R E G I S T R O DE C A S O S
OCLUSÃO BILATERAL DA ARTÉRIA CARÓTIDA INTERNA. ESTUDO
ANGIOGRÁFICO DE UM CASO
J O S É Z A C L I S *
O . R I C C I A R D I C R U Z * *
Em recente publicação estudamos 23 casos de oclusão da artéria caró-tida primitiva e dos seus ramos principais, todos eles unilaterais. Voltamos agora ao assunto por termos observado, recentemente, um caso de oclusão bilateral da carótida interna. Trata-se de ocorrência pouco freqüente, como sc depreende das escassas referências bibliográficas a respeito. Hultquist4
e Fisher 2
recomendam a exploração sistemática das carótidas em todas as au-tópsias, desde o arco aórtico até as apóf ises clinóides. Frovig 3
e Takahashi fí observaram 3 casos de oclusão bilateral da artéria carótida primitiva. Tolle 7
, Paillas e col.\ Bossi e Pisani 1
, registraram casos de trombose bilateral da artéria carótida interna. A raridade das oclusões carotídeas bilaterais e par-ticularmente seu diagnóstico e confirmação em vida, justificam, a nosso ver, este registro de caso.
OBSERVAÇÃO — P. P. C , 9 anos, branco, masculino, internado em 14-5-1956 ( r e g . 433321). Segundo informações prestadas pelo pai, 3 meses antes de sua admissão no Hospital o paciente começou a q u e i x a r - s e de cefaléia, sensação s u b j e t i v a de febre e r e p u x a m e n t o da boca p a r a u m dos lados. S u a l i n g u a g e m f a l a d a era dificultosa, "er-r a n d o f"er-reqüentemente o nome dos objetos". Concomitantemente, manifestou-se difi-culdade na m o v i m e n t a ç ã o dos m e m b r o s do lado direito, principalmente no superior. Decorrido esse período, o paciente começou a m e l h o r a r ; a sintomatologia foi se ate-n u a ate-n d o progressivameate-nte, restaate-ndo, ate-na ocasião em que o doeate-nte deu e ate-n t r a d a ate-no Hos-pital, apenas discreta hemiparesia direita. N o s antecedentes pessoais h á referências de que o paciente, com a idade de 18 meses, tivera diversas crises fugazes de cianose e djspnéia, as quais cederam espontaneamente. O e x a m e físico geral n a d a mostrou de p a r t i c u l a r : a m b a s as a r t é r i a s carótidas e r a m palpáveis, assim como as a r t é r i a s tem-porais superficiais. O e x a m e neurológico mostrou, em síntese, desenvolvimento psíqui-co psíqui-correspondente à idade do paciente e m o d e r a d o g r a u de hemiparesia direita total, com predomínio b r á q u i o - f a c i a l . E x a m e s complementares de rotina, inclusive o eletro-c a r d i o g r a m a , n a d a m o s t r a r a m de p a r t i eletro-c u l a r . O e x a m e do liqüido eletro-c e f a l o r r a q u i d i a n o , com níveis tensionais normais, mostrou hiperproteínorraquia, reação de P a n d y
opales-T r a b a l h o do S e r v i ç o de N e u r o l o g i a da F a c . M e d . da U n i v . de S ã o P a u l o ( P r o f . A . T o l o s a ) .
* N e u r o r r a d i o l o g i s t a ;
A angiografia cerebral via carótida primitiva esquerda mostrou ausência dos r a -mos cerebrais da carótida interna, cujo segmento cervical, com calibre reduzido e pro-gressivamente menor, seguia trajeto n o r m a l . N o interior do crânio a a r t é r i a oftálmi-ca, único r a m o intracraniano, comporta-se como continuação da carótida interna ( f i g . 1, A ) . Com o diagnóstico de oclusão d a a r t é r i a carótida interna esquerda, foi indica-da, como é de rotina, a angiografia contralateral. Este e x a m e , realizado 11 dias após o primeiro, mostrou, no que diz respeito a o sistema carotídeo, aspecto muito seme-lhante ao o b s e r v a d o no lado esquerdo. A l é m disso, foi o b s e r v a d o enchimento retró-g r a d o do sistema v é r t e b r o - b a s i l a r , fato que foi interpretado, provisoriamente, como re-sultante de punção carotídea d e f e i t u o s a8
(fig . 1, Β ) . Nova angiografia carotídea
di-reita, r e a l i z a d a 14 dias após, mostrou c l a r a m e n t e que a carótida interna, com calibre
enchimento de todo o sistema a r t e r i a l enceíálico; a substância r a d i o p a c a pôde pene-t r a r nas a r pene-t é r i a s dos pene-terripene-tórios caropene-tídeos em q u a n pene-t i d a d e suficienpene-te p a r a conpene-traspene-tá-las, g r a ç a s ao a v a n t a j a d o calibre dos r a m o s comunicantes posteriores ( f i g . 2 ) .
O paciente teve a l t a hospitalar 40 dias após sua internação, ü e x a m e n e u r o l ó -gico, feito nessa ocasião, n ã o mostrou modificações sensíveis em seu estado.
C O M E N T Á R I O S
Segundo alguns autores, a angiografia cerebral via artéria vertebral deve ser contra-indicada nos casos de oclusão carotídea bilateral por ser o sistema vértebro-basilar a única fonte de sangue destinada a irrigar todo o encéfalo; o maior inconveniente dessa prática decorreria, ao que se pode deduzir, da mistura do contraste com o sangue, do que resultaria baixa relativa do vo-lume de oxigênio e, conseqüentemente, hipóxia encefálica. Embora inegável, a subtração de oxigênio cerebral resultante da mistura de contraste com o sangue destinado ao encéfalo, pode ser considerada insignificante, sabido que o tecido cerebral pode suportar a anóxia resultante de parada circulatória durante cêrca de 5 minutos. Baseados neste raciocínio e na experiência com angiografias contralaterais em casos de oclusão de uma das carótidas 1 0
, ten-do em vista a comprovação ten-dos daten-dos forneciten-dos pelas angiografias por via carotídea, tomamos a deliberação de, no caso presente, praticar a angiogra-fia cerebral via artéria vertebral. Foram feitas duas injeções de 12 cm3
de Nosilan a 35% na artéria vertebral esquerda, as quais foram perfeitamente toleradas pelo paciente; não foi observada sequer modificação apreciável no ritmo cardíaco, ocorrência que não é rara em angiografias de rotina.
Quando de instalação aguda, as tromboses bilaterais da carótida não são compatíveis com a vida; ao contrário, quando de evolução crônica, proces¬ sando-se a oclusão de modo lento e progressivo, dando tempo ao sistema vér-tebro-basilar para se adaptar às novas condições circulatórias, a sobrevida do paciente é possível. Da mesma forma e com mais razão, uma anomalia no desenvolvimento embrionário do sistema arterial poderia modificar as vias de afluxo de sangue para o encéfalo, dispensando a participação das carótidas. Não temos elementos, neste caso, para decidir se se trata de malformação vascular congênita ou de oclusão adquirida. Não obstante, parece-nos mais viável a hipótese de malformação congênita, em vista de serem sensivelmente iguais as imagens fornecidas pelas angiografias carotídeas; a idade do pa-ciente também depõe neste sentido.
R E S U M O
calibre avantajado dos ramos comunicantes posteriores. A prática da angio-grafia via artéria vertebral em caso de oclusão carotídea bilateral, embora condenada por alguns autores, foi perfeitamente tolerada pelo paciente.
S U M M A R Y
Bilateral occlusion of internal carotid artery. Angiographic study of a case
Case report of bilateral occlusion of the internal carotid artery diagnosed by cerebral angiography: carotid angiography of both sides and vertebral injections were performed. The arterial occlusion as shown in right and left carotid angiography has the same shape in both instances and it lies just above the origin of the ophthalmic artery. By injecting the contrast fluid into the left vertebral artery the whole arterial field of the brain was filled. Introduction of contrast medium into the vertebro-basilar system when both carotid arteries are blocked has been reported as very harmfull and a dan-gerous procedure; nevertheless it was well tolerated in this case as have been controlateral injections of contrast in our cases of one sided occlusion of the carotid artery and its branches. Concerning the etiological problem in this case, since there is no evidence of acquired lesion, the condition is more likewise to be of congenital origin; this view point is supported by the patient's age (nine years) and by the similarity of the internal carotid arteries's shape in both sides.
B I B L I O G R A F I A
1. B O S S I , R . ; P I S A N I , C. — C o l l a t e r a l c e r e b r a l c i r c u l a t i o n t h r o u g h the o p h t h a l -m i c a r t e r y and its e f f i c i e n c y in i n t e r n a l c a r o t i d o c c l u s i o n . B r i t . J. R a d i o l . , 28:462, 1955. 2. F I S H E R , M . — O c c l u s i o n o f t h e c a r o t i d a r t e r i e s : f u r t h e r e x p e r i e n c e s . A r c h . N e u r o l , a. P s y c h i a t . , 7 2 : 7 ( a g ô s t o ) 1954. 3. F R O V I G , A . G. — B i l l a t e r a l o b l i t e r a t i o n of t h e c o m m o n c a r o t i d a r t e r y . A c t a P s y c h i a t . e t N e u r o I . . , suppl., 39 pp., 3-79, 1946. 4. H U L T Q U I S T , G. — Ü b e r T h r o m b o s e und E m b o l i e d e r A r t é r i a C a r o t i s und h i e r b e i v o r k o m m e n d e G e h i r n v e r á n d e r u n g e n . G. F i s h e r V e r l a g , I e n a , 1942. 5. P A I L L A S , J. E.; B O N N A L , J.; B R A D I E R B E R A R D — É t u d e a n a t o m o c l i n i q u e de d e u x cas de t h r o m -bose b i l a t e r a l e des c a r o t i d e s i n t e r n e s . R e v . N e u r o l . , 89:146 ( j u l h o ) 1953. 6. T A K A ¬ H A S H I , K . — D i e p e r c u t a n e A r t e r i o g r a p h i e d e r A r t e r i a V e r t e b r a l i s und i h r e r v e r s o r g ¬ n u n g s g e b i e t e . A r c h . f. P s y c h i a t . u. N e r v e n k r . , III:373, 1940. 7. T O L L E , R . — D o p p e l s e i t i g e T h r o m b o s e d e r A r t e r i a C a r o t i s i n t e r n a . Z b l . Chir., 69:219226, 1942. 8. Z A -C L I S , J. — A n g i o g r a f i a v é r t e b r o - b a s i l a r r e t r ó g r a d a a c i d e n t a l . A p r o p ó s i t o de 2 casos. A r q . N e u r o - P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) , 13:357 ( d e z e m b r o ) 1955. 9. Z A C L I S , J.; C R U Z , O . R . ; A L M E I D A , G. M . — O b s t r u ç ã o das a r t é r i a s c a r ó t i d a s e d a s p r i n c i p a i s a r t é r i a s c e r e b r a i s . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) , 14:158 ( j u n h o ) 1956.