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Xiré Ade : o olhar de Pierre Verger sobre o travestismo no carnaval brasileiro

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNANBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO. XIRÉ ADE O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Florilton Tabosa Jr. Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação Universidade. em Federal. Com unicação de. da. Pernam buco. com o requisit o parcial para obt enção de t ít ulo de Mest re, sob a orient ação da Profa. Dra Ângela Freire Prysthon.. Recife, julho 2004.

(2) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNANBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO. XIRÉ ADE O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Florilton Tabosa Jr. -2-.

(3) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Tabosa Júnior, Florilton Xiré Ade : o olhar de Pierre Verger sobre o travestismo no carnaval brasileiro / Florilton Tabosa Júnior. – Recife : O Autor, 2004. 94 folhas : il., fotos. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CAC. Comunicação Social, 2004. Inclui bibliografia. 1. Comunicação social – Identidade nacional. 2. Carnaval – Identidade masculina – Travestismo. 3. Pierre Verger – Fotografia – Cultura popular I. Título. 77.044 778.9. CDU (2.ed.) CDD (20.ed.). -3-. UFPE BC2004-379.

(4) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. ______________________________________________ Orientadora – Profa Dra Angela Freire Prysthon. ______________________________________________ Examinador Interno – Prof Dr Paulo Cunha. ______________________________________________ Examinador Externo – Profa Dra Maria do Carmo Nino. -4-.

(5) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Quem é ateu e viu milagres como eu Sabe que os deuses sem Deus Não cessam de brotar, nem cansam de esperar E o coração que é soberano e que é senhor Não cabe na escravidão, não cabe no seu não Não cabe em si de tanto sim É pura dança e sexo e glória, e paira para além da história Oju- obá ia lá e via Oju- obahia Xangô manda chamar Obatalá guia Mamãe Oxum chora lagrimalegria Pétalas de Iemanjá Iansã- Oiá ia Ojuobá ia lá e via Ojuobahia Obá É no xaréu que brilha a prata luz do céu E o povo negro entendeu que o grande vencedor Se ergue além da dor Tudo chegou sobrevivente num navio Quem descobriu o Brasil? Foi o negro que viu a crueldade bem de frente E ainda produziu milagres de fé no extremo ocidente Ojuobá ia lá e via Ojuobahia. (Milagres do povo – Caetano Veloso) Ojú- Obá, significa “Olho que vê”. Este era um dos nomes pelos quais Fatumbi era chamado. -5-.

(6) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Para as mulheres da minha vida: minha mãe por me ensinar tudo e minha irmã caçula por me fazer aprender. -6-.

(7) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Agradecimentos. A Deus, por absolutamente tudo e, sobretudo, pela esperança.. A minha família, pelo impossível.... A Daniel, pelo companheirismo, cumplicidade; pelo apoio fundamental.. A minha orientadora, por todas as horas... “o nosso amor a gente inventa... ” (que Alfredo não leia! rs) A Fundação Pierre Verger (TODOS!), que foi de fundamental importância para a realização deste trabalho, desde a acolhida ao envio do material. Muitíssimo obrigado! A Tiné, Janaína, Ana Luiza, Maria do Carmo. A Janaína Freire, pela luz no caminho.... A Rodrigo Carrero, foi massa te encontrar no caminho.... A Cláudia e Zé Carlos, sem vocês... sei não, viu?. Aos amigos, todos!. Aos meus alunos, todos!. -7-.

(8) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Resumo. A dissert ação busca invest igar t raços da ident idade nacional na obra fot ográfica de Pierre Fat um bi Verger. Ela t om a com o obj et o de est udo fot os realizadas na década de 40, período de int ensa reflexão sobr e a br asilidade.. Alguns. dos. negat ivos. apresent ados. na. dissert ação. perm aneceram inédit os. O recort e feit o privilegia o t ravest ism o no carnaval como forma de discutir o caráter sexual do brasileiro por meio da fest a que m uit as vezes se confunde com nós m esm os. O int eresse por esta produção ganha relevância quando se pensa que grande parte do acer vo foi preparada para um a das revist as m ais im port ant es na hist ória da im prensa brasileira: O Cruzeiro. Em m issão pela revist a, o olhar est rangeiro de Verger saiu país afora, docum ent ando t raços da cult ura popular, t ipos hum anos, aspect os religiosos, e t udo que dizia respeit o ao car át er nacional. Sua obr a sobr e o Br asil nunca foi t ot alm ent e publicada, apesar de m uit a coisa t er sido veiculada nas páginas da r evist a e t ant as out ras edit adas em alguns livros. Nem sempre é fácil encontrar a identidade brasileira na produção de Verger. Nos vem os, incondicionalm ent e, nas fot ografias, m as o cort e de t em po e espaço existe e muitas vezes nos afasta do objeto ali presente.. -8-.

(9) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Abstract. The work searchs t o invest igat e t r aces of t he nat ional ident it y in t he photographic workm anship of Pierre Fat um bi Verger. I t t akes as st udy obj ect phot os carried t hrough in t he decade of 40, period of int ense reflect ion on t he brasilit y. Som e of t he negat ives present ed in t he st udy had r em ained unknow n. The done clipping privileges t he t ravest ism in t he carnival as form t o argue t he sexual charact er of t he Brazilian by m eans of t he part y t hat m any t im es if confuses w it h we ourselves. The int erest for t his product ion gains relevance when if it t hinks t hat gr eat part of t he quant it y w as prepar ed for one of t he m agazines m ost im port ant in t he hist ory of t he Brazilian press: O Cruzeiro. I n m ission for t he m agazine, t he for eign look of Verger left count ry m easur es, regist ering t r aces of t he popular cult ure, hum an t ypes, religious aspect s, e ever yt hing t hat said respect t o t he nat ional charact er. I t s workm anship on Brazil never t ot al w as published, alt hough m uch t hing t o have been propagat ed in t he pages of t he m agazine and as m uch edit ed ot hers in som e books. Nor always it is easy t o find t he Brazilian ident it y in t he product ion of Verger. I n w e see t hem , uncondit ionally, in phot ographs, but t he cut of t im e and space exist s and m any t im es in m ove aw ay t hem from t he t here present object.. -9-.

(10) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Sumário Introdução. 11. Capítulo 1- Primeiros passos. 16. 1.1 Considerações para uma análise da fotografia de Verger. 16. 1.2 De como veio parar no Brasil. 17. 1.3 O Cruzeiro. 20. 1.4 O olhar da fotografia. 21. 1.5 Nós diante do espelho. 23. 1.6 Os passos da análise. 24. 1.7 A narrativa e o corte identitário. 26. 1.8 As peças do jogo. 28. Capítulo 2 - Algumas considerações sobre identidade. 30. 2.1 A identidade brasileira. 34. 2.2 A identidade sexual brasileira. 48. 2.3 Enfim, brasileiros. 52. 2.4 O dilema brasileiro. 53. Capítulo 3 - a folia no olhar, o carnaval flagrado. 57. 3.1 Origens do Carnaval. 58. 3.2 A festa brasileira. 59. 3.3 Carnaval e o dilema brasileiro. 72. 3.4 Sobre o travestismo. 73. 3.5 Masculinidade em xeque?. 86. Conclusão. 90. Bibliografia. 92. - 10 -.

(11) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Introdução. Desde. 2002,. face. a. com em oração. do. cent enário. de seu. nascim ent o, a obra de Pierre Fat um bi Verger t em ganhado um a considerável. visibilidade. dent ro. do. cenário. m idiát ico. e. edit orial. br asileiro. Som ent e de aut oria do próprio Verger são cerca de 120 t ít ulos no m ercado, ent re art igos cient íficos e livros. Nest e int ervalo de dois anos, duas biografias for am lançadas t am bém por ocasião das fest ividades. Dent re os t ít ulos m ais evidenciados est ão Or ixás, os Deuses I orubás na África e no Novo Mundo; Ret rat os da Bahia, 19461952; Lendas Africanas dos Orixás; Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos ent re o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Sant os, dos Séculos XVII a XIX. Est e est udo é um t rabalho sobre a am bigüidade e ut opia ident it ária vivida no Brasil na década de 40. Ele vem se colocar na busca pela com preensão da ident idade nacional brasileira pelo recor t e da produção feit a por Verger sobre o t ravest ism o no carnaval. É por isso. que. ele. que. cham a. “ Xir é. Ade”. ( do. ioruba. xiré=festa;. Ade=afeminado). É a propost a de um viés sobr e a m asculinidade br asileira pelo prism a do olhar est rangeiro. Pode o olhar est r angeiro compreender uma identidade que não é a sua? O est udo da crise nas ident idades nacionais t em se t ornado um a obsessão. nas. sociedades. cont em porâneas.. Vár ios. t eóricos. t êm. discut ido o t em a frent e ao processo de m undialização da cult ura, que, sist em at icam ent e visa a quebra das front eiras em prol de um padrão híbrido cult ural que deixaria o suj eit o no que Hom i Bhabha cham a de entrelugar. Segundo Angela Prysthon, “ O ent relugar seria, port ant o, um espaço- t em po em essência periférico, seria o palco por excelência par a encenar os m últ iplos em bat es polít ico- cult urais da cont em - poraneidade. A part ir da delim it ação desse espaço/ t empo- m últ iplo do. - 11 -.

(12) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. ent r elugar, fica claro que um a vert ent e im por t ant e no discurso da t eoria cr ít ica da cult ura t em sido a t em at ização do descent ram ent o ident it ário ocorrido na pós- modernidade. Um dos clichês m ais recorrent es da t eoria cont em porânea parece ser o da quebra das identidades (sejam elas culturais, nacionais ou mesmo individuais)” 1 .. Mais adiante ela contextualiza:. “ O Est ado Híbrido passa a denom inar o carát er m últ iplo da cult ura cont em porânea m undial, em especial a de regiões m arcadas pela exist ência de várias ident idades ou “ origens” : am eríndia,. européia,. africana,. asiát ica...;. várias. t em por alidades: pré- indust rial, m oderna, t ecnológica; e pela possibilidade de abolição das fr ont eiras ent re cult ura erudit a, popular e de massas.”2 .. Na década de 40, o pensamento sociológico sobre a formação da ident idade brasileira obedecia a ót ica elit ist a e pat riarcalist a de Gilbert o Freyr e, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Pr ado Jr. Verger t eria sido “ cont am inado” por est es olhar es? Com o verger vê o hom em brasileiro? Com o a obra de Fat um bi dialoga com o pensam ent o ant ropológico. de. int elect uais. divergent es. àquelas. t eorias,. com o. Robert o DaMat t a e Darcy Ribeiro? Est as quest ões são de ext rem a relevância post o que apesar híbridas m antêm. um. de descent ralizadas as ident idades. grau ( ainda que esquizofrênico). com. um a. im agem nacional com um . Para chegar a um lugar concret o é preciso ainda saber: o carnaval reflet e o carát er brasileiro? Verger capt a esse. 1. PRYSTHON, Ângela. Margens do mundo: a periferia nas teorias do contemporâneo. Trabalho apresentado no Núcleo de Teorias da Comunicação, XXVI Congresso Anual em Ciência da Comunicação, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003. site: http://intercom.locaweb.com.br/papers/congresso2003/pd f/2003_NP01_prysthon.pdf , em 25/07/04. Pág 4. 2 Idem. Pág 5.. - 12 -.

(13) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. reflexo? As brincadeiras de t r avest im ent o no carnaval j á apont am um reflexo da crise do patriarcalismo atingindo o homem brasileiro? Part im os do pr essupost o que im agens são “ art efat os cult urais” . Como afirma Novaes em seu artigo “O uso da imagem na Antrpologia”, t oda a produção im agét ica perm it e a r econst rução da hist ória cultural de grupos sociais e o ent endim ent o dos processos de m udança social, do im pact o das frent es econôm icas e da dinâm ica das relações interétnicas. “ Arquivos de im agens e im agens cont em por âneas colet adas em pesquisa de cam po podem e devem ser ut ilizados com o font es que conect am os dados à t r adição or al e à m em ória dos grupos est udados.. Assim ,. o. uso. da. im agem. acrescent a. novas. dim ensões à int erpret ação da hist ória cult ural, perm it indo, aprofundar. a com preensão do universo sim bólico,. que se. exprim e em sist em as de at it udes por m eio dos quais grupos sociais. se. definem ,. const roem. ident idades. e. aprendem. m ent alidades. Não é m ais aceit ável a idéia de se r elegar a im agem a segundo plano nas análises dos fenôm enos sociais e culturais” 3 .. Em alguns est udos, a im agem serve, fundam ent alm ent e, para t ransm it ir o que não é possível no cam po lingüíst ico. É im port ant e salient ar t am bém que, m uit as vezes, não nos apercebem os da nossa relação com as im agens e com o elas nos influenciam cult uralm ent e. Revist as. com o. “O. Cruzeiro”. e. “ Manchet e” ,. pelo. seu. car át er. est rit am ent e ilust rat ivo, foram de sum a im port ância par a a const rução da imagem do brasileiro. “ Estas imagens não falam por si sós, mas expressam e dialogam const ant em ent e com m odos de vida t ípicos da sociedade que as produz. Nest e diálogo elas se r eferem a quest ões cult urais e polít icas fundam ent ais, expressando a diversidade de grupos e. 3. NOVAES, Sylvia Caiuby. O Uso das imagens na antropologia. IN: O fotográfico. SAMAIN, Etienne. São Paulo, SP: Hucitec, 1998. 113-119. pág 116.. - 13 -.

(14) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. ideologias pr esent es em det erm inados m om ent os hist óricos. Por m eio da análise dessas im agens, podem os t am bém m elhor ent ender as m udanças e t ransform ações por que passar am os diferent es grupos sociais e as t endências art íst icas que inspir am tais imagens”4 .. É reificado cult uralm ent e que a fot ografia, pelo seu gr au de associação com o obj et o, sej a um subst it ut o im aginário do real. Com o diria Kossoy, um “ subst it ut o port át il” , onde som os personagens e guardam os nossas experiências de vida. A fot ografia funciona com o um. passado. preservado,. um. m om ent o. congelado. e. et ernizado.. Cont udo, é preciso olhá- la sem os equívocos de t rat á- la apenas com o um ícone ou índice. A fot ografia é um discurso elaborado a part ir de fat ores cult urais, est ét icos e t écnicos. A com preensão da fot ografia só se dá m ediant e a relevância do ent endim ent o do processo de const rução da represent ação. O sent ido da im agem só se dá m ediant e a nossa interpretação. Dividirem os nosso cam inho em t rês et apas. Na prim eir a, vam os eleger parâm et ros para analisar a docum ent ação dos t raços da cult ura popular, t ipos hum anos, aspect os religiosos, e t udo que diga respeit o ao carát er nacional na obra de Verger. Tent arem os ent ender o cont ext o em que ele chegou ao país e com o com eçou a pr oduzir seu m at erial iconográfico. Adot arem os, em seguida, alguns procedim ent os básicos de análise da im agem par a com eçarm os a r econhecer nos quadros o nosso rosto. A segunda et apa consist e em t rilhar os cam inhos que levam a const rução da ident idade m asculina brasileira. Tom am os com o pont o de part ida o processo de colonização. As est rut uras adot adas pela sociedade br asileira em consonância com os valores fom ent ados pela metrópole européia t erm inam por inst it uir o pat riarcalism o em nosso m eio. Essa est rut ura form ou o perfil de dom inação do “ m acho, adult o,. 4. Idem. Pág 116-117.. - 14 -.

(15) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. br anco, sem pre no com ando” e est ipulou os papéis sócio- sexuais. Como Verger retratou essa situação? Frent e ao esboço de nosso ret rat o, ent ram os na últ im a et apa da cam inhada. Vam os pint ar nosso rost o com as cores do carnaval. Traçar em os um hist órico da fest a no Brasil e pont uarem os a presença m asculina nele, bem com o os valores ident it ários nacionais e sexist as presentes nas fotografias de Verger sobre o carnaval brasileiro. A seleção das fot ogr afias apresent adas nest e est udo se fez diret am ent e na sede da Fundação Pierre Verger ( FPV) , em Salvador. A Fundação foi criada pelo próprio Verger em 1988 e m ant ém em seu acervo cerca de 62 m il negat ivos do fot ógrafo. Grande part e dest as im agens foi colhida em suas viagens por t odo o m undo com o repórt er fot ográfico. Vale salient ar que som ent e sobr e o Brasil o acervo reúne cerca de set e m il im agens. No processo selet ivo, foram apreciadas cerca de três mil imagens obedecendo a sistemática de classificação do próprio fot ógrafo, ou sej a, por ordem. geográfica. O est udo, ao. cont em plar o carnaval com o viés const it ut ivo da ident idade nacional br asileira, ficou cent rado na produção realizada sobr e as cidades do Rio de Janeiro, Salvador e Recife. A fest a prom ovida nas ruas dest as cidades foi bastante explorada pelas lentes do francês na década de 40 e, at é hoj e, const it uem pólos de r eferência int ernacional sobre o event o. O principal crit ério adot ado foi o de prest igiar as im agens que m elhor represent assem o car át er da m asculinidade brasileira de form a atemporal e que apresentassem um determinado grau de ineditismo.. - 15 -.

(16) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Ca pítulo 1 Primeiros passos 1.1 Considerações para uma análise da fotografia de Verger. Além de ser um dos m ais renom ados fot ógrafos do m undo, Pierre Verger é, sobret udo, um brasileiro por adoção. Ou m elhor, por escolha própria. Nascido na Fr ança em 1902, ele percorr e o m undo int eiro com o repór t er fot ográfico depois de perder o últ im o de seus parent es vivos, sua m ãe, em 1932. Durant e um a de suas viagens pela Am érica do Sul, Ver ger chega, em 1946, ao Br asil. Apaixona- se pelo país e cria laços que o prenderiam at é fevereiro de 1996, quando morre de senilidade na casa em que vivia em Salvador. O caso de am or ent re Verger e o Brasil result ou num pr ecioso tesouro para os dois. O fotógrafo descobriu aqui seu objeto de reflexão científico- filosófico, est udado ao longo de 50 anos: t r aços africanos da m iscigenada cult ura brasileira, em part icular o candom blé. Por out ro lado, a nação ganhou um dos m ais com plet os acervos fot ográficos j á feit os sobre si. Est a obr a revela não som ent e um ret r at o afrodescendent e do ser brasileiro, m as sobret udo t r aços da ident idade nacional raramente abordados em trabalhos deste tipo. O int eresse por est a produção ganha relevância quando se pensa que grande part e do acer vo foi pr eparada par a um a das r evist as m ais im port ant es na hist ória da im pr ensa brasileira: O Cruzeiro. Em m issão pela r evist a, Verger saiu país afora, docum ent ando t raços da cult ura popular, t ipos hum anos, aspect os religiosos, e t udo que dizia respeit o ao car át er nacional. Sua obr a sobr e o Br asil nunca foi t ot alm ent e publicada, apesar de m uit a coisa ter sido veiculada nas páginas da revist a e t ant as out ras edit adas em alguns livros. O result ado dist o são m ilhares de negat ivos inédit os, esperando por iniciativas de impressão.. - 16 -.

(17) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Nem. sem pre. é. fácil. encont rar. a. ident idade. brasileira5. e. masculina na produção feit a por Verger sobre o nosso carnaval. Nos vem os, incondicionalm ent e, nas fot ografias, m as o cort e de t em po e espaço exist e e m uit as vezes nos dist ancia do obj et o ali present e. Como nos fala Joly, “ de fat o, reconhecer est e ou aquele m ot ivo nem por isso significa que se est ej a com pr eendendo a m ensagem da im agem na qual o m ot ivo pode t er um a significação bem part icular, vinculada t ant o a seu cont ext o int erno quant o ao do seu surgimento, às expectativas e conhecimentos do receptor” 6 .. Est e exercício de invest igação nos deixa com um a enor m e responsabilidade, pois com preender o que est as fot ografias nos dizem at ualm ent e é um grande desafio de descobert a ident it ária. Nest a empreit ada, é necessário est ar at ent o par a saber dist inguir o que det erm inada im agem nos fala em colet ivo ( ident idade) e o que fala em particular ( proj eção pessoal) . É cert o que nossas int erpret ações serão perm eadas por refer enciais cont em porâneos, diver gindo m uit as vezes das int erpret ações ou leit uras suscit adas na época. É encontrar um caráter ao mesmo tempo atemporal e radical.. 1.2 De como veio parar no Brasil. Ant es de ficar definit ivam ent e no Br asil, em. 1946, Pierre. Édouard Léopold Ver ger j á havia passado rapidam ent e pelo Brasil por duas vezes. A prim eira foi em j unho de 1939, no Rio de Janeiro, em busca de docum ent ação para at ender ao cham ado do exércit o francês em ocasião da Segunda Guerra Mundial.A segunda foi t am bém no Rio de Janeiro, em novembro de 1940, ficando até depois do carnaval.. 5. Vamos tratar mais detalhadamente das questões constitutivas da identidade nacional em outro momento. Aqui, nos ateremos a questão da fotografia e de seu método de análise. 6 JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas, SP: Papirus, 1996. 6ª ed. pág 42.. - 17 -.

(18) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Em 16 de abril de 1946, depois de passar por Corum bá, Ver ger chega a São Paulo, onde vai encont r ar um cont errâneo seu. Est e encont ro m arcaria definit ivam ent e sua t raj et ória, pois inaugur aria um a nova ( das out ras m uit as) fases da sua vida. O cont errâneo era ninguém m ais que Roger Bast ide ( 1898- 1974) , subst it ut o da vaga do ant ropólogo. Claude. Lévi- St r auss com o. professor. da. cát edra. de. Sociologia do Depart am ent o de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo. Foi Bast ide quem prim eiro falou da Bahia par a Verger, convencendo- o a seguir viagem para lá, dando- lhe indicações de algumas pessoas a serem procuradas. Par a ficar no Br asil, Verger precisava r esolver sua sit uação de est rangeiro. Sendo assim , part iu em seguida par a o Rio de Janeiro, onde resolveu o problem a de sua perm anência e foi procurar Vera Pacheco Jordão, um a am iga brasileira do int elect ual francês Alfred Métraux. Mét raux er a am igo de Verger de longa dat a. Vera foi o canal para que o fot ógrafo t erm inasse por firm ar um cont rat o, em 8 de j ulho de 1946, com a m aior revist a do país, O Cruzeiro. Na época, Verger j á era um renom ado fot oj ornalist a e Assis Chat eaubriand er a o dono da revist a. Chat eaubriand t endo out ro grande profissional no m esm o núcleo de redação e sabendo dos planos do francês de ir para a Bahia, o m andou par a Salvador com cart a branca para fazer fot os sobre a região Nordeste. O francês chega à Salvador em 5 de agost o de 1946. Desde os prim eiros t em pos, Verger criou laços fort es de afet ividade com a Bahia. No escrit ório de seu diret or na sucursal da r evist a, Odorico Tavares, ele logo se inseriu num grupo de int elect uais que se reunia por lá. Dentre eles: Mário Cravo Júnior, Jorge Amado, Dorival Caymmi, Carybé, ent re out r os. Esse convívio, com cert eza, lhe rendeu um bom entendimento da cultura baiana e nordestina. Em. cerca de um. ano, Verger r ecolhe um. vast o m at erial. docum ent al do cot idiano de Salvador, Recife e suas redondezas, do sert ão nor dest ino e das regiões ribeirinhas do São Fr ancisco. No acervo dest a época, est ão suas fot os do carnaval de Per nam buco. - 18 -.

(19) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. ( 1947) , que ret rat am a pluralidade da fest a com seus vários rit m os e rit uais. Aliás, Pernam buco foi um a grande refer ência para Ver ger. Da prim eira vez que veio, som ent e para docum ent ar o carnaval, ficou pouco m ais que alguns dias. No m ês de m aio, volt ou à capit al pernam bucana e ficou at é out ubro. Com o correspondent e de O Cruzeiro, fez várias report agens sobre cult ura ao lado de Gilbert o Freyre. Foi em recife que ele produziu seus prim eiros docum ent os sobre as cerim ônias de candom blé. Para t ant o, cont ou com a aj uda de René Ribeiro, m édico psiquiat ra pernam bucano que pesquisava o viés antropológico dos terreiros de Xangô no Recife. Durant e sua perm anência no est ado, Verger viveu ent r e gent e hum ilde, docum ent ando o cot idiano dos lugar es que conhecia. Ele fot ografa o Xangô Rosendo, o bum ba- meu- boi, o port o e o bairro do cent ro da cidade e os bairr os populares da periferia. Ent re seus t rabalhos, est á um a cent ena de fot os do Circo Nerino, em Casa Am arela. A produção cont em pla desde a m ont agem da lona e das arquibancadas at é o espet áculo. Fez t am bém viagens ao int erior do est ado par a fot ografar a plur alidade cult ural do mesmo. Passou por Vitória de Santo Antão, Caruaru, Bom Nome, Garanhuns, entre outras. Sobre este período ele relata: “ est abelecer relações am ist osas num m eio em que ant es eu apenas. havia. me. aproxim ado. sem. nele. penet rar.. Um a. performance difícil para um filho de ‘burguês’ europeu. Torneim e am igo de gent e de condição bem m odest a e num pé de igualdade bast ant e sat isfat ório. Est a am izade nasceu durant e uma viagem sobre a carga de um caminhão, por ocasião de uma excursão ao int erior de Pernam buco. São carregadores negros, int egrant es de um bum ba- meu- boi. Divert idos, est es beberrões em gr ande est ilo m e lem bram os bufões da nossa idade m édia”. (APUD NÓBREGA). - 19 -.

(20) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. A cidade parece que deu m uit a sort e a Verger. Foi nela que ele conheceu. um. navegador. fr ancês. ( nom e. não. inform ado) ,. da. Aerospat iale, que orient ava os aviões da rot a Dakar ( África) e Recife. Verger ent rega ao navegador fot os e um a cart a par a Théodore Monod, diret or do I FAN ( I nst it ut Fr ançais d’Afrique Noir e) , em que o quest iona sobre a origem dos cult os afro- brasileiros. A respost a de Monod, foi um convit e a pesquisar no cont inent e africano est es aspect os, o que, ao aceit ar, deu a Verger um a nova condição: a de et nólogo. Daí para fr ent e, não parou m ais de pesquisar e publicar art igos e livros sobre a relação África- Brasil- África. O pont o alt o de sua produção é o est udo que lhe deu o t ít ulo de dout or pela École Prat ique de Haut es Ét udes, cham ado “ Flux et reflux de la t rait e dês nègres ent r e lê Golfe de Benin at Bahia de t odos os sant os, du dix- sept ièm e au dix- neuvièm e siècle”. A obra foi publicada post eriorm ent e no Brasil pela edit or a Corrupio com o t ít ulo Fluxo e refluxo do t r áfico de escravos ent r e o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos: dos séculos XVII a XIX.. 1.3 O Cruzeiro. O Cruzeiro foi um dos m eios de com unicação de m assa m ais importantes do século XX no Brasil. Lançada no Rio de Janeiro, no final dos anos 20 por Assis Chat eaubriand, inaugurou a ilust ração com o um a det erm inant e em sua linha edit orial. Foi um a revolução na imprensa br asileira. Dent r e out ras inovações, a revist a t razia, por exem plo, desde o seu prim eiro núm er o ao lado de cada t ext o o t em po m édio de leit ur a a ser ut ilizado na report agem . I sso dem onst ra a extrema sintonia da proposta da revista com seu momento histórico. Em. poucos. m eses,. O. Cruzeiro. t orna- se. a. revist a. m ais. importante do país. Segundo a pesquisadora Marialva Barbosa, “ as est r at égias adot adas para conquist ar leit or es são inúm eras: (a. revist a). propõe. m ant er. cont at o. diret o. com o. público. recebendo cart as em vár ias seções, com o a j urídica, a m édica, a de arquit et ura dom ést ica. Além disso, abusam das ilust rações,. - 20 -.

(21) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. que dão o t om m esm o da revist a. Dist ribuem pr êm ios variados. I nst it uem concursos os m ais diversos para a part icipação do público” 7 .. A consolidação no m ercado viria na década seguint e com o pioneirism o da rot ogravur a na im prensa ilust rada nacional. O m at erial de im pr essão, vindo da Alem anha, serviu de cam po experim ent al para a rot ogravura a cores. Se no cam po com unicacional a revist a foi vanguarda em muitos aspectos; no campo político, não. Chateaubriand põe a publicação à disposição de Get úlio durant e a revolução de 30 e no período do Estado Novo. Nos anos 40, a r evist a sofr e um a grande m udança de nat ureza edit orial, pois funda a r eport agem invest igat iva na im prensa nacional. O Cruzeiro possui, no com eço da década, agências em t odo o país e correspondent es. nas. principais. capit ais. do. ext erior,. um a. coisa. im pensada para qualquer out ro veículo no Brasil. É nest e cont ext o que se insere Verger, recém - chegado do ext erior, fugindo do pós- guerra europeu e com cart a branca do dono da revist a par a produzir o que quisesse.. 1.4 O olhar da fotografia. Verger dizia explorar a idéia do “ aut om at ism o da gênese técnica”8 da fot ografia, ou sej a que a fot ografia era um m eio m ecânico de exploração/ docum ent ação do real e que o r epresent ava com isenção e fidedignidade. Alinhava- se com o discurso m im ét ico em t orno da im agem , afirm ando que apenas apert ava o dispar ador. “ Faço um as fot ografias das quais gost o sem nenhum a consciência dist o no momento da foto, não sou eu quem fotografa mas alguma coisa dentro de mim”.. 7. BARBOSA, Marialva. O Cruzeiro: uma revista síntese de uma época da história da imprensa brasileira. (http://www.uff.br/mestcii/marial6.htm), em 20 julho de 2004. 8 DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas, SP: Papirus, 1993.. - 21 -.

(22) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Est a post ura diant e da produção fot ográfica é m uit o com um ent re os int elect uais do século XI X e do início do século XX, todos encabeçados por Baudelair e. Sendo assim , “ a fot o é percebida com o um a espécie de prova, ao m esm o t em po necessária e suficient e, que atesta indubitavelmente a existência daquilo que mostra”9 . Além , do discurso da m im ese t em os que dest acar t am bém out ros dois aspect os do olhar fot ográfico. Em sua obr a “ O at o fot ográfico” , Philippe Dubois apont a discursos da fot ogr afia com o transformação do r eal e com o t raço do r eal, am bos surgidos no século XX. No primeiro caso, ele afirma que “ a im agem fot ogr áfica não é um espelho neut r o, m as um inst rum ent o de t ransposição, de análise, de int erpr et ação e at é t ransform ação do r eal, com o a língua, por exem plo, e assim , também, culturalmente codificada” ( DUBOIS, 1993:26).. A fot ografia com o t raço do real é j ust ificada pela t eoria peirceana, dest a vez não rest rit a ao carát er de ícone ( r epr esent ação por sem elhança) , m as ao de índice ( represent ação por cont igüidade física do signo com o seu referent e) . Dubois defende sua colocação explicando que a fot ogr afia é frut o de um a em anação de luz do obj et o. É a luz em it ida/ reflet ida pelo obj et o que im prim e a fot ografia. Sendo assim , é o rast ro lum inoso do obj et o que fica gravado, do m esm o m odo que um a pegada na ar eia. A fot ogr afia se t orna t raço do r eal. Dest a for m a, poderíam os afirm ar que a fot ografia de Verger é, portanto, um índice de nossa ident idade cult ural, porque ainda hoje nos reconhecem os com o br asileiros nas fot os, apesar de t odas as t ransform ações sociais, cult urais e at é m esm o físicas ( no caso das paisagens) pelas quais passamos.. 9. Idem. pág 25.. - 22 -.

(23) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. 1.5 Nós diante do espelho. A busca pelo cerne do ser cult ural foi a cruzada m aior de nosso fotógrafo. Verger buscava sem pr e capt ur ar a verdadeira ident idade das pessoas, inseridas em seu habit at físico e social. Cont udo, não nos pr eocuparem os com as int enções de Verger. Sem dúvida, em alguns m om ent os, ponderar em os algum as de suas colocações sobre a sua obra e seu olhar, afinal de cont as t oda im agem é um a r epr esent ação, um cort e int encional de um a dada realidade. Porém, vam os nos posicionar sem pre no local do recept or ( ao cont rário do aut or) , j á que nossa leit ura busca o que nos é int rínseco, o que nos reflet e ainda hoj e. Est arem os at ent os para o discurso da obr a em nosso cont ext o, para a expect at iva de nosso olhar com o form a de perceber os t raços que nos desenham . Afinal, a fot ogr afia não se “ lim it a t rivialm ent e apenas ao gest o da produção propriam ent e dit a, m as inclui t am bém o ato da recepção e de sua contemplação”10. Concordam os com Aum ont , ao com ent ar Gom brich, quando aquele afirm a que não há olhar fort uit o. Sem pre, ao cont em plarm os uma im agem , t em os expect at ivas sobre ela e lançam os hipóteses sobre ela, que logo em seguida são confirmadas ou não. “ Esse sist em a de perspect ivas é am plam ent e inform ado por nosso conhecim ent o pr évio do m undo e das im agens: em nossa apreensão das imagens, antecipamo- nos, abandonando as idéias feitas sobre nossas percepções” 11.. Ainda. segundo. Aum ont ,. o. espect ador,. ao. ut ilizar. seu. conhecim ent o prévio do m undo, est á suprindo um a lacuna im port ant e no. sist em a. de. represent ação. da. im agem ,. que. é. a. do. não-. representado. I nt erpret ar um a im agem é cont ext ualizá- la dent ro da realidade, t odavia não há com o fazê- lo sem esse conhecim ent o prévio do m undo, j á que um a im agem ( principalm ent e a fot ografia) é um. 10 11. Idem. pág 15. AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas, SP: Papirus. 1993. pág 86.. - 23 -.

(24) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. recort e espacial e t em poral específico da r ealidade. Seguindo essa linha de raciocínio, chegam os à conclusão que t ant o o aut or quant o o espectador fazem a imagem cada um ao seu modo.. 1.6 Os passos da análise. Para sistematizar nossa análise, adotaremos alguns procedimentos que levam em conta os vários significantes componentes da imagem e seus significados reificados dent ro do im aginário social brasileiro. Terem os t am bém com o referenciais os princípios de oposição ( o que vej o diret am ent e X o que não vej o) e segm ent ação ( o que significa X o que não significa) . Est e t ipo de abordagem da im agem leva a reflexão de que “ considerar a im agem com um a linguagem visual com post a de diversos t ipos de signos equivale, a considerá- la com o um a linguagem e, port ant o, com o um a ferram ent a de expressão e de com unicação. Sej a ela expressiva ou com unicat iva, é possível adm it ir que um a im agem sem pre const it ui um a m ensagem para o out r o, m esm o quando o out ro som os nós m esm os. Por isso, um a das precauções necessárias para com pr eender da m elhor forma possível uma mensagem visual é buscar para quem ela foi produzida” 12.. Um pont o a ser ressalt ado em nossa análise é a função pedagógica de t ais fot ografias. Produzidas para a im prensa - que, nat uralm ent e, j á desenvolve est e processo -. num. m om ent o de. descobert as e deslum br e da sociedade brasileira; elas reforçam o sentimento de revelação do país de si para si. É semelhante ao mito de Narciso, que se vê e se encanta consigo. Joly considera que “ é difícil classificar cer t as im agens. È o caso das fot ogr afias de im prensa: supost am ent e, deveriam t er um a função referencial, cognitiva, mas na realidade, situam- se entra a função referencial 12. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas, SP: Papirus, 1996. 6ª ed. Pág 55.. - 24 -.

(25) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. e a função expressiva ou em ot iva. Um a fot o de r eport agem t est em unha bem um a cert a realidade, m as t am bém r evela a personalidade, as escolhas, a sensibilidade do fot ógrafo que as assina” 13.. Esse car át er de subj et ividade pode ser t raduzido pelo discurso lingüíst ico. Não quero ent r ar aqui no em bat e “ imagem versus escrit a” , pois acr edit o que am bas as linguagens se com plem ent am - sobretudo no âm bit o j ornalíst ico, onde as duas andam sem pr e de m ãos dadas, servindo um a de suport e a out ra. É fundam ent al salient ar que a intenção prim eira do aut or, no at o de r ealização da m aioria de suas fot ografias, ficou volt ada par a at ender às dem andas das agências e dos veículos de com unicação que o cont r atavam. Port ant o, est e recurso pode perfeit am ent e ser usado para explicar e cont ext ualizar det erm inadas fot ografias, bem com o lançar novas idéias sobre as com posições. apresent adas.. Além. do. m ais,. a. conform idade. nas. relações est abelecidas ent r e im agem e t ext o podem ser am plam ent e discut idas, j á que um est udo nunca esgot a os argum ent os lançados para abordar um tema e sua relação com determinado objeto. Muit as obj et ividade consciência. vezes,. um. dest a.. O. que. nos. discurso m ot ivo. faz. é. sobre a. a. im agem. ext rapola. oper acionalidade. regularm ent e. “ t r aduzir”. os. de. a. nossa. sent idos. despert ados pessoal ou colet ivam ent e. I m agens r em et em a palavras e est as a novas im agens num sistema de referência que se t ransform a num círculo vicioso ou num a espiral infinit a. Segundo Aum ont , a im agem oper a de m odo epist êm ico dent ro das relações est abelecidas pelo hom em ent re suas produções e o m undo. Diz ele: “ a im agem t raz informações (visuais) sobre o mundo, que pode assim ser reconhecido, inclusive em alguns de seus aspectos não- visuais”14. Na busca pela ident idade nacional, os sím bolos que com põem as fot os de Ver ger e que nos t oca com o sendo part iculares a nosso m odo. 13 14. Idem. Pág 58. AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas, SP: Papirus. 1993. pág 80.. - 25 -.

(26) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. cult ural de ser, fat alm ent e não serão int erpret ados do m esm o m odo por est rangeiros que por nós ( por m ais int eirados que est ej am de nossos cost um es) . É, port ant o, m ais que um sim ples t rabalho de reconhecim ent o da realidade. È um t rabalho de aut o- conhecimento cultural. Pelo que se vê pode- se alcançar o que não se vê. Poderíam os afirm ar t am bém que a im agem const rói o suj eit o do espectador. Para reforçar este argumento, basta levar em conta a idéia de que som os um a perm anent e const rução no real e que t odas as nossas experiências de quest ionam ent o e reflexão sobre o m undo nos levam cot idianam ent e a um a nova condição per ant e ele. As imagens, fazendo parte de forma quase onipresente de nossa vida, contribuiriam decisivam ent e sobre a nossa percepção, inserção e int ervenção no social. I m port ant e salient ar que a vida de um a im agem não acaba com os significados que ela passa a carregar arbit r ariam ent e consigo, por m eio de um discurso im pet rado por um ou pelo social. Haverá sem pre interpretações diversas a partir dos mesmos significantes componentes da mensagem imagética. Seguindo todas estas linhas de raciocínio, nos pom os diant e de uma im por t ant e conclusão: a de que o espect ador const rói a im agem ( pois im põe um sent ido a ela) no m esm o t em po em que a im agem constrói o espectador (informa, educa, soma significados ao imaginário deste).. 1.7 A narrativa e o corte identitário. Dent ro dos padrões que consider am os at é agora, poderíam os dizer que t oda im agem , sobret udo a fot ografia, é um a const rução narrat iva. Mesm o que localizadam ent e, t oda im agem nos cont a, nos t raz algo novo ou m esm o confirm a alguns pont os de vist a que j á const ruím os acerca de nós ou da r ealidade. Um a nar rat iva t em vida própria é pont uada dent ro de um espaço e de um t em po, t al com o o fotográfico.. - 26 -.

(27) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. “ A represent ação do espaço e do t em po na im agem é quase sem pre, port ant o, um a oper ação det erm inada por um a int enção mais global, de ordem narrativa: o que se trata de representar é o espaço e o t em po diegét icos, e o própr io t r abalho de repr esent ação. est á. na. t ransform ação. de. diegese,. ou. de. fragmento de diegese em imagem” 15.. Toda im agem t em que ser lida, percebida sej a no cont ext o de um a at ualidade ou de sua realização. Nem t odas as im agens deixam explícit as em si a nat ureza de sua narr at iva. Por est e carát er , m uit as vezes é preciso descort inar ou descobrir narr at ivas expr essas na imagem e uma dessas narrativas é a identitária. Levando- se em cont a a fot ografia com o fat ia única e singular do espaço- tempo, sugiro que ela de fat o apreenda t am bém um aspect o, um a. fat ia. da. ident idade.. Tem os aqui. a. ident idade com o. um a. caract eríst ica m ult ifacet ada e com post a a part ir de vários fat ores e contribuições sociais. Para Malysse, “ o olhar fot ográfico não pode m ost rar t odos os lados do que ele vê, ele deve escolher um m om ent o específico, um angulo. O olhar. faz. um a. pausa. cega. no. t em po. cuj a. rapidez. e. irreversibilidade parecem t ransform ar o inst ant e fotografado num ato inconsciente” 16.. Por isso, precisam os de um conj unt o m aior de fot ografias, de m odo a oferecer um a visão m ais am pla da ident idade nacional. A fot ografia. recor t a,. m as. t am bém. rem et e. e. recria. as. sit uações. apreendidas. Ainda segundo Malysse,. 15. AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas, SP: Papirus. 1993. pág 248. Em seguida, Aumont explica: “Diegese é uma construção imaginária, um mundo fictício que tem leis próprias mais ou menos parecidas com as leis do mundo natural, ou pelo menos com a concepção, variável, que dele se tem. Toda construção diegética é determinada em grande parte por sua aceitabilidade social, logo por convenções, por códigos e pelos simbolismos em vigor em uma sociedade”. 16 MALYSSE, Stéphane Rémy. Um olho na mão: imagens e representações de Salvador nas fotografias de Pierre Verger. IN: Revista Afro-ásia. n24. Centro de estudos Afro-orientais. FFCH/UFBA. Salvador, BA. 2000. pág 340.. - 27 -.

(28) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. “ as pessoas fot ografadas falam do alt o do olhar de Verger sobre elas, m ost rando que par a ler um a fot ografia é preciso pensar at r avés da dim ensão sensual e subj et iva do olhar, t ant o do lado do observante quanto do lado do observado. Na interpretação de uma fot ografia ent ra em. j ogo a com plexidade da relação. observador/ observado em suas conot ações sexuais, raciais e culturais”17.. Tem os a consciência que a obr a de Verger reflet e seu m odo particular de ver a sociedade brasileira, seus tipos e seus costumes. Da m esm a form a com que reflet e o que o encant ava em nós. Por m eio do olhar part icular de Verger, nossa ident idade ali expost a j am ais poderia ser apreendida em sua t ot alidade, j á que se apresent a fragm ent ada, m ovediça e m ut ant e. Tent arem os, port ant o, m ont ar part e dest e quebra- cabeça e vislumbrar pedaços de nosso rosto.. 1.8 As peças do jogo. Em relação à fot ografia, é r eificada socialm ent e a idéia de que ela congela e perpet ua o m om ent o e as coisas ali present es, sendo estas físicas ou não. Se o m om ent o est á ali congelado e bem com o est ão t odas os obj et os e circunst âncias que o com põem , a ident idade t am bém est ará. Ela, m ais um a vez, não deixará de exist ir, m esm o que passe por transformações como todas as coisas. “ O at o fot ográfico im plica, port ant o, não apenas um gest o de cort e na cont inuidade do real, m as t am bém a idéia de um a passagem , de um a t ransposição irredut ível. Ao cort ar, o at o fot ogr áfico faz passar par a o out ro lado ( da fat ia) ; de um t em po evolut ivo a um t em po pet rificado, do inst ant e à perpet uação, do m ovim ent o a im obilidade, do m undo dos vivos ao reino dos mortos, da luz às trevas, da carne à pedra”18.. 17 18. idem. pág 333. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas, SP: Papirus, 1993.. - 28 -.

(29) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. É im port ant e. lem brar. que. algum as. caract eríst icas,. t raços. identitários assim o são, porque perm anecem a sabor dos t em pos. Ao se t rat ar de ident idade nacional, essas caract eríst icas perm anecem com o const it uint e m ais geral. Se são objetos, t raços, caract eríst icas transitórias, est es reflet irão apenas seu t em po, que pode, inclusive, se t ransform ar de local para local dent ro de um a m esm a nação. Cont udo, para um a caract eríst ica ser t ida com o com ponent e da ident idade nacional, é necessária que ela sej a ger al, em t em po e lugar, e que a im ensa m aioria se reconheça e se espelhe nest e t raço. Mesm o que m uit as de nossas caract eríst icas nacionais sej am mutantes ao sabor dos t em pos e das t ransform ações hist óricas, ainda assim é preciso que nos reconheçamos na radicalidade delas. Fazendo um a análise da obr a Ret rat os da Bahia 19, Malysse afirma: “ assim nos Ret rat os da Bahia dão a ver o que os baianos da época podiam ver neles m esm os, um t ipo de senso com um visual, r epr esent ações ordinárias dent ro do cenário cult ural visível dos m orador es, os quais podem os encont r ar cinqüent a anos m ais t arde na m esm a posição, repet indo os m esm os gestos e mostrando os mesmos sorrisos”.. 19. VERGER, Pierre. Retratos da Bahia. Corrupio. Salvador, BA. 2002. 288p.. - 29 -.

(30) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Capítulo 2 Algumas considerações sobre identidade. A quest ão da ident idade nacional brasileira é, ant es de t udo, um gr ande nó a ser desat ado. Meu int uit o é afr ouxá- lo um pouco e t raçar um a abor dagem do t em a, form ando um a colcha de ret alhos que contemple m eus int er esses im ediat os de revelar na obra de Pierre Verger as car act eríst icas est ét icas e cult urais de nosso povo m ais precisamente o que nos toca em relação à sexualidade e ao carnaval. A descobert a da ident idade, t ant o no âm bit o pessoal quant o no histórico- nacional, é um processo cont ínuo, m ut ant e. O cam inho t raz em si a necessidade de um a perm anent e sensação de est ranham ent o, para que possam os vislum brar o óbvio que est á a nossa frent e. Tem os que nos fazer estrangeiros de nós mesmos para reconhecermo- nos. No Brasil da década de 40, fot ogr afado por Verger, est ávam os ext asiados com as visões elitistas de brasilidade apresentadas por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. Nosso pont o de part ida para discut ir est a quest ão é a im agem de quat ro m oleques de braços cruzados a beir a da praia. Apesar de est ar em. volt ados. para. a. m esm a. direção,. quat ro. pessoas. que. cont em plam part icularm ent e um horizont e diferent e. Um horizont e límpido revelado pela ausência de nuvens e pela presença marcante da luz do sol. A mesma luz que é refletida pela cor negra das peles, dando um brilho m aior aos corpos e aos personagens com o se est ivessem num m om ent o de fat o m uit o par t icular. Todos t êm em seu sem blant e um a sisudez im própr ia para a idade, revelada pelos t raços ainda não fust igados pelo t rabalho. Cont udo, o olhar dest es m eninos busca um a razão de ser. Talvez a m esm a razão pela qual seus corpos j á apresent em o cont orno da força em pregada no esforço braçal, expost a por peit orais e braços bem definidos ( o que ainda não acont ece com a face, o abdom e nem com as pernas finas e fr ágeis) . Os calções que vest em revelam a origem hum ilde a que pert encem . O cenário,. - 30 -.

(31) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. pr esent e na m argem opost a, é um a afirm ação dos t rópicos com seus coqueiros no areal e a exuberância da m at a virgem ao fundo. Essa fot ografia. t irada. por. Verger. reflet e. a. sit uação. em. que. nos. encontrávamos na época em que ela foi tirada: moleques (ou narcisos) descobrindo seu rosto e se encantando com sua beleza.. Rio Vermelho, Salvador, BA – 1946/1978. Mas,. o que vem. a ser. ident idade nacional? Trat a- se de. responder, basicam ent e, a t r ês quest ões, ao m esm o t em po, sim ples e com plexas: é saber quem, como e porque som os. Ao olharm os para o nosso cot idiano e par a a nossa sociedade, poderem os t er um reflexo. - 31 -.

(32) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. do quem e de com o som os. Todavia, o pr ocesso de explicação de “ por que som os?” esbarr a na com plexidade de um a int erpret ação hist órica e social, que nem sempre é tão óbvia e consensual. Essa complexidade t erm ina, m uit as vezes, por m udar a própria im agem que fazem os de nós m esm os e das car act eríst icas que nos const it uem no im ediat ism o do cotidiano. Manuel Cast ells define ident idade com o sendo um a font e de significado e experiência de um povo. São as part icularidades de cada nação que a distingue das outras. “ A construção de identidades vale- se da matéria- prima fornecida pela. hist ória,. geografia,. biologia,. inst it uições pr odut ivas e. reprodut ivas, pela m em ória colet iva e por fant asias pessoais, pelos apar at os de poder e r evelações de cunho religioso. Porém t odos est es m at er iais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de t endências sociais e proj et os cult ur ais enr aizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço”20.. Elisabeth Badinter comunga da idéia que “ a aquisição de de um a ident idade ( social ou psicológica) é um processo ext er em am ent e com plexo, que com port a um a relação posit iva de inclusão e um a r elação negat iva de exclusão. Nós nos definim os pelas sem elhanças com algum as pessoas e as diferenças com outras” 21.. At ualm ent e, as discussões em t orno da ident idade t êm ganhado um a relevância cada vez m aior dent ro do cenário globalizado. Em seu est udo sobr e a ident idade nacional na pós- m odernidade, St uart Hall apont a. j unt o. ao. processo. de. m undialização. da. cult ura. um a. descent ralização, deslocam ent o, fragm ent ação das ident idades. Ele argum ent a que o volum e de inform ações e r eferências a que est á 20. CASTELLS, Manuel. O poder da Identidade. São Paulo, SP: Paz e Terra, 2001. pág 23. BADINTER, Elisabeth. XY: Sobre a identidade masculina. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fornteira, 1993. pág 33. 21. - 32 -.

(33) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. expost o o hom em cont em porâneo t erm ina por m udar as “ paisagens cult urais” nas suas m ais diferent es esferas ( sexual, ét nica, nacional, etc...). Para Hall, o sujeito pós- moderno tem identidades múltiplas e se port a de várias m aneiras difer ent es conform e a sit uação apresent ada. Essa pr át ica seria j ust ificada pela crise dos par adigm as sociais, pelas form as nas quais “ som os repr esent ados ou int erpelados nos sist em as cult urais. que. nos. rodeiam ” 22. e. pelos. at ribut os. cult urais. int er -. relacionados. Em linhas gerais, a formação de uma identidade é feita por meio de posicionam ent os, escolhas frent e a cert as quest ões de organização social. Segundo Roberto DaMatta, “ t ant o os hom ens com o as sociedades. se definem por seus. est ilos, seus m odos de fazer as coisas. Se a condição hum ana det er m ina. que. t odos. os. hom ens. devem. com er,. dorm ir ,. t rabalhar, reproduzir - se e rezar, essa det erm inação não chega ao pont o de especificar t am bém que com ida ingerir, de que m odo produzir, com que hom em ou m ulher acasalar- se e para quant os deuses e espírit os r ezar. É precisam ent e aqui, nessa espécie de zona indet erm inada, m as necessária, que nascem as difer enças e, nelas os est ilos, os m odos de ser e de est ar, os ‘j eit os’. de. cada. qual.. Porque. cada. grupo. hum ano,. cada. colet ividade concret a, só pode pôr em prát ica algum as dessas possibilidades de at ualizar o que a condição hum ana apresent a como universal” 23.. 22. HALL, Stuart. A identidade Nacional na Pós-modernidade. Rio de Janeiro, RJ: DP&A Editora, 1997. pág 12. 23 DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil?. Rio de Janeiro,RJ:Rocco,1977. pág 15. - 33 -.

(34) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. 2.1 A identidade brasileira. Palmeira dos índios, AL – 1947/1951. Verger explora seu olhar de est rangeiro para buscar o que há de m ais aut ênt ico em nós. Parece som ent e se im port ar com a essência. Busca no fundo dos olhares a brasilidade que t ent am os or a descobrir ora ocultar. As reflexões sobre a brasilidade t êm início ainda no Br asilcolônia. Cont udo, a nossa at ual concepção de ident idade nacional com eça a ser const ruída na segunda m et ade do século XI X e início do século XX, fort em ent e influenciada pelas t eorias raciais defendidas pelos pensadores posit ivist as europeus. Aut or es com o Sílvio Rom ero,. - 34 -.

(35) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. Nina Rodrigues, Oliveir a Viana e Euclides da Cunha oper am sob est a óptica. “ Todos eles t inham em com um a consideração da m est içagem ( t ant o. das. ( difer ença). raças que. com o. das. cult uras). com o. definir ia. a. ident idade. caract eríst ica. brasileira.. Mas. a. m est içagem basicam ent e não era um dado posit ivo. Se por um lado a m est içagem ser via com o pedr a de t oque da originalidade nacional, por out ro, denot ava um defeit o na fundação dessa originalidade (as raças inferiores que compunham o mestiço)” 24.. A figur a do m est iço só com eça a ser valorizada na década de 30 quando. t rês. cient ist as. sociais. redim ensionaram. o. pensam ent o. br asileiro com suas obras sobr e a const it uição da ident idade nacional. Gilbert o Freyre, Sér gio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior t ornar am. vigent e,. ent re. os. int elect uais. brasileiros. inseridos. no. cont ext o da m odernidade, a concepção sociológica clássica de que a identidade é tão somente fruto do meio social e cultural. Ainda que sob considerações im plicações. elit ist as. biológicas. e e. pat riarcais,. eles. concent ram - se. nas. deixam. de. lado. cont ribuições. as. sócio-. cult urais que as t rês raças for necem par a a const r ução da ident idade brasileira. Ângela Prysthon, em seu artigo “Pensando o Brasil: percursos da identidade nacional”, argumenta que “ Casa Grande e Senzala e os subseqüent es livros de Gilbert o Freyre for am post eriorm ent e acusados de t erem criado o m it o da dem ocracia racial br asileir a e da br andura das relações ent re senhores e escravos e encobert o a violência das est rut uras econôm icas e sociais at r avés do elogio ao pat riarcalism o. ( ...) Tais acusações procedem na m edida em que desvelam não os problem as inerent es à obra de Fr eyre, m as a influência de cert o m odo det urpadora que est a obr a t eve na cult ura e sociedade. 24. PRYSTHON, Ângela. Pensando o Brasil: percursos da identidade nacional. Recife, PE: Edições Bagaço, 2001. Pág 50.. - 35 -.

(36) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. br asileir as com o. um. t odo. ( principalm ent e est a crença na. convivência harm oniosa ent re as raças e as classes sociais, m as também a exacerbação do regionalismo)”. 25. .. De acordo com Gilberto Freyre, “ o hom em vivent e e convivent e não pode ser definido apenas em t erm os abst rat os, m at em át icos, est at íst icos. Precisam os de nos defront ar com o que nele sej a o que Unam uno cham ava de ‘carne e osso’. Precisam os de considerá- lo, o m ais possível, na sua t ot alidade biossocial, não só o ser que pensa, sent e, sonha, fala,. ri,. reza,. distinguindo- se,. dança, por. fabrica,. pint a,. essas apt idões. t oca. viola,. hum anas,. dos. fum a, dem ais. anim ais com o o que copula, com e, defeca, sua, corre, gr it a, sobe. às. ár vores,. desce. às. águas,. nada,. sendo,. nessas. expressões de vida, ao m esm o t em po que universal com o indivíduo biológico. Part icular, diverso, regional, pré- nacional, com o pessoa, ist o é, com o indivíduo socializado e acult urado de acordo com um a ecologia, um a cult ura, um grupo a que pert ença, ou dent ro do qual nasceu ou cresceu; e, de acordo com. esses. com endo,. condicionam ent os, copulando,. prat icando. nadando. –. de. at os. difer ent es. anim ais. –. m aneiras. biossociocult ur ais. É em virt ude dessas part icularizações de com port am ent o, decorrent es de sit uações ecológicas e cult urais particularizadoras da condição hum ana, que se pode falar de um hom em brasileiro com o de um hom em francês, de um hom em port uguês, de um hom em espanhol, de um hom em russo, de um hom em m exicano, de um hom em paraguaio, de vários out ros hom ens nacionais; de vários out ros t ipos nacionais ou regionais de Hom em . Para esse t ipo nacional de Hom em brasileiro – ainda em form ação m as j á bast ant e definido, ant ropológica e socialm ent e – sabem os que t êm concorrido, e cont inuam 25. a. concorr er,. vários. Idem. Pág 53.. - 36 -. subt ipos. regionais,. alguns.

(37) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. dinam izados e t ransregionais: o caso clássico do Bandeirant e. O do nordest ino. O do próprio gaúcho que se t em pr oj et ado pelo Brasil Central.”. 26. Verger com unga dessa idéia at é m esm o por ilust rar os t ext os escrit os por Freyre para a r evist a em que t r abalhava nos anos 40. O fr ancês fot ografa sem pr e nos inserindo num cenário próprio de cada t ipo. hum ano. br asileiro.. Suas. fot ografias. m ost ram. um. Brasil. marcadamente regional, quase folclórico. Par a alguns int elect uais, a discussão sobre a ident idade nacional br asileira deve com eçar a ser abordada a par t ir da perspect iva das sociedades indígenas que aqui est avam. quando da chegada do. colonizador por t uguês. Se for consenso que nossa ident idade é frut o da miscigenação que se deu no processo formador de nossa sociedade, fat o é que o ser br asileiro part e das prim eiras com binações feit as pelo encont ro de r aças. Sendo o port uguês o colonizador, im pôs, a priori, seus cost um es e valores sociais às com unidades nat ivas. Nest e aspect o t om arem os as considerações de alguns pensadores de nossa sociedade par a esclarecer. alguns pont os sobre o assunt o.. Vale. salient ar aqui que cada um sit ua sua perspect iva num cont ext o específico. Sérgio Buar que de Holanda, em seu “ Raízes do Br asil” ( 1936) , afirm a que nosso carát er m iscigenado e nossa condição de “ hom em cordial” t iver am a m esm a raiz: o personalismo port uguês. Ent enda- se o conceit o “ personalism o” usado por Buarque com o a “ cult ura da personalidade” . No sent ido usado por ele, o t erm o é vinculado à responsabilidade individual e respeit o ao m érit o pessoal enquant o aspect os subordinados à própria personalidade. Est a caract eríst ica social deu perm eabilidade à nobr eza lusit ana, que apesar de fidalga e arist ocrát ica perm it ia que pessoas da plebe pudessem alm ej ar um a m udança de classe social por m eio do m érit o. Esses valores chegando 26. FREYRE, Gilberto. O brasileiro como tipo nacional de homem situado no trópico e, na sua maioria, moreno: Comentários em torno de um tema complexo. Rio de Janeiro: Conselho federal de Cultura, 1970. p. 41-57. Versão on line http://prossiga.bvgf.fgf.org.br/português/obra/index.htm. - 37 -.

(38) PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO XIRÉ ADE: O OLHAR DE PIERRE VERGER SOBRE O TRAVESTISMO NO CARNAVAL BRASILEIRO. aqui result ar am , segundo Buarque, em m ando e obediência irrest rit a por m eios vert icais de hier arquia, pois t oda pessoa que chefiava t inha em si um hist órico, um a razão para est ar ali. Gilbert o Freyre, em seu “Casa- gr ande e Senzala” ( 1933) , t am bém com unga dessa opinião. Para ele, na sociedade port uguesa, não se havia est rat ificado as classes sociais nem exclusivismos intransponíveis. “ O que vem a reforçar a nossa convicção de ter sido a sociedade port uguesa. m óvel. e. flut uant e. com o. nenhum a. out ra,. constituindo- se e desenvolvendo- se por um a int ensa circulação t ant o vert ical com o horizont al de elem ent os os m ais diversos na procedência”. 27. .. Par a Buarque, o personalism o port uguês t am bém dá vazão para que a ét ica avent ureira se sobreponha a um a ét ica do t rabalho. A lógica é a de que m andar e t er em m ãos é m uit o m ais fácil que produzir. Est a seria a origem de algum as de nossas caract eríst icas com o a preguiça ou a subordinação do elem ent o cooper at ivo e racional ao pessoal e afet ivo, por exem plo. Para o sociólogo, o ideal t razido pelo português é colher o fruto sem plantar a árvore.. Pierre Verger, Mercado de S. José (esq) e Cais de Stª Rita (dir), Recife, 1947. “Esse tipo humano ignora as fronteiras. No mundo tudo se apresent a a ele com generosa am plit ude e, onde quer que se. 27. FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Rio de Janeiro: Record, 1999. 35ª ed. pág 217. - 38 -.

Referências

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