• Nenhum resultado encontrado

A consequência da jurisdição constitucional é a “judicialização da política”

4 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DEMOCRACIA

4.2 A consequência da jurisdição constitucional é a “judicialização da política”

Friedrich Muller (2003), quando de sua obra “Quem é o Povo?”, em certo trecho trata do papel dos profissionais do Direito como atores responsáveis no papel de inclusão social, principalmente por meio da efetivação das normas constitucionais, o que deverá acontecer por meio do processo, e decidido pelo Judiciário:

Vamos tomar a metáfora ao pé da letra: a evolução é uma seqüência de desafios e respostas, impulsionada qualitativamente pela mutação. Nas sociedades humanas as mutações podem ser provocadas. O papel normativo-institucional dos juristas dá a este segmento profissional

uma ferramenta para encaminhar tais provocações de forma legal [rectius: constitucional], legítima e pacífica – assim e.g. por meio de instrumentos de direito processual no âmbito do sistema de proteção jurídica e, mais genericamente, do sistema judicial. (MÜLLER, 2003, p.100-101, grifo nosso).

Como visto, a chamada “judicialização” da política só aumentou após a Constituição de 1988, quando o Judiciário passou a enfrentar casos envolvendo direitos sociais de grande repercussão. Numa mudança de perspectiva, o magistrado deixou de ser apenas o juiz-pacificador dos conflitos, passando a ser um agente transformador do Direito para a realização dos direitos sociais insculpidos na Constituição.

Como já colocado, a judicialização da política é um fenômeno mundial e crescente que reflete o papel do Direito e do Estado após o Estado Social14 mas,

principalmente, depois do estabelecimento do Estado Democrático de Direito. Desde quando as normas constitucionais passaram a contemplar não só os direitos individuais, mas também promessas sociais a serem implementadas (principalmente por meio das normas constitucionais programáticas), fez-se mister, para a realização de tais preceitos, uma atuação diferenciada do juiz constitucional, obrigando o poder político a agir ou a, ele mesmo, desenvolver, em caráter substitutivo e de alguma forma, as normas constitucionais. Não fosse assim de nada adiantaria dizer que o Judiciário é o guardião da Constituição.15

No entendimento de Verdú (2004, p.177) todos do povo devem concretizar a Constituição, e a fortiori os agentes do Estado, inclusive e principalmente os juízes ou Tribunais Constitucionais:

14 Para Pablo Lucas Verdú (2004, p.138-139), “essas mudanças silentes ou tácitas podem derivar de uma aguda consciência enraizada na classe política, exteriorizada na medida em que esta interpreta, mais ou menos acertadamente, os desejos da comunidade. Isso ocorre porque é necessário ajustar a ratio da Constituição aos requerimentos populares para cumprir o telos ou finalidade inerente ao texto fundamental”.

15 Infelizmente, contudo, passaram-se a se observar, especialmente nos últimos dez anos, patentes exageros por parte do Judiciário, em todos os graus de Jurisdição.

Há neles16, insisto, algo criador que ultrapassa a opinião de Montesquieu com respeito ao juiz como a bouche qui prononce les paroles de la loi. Assim, o Tribunal Constitucional alemão estabeleceu que a missão da jurisprudência constitucional pode exigir a adoção de certas valorações, ainda que estas não se contemplem no texto escrito fundamental ou apareçam de modo imperfeito, mediante um ato de conhecimento estimativo não isento de elementos de vontade que concretizam determinadas decisões. Em uma de suas primeiras sentenças, o Tribunal germano reconheceu que a cláusula do Estado Social tem alcance decisivo para interpretar a Constituição e as leis.

Ou seja, em muitas ocasiões o Judiciário passou a ser um “catalisador” do “espírito” da Constituição, ou, numa expressão de Pablo Lucas Verdú (2004), agindo com “sentimento constitucional”, se antecipando ao legislador e ao administrador na busca da concretização dos objetivos traçados na Constituição Federal.

4.2.1 “CPI dos Bingos”

Na série de mandados de segurança julgados pelo STF17, no dia 22 de junho de 2005, no que foi divulgado na mídia nacional como o julgamento da “CPI dos Bingos”, o cerne da questão foi o seguinte: pode o Judiciário (STF) determinar ao Legislativo (Senado Federal) a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito? Haveria ou não intromissão de um poder no outro? Pela importância de tais precedentes transcreve-se a ementa do MS 24.831:

E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - DIREITO DE OPOSIÇÃO - PRERROGATIVA DAS MINORIAS PARLAMENTARES - EXPRESSÃO DO POSTULADO DEMOCRÁTICO - DIREITO IMPREGNADO DE ESTATURA CONSTITUCIONAL - INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PARLAMENTAR E COMPOSIÇÃO DA RESPECTIVA CPI - TEMA QUE EXTRAVASA OS LIMITES ‘INTERNA CORPORIS’ DAS CASAS LEGISLATIVAS - VIABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL - IMPOSSIBILIDADE DE A MAIORIA PARLAMENTAR FRUSTRAR, NO ÂMBITO DO CONGRESSO NACIONAL, O EXERCÍCIO, PELAS MINORIAS LEGISLATIVAS, DO DIREITO CONSTITUCIONAL À INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR (CF, ART. 58, § 3º) - MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO. CRIAÇÃO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO: REQUISITOS CONSTITUCIONAIS. - O Parlamento recebeu dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes do Estado,

16 O autor quer se referir aqui aos princípios constitucionais estruturantes previstos nas Constituição, de forma expressa ou implícita.

17 A decisão foi tomada no julgamento dos Mandados de Segurança (MS) 24831, 24845, 24846, 24847, 24848 e 24849, sendo o 24.831 o paradigma dos demais.

respeitados, nesse processo de fiscalização, os limites materiais e as exigências formais estabelecidas pela Constituição Federal. - O direito de investigar - que a Constituição da República atribuiu ao Congresso Nacional e às Casas que o compõem (art. 58, § 3º) - tem, no inquérito parlamentar, o instrumento mais expressivo de concretização desse relevantíssimo encargo constitucional, que traduz atribuição inerente à própria essência da instituição parlamentar. - A instauração do inquérito parlamentar, para viabilizar-se no âmbito das Casas legislativas, está vinculada, unicamente, à satisfação de três (03) exigências definidas, de modo taxativo, no texto da Carta Política: (1) subscrição do requerimento de constituição da CPI por, no mínimo, 1/3 dos membros da Casa legislativa, (2) indicação de fato determinado a ser objeto de apuração e (3) temporariedade da comissão parlamentar de inquérito. - Preenchidos os requisitos constitucionais (CF, art. 58, § 3º), impõe-se a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, que não depende, por isso mesmo, da vontade aquiescente da maioria legislativa. Atendidas tais exigências (CF, art. 58, § 3º), cumpre, ao Presidente da Casa legislativa, adotar os procedimentos subseqüentes e necessários à efetiva instalação da CPI, não lhe cabendo qualquer apreciação de mérito sobre o objeto da investigação parlamentar, que se revela possível, dado o seu caráter autônomo (RTJ 177/229 - RTJ 180/191-193), ainda que já instaurados, em torno dos mesmos fatos, inquéritos policiais ou processos judiciais. O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS PARLAMENTARES: A PARTICIPAÇÃO ATIVA, NO CONGRESSO NACIONAL, DOS GRUPOS MINORITÁRIOS, A QUEM ASSISTE O DIREITO DE FISCALIZAR O EXERCÍCIO DO PODER. - A prerrogativa institucional de investigar, deferida ao Parlamento (especialmente aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos legislativos), não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente no Congresso Nacional e que, por efeito de sua intencional recusa em indicar membros para determinada comissão de inquérito parlamentar (ainda que fundada em razões de estrita conveniência político-partidária), culmine por frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo (e pelas minorias que o integram), do poder constitucional de fiscalização e de investigação do comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo. - Existe, no sistema político-jurídico brasileiro, um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares, cujas prerrogativas - notadamente aquelas pertinentes ao direito de investigar - devem ser preservadas pelo Poder Judiciário, a quem incumbe proclamar o alto significado que assume, para o regime democrático, a essencialidade da proteção jurisdicional a ser dispensada ao direito de oposição, analisado na perspectiva da prática republicana das instituições parlamentares. - A norma inscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da República destina-se a ensejar a participação ativa das minorias parlamentares no processo de investigação legislativa, sem que, para tanto, mostre-se necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar. A CONCEPÇÃO DEMOCRÁTICA DO ESTADO DE DIREITO REFLETE UMA REALIDADE DENSA DE SIGNIFICAÇÃO E PLENA DE POTENCIALIDADE CONCRETIZADORA DOS DIREITOS E DAS LIBERDADES PÚBLICAS. - O Estado de Direito, concebido e estruturado em bases democráticas, mais do que simples figura conceitual ou mera proposição doutrinária, reflete, em nosso sistema jurídico, uma realidade constitucional densa de significação e plena de potencialidade concretizadora dos direitos e das liberdades públicas. - A opção do legislador constituinte pela concepção democrática do Estado de Direito não pode esgotar-se numa simples proclamação retórica. A opção pelo Estado democrático de direito, por isso mesmo, há de ter conseqüências efetivas no plano de nossa organização política, na esfera das relações institucionais entre os poderes da República e no âmbito da formulação de

uma teoria das liberdades públicas e do próprio regime democrático. Em uma palavra: ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República. - O direito de oposição, especialmente aquele reconhecido às minorias legislativas, para que não se transforme numa promessa constitucional inconseqüente, há de ser aparelhado com instrumentos de atuação que viabilizem a sua prática efetiva e concreta. - A maioria legislativa, mediante deliberada inércia de seus líderes na indicação de membros para compor determinada Comissão Parlamentar de Inquérito, não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo art. 58, § 3º, da Constituição e que lhes confere a prerrogativa de ver efetivamente instaurada a investigação parlamentar em torno de fato determinado e por período certo. O CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS PARLAMENTARES: POSSIBILIDADE, DESDE QUE HAJA ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO A DIREITOS E/OU GARANTIAS DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. - O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República, ainda que essa atuação institucional se projete na esfera orgânica do Poder Legislativo. - Não obstante o caráter político dos atos parlamentares, revela-se legítima a intervenção jurisdicional, sempre que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros do Congresso Nacional. Questões políticas. Doutrina. Precedentes. - A ocorrência de desvios jurídico-constitucionais nos quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito justifica, plenamente, o exercício, pelo Judiciário, da atividade de controle jurisdicional sobre eventuais abusos legislativos (RTJ 173/805-810, 806), sem que isso caracterize situação de ilegítima interferência na esfera orgânica de outro Poder da República. LEGITIMIDADE PASSIVA ‘AD CAUSAM’ DO PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL - AUTORIDADE DOTADA DE PODERES PARA VIABILIZAR A COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. - O mandado de segurança há de ser impetrado em face de órgão ou agente público investido de competência para praticar o ato cuja implementação se busca. - Incumbe, em conseqüência, não aos Líderes partidários, mas, sim, ao Presidente da Casa Legislativa (o Senado Federal, no caso), em sua condição de órgão dirigente da respectiva Mesa, o poder de viabilizar a composição e a organização das comissões parlamentares de inquérito. (BRASIL. STF. MS 24831. Relator: Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/06/2005, DJ 04-08-2006 PP-00026; RTJ VOL-00200-03 PP-01121).

O caso: em março de 2004, alguns partidos políticos não indicaram representantes para a CPI, o que deveria ter sido feito, então, pelo presidente do Senado. Houve discussão quanto a ocorrência ou não de malferimento ao art. 58, § 3°, da CF/88, segundo o qual, dentre os requisitos para a abertura de CPI's, estava o da assinatura mínima de um terço dos parlamentares da respectiva casa.

A maioria dos ministros, vencido o ministro Eros Grau, votou com o relator, Celso de Mello, que afirmou, em seu voto, o direito das minorias à oposição,

"conseqüência natural do postulado democrático". Também salientou que, no caso da CPI dos Bingos, o então presidente do Senado desrespeitou o direito público subjetivo, constitucionalmente assegurado aos integrantes da minoria legislativa.

O Ministro Eros Roberto Grau, neste julgamento, fez considerações sobre os limites do Judiciário em sua intervenção noutros poderes, especialmente nas decisões interna corporis. Deste modo considerou que o Judiciário não deveria interferir no controle de atos internos do Legislativo. Disse também que, no seu entendimento, a Constituição Federal assegura a um terço da totalidade dos integrantes da Câmara e do Senado a criação de comissões parlamentares de inquérito, e não às minorias parlamentares. A seguir, observou que, no tocante às CPI's, acaso o Judiciário determinasse sua abertura, mesmo assim tal deliberação não faria sentido, pois não seria possível a intromissão judicial nos debates parlamentares:

Porém, o seu funcionamento é afetado unicamente pelos efeitos do debate parlamentar no embate entre as forças políticas. Não fosse assim, esta Corte passaria a ter de arbitrar todo e qualquer movimento dessas forças políticas visando a tornar concreto o direito não apenas à criação, mas ao fluente funcionamento das CPIs.18

Em virtude das advertências do Ministro Eros Grau, foi levantada uma “Questão de Ordem”, verdadeira questão prejudicial que, logicamente, deve anteceder o julgamento do mérito da causa, a saber: se o Judiciário pode ou não se imiscuir mesmo em questões intrínsecas de outro poder. O relator foi ainda o Min. Celso de Mello. A seguir se transcreverão os trechos do voto que interessam ao presente estudo, ou seja, pertinentes a correlação entre Direito, Política e possibilidade de intromissão do Judiciário em hipóteses de desrespeito à Constituição:

Impõe-se observar, neste ponto, por necessário, que o exame da postulação deduzida na presente sede mandamental justifica - na estrita perspectiva do princípio da separação de poderes - algumas reflexões prévias em torno das relevantíssimas questões pertinentes ao controle jurisdicional do poder político e às implicações jurídico-institucionais que necessariamente decorrem do exercício do ‘judicial review’.

18 Trecho do voto-vista do Ministro do STF Eros Roberto Grau, no MS 24.831, julgado no dia 22 de junho de 2005.

Como sabemos, o regime democrático, analisado na perspectiva das delicadas relações entre o Poder e o Direito, não tem condições de subsistir, quando as instituições políticas do Estado falharem em seu dever de respeitar a Constituição e as leis, pois, sob esse sistema de governo, não poderá jamais prevalecer a vontade de uma só pessoa, de um só estamento, de um só grupo ou, ainda, de uma só instituição.19

De fato. Como se percebe, tal voto se coaduna com a ideia colocada da judicialização de atos políticos, ou melhor, da politização de certas decisões judiciais, onde a jurisdição constitucional, muitas vezes, terá que atuar politicamente, sempre que houver interpretações de questões envolvendo princípios, ou de desrespeito a preceitos da Constituição (in casu, ao art. 58, § 3° da CF/88).

E isto ainda mais se justifica, porque, como bem explicitado pelo Ministro, “impõe-se, a todos os Poderes da República (e aos membros que os integram), o respeito incondicional aos valores que informam a declaração de direitos e aos princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a própria organização do Estado.”20

Mas o Judiciário deve estar consciente de suas limitações, especialmente porque o papel político que hoje desempenha exige do juiz uma sensibilidade social (“sentimento constitucional”) e uma quantidade de conhecimentos jurídicos e técnicos muito maiores do que se exigia dele em época até recente.

E, diga-se de passagem, a questão colocada no voto do Ministro Celso Mello, no MS 24.831, não é nova nem na jurisprudência. Em nosso país já se pode vislumbrar raciocínio parecido em 1922, proferida no STF, pelo Ministro Guimarães Natal:

Nos regimes de Constituição escrita, de poderes limitados, a Lei Fundamental é, na frase de ‘Cooley’, a regra absoluta de ação e decisão para todos os poderes públicos e para o povo, e tudo quanto em oposição a ela se faz é substancialmente nulo.

Mas para que a Constituição mantivesse esta preeminência de regra absoluta de ação e decisão, que lhe dera o povo, decretando-a, era necessário criar um órgão que fosse dela a encarnação viva, que a interpretasse soberanamente, irrecorrivelmente, que com ela confrontasse as Leis e os atos dos Poderes Públicos e até do próprio povo e que tivesse o poder de declarar tais Leis e tais atos insubsistentes quando

19 STF, voto em questão de ordem no MS 24.831 DF. 20 STF, voto em questão de ordem no MS 24.831 DF.

desconformes aos princípios nela consagrados. Esse órgão no nosso regime, como nos semelhantes ao nosso, é o Poder Judiciário Federal. 21

Como se vê a matéria não é propriamente “recente”. Nova é sim a difusão de tal informação. Em outras palavras: num Estado Democrático de Direito é maior a probabilidade de se tornar mais aceito (rectius: eficaz) o princípio da supremacia da Constituição, tornando-o assim consagrado. E, neste sentido, a doutrina também é antiga. Já Pedro Lessa (1915, p.65-66), ex-Ministro do STF, escreveu sobre o assunto:

Em substância: exercendo atribuições políticas, e tomando resoluções políticas, move-se o poder legislativo num vasto domínio, que tem como limites um círculo de extenso diâmetro, que é a Constituição Federal. Enquanto não transpõe essa periferia, o Congresso elabora medidas e normas, que escapam à competência do poder judiciário. Desde que ultrapassa a circunferência, os seus atos estão sujeitos ao julgamento do poder judiciário, que, declarando-os inaplicáveis por ofensivos a direitos, lhes tira toda eficácia jurídica.

Pontes de Miranda (1967, p.343), se não apresentou tal noção nas mesmas palavras aqui defendidas, já as colocou de forma, no mínimo, muito parecida, e com ideia análoga:

[...] sempre que se discute se é constitucional ou não, o ato do poder executivo, ou do poder judiciário, ou do poder legislativo, a questão judicial está formulada, o elemento político foi excedido, e caiu-se no terreno da questão jurídica.

Pontes de Miranda, então, foi um dos precursores, no Brasil, do denominado ativismo judicial, tão criticado nos Estados Unidos, e analisados tal fenômeno em artigo de autoria de Paulo Gustavo Gonet Branco (2011, p.34):

As referências ao que se tem designado como ativismo judicial refletem outro caso de expressão utilizada sem maiores cuidados com a definição dos seus elementos constitutivos. Nem mesmo se encontra um consenso em torno de saber se a atitude é desejável ou negativa. O risco está em tornar a expressão inútil por superabrangente, ou, ainda pior, em transformá-la numa daquelas armadilhas semânticas que enredam os participantes desavisados do debate público, fazendo-os supor verdades ainda não estabelecidas e levando-os a julgar instituições e a formar opiniões políticas a partir de mistificações dissolventes.

21 STF, HC 8.584/DF. Rel. Min. Muniz Barreto. “Revista do Supremo Tribunal Federal”, v. 42/135-221, p. 192-194.

Mesmo com tanta sinceridade intelectual do autor o que se constata, mais recentemente no Brasil, contudo, é uma utilização indiscriminada de tal termo, por um enorme entusiasmo dos novos juízes. E incentivada, de forma simbólica ou às vezes explicitamente mesmo, por ministros do Supremo Tribunal Federal.22