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Análise de depoimentos de mulheres mastectomizadas sobre o câncer de mama

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ANÁLISE DE DEPOIMENTOS DE MULHERES MASTECTOMIZADAS SOBRE O CÂNCER DE MAMA

JOSELITO SANTOS

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JOSELITO SANTOS

ANÁLISE DE DEPOIMENTOS DE MULHERES MASTECTOMIZADAS SOBRE O CÂNCER DE MAMA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, sob a orientação da Professora Doutora, Vânia de Vasconcelos Gico

Área de Concentração: Cultura e Representações. Linha de Pesquisa: Sociedade, Dinâmicas Culturais e Memória

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Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Biblioteca Setorial Especializada do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Santos, Joselito.

Análise de depoimentos de mulheres mastectomizadas sobre o câncer de mama/Joselito Santos. – Natal, RN,2007.

157 f.

Orientadora: ProfªDrª Vânia de Vasconcelos Gico.

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.

1. Sociofisiologia da doença – Dissertação. 2. Câncer de mama – Dissertação. 3. Corpo e narrativa – Dissertação. 4. Mulheres mastectomizadas – Dissertação. 5. Mulheres idosas – Câncer de mama – Dissertação. I. Gico, Vânia. II.Universidade Federal do Rio Grande do Norte. I. Título.

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ANÁLISE DE DEPOIMENTOS DE MULHERES MASTECTOMIZADAS SOBRE O CÂNCER DE MAMA

JOSELITO SANTOS

Aprovado em: 25 de maio de 2007

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________ Professora Doutora Vânia de Vasconcelos Gico - Orientadora

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

______________________________________________________________ Professor DoutorJosé Antônio Spinelli Lindoso - Examinador Titular Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

______________________________________________________________ Professora Doutora Denise Dias Barros - Examinadora Titular Universidade de São Paulo – USP

________________________________________________________________ Professora Doutora Elizabethe Cristina Fagundes de Souza - Examinadora Suplente

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

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DEDICATÓRIA

(In memorian)

À minha mãe, Maria de Lourdes, personagem anônima de um Nordeste desafiador.

Mãe, espírito de altivez. Mãe, gênio iluminado,

mulher-imagem-guia, razão de minha existência. Com força e coragem, ela indicou-me o caminho

da escola, da ética, da responsabilidade, da lealdade e da gratidão. Lutou por minha decência e ensinou-me a nunca desistir, mesmo quando o não insistia em prevalecer. Persistir foi seu lema. Dignidade seu maior legado.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida e pela oportunidade de realizar mais um sonho.

Eterna Gratidão à minha esposa, Marly Costa, pelo companheirismo e pela longa espera do meu retorno, nas minhas quase intermináveis viagens, na trajetória de minha vida acadêmica e profissional. Pela doação, pelas noites mal-dormidas, por dias de solidão em função dessa conquista.

Aos meus inseparáveis e inigualáveis irmãos Itamar, Josimar, Pedro, Lânia e Joyce. Ao meu bravo pai, José Velez, por ter superado barreiras quase intransponíveis. Aos meus sobrinhos Yuri, Mazinho, Ane, Gabi, Diego, Juninho e Matheus. A Vanilsa, Eliene e Joseane. Agradecimentos a todos pela confiança depositada em mim, por nossas parcerias e amizade, pela força e fé em dias melhores para todos nós.

Às mulheres mastectomizadas que conheci na minha trajetória acadêmica e profissional, e àquelas cujas biografias possibilitaram a realização deste trabalho, demarcado com carinho e respeito mútuo.

Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

A todos os amigos da Pós-Graduação com os quais tive a oportunidade de partilhar textos, livros, aulas, debates e sonhos.

A todos os meus sábios professores da UFRN, por terem participado de minha história e me possibilitado a aquisição de conhecimentos valiosos que mudaram a minha vida para melhor.

Aos membros da Banca Examinadora: Professor Doutor, José Antônio Spinelli Lindoso, Examinador Titular, Universidade Federal do Rio Grande do Norte –

UFRN; Professora Doutora Denise Dias Barros - Examinadora Titular, Universidade de São Paulo – USP; Profa. Dra. Elizabethe Cristina Fagundes de

Souza - Examinadora Suplente, Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN; Professora Doutora Geovânia da Silva Toscano - Examinadora Suplente, Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN.

Agradecimento Especial

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RESUMO

O câncer de mama é a neoplasia mais incidente nas mulheres brasileiras, configurando-se como importante causa de morte feminina, no Brasil. Sua magnitude leva-nos a considerá-lo uma doença que extrapola o puramente biológico e numérico, estendendo-se à dimensão subjetiva e interrelacional, ao convívio e às experiências sociais, adentrando num campo múltiplo de saberes e práticas. Vinculando-se ao processo de envelhecimento, o câncer de mama alcança dimensão social, econômica e cultural, e demarca percursos institucionais, individuais e coletivos, sendo socialmente construído na trama das relações sociais, através das quais adquire significado. Contextualizando o aumento da expectativa de vida e do número de idosos, consideramos que os anos vividos a mais correspondem à exposição dos indivíduos a um conjunto de agressores ambientais e de processos próprios da constituição humana de desgaste natural, como as doenças crônico-degenerativas, a exemplo do câncer. Nessa perspectiva, coletamos narrativas de mulheres mastectomizadas com 60 anos e mais, sobre o câncer de mama, o corpo e o envelhecimento, tendo como objetivos refletir sobre questões relativas à compreensão do câncer, como experiência, vivida e significada em contextos de ação e interação de mulheres idosas mastectomizadas; compreender como as mulheres se interrelacionam e reagem às modificações decorrentes da doença e do envelhecimento, no cotidiano de suas vidas. A partir das narrativas, compreendemos que a doença é um dado inicial que toma forma a partir de sucessivas aproximações dessas mulheres da realidade que as cerca, desde a família até a instituição hospitalar. O câncer de mama continua sendo uma doença que causa muita apreensão e medo, alcançando e modificando a vida da doente de forma marcante. Tendo o corpo e o envelhecimento afetados e redimensionados pela doença, as mulheres precisam definir novos e múltiplos papéis sociais devido às contingências que a doença lhes impõe.

Palavras-chave: Sociofisiologia da doença; Câncer de mama; Corpo e narrativa; Mulheres mastectomizadas; Mulheres idosas - câncer de mama.

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ABSTRACT

The breast cancer is the most incident neoplasia in Brazilian women, configure as important cause of female death in Brazil. Its magnitude is go to be consider as a disease that go out the biological and numerical, extending of the subjective dimension and interrelationships of society and socials experiences, to into in knowledge and practices. Linking of the growing older process, the breast cancer extend as social, economical and cultural dimensions, madding in plot of socials relationships, through that acquire mean. In the context of the high expectative of live and the high number of older age persons, consider that that the high number of years had lived correspond the exposition of this individuals to corporate of the ambientals’ aggressions and own processes of human constitution of natural wear, like as chronicle-degenerate disease, the example is cancer. In the perspective, we collected narratives of mastectomies women with 60 age or so, about the breast cancer, the body and the growing older process, had has as objectives to reflexes about relatives questions, the comprehension about cancer, like experience, had lived and mean in the context of action and interaction of mastectomies older women, and to comprehend like women interrelationships and respond the changes that grow up of the disease and the growing older process in the everyday of their lives. Through of the narratives. We know that the disease is an initial information that take a form through successives approximation between women with their reality, since the family from hospital institution. The breast cancer to be continue a disease who cause a lot of apprehension and fear, getting and changing the ill’s live as marked form. Have dad the body and the growing older process genteels and redimensions by disease, women need to define news and multiples functions due to the contingency that the disease impose.

Key-words: Sociolphysiologic of disease; Breast cancer; Mastectomies women; Older

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LISTA DE GRÁFICOS E QUADROS

Gráfico 1 Estimativas do número de casos novos de câncer no mundo e nos países semi-periféricos

25

Gráfico 2 Estimativas do número de casos novos de câncer por sexo no Brasil para 2006

26

Gráfico 3 Internações hospitalares por neoplasias no SUS (2000-2005) 27

Gráfico 4 Estimativas do número de casos novos de câncer no Brasil, por região, para 2006

27

Gráfico 5 Estimativas do número de casos novos de câncer de mama no Brasil, por região, para 2006

28

Gráfico 6 Estimativas do número de casos novos de câncer de mama na Região Nordeste para 2006

33

Gráfico 7 Estimativas do número de casos novos de câncer no Brasil para 2000 – homens e mulheres

36

Gráfico 8 Estimativas da mortalidade por câncer no Brasil para 2000 – homens e mulheres

36

Gráfico 9 Estimativas do número de casos novos de câncer no mundo (2000-2020)

39

Gráfico 10 Estimativas do número de idosos no Brasil (2000-2020) 41

Quadro 1 Ordenação dos cinco principais tipos de câncer nas regiões brasileiras – homens

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Quadro 2 Ordenação dos cinco principais tipos de câncer nas regiões brasileiras – mulheres

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 9

2 COMPREENDENDO O ADOECIMENTO HUMANO NO CONTEXTO DO CÂNCER DE MAMA, DO CORPO E DO ENVELHECIMENTO ... 20

2.1 Construção social do envelhecimento e da velhice ... 39

2.2 Significando o corpo na experiência social ... 55

3 NARRATIVAS DE MULHERES MASTECTOMIZADAS: ouvindo a palavra, entendendo a doença, o corpo e o envelhecimento ... 68

3.1 Itinerário inicial ... 72

3.2 Narrativas e personagens ... 74

3.2.1 A doença ... 74

3.2.2 A mama ... 84

3.2.3 O tratamento ... 91

3.2.4 O corpo ... 96

3.2.5 A velhice ... 107

3.2.6 Compreensão das instituições ... 116

3.2.6.1 Instituições oficiais de saúde ... 117

3.2.6.2 Instituições não-oficiais de saúde ... 123

3.2.7 O papel da família ... 129

3.2.8 As mulheres entre si ... 133

4 REFLEXÕES FINAIS ... 137

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A discussão em torno do adoecer humano não compreende apenas a abordagem de seu aspecto biológico, porque suscita suas implicações sociais e culturais, numa dimensão construída pelos indivíduos, através de seus saberes, de suas experiências e de suas práticas. Os processos de compreensão do adoecimento humano e da saúde englobam, então, novas atitudes e posicionamentos diante de determinadas patologias que alcançam dimensões espetaculares e que representam inúmeros desafios para as diversas esferas do saber contemporâneo, abarcando um conjunto de fatores que não encontram argumentos explicativos e compreensivos a partir de um único olhar. Desse modo, o processo saúde-doença assume vital importância para as ciências humanas e sociais, intensificando-se o interesse dessas áreas do saber no estudo dessa temática, cuja compreensão, muitas vezes, tem sido restrita às ciências biomédicas.

Tal consideração pode-se estender ao adoecimento pelo câncer que, entre os brasileiros, é a segunda maior causa de mortes por doença, representando 11,84% do total dos óbitos registrados em 2002. Para o ano 2006, foram estimados 472.050 casos novos de câncer, e, para o câncer de mama, 49.000 casos novos, sendo esse tipo de câncer a principal causa de morte feminina pela doença no Brasil. (BRASIL, 2006a).

Entretanto, esses números apenas expressam uma face dessa problemática, já que o câncer é um problema de repercussão social, econômica e cultural, demarcando percursos institucionais, individuais e coletivos no seio do fazer saúde em nosso meio. É uma doença que vai além do nível biológico e dos números, estendendo-se à dimensão subjetiva e interrelacional, ao convívio e à experiência de homens e mulheres, adentrando num campo múltiplo de saberes e práticas.

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saúde e população. Através de nossa experiência reportamo-nos aos profissionais ligados à área de saúde, que, independente de sua formação, função ou hierarquia, têm tanto o dever e o compromisso de atender bem – com atitude humanizada –, quanto o de compreender os viveres e as percepções dos “pacientes”, visando a entender o processo em que estão inseridos, compreendendo, também, como suas trajetórias de vida se entrecruzam.

Reiteramos, dessa forma, que a discussão em torno de como o processo de adoecer humano extrapola o puramente biológico tem possibilitado uma melhor compreensão dessa problemática e suscitado a necessidade de se incluir, nesse fenômeno, implicações sócio-culturais, como dimensões construídas pelos indivíduos. Desse modo, o processo saúde-doença assume vital importância para as ciências humanas e sociais, haja vista o crescente interesse dessas áreas do saber no estudo desse objeto. (MINAYO; COIMBRA Jr. 2002; TEIXEIRA; SCHULZE; CAMARGO, 2002; VIEIRA, 2002; RABELO; ALVES; SOUZA, 1999; RODRIGUES, 1999).

No campo do envelhecimento humano, a realidade não é diferente. Tomando-se como referência o aumento da expectativa de vida e o aumento do número de idosos, é importante situar que, ao existir o aumento do número de anos vividos, tem-se também a exposição dos indivíduos a uma série de agressores ambientais e de processos próprios da constituição humana de desgaste natural, como as doenças crônico-degenerativas, que se configuram como importante problema de saúde pública em nosso meio, a exemplo do câncer.

Ao colocarmos essa discussão no campo das ciências sociais, consideramos que, em relação ao câncer, ao corpo e à velhice, há todo um investimento simbólico que deve ser tomado em consideração, visto que a ênfase biomédica para explicá-los parece-nos insuficiente. Por essa razão, interessa-nos compreender, neste trabalho, como as pessoas que adoecem concebem seu problema e seu próprio corpo e qual o significado que atribuem a sua doença.

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inseridas. A partir da aproximação do contexto de mulheres mastectomizadas, é possível lançarmos um novo olhar sobre a doença, conciliando os conhecimentos das ciências sociais e da biomedicina, numa “partilha” de saberes que possibilite melhor compreender esse objeto de estudo, o que reforça a necessidade de uma maior aproximação entre esses campos que buscam compreender e explicar o humano.

Através da experiência pessoal e profissional com pacientes portadores de câncer, percebemos muito mais que nossa posição de observação e assistência frente a eles, porque somos seus ouvintes, restabelecendo novos caminhos de interpretação através das experiências que eles nos passam por estarem experimentando momentos difíceis sob a ação da doença. Experienciamos suas atitudes, seus medos, seus segredos, suas visões de mundo e, sobretudo, o significado atribuído à doença, ao próprio corpo, lócus originário de seus diálogos e seus depoimentos.

Nossa ênfase a esse significado através das narrativas de mulheres mastectomizadas sobre o câncer de mama e o corpo, justifica-se por ser no corpo, acometido pelo câncer, onde mais se assevera a própria significação, na medida em que outros fatos se acrescentam à ação dos medicamentos e das terapias: a perda de partes do corpo, as deformações de áreas valorizadas e importantes para a auto-estima e para o trabalho e a rotina diária das mulheres que vivem essa problemática.

Nesse sentido, corroboramos a visão de Benjamin (1994), para o qual, é através da narrativa que o narrador retira da experiência o que ele conta, sendo, ao mesmo tempo, sua própria experiência ou a relatada pelos outros. Desse modo, acreditamos que as mulheres, ao contarem suas experiências, introduzem-nos em suas vidas, colocando-introduzem-nos como participantes da sua experiência, fazendo do pesquisador um sujeito dessa experiência. A propósito, a observação de Schmidt (apud DUTRA, 2002) é pertinente, quando enfatiza que cabe ao pesquisador colocar-se mais como um recolhedor da experiência, inspirado pela vontade de compreender, do que como um analisador à cata de explicações.

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tratar, por certo, das experiências que atravessam corredores e enfermarias, mas também, muito profundamente, de práticas e de convívio, de construções e reconstruções que as pessoas com a doença podem estabelecer, se canais de aproximação e de reciprocidade forem estabelecidos e mantidos. Consideramos, então, que nossas histórias de vida se entrelaçam com outras vidas e outras histórias que significamos à luz de nossas experiências.

Ao enfocarmos essa perspectiva do ato de se envolver, cremos que as pessoas que adoecem, ao se relacionarem conosco, mostram suas experiências e nos falam sobre elas. Suas experiências nos introduzem em suas vidas e nos tornam atores de suas experimentações, fazendo-nos, simultaneamente, observadores, interlocutores, confidentes, aprendizes, pesquisadores, sujeitos dessa experiência.

Desse modo, refletimos sobre questões relativas ao câncer, sobretudo, destacando a importância da condição da doença e da explicação/compreensão daqueles que a experimentam. Através dessa reflexão, vêm à tona recomposições de vidas marcadas pela doença, na valorização dos sujeitos desse processo, que são as pessoas portadoras da doença, e, de certa forma, dando-lhes voz, através do pesquisador-narrador e de suas lembranças. Assim, nos incursionamos, enquanto coletores de narrativas de mulheres mastectomizadas com 60 anos e mais, sobre o câncer de mama, o corpo e o envelhecimento, com dois objetivos: em primeira instância, refletir sobre questões relativas à compreensão do câncer, como experiência vivida e significada em contextos de ação e interação de mulheres idosas mastectomizadas, e, em segunda instância, compreender como as mulheres se interrelacionam e reagem às modificações decorrentes da doença e do envelhecimento, no cotidiano de suas vidas.

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mastectomizadas, cujas narrativas são recuperadas, de acordo com os objetivos propostos para esta dissertação e categorizadas a partir da “biografia da doença”, compreendida como impressões contidas nas anotações do período em questão. A cada categoria são recuperadas as memórias registradas sobre cada personagem que faz parte do elenco biográfico selecionado.

Optamos por esse tipo de pesquisa porque a metodologia qualitativista possibilita uma melhor compreensão de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social face à configuração das estruturas societais. (HAGUETTE, 1997).

As narrativas das mulheres são recuperadas em unidades de significação e analisadas de acordo com os objetivos propostos pela metodologia qualitativa, que compreende o processo saúde-doença considerando os aspectos sócio-econômicos e culturais vivenciados pelas usuárias, cujos valores, ideologias, crenças estão relacionados com as ações de saúde.

Nessa perspectiva, a saúde, a doença, o corpo e a velhice, no seio da sociedade contemporânea, podem ser revistos sob uma dimensão cultural. Ao adotarmos essa perspectiva, introduzimos o pensamento de Morin (2002), que reconhece a cultura como o patrimônio organizador da sociedade, que concentra um duplo capital: o cognitivo e técnico (práticas, saberes, regras); o mitológico e ritual (crenças, normas, interdições, valores), que permite rememoração, comunicação, transmissão de indivíduo para indivíduo e de geração para geração.

Como estratégia de pesquisa, apoiamo-nos na narrativa, que ressurge para coleta de dados, pelos cientistas sociais, como pensa Queiroz (1988), em contraposição às técnicas quantitativas que, à base numérica, reduzem o significado da realidade social. Um outro aspecto é que a narrativa possibilita a construção e a reconstituição da história, por meio dos relatos individuais ou coletivos. É um campo transdisciplinar que possibilita às outras áreas religarem-se nos campos teóricas, especialmente no tratamento e na análireligarem-se da informação oral.

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a determinado grupo e, considerando que os indivíduos constroem a sociedade, ela não é só uma realidade objetiva, externa ao indivíduo, mas, uma realidade que existe dentro dele, logo, seus conflitos também (AUGRAS, 1997), não diferentemente daquilo que ocorre com as pacientes com câncer, acrescidas as características inerentes à velhice e ao envelhecimento.

Assim, nossa preocupação com essa fase da vida vem corroborar com o pensamento de Augras (Idem) de que cada um de nós vive negociando uma auto-imagem, com os outros e em função dos outros e daquilo que estão esperando. Coletar narrativas de mulheres com 60 anos e mais, no contexto do câncer, parece-nos contextualizar essa situação, porque oferece a oportunidade para dar forma à memória pessoal e coletiva, tão significante nessa fase, por já terem essas mulheres experimentado inúmeras situações que descrevem suas trajetórias de vida. Nessa perspectiva, o pensamento de Menezes; Aires; Souza (2003) ajudam-nos nessa argumentação, ao compreender que a memória é de grande importância para a demarcação de identidades individuais, familiar ou de grupo. Halbwachs (2006) entende a memória como resultado da interação social e Pollak (1989) expõe que o relato sobre o passado marca o pertencimento do indivíduo ao grupo, a continuidade dentro do tempo e o sentimento de coerência.

Através dessas considerações sobre narrativa e memória, buscamos um espaço de reflexão sobre o contexto em que estão inseridas as mulheres com 60 anos e mais e que tiveram câncer de mama e foram mastectomizadas, de modo que várias possibilidades possam emergir e que seja possível uma compreensão mais aproximada das vivências e da avaliação da situação que essa camada da população faz de si própria, pelo fato de ter experienciado o processo de adoecimento e modificação do seu corpo numa fase de vida estigmatizada: a velhice, como resultado de uma construção sócio-histórica.

Nessa perspectiva, a narrativa, além de representar o impulso renovador no desenvolvimento de trabalhos no campo da história sócio-cultural, retoma a preocupação com o cotidiano da vida, passando a constituir importante referencial para trabalhos nas ciências da saúde, humanas e sociais, ressaltando, o contexto complexo do campo da saúde no mundo contemporâneo.

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concepção natural. Esse pensamento é corroborado por Latour, na abordagem de Cardoso (2000), em que sinais e sintomas fazem parte das redes que tecem a história do mundo que são, concomitantemente, reais, como a natureza, contadas/narrativizadas, como as falas, e coletivas, como a sociedade.

Desse modo, sinais e sintomas são partes integrantes do corpo que é um construto sócio-cultural e, ao examiná-lo, ao buscar compreendê-lo, os profissionais estabelecem mais que uma mera observação: um momento (re)construtivo do corpo que observam, na medida em que reinterpretam e constroem narrativas sobre o corpo, sobre a doença.

Desde o fim da década de 1960, as narrativas de doenças assumiram destaque nos estudos realizados por antropólogos, sociólogos, literatos, médicos e outros profissionais, sendo encaradas como caminhos ao entendimento dos esforços dos pacientes para lidar com suas vidas, sobretudo, face aos problemas da quebra de identidade causados pelas doenças crônicas. (CARDOSO; CAMARGO Jr.; LLERENA Jr., 2002).

Esses autores discutem a narrativa a partir de diversos trabalhos que versam sobre esse tema e que nos permitem adentrar nesse campo. Introduzem o pensamento de Paul Ricoeur, que vê na historicidade e na narratividade uma relação simbiótica e na história um discurso de bases narrativas, já que é assentado num enredo traçado e até determinado pelo historiador. Desse modo, todo o entendimento histórico compreende uma concepção de narrativa. Por sua vez, Kleinman (apud CARDOSO; CAMARGO Jr.; LLERENA Jr., 2002), baseado na categoria sofrimento e a condição humana, como social e culturalmente edificada, postula a narrativa como a forma pela qual os doentes modelam e dão sentido aos seus padecimentos. Para ele, as orientações culturais da coletividade em que as pessoas vivem, organizam o senso comum sobre como entender e cuidar das enfermidades, por isso, as experiências de adoecimento são sempre culturalmente moduladas.

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nova configuração da narrativa tem levado a mudanças temáticas, teóricas e metodológicas dos trabalhos desenvolvidos nos últimos dez anos. A transformação temática refere-se ao deslocamento da narrativa como meio de estudo das práticas médicas, com relação às experiências do sofrimento dos doentes. A mudança teórica diz respeito à possibilidade de se estudar a realidade da doença à parte das concepções e definições do discurso biomédico, e a modificação metodológica remete-se à consciência de que fatores situacionais influenciam as narrativas e que continuamente novas narrativas são produzidas pela mesma pessoa, dependendo de novos contextos, como aqueles desenvolvidos pela pesquisadora Denise Dias Barros, principalmente, os trabalhos realizados em “Território Dogon”, na África, discutindo a dimensão social da doença. (BARROS, 2004).

Uma análise dos trabalhos de Kleinman e Hydén (Ibidem) evidencia uma diferenciação na abordagem de ambos: o primeiro, após estabelecer uma rede analítica de acesso aos sentidos das doenças e narrar as experiências de adoecimento de seus pacientes, volta-se para a proposição de um guia aplicável à assistência aos pacientes, visando a alterar a educação e o treinamento médicos; o outro, fornece uma abordagem teórico-metodológica dos estudos sobre doença através da descrição e análise de diferentes proposições. Um, parte do determinismo sociocultural moldando os discursos médicos e leigos e, o outro, das bases epistemológicas da sociologia, para conferir às narrativas da doença a condição de processos socioculturais, como uma transformação e expressão do sofrimento dos corpos e como a tentativa das pessoas que sofrem, de construírem um novo contexto para suas vidas.

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constituindo mensagem porque existe para o outro. Neste trabalho, assumimos que uma pessoa possa expressar-se correlacionando os quatro tipos ideais, embora possa existir a predominância das características de um tipo ideal. Ao existirem na abstração, eles serão sempre parâmetros para observação.

Por sua vez, a experiência de Frank (apud CARDOSO; CAMARGO Jr.; LLERENA Jr., 2002) com o câncer o conduz a refletir que os corpos precisam de vozes e delas se utilizam para construir diversas narrativas que mudam, assim como são passíveis de transformação as relações do corpo doente com a doença. O autor identifica três tipos de linhas narrativas: restituição, que é o retorno da saúde; caos significando negação de qualquer expectativa de melhora; conquista, sendo a doença motivo de uma jornada que se transforma numa conquista, se não da saúde, mas da própria identidade.

Assim, a narrativa constitui-se da experiência contada pelo narrador e ouvida pelo outro, o ouvinte. O ouvinte, ao contar aquilo que ouviu, transforma-se em narrador, porque sua experiência já se introduziu na história. É possível nos aproximarmos da experiência, através da narrativa como é vivida pelo narrador. A narrativa mantém os valores e percepções presentes na experiência narrada, contidos na história do sujeito e transmitidos, naquele momento, para o pesquisador. O narrador conta sua experiência e possibilita que o outro a escute e a transforme, de acordo com a sua interpretação, levando a experiência a uma maior amplitude, tal como ocorre na narrativa, como pensa Dutra (2002), embora a interpretação do pesquisador seja influenciada pela sua própria escuta.

A narrativa traz à tona múltiplos sentimentos e recomposições para os ouvintes, já que o narrador, ao transmitir suas experiências, permite que se coloquem à luz de nossas experiências os significados de sua (nossa) narrativa, expandindo-a através do outro além do “eu”, reconstruindo-se através do outro, numa dimensão coletiva. Desse modo, poderíamos pensar como Ítalo Calvino (2004), ao contemplar o mundo: de quem são os olhos que olham? Como é possível observar alguma coisa, deixando à parte o eu? Do lado de lá está o mundo; mas, e do lado de cá? Também o mundo: que outra coisa queríamos que fosse?

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O processo saúde-doença tem merecido atenção especial das Ciências Sociais, sobretudo pela concepção de que não se encerra no campo biológico, mas está circunscrito numa série de fatores políticos, econômicos, sociais e culturais.

Na dimensão política, discute-se a exigência de programas e ações de promoção e prevenção da saúde, de tratamento e controle de doenças, além da organização de uma rede de serviços adequados e profissionais habilitados a atuar nas diversas regiões do Brasil. No plano econômico, é premente a necessidade de mobilização racional para alocar recursos financeiros dentro de uma lógica nacional e local-regional, que permita aos gestores disponibilizarem para a população uma rede organizada e apta a atender a demanda, com disponibilidade de horários e uma estrutura física e de recursos adequados à realidade de cada região. Na dimensão sócio-cultural, considera-se a necessidade de uma agenda de trabalho voltada para a promoção da saúde, priorizando a atenção básica de saúde, buscando a inversão da idéia de ação hospitalocêntrica pela de saúde comunitária e aproximando os saberes e práticas médicas das populares, especialmente nas remotas regiões mais pobres do país, como aborda Menezes, em seu trabalho “para uma concepção emancipatória da saúde e das medicinas" (2005).

O câncer, marcadamente, no contexto desses fatores, tem-se evidenciado como uma doença relacionada com as mudanças sociais amplas, especialmente no contexto mundial da urbanização, industrialização e dos estilos de vida que caracterizam o mundo contemporâneo. Em relação à incidência do câncer, estudos do Ministério da Saúde (BRASIL, 2006a) informam seu crescimento no Brasil e no mundo, num ritmo que acompanha o envelhecimento populacional decorrente do aumento da expectativa de vida.

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das últimas décadas, que alteraram a situação de saúde dos povos, pela urbanização acelerada, pelos novos modos de vida e novos padrões de consumo.

Em decorrência do maior controle das doenças que afetam os países semi-periféricos, observa-se, nas últimas décadas, uma transição demográfica e epidemiológica importante, demarcando novos espaços sociais e a própria existência social. A constatação é de que estamos vivendo mais e expostos a uma série de fatores ambientais e aqueles característicos do processo de envelhecimento, e de que necessitamos conhecê-los, em suas diversas manifestações, para melhor compreendê-los, entendimento que estamos levando em consideração no estudo das “narrativas de mulheres mastectomizadas”, ao ouvir e analisar suas vozes sobre o corpo, a doença e o envelhecimento.

Assim, nossos estudos nos informam que câncer é o nome dado a um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado (maligno) de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se (metástase) para outras regiões do corpo. Dividindo-se rapidamente, estas células tendem a ser muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores (acúmulo de células cancerosas) ou neoplasias malignas. Por outro lado, um tumor benigno significa simplesmente uma massa localizada de células que se multiplicam vagarosamente e se assemelham ao seu tecido original, raramente constituindo um risco de vida. (BRASIL, 2007a).

Os diferentes tipos de câncer correspondem aos vários tipos de células do corpo. Existem diversos tipos de câncer de pele, porque a pele é formada de mais de um tipo de célula. Se o câncer tem início em tecidos epiteliais, como pele e mucosas, ele é denominado carcinoma. Se começa em tecidos conjuntivos, como osso, músculo ou cartilagem, é chamado de sarcoma. Outras características que diferenciam os diversos tipos de câncer entre si são a velocidade de multiplicação das células e a capacidade de invasão de tecidos e órgãos vizinhos ou distantes (metástases). (Idem).

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agressões externas. Esses fatores causais podem interagir de várias formas, aumentando a probabilidade de transformações malignas nas células normais (Ibidem).

De todos os casos, 80% a 90% dos cânceres estão associados a fatores ambientais. Alguns deles são bem conhecidos, como o cigarro, que pode causar câncer de pulmão; a exposição excessiva ao sol, que pode causar câncer de pele, e alguns vírus, que podem causar leucemia. Outros estão em estudo, como alguns componentes dos alimentos que ingerimos, e muitos são ainda completamente desconhecidos. Por sua vez, o envelhecimento traz mudanças nas células que aumentam a sua suscetibilidade à transformação maligna. Isso, somado ao fato de as células das pessoas idosas terem sido expostas por mais tempo aos diferentes fatores de risco para o câncer, explica, em parte, o porquê de o câncer ser mais freqüente nesses indivíduos. Os fatores de risco ambientais de câncer são denominados cancerígenos ou carcinógenos. Esses fatores atuam alterando a estrutura genética (DNA) das células. O surgimento do câncer depende da intensidade e duração da exposição das células aos agentes causadores de câncer. Por exemplo, o risco de uma pessoa desenvolver câncer de pulmão é diretamente proporcional ao número de cigarros fumados por dia e ao número de anos que ela vem fumando. (Op.cit.).

Os fatores de risco de câncer podem ser encontrados no meio ambiente ou podem ser herdados. A maioria dos casos de câncer está relacionada com o meio ambiente, no qual encontramos um grande número de fatores de risco. Entende-se por ambiente o meio em geral (água, terra e ar), o ambiente ocupacional (indústrias químicas e afins), o ambiente de consumo (alimentos, medicamentos), o ambiente sociocultural (estilo e hábitos de vida). As mudanças provocadas no meio ambiente pelo próprio homem, os 'hábitos' e o 'estilo de vida' adotados pelas pessoas podem determinar diferentes tipos de câncer. (Passim).

(26)

a primeira e a segunda causa de morte por doença no Brasil. Por sua vez, a partir da década de 1930, com a queda da mortalidade causada pelas doenças infecciosas e parasitárias, as neoplasias, juntamente com as doenças do aparelho circulatório, vêm sendo responsáveis por um número cada vez maior de óbitos, apontando para uma mudança no perfil de mortalidade semelhante àquela observada nos países centrais. (KLIGERMAN, 2000).

A progressiva ascensão da mortalidade por doenças crônico-degenerativas exige a elaboração de um sistema de informações voltado para as doenças crônicas não transmissíveis. No contexto dessas informações e dessa transição epidemiológica, as neoplasias malignas merecem abordagem diferenciada, por apresentarem um aumento de sua prevalência, por ser utilizado grande volume de recursos financeiros para combatê-las e por representarem grande ônus institucional e social, bem como por uma crescente importância como causa de doença e de morte no país. (Idem).

Compreender o câncer também significa dispor de um sistema de informação que permita dimensionar a sua magnitude. Para tanto, as estimativas sobre mortalidade e incidência fornecem um conjunto de informações que permitem um melhor entendimento de ambas no cenário brasileiro, assim como subsídios para o planejamento de ações.

Nessa perspectiva, o controle do câncer no país ocorre com base no perfil de morbidade e mortalidade nos diversos estados e municípios brasileiros, que varia de uma região para outra. Através das estimativas de casos novos de câncer, de acordo com localizações primárias, são oferecidas informações epidemiológicas importantes para o planejamento de ações de promoção à saúde, detecção precoce e de atenção oncológica em todos os níveis. A expectativa dos pesquisadores especialistas nos estudos que vêm sendo desenvolvidos é garantir o aprimoramento constante da metodologia, visando a oferecer estimativas que indiquem a magnitude real do câncer no Brasil, na perspectiva de contribuir para ações, programas e políticas de câncer, como pensa Silva, L. (2006).

(27)

países semi-periféricos. Os tumores de pulmão (902 mil casos novos) e de próstata (543 mil casos novos) seriam os mais freqüentes no sexo masculino, enquanto, no sexo feminino, as maiores ocorrências seriam os tumores da mama (1 milhão de casos novos) e de colo do útero (471 mil casos novos), conforme pode ser visualizado no Gráfico 1.

Fonte: Parkin e colaboradores (apud BRASIL, 2006b).

No caso brasileiro, as estimativas para o ano 2006 apontavam para a ocorrência de 472.050 casos novos de câncer. Os tipos mais incidentes, com exceção dos de pele não melanoma, seriam os de próstata e pulmão, no sexo masculino, e de mama e colo do útero, no sexo feminino, acompanhando o mesmo perfil da magnitude observada no mundo. Foram esperados 234.570 casos novos, para o sexo masculino, e 237.480 casos novos, para o sexo feminino (Gráfico 2). Estimou-se que o câncer de pele não melanoma (116 mil casos novos) seria o câncer mais incidente na população brasileira, seguido dos tumores da mama feminina (49 mil), próstata (47 mil), pulmão (27 mil), cólon e reto (25 mil), estômago (23 mil) e colo do útero (19 mil). Especificamente, para o câncer de mama, o risco estimado foi de 52 casos para 100 mil mulheres. (Idem).

Gráfico 1 – Estimativas do número de casos novos de câncer no mundo e nos países semi-periféricos para 2006

0 2.000.000 4.000.000 6.000.000 8.000.000 10.000.000 12.000.000

Mundo Países

(28)

Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. 2006b.

Se considerarmos a exclusão dos casos de tumores de pele não-melanoma, foram 355 mil casos novos, correspondendo a quase 2 casos novos por ano, para cada 1.000 habitantes. Quanto à mortalidade, em 2004, o Brasil registrou 141 mil óbitos. Desse total, o câncer de pulmão, próstata e estômago foram as principais causas de morte por câncer em homens, e o câncer de mama, pulmão e intestino, as principais na mortalidade feminina por câncer. (BRASIL, 2006a).

Em relação ao atendimento, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 423 mil internações por neoplasias malignas em 2005 (Gráfico 3), além de 1,6 milhão de consultas ambulatoriais em oncologia. Mensalmente, são tratados cerca de 128 mil pacientes em quimioterapia e 98 mil em radioterapia ambulatorial, tendo sido observado um aumento expressivo no número de pacientes oncológicos atendidos pelas unidades de alta complexidade do SUS, nos últimos 5 anos. (Idem).

Gráfico 2 – Estimativas do número de casos novos de câncer por sexo no Brasil para 2006

234.570

237.480

233.000 234.000 235.000 236.000 237.000 238.000

(29)

Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde, 2006a.

A distribuição dos casos novos de câncer, segundo a localização primária, é bem heterogênea entre os estados e capitais do país; o que fica bem evidenciado ao se observar a representação espacial das diferentes taxas brutas de incidência. As regiões Sul e Sudeste apresentam as maiores taxas, enquanto que as regiões Norte e Nordeste mostram taxas mais baixas. As taxas da região Centro-Oeste apresentam um padrão intermediário, conforme dados contidos no Gráfico 4. (BRASIL, 2006b).

Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer, 2006b.

Gráfico 3 – Internações hospitalares por neoplasias no SUS (2000-2005) 100.000 200.000 300.000 400.000 500.000 Ano 2000 Ano 2001 Ano 2002 Ano 2003 Ano 2004 Ano 2005

Gráfico 4 – Estimativas do número de casos novos de câncer no Brasil, por região, para 2006

103.851 22% 245.466 52% 28.232 6% 18.882 4% 75.528 16% 0 50000 100000 150000 200000 250000 300000

Nordeste Norte

Centro-Oeste

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As estimativas contidas no Gráfico 5 indicam que, na região Sudeste, o câncer de mama é o mais incidente entre as mulheres, com um risco estimado de 71 casos novos por 100 mil mulheres. Sem considerar os tumores de pele não melanoma, esse tipo de câncer também é o mais freqüente nas mulheres das regiões Sul (69/100.000), Centro-Oeste (38/100.000) e Nordeste (27/100.000). Na região Norte é o segundo tumor mais incidente (15/100.000). (Idem).

Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer, 2006b.

Uma análise dos dados anteriores indica que o câncer de mama permanece como o segundo tipo de câncer mais freqüente no mundo e o primeiro entre as mulheres. Porém, a prevenção primária desse câncer ainda não é totalmente possível, pois fatores de risco ligados à vida reprodutiva da mulher e características genéticas estão envolvidos em sua etiologia. Estudos têm sido realizados no sentido de validar novas estratégias de rastreamento factíveis para países com dificuldades orçamentárias, já que o único método de detecção precoce que, até o momento, mostrou reduzir a mortalidade por câncer de mama, foi o rastreamento populacional com mamografia para mulheres com idade entre 50 e 69 anos. No Sistema Único de Saúde (SUS), a prioridade atual é a realização do exame clínico da mama em mulheres que procuram o sistema de saúde por qualquer razão, especialmente naquelas que estão na faixa etária de

Gráfico 5 – Estimativas de novos casos de câncer de mama no Brasil, por região, para 2006 (taxas por 100 mil)

69/100.000 71/100.000

38/100.000

15/100.000 27/100.000

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Nordeste Norte Centro-Oeste

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maior risco. Os mamógrafos disponíveis devem ser prioritariamente utilizados no diagnóstico das mulheres com alterações prévias no exame clínico. (Ibidem).

Apesar de ser considerado um câncer de relativamente bom prognóstico, se diagnosticado e tratado oportunamente, as taxas de mortalidade por câncer de mama continuam elevadas no Brasil, muito provavelmente porque a doença ainda seja diagnosticada em estádios avançados. Na população mundial, a sobrevida média, após cinco anos, é de 61%. (Op. cit.).

Para o Instituto Nacional de Câncer - INCA, o câncer de mama é, provavelmente o mais temido pelas mulheres, tanto devido à sua alta freqüência, quanto aos efeitos psicológicos que afetam a percepção da sexualidade e a própria imagem pessoal. É uma doença relativamente rara, antes dos 35 anos de idade, mas, acima dessa faixa etária, sua incidência cresce rápida e progressivamente. Seus sintomas palpáveis são o nódulo ou tumor no seio, acompanhado ou não de dor mamária, podendo surgir alterações na pele que recobre a mama, como abaulamentos ou retrações ou um aspecto semelhante à casca de uma laranja, podendo, ainda, aparecer nódulos palpáveis na axila. (BRASIL, 2006c).

O INCA destaca que o histórico familiar é um importante fator de risco para o câncer de mama, especialmente se um ou mais parentes de primeiro grau (mãe ou irmã) foram acometidos por ele antes dos 50 anos de idade. Entretanto, o câncer de mama de caráter familiar corresponde a aproximadamente 10% do total de casos de cânceres de mama. A idade constitui um outro importante fator de risco, havendo um aumento rápido da incidência com o aumento da idade. A menarca precoce (idade da primeira menstruação), a menopausa tardia (instalada após os 50 anos de idade), a ocorrência da primeira gravidez após os 30 anos e a nuliparidade (não ter tido filhos), constituem também fatores de risco para o câncer de mama. (Idem).

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mesmo que em quantidade moderada, é identificada como fator de risco para o câncer de mama, assim como a exposição a radiações ionizantes em idade inferior a 35 anos.

As formas mais eficazes para detecção precoce do câncer de mama, conforme as recomendações do INCA, são: o Exame Clínico da Mama (ECM) e a mamografia. O ECM, se realizado por um médico ou enfermeira treinados, pode detectar tumor de até um centímetro, se superficial. A sensibilidade do ECM varia de 57% a 83%, em mulheres com idade entre 50 e 59 anos, e em torno de 71% nas que estão entre 40 e 49 anos. A especificidade varia de 88% a 96%, em mulheres com idade entre 50 e 59 e entre 71% a 84% nas que estão entre 40 e 49 anos. (Ibidem).

A mamografia é a radiografia da mama, sendo um recurso que permite a detecção precoce do câncer, por ser capaz de mostrar lesões em fase inicial, muito pequenas (de milímetros). É realizada em um aparelho de raio X apropriado, chamado mamógrafo. Nele, a mama é comprimida, de forma a fornecer melhores imagens e melhor capacidade de diagnóstico.

Estudos sobre a efetividade da mamografia sempre utilizam o exame clínico como exame adicional, o que torna difícil distinguir a sensibilidade do método como estratégia isolada de rastreamento. A sensibilidade varia de 46% a 88% e depende de fatores tais como: tamanho e localização da lesão, densidade do tecido mamário (mulheres mais jovens apresentam mamas mais densas), qualidade dos recursos técnicos e habilidade de interpretação do radiologista. A especificidade varia entre 82%, e 99% e é igualmente dependente da qualidade do exame. (Op. cit).

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Embora reconheça a importância do auto-exame, o INCA não o estimula como estratégia isolada de detecção precoce do câncer de mama. Recomenda que o exame das mamas, realizado pela própria mulher, faça parte das ações de educação para a saúde que contemplem o conhecimento do próprio corpo.

O auto-exame das mamas, isoladamente, não é eficiente para o rastreamento da doença e não contribui para a redução da mortalidade por câncer de mama. Além disso, esse método provoca um aumento do número de biópsias de lesões benignas, falsa sensação de segurança nos exames falsamente negativos e impacto psicológico negativo nos exames falsamente positivos. Por essas razões, o exame das mamas realizado pela própria mulher não substitui o exame físico realizado por profissional de saúde (médico ou enfermeiro) qualificado para essa atividade. (BRASIL, 2006d).

A detecção precoce ajuda no tratamento do câncer de mama, como é consenso entre os profissionais especializados, pois, quanto mais cedo é diagnosticado um câncer de mama, maiores são as chances da cura. Nesse sentido, o INCA publicou os Parâmetros Técnicos para Programação de Ações de Detecção Precoce do Câncer de Mama, para ajudar gestores estaduais e municipais de saúde no planejamento da atenção ao câncer de mama e para aumentar o número de diagnósticos precoces da doença (Idem).

Segundo o INCA, o tumor de mama é o que mais causa mortes entre as mulheres brasileiras, com mais de nove mil por ano. “A melhor forma de mudar esse quadro é com detecção precoce, que aumenta em 90% as chances de tratamento e cura do câncer”. (CORRÊA apud BRASIL, 2007b). Por essa razão, todos os níveis de atenção à saúde, de alta e de média complexidade e a atenção básica, devem estar articulados para que diagnósticos e tratamentos sejam oferecidos com qualidade, no momento adequado e a quem realmente necessita. Se acontecer a identificação de um tumor em um posto de saúde, é fundamental que os profissionais saibam fazer o encaminhamento, da forma mais adequada possível, para a continuidade do tratamento em uma unidade capacitada e habilitada no tratamento do câncer de mama.

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3,35% dos casos de câncer de mama receberam diagnóstico no começo da doença. O diagnóstico tardio afeta o tratamento e diminui as chances de cura das pacientes. A redução da mortalidade por câncer de mama é uma das diretrizes da Política Nacional de Atenção Oncológica, lançada em 2005, pelo Ministério da Saúde, para tratar o câncer como um problema de saúde pública. (BRASIL, 2007b).

Segundo os Parâmetros Técnicos para Programação de Ações de Detecção Precoce do Câncer de Mama, todas as mulheres com idade acima de 35 anos com casos de câncer da mama na família (mãe, irmã e filha) diagnosticados antes dos 50 anos, com câncer de ovário em qualquer idade ou com história de câncer de mama masculino na família, devem procurar anualmente atendimento no SUS para ser realizada a mamografia e o exame clínico por profissionais treinados, como médicos ou enfermeiros. Todas as mulheres com idade a partir de 40 anos devem realizar o exame clínico das mamas anualmente. Entre 50 e 69 anos, toda mulher deve fazer uma mamografia, no mínimo, a cada dois anos, além do exame clínico anualmente. O INCA recomenda a prática do auto-exame da mama apenas como uma estratégia de auto-conhecimento. (Idem).

Assim, a prevenção e o controle são fundamentais para o enfrentamento e combate ao câncer de mama, em função de sua magnitude e de sua importância como problema de saúde pública e causa de morte feminina no mundo, incluindo-se o Brasil. O câncer de mama apreincluindo-senta altas taxas de novos casos anualmente e as previsões não são animadoras, observando-se que a doença se comporta de forma diferente, nas diversas regiões do país.

(35)

Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer, 2006b.

A mortalidade por neoplasias também apresenta grande variação entre as unidades da Federação, refletindo as variações na própria incidência do câncer decorrentes de perfis heterogêneos de exposição a fatores de risco e modos de vida. Em geral, as taxas são maiores nos estados da Região Sul e menores na Região Norte, caracterizando um gradiente regional típico da situação de saúde do Brasil. Esse padrão geográfico também é fortemente influenciado pela qualidade dos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), como se constata pelas altas proporções de causas mal definidas de morte nas regiões Norte e Nordeste, apesar da melhora verificada na última década. (BRASIL, 2006a). Os dados sobre casos novos de câncer, por sexo, também se modificam e apresentam diferentes perfis, de acordo com cada região.

As variações regionais por sexo são decorrentes das diferenças no perfil de mortalidade dos diversos tipos de câncer, conforme dados nos Quadros 1 e 2. Na Região Norte, são altas as taxas de câncer de colo do útero, no sexo feminino, enquanto, na Região Sul, o câncer de esôfago, no sexo masculino, tem mortalidade maior do que em outras regiões. Além de refletirem a incidência e sua relação com os fatores de risco, modos de vida e qualidade das informações, as variações regionais da mortalidade por câncer também são influenciadas por diferenças nas condições de acesso, uso e desempenho dos serviços de saúde – componentes importantes das condições de vida da população brasileira. (Idem).

Gráfico 6 – Estimativas de novos casos de câncer de mama na Região Nordeste para o ano 2006 (taxas por 100 mil)

18,97 18,76 17,37

9,54 24,87

27,88 31,88 34,82 44,03

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

(36)

Quadro 1 - Ordenação dos cinco principais tipos de câncer nas regiões brasileiras (taxas por 100 mil) – Homens

NORTE NORDESTE

CENTRO-OESTE

SUDESTE SUL

1 próstata

22,04 Próstata 34,53 Próstata 46,00 próstata 63,26 próstata 68,13

2 estômago

10,71 Estômago 9,07 Pulmão 15,55 pulmão 23,59 pulmão 39,96

3 pulmão

7,99 Pulmão 8,07 estômago 13,29 estômago 20,29 estômago 22,97

4 leucemias

3,88

Cavidade oral 5,48

Cólon e reto 9,60

cólon e reto 16,89

cólon e reto 21,52

5 cólon e reto 2,96

cólon e reto 4,07 cavidade oral 7,27 cavidade oral 15,33 esôfago 17,38 Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer, 2006b.

Quadro 2 - Ordenação dos cinco principais tipos de câncer nas regiões brasileiras (taxas por 100 mil) – Mulheres

NORTE NORDESTE CENTRO-OESTE

SUDESTE SUL

1 Colo do útero 21,75 Mama 27,16 mama 37,99 mama 70,49 mama 69,04 2 mama 15,21

colo do útero 16,75

colo do útero 21,44

Cólon e reto 21,07

colo do útero 27,81 3 estômago

5,83

cólon e reto 5,43

cólon e reto 10,33

Colo de útero 19,62

cólon e reto 21,79 4 pulmão 4,99 Estômago 5,24 pulmão 8,65 pulmão 11,90 pulmão 16,16 5 cólon e reto

3,69 Pulmão 4,92 estômago 6,52 estômago 10,77 estômago 11,44 Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer, 2006b.

(37)

Especificamente em Campina Grande, o Hospital Universitário Alcides Carneiro (HUAC), mantém um ambulatório de oncologia e oferece tratamento em quimioterapia. Foi a partir dessa instituição que conhecemos, de perto, a problemática do câncer de mama.

No itinerário que demarca nosso percurso enquanto profissional de saúde e pesquisador, nossa proposta de trabalho já se delineava, desde a segunda metade da década de 1990, quando despertávamos para a importância do câncer de mama como sério problema de saúde pública entre nós, assim como para a tímida política para combatê-lo proporcionalmente ao seu avanço. A partir de então, também se efetivava o desejo de trabalhar com portadoras de câncer, pretensão que possibilitaria acompanhar, de perto, situações de adoecimento pelo câncer de mama e de busca pela cura da doença, bem como compreender as interações das mulheres e de seu entorno: a família, a sociedade e os profissionais de saúde.

Desse modo, nossas reflexões sobre o câncer de mama tomaram corpo entre os anos de 1997 e o 2000, período de intensa vivência em uma casa de apoio a portadores de câncer, enquanto funcionário do HUAC. Essa casa de apoio se caracterizava por prestar assistência gratuita a pessoas pauperizadas oriundas dos mais diversos municípios paraibanos, bem como de outros estados circunvizinhos, como Pernambuco e Rio Grande do Norte. Elas estavam em tratamento de radioterapia e/ou quimioterapia e não dispunham de condições para arcar com as despesas de hospedagem, alimentação, passagens e medicamentos.

As condições de vida das mulheres com câncer que assistíamos denunciavam que situações sócio-econômicas desfavoráveis mantinham uma forte relação com a não melhora ou piora do quadro de saúde.

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como um problema de saúde pública de dimensões nacionais. (KLIGERMAN, 2000).

Fonte: Kligerman, 2000. Fonte: Kligerman, 2000.

Tomando-se a situação atual, esses números apenas revelavam uma face dessa enorme problemática. Por sua magnitude, o câncer de mama era considerado e ainda se considera um problema de repercussão social, econômica e cultural, compreendendo uma doença que demarca percursos institucionais, individuais e coletivos. Significa uma doença que vai além do nível biológico e dos números, que se estende até a dimensão subjetiva e interrelacional, ao convívio e à experiência de homens e mulheres, e que adentra num campo múltiplo de saberes e práticas que muito refletem a dinâmica das relações sociais, a partir da doença e do envelhecimento.

Nossa experiência com as mulheres mastectomizadas nos permitiu mergulhar na realidade de seu processo de adoecimento, bem como nos possibilitou uma aproximação da complexidade do câncer de mama e do contexto de suas vidas no período do envelhecimento. Diante desses contextos, também nos situávamos e pensávamos sobre a vida, a doença, o corpo e a velhice e seus sentidos. Vivíamos de uma interação até então não experimentada e dela tinha início uma jornada no campo da saúde que nos levaria a indagar sobre a doença, o ser doente e as relações sociais.

Dessa inserção começava a se intensificar nosso interesse pelo universo da doença câncer de mama, do corpo e do envelhecimento, uma tríade complexa

Gráfico 7 – Estimativa de casos novos de câncer no Brasil para o ano 2000 –

homens e mulheres

49%

51%

Homens Mulheres

Gráfico 8 – Estimativas da mortalidade por câncer no Brasil para o ano 2000 –

homens e mulheres

54% 46%

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que se revelava como desafiadora, fascinante e revestida de emblemas e enigmas que desafiavam e desafiam a humanidade, ao mesmo tempo em que afetava e aflige mulheres, indiscriminadamente. Conforme intensificávamos nosso interesse, também observávamos a ênfase biomédica excessiva para explicar e tratar as mulheres.

A partir dessa observação constatávamos que a doença era concebida através de uma visão técnica, racionalista e instrumental – mais que interrelacioanal –, conformando um modelo que não conseguia alargar seu alcance além de si mesmo. Tal modelo impedia uma compreensão mais ampla e complexa da problemática do câncer de mama e da mastectomia, porque ambos eram tratados à base de prescrições medicamentosas e tecnológicas, enquanto outras terapias e interações sociais humanas ficavam num segundo plano. Observávamos que, além da necessidade de esclarecer as mulheres sobre a doença, sua dimensão, suas formas de prevenção e seus fatores de risco, também era preciso compreender as suas concepções de saúde e de doença para que fosse possível entender melhor esse processo. Acreditávamos que, aliando o progresso tecnológico das máquinas e dos fármacos com o contato humano no cuidado com a saúde do outro, haveria impactos mais positivos na melhora da qualidade de vida das mulheres mastectomizadas.

(40)

Parecia difícil aos profissionais de saúde romperem a rigidez do trabalho mecanicista e hierárquico, para utilizar sua autonomia profissional para romper as regras e normas pré-concebidas. Na maioria das vezes, o não rompimento dessas regras os conduzia a não compreender o significado que as mulheres atribuíam a sua doença, bem como a não perceber que a doença também se delineava como processo sócio-cultural e não só biológico.

Circunscritos pelo modelo dominante, os serviços que eram destinados ao tratamento oncológico estariam prescritos, quase que exclusivamente, pelo campo biomédico, sem uma clara definição ou contemplação de outras abordagens sobre a doença, apesar de algumas iniciativas de grupos de apoio psicossocial para assistir as mulheres mastectomizadas, indo além das cirurgias e terapias medicamentosas tradicionais. Esse panorama refletia a necessidade de novos tipos de abordagens que auxiliassem no tratamento, na melhora da qualidade de vida das mulheres e na compreensão do significado que elas atribuíam à doença.

Encaminhávamos à reflexão segundo a qual a discussão em torno do adoecer humano não se encerrava na abordagem de seu aspecto biológico, mas deveria extrapolá-lo, ou seja, conciliar as potencialidades e avanços técnicos e científicos da biomedicina com outras dimensões do existir e fazer mais humanizado. Esse passo adiante possibilitaria uma melhor compreensão do câncer de mama e também impelia-nos ao reconhecimento de uma série de implicações sociais e culturais nesse fenômeno, como realidade socialmente construída, resultante dos saberes, das experiências e práticas sociais. Por essa razão, essa doença representa inúmeros desafios para as diversas esferas do saber contemporâneo, porque abarca tamanho conjunto de fatores que não encontra argumentos explicativos e compreensivos a partir de um único olhar.

(41)

Gráfico 9 – Estimativas da incidência de câncer no mundo (2002 e 2020)

0 2.000.000 4.000.000 6.000.000 8.000.000 10.000.000 12.000.000 14.000.000 16.000.000

Ano 2002 Ano 2020

2.1 Construção social do envelhecimento e da velhice

O aumento da expectativa de vida relaciona-se, paradoxalmente, com uma maior susceptibilidade e vulnerabilidade dos idosos para certos tipos de doença, pois uma maior longevidade representa mais exposição a agentes de doenças relacionados à faixa-etária. Embora existam grandes realizações da biomedicina, relativas à compreensão da etiologia, do desenvolvimento, das formas de diagnóstico e do tratamento de doenças, aliadas ao avanço tecnológico da indústria alimentícia e farmacêutica, são escassas as ações de prevenção e gestão da vida para um envelhecimento saudável, proporcionalmente ao aumento das necessidades dessas ações. Ao mesmo tempo, essas realizações são colocados à prova quanto à capacidade humana de adaptação ao desgaste corpóreo, aliadas ao aumento de doenças que acometem as pessoas com 60 anos e mais, como o câncer, um desses componentes que caracterizam essa fase de mudança, sobre o qual precisamos nos deter para melhor compreendê-lo e enfrentá-lo.

O câncer é responsável por mais de 12% de todas as causas de óbito no mundo, causando a morte de mais de 7 milhões de pessoas, anualmente. Com o gradativo aumento da esperança de vida no contexto mundial, a incidência de câncer, que era estimada, em 2002, em 11 milhões de casos novos, alcançará mais de 15 milhões, em 2020 (Gráfico 9), de acordo a previsão, feita em 2005, pela International Union Against Cancer (UICC) (BRASIL, 2006a).

(42)

A explicação para este crescimento está na maior exposição dos indivíduos a fatores de risco cancerígenos. A redefinição dos padrões de vida, a partir da uniformização das condições de trabalho, nutrição e consumo desencadeada pelo processo global de industrialização, tem reflexos importantes no perfil epidemiológico das populações. As alterações demográficas, com redução das taxas de mortalidade e natalidade, indicam o prolongamento da expectativa de vida e o envelhecimento populacional, levando ao aumento da incidência de doenças crônico-degenerativas, especialmente as cardiovasculares e o câncer. (Idem).

O câncer constitui, assim, um problema de saúde pública para o mundo desenvolvido – e também para nações em desenvolvimento, nas quais a soma de casos novos diagnosticados a cada ano atinge 50% do total observado nos cinco continentes, como registrou, em 2002, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). No Brasil, a distribuição dos diferentes tipos de câncer sugere uma transição epidemiológica em andamento. Com o recente envelhecimento da população, que projeta o crescimento exponencial de idosos, é possível identificar um aumento expressivo na prevalência do câncer. (Ibidem).

O câncer resulta, diretamente, das grandes transformações globais das últimas décadas, que alteraram a situação de saúde dos povos pela urbanização acelerada, pelos novos modos de vida e padrões de consumo. A sua incidência cresce no Brasil e no mundo acompanhando o envelhecimento populacional decorrente do aumento da expectativa de vida. (Op. cit).

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Fonte: Berquó apud Lopes (2000).

Compreende-se então, que o aumento do número de idosos está vinculado a, pelo menos, duas grandes transformações: a demográfica e a epidemiológica. Por outro lado, a compreensão do processo de envelhecimento não se restringe a esses dois fenômenos da contemporaneidade, porque está vinculado às noções de existência e de valor entre categorias de idade tidas como distintas, e não como um percurso de encontros. É um período construído no seio de uma sociedade da produção e do consumo, na qual fins estéticos e produtivos impregnam um ideal de pessoa e de vida, cuja preconização é o retardo do envelhecimento e o prolongamento da juventude. Corresponde a um tempo em que envelhecer e (re)juvenescer tornam-se conflituosos, quando não, bem distantes, sendo um mais desejado e cultuado que o outro. Esses períodos são tratados como pares opostos, linhas de contramão, como se fossem inconciliáveis: fase ideal e não ideal de vida, ou ainda, período de atividade e inatividade, produtividade e improdutividade, ascensão e declínio.

É nesse contexto que surge o termo terceira idade, como uma idéia contemporânea de redefinição de espaços do idoso, uma nova construção social acrescentada às etapas da vida, referida entre a vida adulta e a velhice, propriamente dita. Nomeando a população entre 60 e 75 anos, na Europa, na qual a esperança de vida vem alcançando 80 e 90 anos, essa invenção se socializou no

Gráfico 10 – Estimativas do número de idosos no Brasil (2000 e 2020)

0 2.000.000 4.000.000 6.000.000 8.000.000 10.000.000 12.000.000 14.000.000 16.000.000 18.000.000

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mundo (MINAYO, 2002), e hoje já se pensa que é uma classificação em desuso, quando se imagina a construção social da velhice e a gestão da vida para um envelhecimento saudável.

Contrariamente aos países centrais, onde o aumento da expectativa de vida resultou de melhoria considerável das condições de vida das populações, no Brasil, muitos indivíduos estão vivendo por mais tempo, sem as mesmas condições. Num país marcado por desigualdades, o processo de envelhecimento pode reforçá-las, ainda mais. (BERQUÓ, 1999).

Nesse cenário, o acelerado crescimento da população idosa faz surgir grandes desafios, como a garantia de uma sobrevivência digna para todos que tiveram suas vidas prolongadas em anos, da busca de soluções adequadas, da inclusão do envelhecimento da população brasileira como elemento fundamental na elaboração de novas políticas e na agenda de investigações científicas do novo milênio. No âmbito da saúde, o envelhecimento exige o conhecimento de problemas prioritários e desenvolvimento de ações visando à sua resolução, como afirmam Uchoa; Firmo; Lima-Costa (2002).

A situação das pessoas com 60 anos e mais e do acelerado envelhecimento populacional, no Brasil e no Mundo, inclui-se nos temas da globalização e da cultura que é produzida nesse novo momento histórico, sobretudo, pelas mudanças que provoca e pelas potencialidades que encerra. Como um fenômeno sobre o qual ainda há pouca reflexão, necessita-se, para a sua compreensão, de uma perspectiva construtivista, em que as teorias e as propostas englobem os próprios atores delas destinatários (MINAYO, 2002), preocupação essa da nossa pesquisa, ao escolhermos como sujeitos de estudo, mulheres mastectomizadas a partir de 60 anos, acrescida de uma perspectiva transdisciplinar de análise dos dados. Para tanto, apoiamo-nos nas várias visões desses sujeitos e sobre suas percepções sobre o câncer de mama, o corpo e o envelhecimento, como possibilidade de refletir e compreender esse fenômeno social.

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transformações do corpo (HECK; LANGDON, 2002), o que sugere a necessidade de novas abordagens e perspectivas de compreensão sobre o envelhecimento em outras dimensões.

No imaginário social, o envelhecimento é um processo que concerne à marcação da idade como algo que se refere à natureza, e que se desenrola como desgaste, limitações crescentes e perdas físicas e de papéis sociais, em trajetória que finda com a morte. As perdas são tratadas como problemas de saúde, na maioria das vezes, expressas em grande parte na aparência do corpo, pelo sentimento em relação a ele e ao que lhe acontece: enrugamento, encolhimento, descoloração dos cabelos, enfeiamento, reflexos mais lentos e menos agilidade. (MOTTA, 2002).

Na literatura gerontológica, a velhice é, usualmente, concebida como um período de adaptação ou ajustamento às mudanças fisiológicas provocadas em função da idade, da diminuição da capacidade física, da atividade laboral, das transformações do corpo e de outras mudanças que se circunscrevem nesse período, noções carregadas de idéias de fragilidade.

A esse respeito, Alves, P. (2002) chama a atenção para o fato de que, tendo em vista a importância atribuída à idéia de fragilização, torna-se necessário no tocante a uma caracterização da velhice, que as ciências sociais se detenham mais no significado desse termo, pois está revestido de significados variados, dependendo em grande parte dos sentidos conferidos por diferentes disciplinas.

[...] apesar das diversas modalidades interpretativas atribuídas a essa noção, parece existir certo consenso comum entre os pesquisadores sobre associar fragilização com vulnerabilidade. Sendo fragilidade ligada ao que é quebradiço, pouco vigoroso ou débil, a idéia de vulnerabilidade refere-se à qualidade ou ao estado de alguém que pode ser atacado ou ferido e, portanto, pressupõe uma situação ou acontecimento capaz de perturbar o estado físico ou mental de alguém. (Idem, p. 153).

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Gráfico 1 – Estimativas do número de casos novos de câncer
Gráfico 2 – Estimativas do número de casos novos de
Gráfico 4  – Estimativas do número de casos novos de câncer
Gráfico 5  – Estimativas de novos casos de câncer de mama
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