Karl Marx, sua visão e testemunho do período do Estado Liberal traz uma visão nítida, quase palpável, sobre o pior de tal época:

Para meu propósito, bastam alguns testemunhos fornecidos pelas próprias crianças exploradas nos relatórios de 1860 e 1863. A partir da situação das crianças, podemos ter uma ideia do que se passa com os adultos, principalmente moças e mulheres, num ramo da indústria que faz atividades como a fiação de algodão e outras semelhantes parecerem negócios muito agradáveis e saudáveis.

Wilhelm Wood, de 9 anos de idade, ‘tinha 7 anos e 10 meses quando começou a trabalhar’. Desde o começo, ele ‘ran moulds’ (carregava as mercadorias já moldadas para a sala de secagem e voltava trazendo os moldes vazios). Chega ao trabalho todos os dias às 6 horas da manhã e o deixa por volta das 9 da noite. ‘Trabalho até as 9 horas da noite todos os dias da semana. Assim foi, por exemplo, durante as últimas 7 ou 8 semanas’. Portanto, 15 horas de trabalho para uma criança de 7 anos!14

Assim, o auge do Estado Liberal e do Liberalismo econômico e político, coincidiram em propiciar os germes de sua derrocada. Isso é bem resumido por Pablo Lucas Verdú (2004, p. 118):

Consolidado, finalmente, o Estado Constitucional liberal, a burguesia satisfeita começou a evitar o discurso e a argumentação iusnaturalistas. Abraçou o positivismo jurídico ante o temor de que a força do iusnaturalismo revolucionário fosse utilizado contra ela pelos estratos socioeconômicos inferiores. A aparição do anarquismo, do socialismo e logo do comunismo aterrorizou a classe burguesa, que viu como o edifício constitucional, tão primorosamente construído, apoiado nas especulações lógico-jurídicas, era debilitado. Então, passou a sentir-se como burguesia ameaçada. As normas jurídicas organizadoras da liberdade, identificada esta com a propriedade privada, não podiam interpretar-se nem aplicar-se prejudicando os direitos

14 Karl Marx (2013, p.318), O Capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do

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individuais de uma classe confortavelmente instalada no poder e na sociedade. As reclamações incessantes do sufrágio universal, do direito de coalizão obreira, do direito de greve, das limitações da propriedade etc., foram rechaçadas em um primeiro instante.

E conclui:

A progressiva extensão da democratização (Tocqueville) modulou o liberalismo (democracia liberal), mas o advento da sociedade de massas, a excitação do nacionalismo, a crise econômica, o desemprego generalizado e o extremismo aplicado à luta política aumentaram a consciência ameaçada da burguesia. Tanto foi assim que, conforme sabemos, nos anos vinte e trinta ela preferiu fugir da liberdade (Fromm), entregando-se ao fascismo na Itália (1922), em Portugal (1926), na Alemanha (1933) e na Espanha (1936). Preferiu sacrificar as liberdades políticas conquanto que conservasse o sagrado direito de propriedade (sic). (VERDÚ, 2004, p.118).

Newton Menezes de Albuquerque (2001), a seu turno, observa uma contradição inerente ao Estado Liberal: os liberais, que tanto propugnaram pelo ideal da liberdade, além de defenderem a previsão, nas constituições, de direitos políticos, acabaram por criar um Estado despolitizador, que tolheu a representatividade popular, na medida em que restringiu a participação da maior parte do povo, impedindo-o sequer de escolher seus dirigentes:

O Estado liberal, que se origina das lutas muitas vezes cruentas contra a monarquia despótica, afirmando a necessidade da submissão de toda e qualquer autoridade à lei, assim como da realização dos ideais de liberdade, deixa perecer sua perspectiva emancipatória ao abraçar uma concepção jurídica formalista e despolitizadora dos conflitos sociais. (ALBUQUERQUE, 2001, p. 134).

Sem dúvida críticas acerbas. Mas as consequências positivas que o Estado Liberal de Direito propiciou, e que permanecem até hoje, são muito mais expressivas de avanços. Quem responde a tais críticas é Jorge Miranda (2002, p. 48-49):

Como quer que se entendam tais críticas, decisivas devem ter-se, apesar de tudo, algumas das aquisições trazidas pelo liberalismo, quer directa e imediatamente, quer indirecta ou mediatamente. Directamente: a abolição da escravatura, a transformação do Direito e do processo penais, a progressiva supressão de privilégios de nascimento, a liberdade de imprensa. Indirectamente: a prescrição de princípios que, ainda quando não postos logo em prática, viriam, pela sua própria lógica, numa espécie de auto-regência do Direito, a servir a todas as classes, e não apenas à classe burguesa que começara por os defender em proveito próprio (assim, a partir da liberdade de associação a conquista da liberdade sindical e a partir do princípio da soberania do povo a do sufrágio universal).

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deles saíram e os regimes que depois se objectivaram que, pela primeira vez na história, introduziram a liberdade política, simultaneamente como liberdade-autonomia e liberdade-participação, a acrescer à liberdade civil.

O fato é que o Estado Liberal de Direito sucumbiu no início do século XX. Não só pelos motivos já aduzidos, mas especialmente por seu desprezo às denominadas “Questões Sociais”, olvidando a própria sociedade. E isto criou o cadinho de descrença para com o Liberalismo e seus valores, fornecendo as bases para a criação do “Estado Social de Direito”.

2.3 O Estado Social de Direito. Ápice do Executivo

Neste tópico as confusões são imensas. A maioria das obras de Constitucional aponta as expressões “Estado Social” e/ou Democrático como sinônimos, quando sinônimos não são. Daí a necessidade de se dissecarem historicamente os termos, quando o que se constata, infelizmente e no mínimo, é uma enorme ignorância histórica sobre o assunto.

2.3.1 Origens

Os próprios dirigentes do poder (leia-se, mais especialmente, a burguesia) quando do Estado Liberal de Direito, ao terem percebido a série de revoltas e ideais revolucionários, num crescente de ódio e radicalização contra o regime, retrocederam e aceitaram repensar a estrutura constitucional do Estado.

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esquerda, onde houve uma hipertrofia do Executivo, com concentração excessiva de poder e, consequentemente, de ditaduras.

Foi uma era que propiciou radicalismos, o auge do organicismo do Estado, e a Segunda Guerra Mundial. Em síntese, foi uma era da catástrofe, como bem sintetiza o historiador Eric Hobsbawn (1997, p.114-115):

De todos os fatos da Era da Catástrofe, os sobreviventes do século XIX ficaram talvez mais chocados com o colapso dos valores e instituições da civilização liberal cujo progresso seu século tivera como certo, pelo menos nas partes ‘avançadas’ e ‘em avanço’ do mundo. Esses valores eram a desconfiança da ditadura e do governo absoluto; o compromisso com um governo constitucional com ou sob governos e assembléias representativas livremente eleitos, que garantissem o domínio da lei; e um conjunto aceito de direitos e liberdades dos cidadãos, incluindo a liberdade de expressão, publicação e reunião. O Estado e a sociedade deviam ser informados pelos valores da razão, do debate público, da educação, da ciência e da capacidade de melhoria (embora não necessariamente de perfeição) da condição humana. Esses valores, parecia claro, tinham feito progresso durante todo o século, e estavam destinados a avançar ainda mais. Afinal, em 1914 mesmo as duas últimas autocracias da Europa, a Rússia e a Turquia, tinham feito concessões na direção de um governo constitucional, e o Irã chegara a tomar emprestada uma Constituição da Bélgica.

[...]

Em resumo, o liberalismo fez uma retirada durante toda a Era da Catástrofe, movimento que se acelerou acentuadamente depois que Adolf Hitler se tornou chanceler da Alemanha em 1933. Tomando-se o mundo como um todo,15 havia talvez 35 ou mais governos constitucionais e eleitos em 1920 (dependendo de onde situamos algumas repúblicas latino-americanas). Até 1938, havia talvez dezessete desses Estados, em 1944 talvez doze, de um total global de 65. A tendência mundial parecia clara.

E tais “opções constitucionais alternativas” (leia-se socialismo) forçaram uma releitura do Estado e seus objetivos, a serem positivados nas constituições, pelos dirigentes do poder à época. Tal ponto de vista é expressamente defendido por Bonavides (1993, p. 179-180):

Uma constante, a nosso ver, explica o aparecimento do Estado social: a intervenção ideológica do socialismo.

Empregamos a palavra socialismo no seu sentido mais genérico e histórico, desde as utopias de fins do século XVIII à consolidação das teses marxistas, em nossos dias. Desde o socialismo utópico ao chamado socialismo científico. Desde a conspiração de Baboeuf aos assaltos da

15 Dado relevante no período entre as duas guerras mundiais: havia apenas cerca de 65 Estados

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Comuna de Paris. Desde a fundação da Primeira Internacional à tomada do poder pelos bolchevistas russos, há cinqüenta anos.

Luís Roberto Barroso (2000, p. 108) coloca tal perspectiva histórica num enfoque constitucional:

O avanço do socialismo científico – não apenas no campo da propagação de idéias, mas de sua efetiva adoção como forma de organização político-econômica por um terço da humanidade – rompeu a dogmática unitária do constitucionalismo liberal. O primeiro pós-guerra assiste ao surgimento do constitucionalismo social, na forma de compromisso entre a burguesia e o proletariado em ascensão. Já não há mais o ‘monopólio ideológico’ dos princípios a serem gravados na Constituição. Preservados, embora, os postulados essenciais do liberal-capitalismo, eles incorporam a tutela de alguns interesses das classes trabalhadoras e dos desfavorecidos em geral. Obrigada a ceder no plano da superestrutura jurídica, a resistência burguesa se transferiu para a tentativa de minimizar, na prática, o avanço social, inclusive pela negação do caráter jurídico das normas que o propiciavam. Superada esta fase, com o reconhecimento da índole normativa das regras que conferem direitos sociais, nem por isto sua operatividade prática deixou de ser um problema à espera de soluções. Esses direitos, como intuitivo, tutelam, em última análise, interesses e bens voltados à realização da justiça social.

No início do séc. XX, tendo como marco as constituições mexicana (1917) e alemã de Weimar (1919), começa o denominado Estado Social de Direito. A perceber que neste Estado o “social” é seu próprio epíteto, vale dizer, corresponde ao próprio princípio político fundamental (meta primordial) a ser sempre alcançada por esta espécie de Estado de direito. No Brasil o Estado Social se inicia com a Constituição de 1934, que passou a prever um rol de direitos sociais em seu texto.

O principal legado do Estado social foi o advento dos direitos sociais e, consequentemente, das normas constitucionais programáticas. Antes de explicá-los, porém, faz-se mister esclarecer uma confusão comum, qual seja, entre a terminologia Estado social e socialista. Na acepção de Paulo Bonavides (1993, p.45):

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