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DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Flávia Pereira Ribeiro

Desjudicialização da Execução Civil

DOUTORADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC- SP

Flávia Pereira Ribeiro

Desjudicialização da Execução Civil

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Direito Processual Civil, sob a orientação do Professor Doutor João Batista Lopes.

São Paulo

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Banca Examinadora

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Ficha Catalográfica

RIBEIRO, Flávia Pereira. Desjudicialização da Execução Civil

São Paulo: 2012, pp. 287.

Tese (Doutorado) –Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.

Área de concentração: Direito Processual Civil

Orientador: Professor Doutor João Batista Lopes

Palavras-chave: desjudicialização; execução; Portugal; jurisdição; agente de

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AUTORIZAÇÃO

Na qualidade de autora, autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução parcial ou total desta tese por processos fotocopiadores ou eletrônicos.

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A todos que me cercaram de carinho durante esta difícil fase;

a todos que incentivaram o arrojo do meu trabalho;

aos meus pais, irmãos, cunhadas;

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AGRADECIMENTOS

Tenho tanto a agradecer e a tantos, que esta tarefa torna-se delicada. Assim, vou por partes: agradeço ao meu querido orientador João Batista Lopes pela paciência e incentivo em todas as horas de certo tormento, aflição, frustração. A liberdade e o limite foram dados com sapiência.

A minha banca de qualificação, formada por Cassio Scarpinella Bueno e Nelson Nery Jr., além do meu orientador, foram essenciais para o aprimoramento desse trabalho. Eles me

encorajaram a fazer um “projeto de lei”, tarefa das mais difíceis, mas que, aparentemente, deu solidez a esta tese de doutorado. Agradeço ao meu orientador por formar uma banca de qualificação tão qualificada, razão pela qual foi tão proveitosa; e, na sequência, por organizar uma banca pública tão renomada.

Desesperada com a tarefa de elaborar um “projeto de lei”, procurei meu querido amigo Bruno

Dantas Nascimento. Quando finalmente consegui falar com essa pessoa tão ocupada, me acalmei. Ele pediu a um colega que me explicasse técnica legislativa e indicasse as normas pertinentes. Foi assim que por vários dias me comuniquei por e-mail com Eduardo dos Santos Ribeiro, que inclusive sugeriu o trabalho colunado, mais acadêmico e menos denso que um verdadeiro projeto de lei. Serei eternamente grata aos dois.

Aos que me receberam em Portugal, agradeço muitíssimo. Minha pesquisa foi orientada naquele país pelo Professor Miguel Teixeira de Sousa. Paula Costa e Silva também o faria se não estivesse no Brasil na ocasião, mas trocamos ideias em diferentes oportunidades. Agradeço a todos que atenderam às minhas entrevistas, detalhadas na subseção 5.6 destes escritos: Paula Meira Lourenço, António Gomes da Cunha, João Jorge Gil Rodrigues Almeida, Mário Melo Rocha e Filipa Meira Bicas. Registro o apoio recebido da Ordem dos Advogados de Portugal, especialmente o bibliotecário João Pedro Oliveira, pelo acesso à bela biblioteca e fornecimento de cópia de artigos e de trechos de livros sem qualquer custo. Teresa Arruda Alvim Wambier organizou minha temporada em Portugal, razão pela qual também lhe sou grata.

Cito aqui o nome de vários amigos, os quais de alguma forma colaboraram na elaboração desta tese, desde aqueles que suscitaram dúvidas, emprestaram livros, indicaram material de pesquisa, fizeram contato com outros contatos, ajudaram com tradução, entre outros. Nessa empreitada, em certas horas, uma simples palavra pode significar muito. São eles, em ordem alfabética: Andrea Portacolone, Antonio Notariano Jr., Carlo Calabró, Clara Moreira Azzoni, Daniel Hoppe, Fabiano Carvalho, Hélio Rubens Batista Ribeiro Costa, Karen Skitnevsky, Laura Vissotto, Marcelo Kramer, Neil Andrews, Pedro da Silva Dinamarco, Regina Kopp Silva, Rodolfo de Camargo Mancuso, Rodrigo Barioni e Samy Garson.

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Além de outras de importância, foi ela quem indicou a profissional Estela de Jesus Martins, responsável pela correção gramatical e formatação destes escritos e me encorajou a contratar Ana Paula de Castro, para uma revisão final, com um olhar jurídico.

Tenho muito a agradecer aos suecos Frank Walterson e Mikael Berglund. Um país realmente civilizado é aquele que valoriza a educação acima de tudo. Perguntei a Walterson qual a razão pela qual ele estava tão empenhado em ajudar. Queria entender se se tratava de uma questão cultural, sociológica, ou outra, já que éramos desconhecidos e ele uma pessoa tão importante e ocupada. Ele frisou que apreciava essa troca de informações e que, tendo estado tão envolvido nas reformas que discutíamos, realmente queria dar todo o suporte necessário à minha tese no que dizia respeito à execução na Suécia.

Agradeço também às pessoas ligadas ao Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil, Seção São Paulo, especialmente a Michelle Arruda de Almeida, José Carlos Alves, Mário Florence e Reinaldo Velloso dos Santos. Cada qual com o seu papel, me permitiram conhecer a estrutura do tabelionato de protesto e a viabilidade da proposta.

Agradeço ao meu grande amor Lineu, que me suportou nas fases de grande estresse e ajudou a minimizá-lo, até mesmo assumindo tarefas que definitivamente não lhe cabiam. Não posso deixar de mencionar o Monet, que apesar de passar quase o tempo todo cochilando, manteve-se manteve-sempre aos meus pés, ao redor do meu pequeno centro de tecnologia da informação.

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FLÁVIA PEREIRA RIBEIRO

DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO CIVIL

RESUMO

O estudo estatístico de desempenho do Poder Judiciário realizado pelo Conselho Nacional da Justiça (CNJ) noticiou um verdadeiro colapso na prestação da tutela executiva no Brasil, sendo esta uma das razões pela qual se deve observar com bons olhos propostas inovadoras. É necessária a superação dos mitos criados pela ciência jurídica, a começar pelo conceito de jurisdição estatal. A resolução de conflitos já é realizada por terceiros imparciais no Brasil; a execução de títulos judiciais e extrajudiciais é feita sem a intervenção do juiz em muitos

países europeus, em alguns de forma bastante solidificada. Nesses países, o “agente de execução” – que pode ser público ou privado – recebe o pedido de execução e lhe dá o devido processamento – desde que presentes os requisitos formais do título –, incluindo citações, notificações, penhoras e venda de bens. O tribunal fica inteiramente fora desse procedimento, salvo em situações excepcionais, quando é chamado a decidir eventual oposição do devedor. Após análise detalhada de direito estrangeiro, propõe-se a desjudicialização da execução, adotando-se como parâmetro a reforma portuguesa, mas adaptada ao sistema brasileiro, aproveitando-se as estruturas existentes. Sugere-se que ao tabelião de protesto – profissional de direito concursado – seja delegada a função pública da execução de títulos, havendo a ampliação de suas atividades. Nos termos do artigo 263 da Constituição Federal, sustenta-se que a remuneração seja realizada de acordo com os emolumentos fixados por lei e a fiscalização praticada pelos tribunais e corregedorias. O acesso ao Poder Judiciário fica resguardado por meio da oposição dos embargos do devedor caso o jurisdicionado sinta-se lesado ou ameaçado em seu direito. A desjudicialização da execução é tema bastante controverso, de forma que há um grande esforço na sua justificativa – exposição de motivos. A proposta procedimental tem caráter complementar e é apresentada em forma de um quadro comparativo, tomando-se por base os artigos pertinentes do PL nº 8.046/2010 – novo CPC –, já aprovado pelo Senado Federal e em trâmite perante a Câmara dos Deputados. O objetivo do trabalho é fornecer subsídios a um concreto projeto de lei para a desjudicialização da execução.

Palavras-chave: desjudicialização; execução; Portugal; jurisdição; agente de execução;

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ABSTRACT

The statistic study of the performance of the Judiciary System made by CNJ has demonstrated the collapse of the rendering of executive protection in Brazil, and this is one of the reasons why new proposals should be observed. It is necessary to overcome myths created by the legal science, starting with the concept of State Jurisdiction itself. Dispute resolution is already undertaken by impartial third parties in Brazil; execution of awards derived from decrees or from out-of-court titles has been carried out without the intervention of judges in many European countries – in some, in a very solidified way. In these countries, the

“enforcement agent”– who might be public or private – receives the request for execution and proceeds with due process – provided that the formal requirements of the award are present –

including summons, notifications, attachments, and order of sale of assets. The court is kept absolutely out of the procedures, except for extraordinary situations in which it is called upon to decide over occasional opposition declared by the debtor. After detailed analysis of foreign Law, we propose the dejudicialization of execution procedures adopting the Portuguese reform as parameter – however adapted to the Brazilian system – and making use of the existing structure. We suggest the delegation of the public activity of collecting debts to the Notary Public (a duly accredited Law professional), therefore broadening their activities. Under the terms of article 263 of the Federal Constitution, we support that the fees be paid according to those established by Law and supervision enforced by courts and internal affairs offices. Access to the judiciary system would be granted by means of filing a motion to stay collection whenever the party feels their right is being affected or threatened. Dejudicializationis a very controversial topic, therefore there is a very big effort to justify it –

explanatory memorandum. The procedure proposal has a complementary character and is presented under the form of a comparison chart, based on the related articles in PL nº 8.046/2010* (Bill # 8.046/2010) – new CPC* (Brazilian Process Code) – which was already approved the Federal Senate and is presently under proceedings with the House of Representatives. The goal of this study is to provide subsidy to a Bill aiming at dejudicialization of execution procedure.

Key-words: dejudicialization; execution; Portugal; jurisdiction; enforcement agent;

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

CAPÍTULO 1 – JURISDIÇÃO E INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL ... 16

CAPÍTULO 2: DESJUDICIALIZAÇÃO ... 28

2.1 Crise no Poder Judiciário ... 28

2.2 Os dogmas do processo civil versus a necessidade de mudança de mentalidade ... 34

2.3 O fenômeno da desjudicialização ... 37

2.4 Delegação legal dos poderes executivos a um agente privado ... 42

CAPÍTULO 3 – HIPÓTESES DE DESJUDICIALIZAÇÃO NO BRASIL ... 46

3.1 Desjudicialização do poder de império ... 46

3.1.1 Execução no sistema financeiro de habitação ... 46

3.1.2 Projetos de lei para a execução fiscal administrativa ... 52

3.1.3 Privatização da alienação de bens ... 59

3.2 Desjudicialização do poder de dizer o direito... 61

3.2.1 Arbitragem ... 61

3.2.2 Recuperação extrajudicial ... 66

3.2.3 Retificação do registro imobiliário ... 68

3.2.4 Inventário, separação e divórcio ... 69

CAPÍTULO 4 – A TENDÊNCIA DA DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO NA EUROPA ... 75

4.1 Diversidade de sistemas executivos na Europa ... 75

4.2 O modelo desjudicializado alemão e italiano. O agente de execução é um ente público ... 80

4.2.1 Alemanha ... 80

4.2.2 Itália ... 86

4.3 O modelo desjudicializado francês. O agente de execução é um ente privado ... 92

4.3.1 Direito Francês... 92

4.4 O modelo (des)judicializado espanhol ... 96

4.5 O modelo administrativo sueco ... 104

4.6 A tendência da desjudicialização da execução ... 108

CAPÍTULO 5 – A RECENTE DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO EM PORTUGAL ... 112

5.1 A evolução do sistema de execução de natureza pública para privada em Portugal: reformas de 2003 e 2008 ... 112

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5.3 O juiz de execução ... 124

5.4 A Comissão para a Eficácia das Execuções ... 125

5.5 Tramitação da ação executiva ... 127

5.5.1 Requerimento executivo ... 128

5.5.2 Início do processo executivo ... 129

5.5.3 Oposição à execução ... 131

5.5.4 Consulta do “registo informático de execuções” e penhora ... 133

5.5.5 Publicidade, venda e pagamento ... 136

5.5.6 Extinção da ação executiva ... 137

5.6 Breve relatório acerca das pesquisas de campo realizadas em Portugal ... 137

CAPÍTULO 6 – PROPOSTA DE DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DE TÍTULOS EXECUTIVOS NO BRASIL ... 144

6.1 Adoção do modelo português, devidamente adaptado ao sistema brasileiro ... 144

6.2 Delegação do serviço público de execução ao notário ... 152

6.3 Notários e registradores ... 158

6.3.1 Regime jurídico ... 158

6.3.2 Competência dos tabelionatos de protestos ... 164

6.3.3 Concurso público ... 168

6.3.4 Remuneração paga conforme tabela de emolumentos e eventual gratuidade... 171

6.3.5 Controle externo ... 174

6.4 Criação de varas especializadas para a execução ... 177

6.5 Papel do advogado ... 178

CAPÍTULO 7 – RESUMO DO PROCEDIMENTO ... 181

7.1 Atividade executiva perante o tabelionato de protesto ... 181

7.2 Defesa do executado perante o Poder Judiciário ... 185

CAPÍTULO 8 – PROPOSTA PROCEDIMENTAL COM BASE NO PROJETO DE LEI NO 8.046/2010 ... 192

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS ... 258

REFERÊNCIAS ... 263

ANEXOS: I - Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM/CCBC) ... 281

II - Câmara de Arbitragem São Paulo (CIESP) ... 282

III - Câmara de Comércio Americano ... 283

IV - Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo... 284

V - Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil, Seção São Paulo ... 285

VI - Tabela da Lei no 11.331/2002 (Item 1) ... 286

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Introdução

Têm-se notícias de um verdadeiro colapso no processo executivo brasileiro, conforme o estudo estatístico de desempenho do Poder Judiciário realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A taxa de congestionamento média do processo executivo alcançou os 84%, ou seja, de cada 100 processos executivos que tramitaram em 2010, aproximadamente 84 não foram efetivos e, consequentemente, não tiveram sua baixa definitiva alcançada. Alguma medida extrema deve ser tomada quando se denota que apenas 16% das execuções alcançaram seu objetivo – a satisfação da obrigação.

Qualquer proposta que se faça para mudar esse quadro, seja polêmica, seja contrária aos dogmas estabelecidos, deve ser analisada com bons olhos.

Não fazê-lo é deixar-se acomodar aos padrões arcaicos e sedimentados. Os hábitos podem e devem ser revistos. É necessário romper tradições e mentalidades conservadoras. O âmbito institucional jurídico não é lugar para dogmas, uma vez que haveria inevitável contradição com a mutabilidade da cultura e da sociedade. Pode-se afirmar com certa segurança que um dos principais problemas do processo civil moderno reside na superação dos mitos criados pela ciência jurídica, a começar pelo conceito de jurisdição estatal.

O Brasil já fez opções legislativas de delegação da tutela declaratória de direitos para terceiro privado e imparcial, como é o caso da arbitragem, por exemplo. Também já o fez em relação à tutela executiva, havendo, no entanto, um único paradigma, que é a execução no sistema financeiro de habitação, mas que sofre questionamento de sua constitucionalidade desde sua origem, na década de 60

No entanto, na maioria dos países europeus a execução de títulos executivos é realizada sem a interferência do Judiciário. Nesses países, a competência para a execução é de

(14)

Exemplificando, (i) na França, a atividade executiva é realizada pelo hussier – um

profissional liberal; (ii) na Alemanha, pelo gerichtsvollzieher um funcionário público; (iii)

em Portugal, pelo solicitador de execução – um profissional liberal; (iv) na Itália, pelo agenti

di esecuzione – um funcionário público; (v) na Suécia, pelo kronofogde – um funcionário

público; e (v) na Espanha, conforme recentíssima reforma, pelo secretário judicial – um funcionário público.

Após análise detalhada de direito estrangeiro, propõe-se a desjudicialização da execução nos moldes do sistema português, onde, após sucessivas reformas, houve a translação da competência do agente público historicamente encarregado pela execução – o juiz – para o solicitador de execução, profissional liberal designado especificamente para essa atribuição e sujeito a todas as responsabilidades dela decorrentes.

O atual agente de execução português é um misto de profissional liberal e funcionário público, uma vez que exerce atividade pública de forma privada. No entanto, a delegação inicial das atividades executivas aos solicitadores (figura similar ao despachante) foi desastrosa, sendo necessária a correção de diversas consequências desta opção ao longo do tempo, visando minimizar assim a falta de formação técnica, experiência e maturidade daqueles profissionais.

Nessa esteira, não se pretende apenas transplantar as medidas adotadas naquele país para o Brasil. Espera-se fazer uma proposta lúcida, coerente com o sistema brasileiro e com o aproveitamento das estruturas já existentes. Pretende-se evitar os problemas detectados nas pesquisas de campo realizadas em Portugal, dos quais se destacam a inicial falta de i) formação dos agentes de execução e de ii) controle externo das atividades executivas.

(15)

Dentre os agentes delegados, sugere-se que o tabelião de protesto tenha suas competências alargadas, para que assuma também a realização das atividades executivas, uma vez que afeito aos títulos de crédito (ainda que nem sempre executivos). Além disso, propõe-se a valorização do protesto como eficiente medida coercitiva para o cumprimento das obrigações.

Assim, indica-se que seja delegada ao tabelião de protesto a tarefa de verificar os pressupostos da execução, realizar a citação, penhorar, vender, receber pagamentos e dar quitação, reservando-se ao juiz estatal a eventual resolução de litígios, quando provocado por intermédio dos competentes embargos. Nesses termos, entende-se que o acesso ao Poder Judiciário ficará resguardado, bem como o contraditório e a ampla defesa, uma vez que os embargos do devedor estarão ao alcance do jurisdicionado que se sentir lesado ou ameaçado em seu direito, ou que pretender questionar a injustiça ou ilegalidade da privação de seus bens.

A desjudicialização da execução é tema bastante controverso, de forma que há um grande esforço na sua justificativa – exposição de motivos. A proposta procedimental tem caráter complementar e é apresentada em forma de um quadro comparativo, tomando-se por base os artigos pertinentes do Projeto de Lei no 8.046/2010 – novo Código de Processo Civil –

, já aprovado pelo Senado Federal e em trâmite perante a Câmara dos Deputados. O objetivo do trabalho é conferir subsídios a um concreto projeto de lei para a desjudicialização da execução.

É necessário esclarecer que tão somente a execução por quantia certa é abordada, como delimitação do trabalho. Parece que nada impede que outros tipos de execução também sejam realizados de forma desjudicializada, nos moldes do sistema adotado como paradigma, o português.

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necessitam de análise cognitiva, e consequentemente, de ordem judicial, de forma que, caso o agente de execução pretenda a aplicação de multa, por exemplo, deverá requerê-la ao juiz de execução.

Caso a execução para a entrega de coisa ou a execução das obrigações de fazer e de não fazer resolvam-se em perdas e danos, o valor deverá ser apurado e então o juiz expedirá a competente certidão demonstrando a certeza, liquidez e exigibilidade do título, para que seja apresentada ao tabelionato de protesto, iniciando-se a execução por quantia certa.

Em relação ao cumprimento de sentença, propôs-se o máximo aproveitamento dos benefícios trazidos pela Lei nº 11.232/2005, como a intimação para pagamento voluntário, sob pena de multa e a impugnação nos próprios autos, apenas transferindo-se os atos executivos para o agente de execução quando o inadimplemento restar de fato configurado, quando então será expedida a competente certidão a ser apresentada ao tabelião de protesto.

Não se alterou a estrutura da execução de alimentos, em razão de suas características peculiares como a ordem de prisão, a assistência do Ministério Público, entre outras, e manteve-se intocada a execução contra a Fazenda Pública, até mesmo levando-se em conta a dificuldade de remuneração do agente de execução.

Dentre as inúmeras propostas periféricas lançadas ao longo do presente trabalho, registram-se duas delas: (i) a criação de varas especializadas para a execução parece fundamental, possibilitando agilidade no julgamento dos embargos e nas decisões a serem proferidas nos dois novos incidentes criados, quais sejam, a reclamação e a suscitação de dúvidas; (ii) o processo eletrônico precisa ser fortalecido, criando-se um canal de comunicação entre o juiz e o agente de execução, cujo acesso seja estendido também às partes. Além disso, nesse tocante, o CNJ e os tribunais devem aprovar modelos de formulários eletrônicos para encaminhamento do requerimento de execução ao tabelião de protesto.

(17)

CAPÍTULO 1

Jurisdição e inafastabilidade do controle jurisdicional

Existem duas correntes clássicas que tentam explicar a função jurisdicional do Estado. A primeira, orientada por Chiovenda, informa que a jurisdição é a efetivação da vontade abstrata da lei por meio dos órgãos públicos, substituindo a atividade privada e originária das partes; a segunda, capitaneada por Carnelutti, afirma que a jurisdição é o meio para se alcançar a justa composição da lide.

A definição clássica de Chiovenda para jurisdição, repetida em inúmeros manuais e em outros escritos de matéria processual, é: “função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva”.1-2

Para o autor italiano, a jurisdição é a função do Estado de afirmar a existência ou a inexistência de uma vontade da lei ou de executar a intenção desta lei, sempre em substituição. De acordo com suas próprias palavras:

A atividade jurisdicional é sempre uma atividade de substituição; é −

queremos dizer − a substituição de uma atividade pública a uma atividade alheia. Opera-se essa substituição por dois modos correspondentes aos dois estágios do processo, cognição e execução. a) Na cognição, a jurisdição, consiste na substituição definitiva e obrigatória da atividade intelectiva do juiz à atividade intelectiva, não só das partes, mas de todos os cidadãos, no afirmar existente ou não existente uma vontade concreta de lei concernente às partes. Pelos lábios do juiz a vontade concreta da lei se afirma tal e se atua como se isso acontecesse por força sua própria, automaticamente. (...) Na sentença, o juiz substitui para sempre a todos no afirmar existente uma obrigação de pagar, de dar, de fazer ou não fazer; (...) b) E quanto à atuação definitiva da vontade verificada, se se trata de uma vontade só exeqüível pelos órgãos públicos, tal execução em si não é jurisdição; assim, não é jurisdição a execução da sentença penal. Quando, porém, se trata de uma

1 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil v. 2. Tradução Paolo Capitanio.

Campinas: Bookseller, 1998. p.8.

2 Acompanham a definição de jurisdição como substituição e atuação concreta do direito: THEODORO

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vontade de lei exeqüível pela parte em causa, a jurisdição consiste na substituição, pela atividade material dos órgãos do Estado, da atividade devida, seja que a atividade pública tenha por fim constranger o obrigado a agir, seja que vise ao resultado da atividade. Em qualquer caso, portanto, é uma atividade pública exercida em lugar de outrem.3

Para Chiovenda, portanto, execução é jurisdição, diferentemente de Carnelutti, para quem execução não é jurisdição.4-5 Para Carnelutti, a atividade jurisdicional é a atividade do juiz de regular um conflito singular de interesses de modo autônomo ou vinculado, quer seja constituindo, quer seja acertando uma relação jurídica (processo de conhecimento). O fim específico do processo é a justa composição da lide.6

Nesse passo, ainda segundo Carnelutti, para que haja atividade jurisdicional deve haver conflito de interesses – lide. A pretensão é a exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio, e a resistência é a não adaptação a essa subordinação, que passa a ser contestada. A lide, portanto, pode se definir como um conflito de interesses qualificados por uma pretensão resistida, objeto do processo jurisdicional.7-8

3 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil v. 2. Tradução Paolo Capitanio.

Campinas: Bookseller, 1998. p.17.

4A finalidade característica do processo executivo consiste, pois, em proporcionar ao titular do Direito

subjetivo ou do interesse protegido, a satisfação em ou contra a vontade do obrigado. (...) Não nos encontramos mais perante duas partes que reciprocamente disputam entre si a razão e um juiz que busca qual das duas a tenha a verdade, e sim perante uma parte que quer ter uma coisa e outra que não a quer dar, enquanto que o órgão do

processo retira a esta para ser dada àquela”. CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil –

v. II (Introdução e função do processo civil). Tradução Hiltomar Martins Oliveira. São Paulo: ClassicBook, 2000. p.294.

5“In passato si è discusso in dottrina della natura del processo esecutivo. (...) Vi è così chi ha sostenuto la natura

non giurisdizionale del processo esecutivo, anche se la sua funzione non sarebbe meramente amministrativa (C. MORTARA, Commentario del codice e delle leggi di procedura civile, Il, Milano, 1905, 556), e chi ne ha

ritenuto invece la natura giurisdizionale (G. CHIOVENDA, “Sulla natura dell’espropriazione forzata”, in Riv.

dir. proc., 1926, 85 e segs.). Tutto sta a definire cosa si intende per funzione giurisdizionale: fuor di dubbio che

quello d’esecuzione sia a tutti gli effetti un processo, si dovrà negare la funzione giurisdizionale se per essa si intende quella volta alla composizione di una lite (cfr. F. CARNELUTTI, “Lite e funzione processuale”, in Riv.

dir. proc. civ., 1928, I, 23 e segs.) o alla cognizione di diritti”. MENGALI, Andrea. Le norme generali in materia di espropriazione forzata. In: CECCHELLA, Claudio (Coord.). Guida al nuovo processo civile esecutivo. Milano: Il sole 24 ore. 2008. p.13.

6 CARNELUTTI, op. cit., p.246.

7 Idem, Instituições do Processo Civil v. I. Tradução Adrián Sotero De Witt Batista. Campinas: Servanda,

1999. p.77-8.

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Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, no clássico Teoria Geral do Processo, apresentam nova definição para jurisdição,

sem, no entanto, abandonar os critérios propostos pela doutrina tradicional, quais sejam: i) os dois aspectos indicados por Chiovenda para a caracterização jurídica da jurisdição: o caráter substitutivo e o escopo de atuação do direito; bem como ii) a construção sugerida por Carnelutti, que caracteriza a jurisdição como atividade exercida em prol da composição da lide.9Os renomados autores propuseram, então, conceituar jurisdição como “poder, função e atividade” mediante a qual o Estado substitui os titulares em conflito para, imparcialmente e através do processo, aplicar imperativamente o preceito abstrato do ordenamento jurídico ao caso concreto, solucionando a lide.10-11

Como se percebe, apesar da proposta de um novo conceito de jurisdição – poder, função e atividade –, os parâmetros permanecem os mesmos. Vicente Greco Filho tenta explicar essa fusão de correntes: “jurisdição é o poder, função e atividade de aplicar o direito a um fato concreto, pelos órgãos públicos destinados a tal, obtendo-se a justa composição da lide. Este conceito engloba a definição de Chiovenda e a de Carnelutti, que tantas vezes foram

consideradas como antagônicas, mas que na verdade se complementam”.12-13 Renomados

processualistas adotam a conciliação desses dois conceitos clássicos.14

9 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2006. p.146.

10 Nos próprios dizeres dos autores: “Da jurisdição, já delineada em sua finalidade fundamental no cap. 2,

podemos dizer que é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado, e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada). Que ela é uma função do Estado e mesmo monopólio estatal, já foi dito: resta agora, a propósito, dizer que jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade. Como poder, é manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. E como atividade ela é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete. O poder, a função e a atividade somente transparecem legitimamente através do processo devidamente estruturado (devido processo

legal).” CINTRA et al., op. cit., p.145.

11 Na mesma linha: PANCOTTI, José Antônio. Institutos fundamentais de direito processual: jurisdição,

ação, exceção e processo. São Paulo: LTr, 2002. p.76.

12 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual brasileiro v. 1.São Paulo: Saraiva, 1999. p.167. 13 Na mesma linha: FRANCO, Fernão Borba. Processo administrativo. São Paulo: Atlas, 2008. p.53-4.

14 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997. p.6; MEDINA, José Miguel

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Possível mencionar outros – clássicos, embora não tão aderentes – conceitos. A noção de jurisdição a partir de Piero Calamandrei aproxima-se da de Chiovenda. Para Calamandrei, a sentença, expressão da jurisdição, estaria confinada na declaração de uma pré-existente vontade legal.15-16 Hans Kelsen, por sua vez, apresentou ideias totalmente contrárias às existentes, pois além de aplicar, o juiz criaria a norma individual (sentença).17-18 Por outra vertente seguiu Eduardo J. Couture, para quem a sentença não é lei do caso concreto, mas justiça do caso concreto.19-20 James Goldschmidt entende jurisdição por sentença favorável21 e Enrico Tullio Liedman por coisa julgada.22

Todos esses conceitos, no entanto, parecem desatualizados e descontextualizados da realidade em que se vive. Segundo Nelson Nery Júnior, “o conceito de jurisdição não tem sido desenvolvido pela doutrina brasileira, no sentido de acompanhar a evolução que o instituto vem sofrendo nos ordenamentos mais modernos. Ainda estamos sob a influência estática da noção chiovendiana de jurisdição, de atuação da lei no caso concreto e função estatal

substitutiva da vontade.”23

Constitucionais do Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.14-15 e 17; COSTA, Nilton César Antunes da. Poderes do Árbitro: de acordo com a Lei 9.307/96.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.p.65.

15 CAMBI, Eduardo. Jurisdição no processo civil: compreensão crítica. Curitiba: Juruá, 2009. p.37 e segs. 16De forma similar: “Consiste no poder de atuar o direito subjetivo, que o próprio Estado elaborou, compondo

os conflitos de interesses e dessa forma resguardando a ordem jurídica e a autoridade da lei. A função

jurisdicional é, assim, como que um prolongamento da função legislativa, e a pressupõe”. SANTOS, Moacir

Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1981. p.67; “O juiz é longa manus do legislador, pois transforma, pela jurisdição, em comando concreto entre as partes as normas gerais e

abstratas da lei.” CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência: exposição didática: área do direito

processual civil. São Paulo: Saraiva, 2007. p.3.

17 CAMBI, op. cit., p.59 e segs.

18Criticando definição de Chiovenda, Pontes de Miranda afirma que: “Não é aqui o lugar para se criticar tão

defeituosa compreensão da atividade jurisdicional, nem para se chamar a atenção, o que seria fácil, para a arbitrariedade separativa que faz do legislador o único foco da elaboração jurídica, e da justiça atividade de

segunda plana, mecânica e incapaz de criação.” MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo

Civil, tomo I: arts. 1º a 45o. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p.106. 19 CAMBI, op. cit., p.75 e segs.

20Na mesma linha: “A atuação técnica do direito positivo no sentido do justo”. RESTIFE, Lauro Paiva. Jurisdição, inação e ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p.59.

21 GOLDSCHMIDT, James. Direito processual civil tomo I. Tradução Lisa Pary Scarpa. Campinas:

Bookseller, 2003. p.135.

22 LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de Execução. Araras: Bestbook, 2001. p.66.

23 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista

(21)

Para João Batista Lopes, “a doutrina de Chiovenda não está imune a críticas. Em verdade, o juiz não se limita a aplicar a lei, o direito subjetivo, mesmo porque, muitas vezes, a

hipótese a ser decidida não está prevista expressamente no ordenamento.”24

Luiz Guilherme Marinoni critica as duas principais correntes relativas ao conceito de jurisdição. Para ele, a doutrina chiovendiana é bastante expressiva no sentido de que o verdadeiro poder estatal está na lei, e de que a jurisdição somente se manifesta a partir da revelação da vontade do legislador. Assim, jamais aceitou a ideia de que o juiz cria a norma individual ao proferir a sentença, como de fato o faz. Já o sistema carneluttiano, marcado pela ideia de lide – litigiosidade, conflituosidade ou contenciosidade – na definição de jurisdição, deixa de aceitar a atividade jurisdicional na ausência de efetivo conflito de interesses, ou seja, não reconhece a jurisdição voluntária.25

Daniel Francisco Mitidiero também faz severas críticas sobre as notas conceituais relacionadas à jurisdição que se perpetuam até o presente: i) o legislador não é um ser que tudo pode prever, e o órgão judicial tem o dever de decidir com elementos insuficientes. Portanto, não há como sustentar mais um juiz adstrito à declaração das palavras da lei; ii) a coisa julgada sequer é um elemento essencial à jurisdição. Caso se aceite a coisa julgada como uma característica da jurisdição, será necessário repudiar a jurisdicionalidade do processo executivo e do cautelar; iii) a contenciosidade não pode ser considerada para a conceituação de jurisdição pois isso implicaria em negar a jurisdição voluntária; iv) a substitutividade, enquanto elemento caracterizador da jurisdição, também não pode ser aceita uma vez que negaria existência às ações mandamentais.26

Mitidiero diz-se animado a encetar uma revisão do conceito de jurisdição com o fim de encontrar um novo, capaz de responder aos modernos anseios da sociedade contemporânea. Para tanto, aceita a premissa de que a evolução da ciência ocorre por mudança de paradigmas, propiciada pelo advento do que se entende por revolução científica. Assim, oferece a seguinte proposta conceitual: “A jurisdicionalidade de um ato é aferida na

24 LOPES, João Batista. Curso de direito processual civil, v. 1: parte geral. São Paulo: Atlas, 2005. p.72. 25 MARINONI, Luiz Guilherme. A jurisdição no estado contemporâneo. In: MARINONI, Luiz Guilherme

(Coord.). Estudos de direito processual civil em homenagem ao professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2005. p.19-21.

26 MITIDIERO, Daniel Francisco. Código de Processo Civil Comentado, tomo I (arts. 1 a 153). São Paulo:

(22)

medida em que é fruto de um sujeito estatal, dotado de império, investido em garantias funcionais que lhe outorguem imparcialidade e independência, cuja função é aplicar o direito (e não apenas a lei), de forma específica, dotado o seu provimento de irreversibilidade

externa.”27-28

Seriam esses novos alicerces científicos? Tal conceito seria adequado para a sociedade moderna? Ao que parece, o sentido contemporâneo29da palavra jurisdição deve estar desconectado da noção de Estado e repousar em um plano mais largo, abrangendo outras formas de resolução de conflitos, em tempo razoável e de forma justa. Ao que parece, desde a aprovação da Lei de Arbitragem não há mais espaço para essa extrema valorização da tutela estatal via Poder Judiciário, ainda que se tenha em mente que o poder de império, de acordo com a referida lei, remanesce nas mãos do Estado.

27 MITIDIERO, Daniel Francisco. Código de Processo Civil Comentado, tomo I (arts. 1 a 153). São Paulo:

Memória Jurídica, 2004. p.51.

28 Na mesma linha: A função jurisdicional (...) pode ser definida como a atividade exercida pelo Estado,

manifestando o poder de tutelar direitos garantidos em lei, aplicando as normas gerais aos casos concretos, com desejada imparcialidade, buscando, sempre, a paz social, por intermédio dos órgãos judicantes”. GERAIGE NETO, Zaiden. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional: art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.25.

29 Em parênteses apresenta-se o pensamento da escola instrumentalista do processo dita contemporânea , que

também critica os conceitos clássicos de jurisdição ao combater a visão puramente científica, técnica e jurídica da ciência processual. Os instrumentalistas conceberam novos conceitos para a jurisdição, procurando ver o direito processual civil não como fim em si mesmo, mas como um meio para a realização do direito material. Assim, o processo civil não deveria preocupar-se exclusivamente com a atuação da vontade concreta da lei (escopo jurídico), mas também com os escopos sociais e políticos do processo – o escopo-síntese da jurisdição deve ser a justiça. Cândido Rangel Dinamarco, de acordo com a visão instrumentalista, entende que “a jurisdição não tem um escopo, mas escopos (plural); é muito pobre a fixação de um escopo exclusivamente jurídico, pois o que há de mais importante é a destinação social e política do exercício da jurisdição. Ela tem, na realidade, escopos sociais (pacificação com justiça, educação), políticos (liberdade, participação, afirmação da autoridade

do Estado e do seu ordenamento) e jurídicos (atuação da vontade concreta do direito)”. DINAMARCO, Cândido

(23)

Nesse momento faz-se necessário um esclarecimento: “tutela jurisdicional não é só dizer o direito; é também realizá-lo. Ao lado de uma ‘jurisdição’ tem que haver uma ‘jurissatisfação’”, nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno. A jurisdição não pode ser

concebida apenas como declaração ou reconhecimento de direitos, mas também como possibilidade de torná-los concretos.30 Sobre o assunto, impossível deixar de trazer à baila crítica formulada por Ovídio A. Baptista da Silva, no sentido de que não se pode conceber conceito de jurisdição desprovido de potencial satisfativo.31

A realização concreta do direito declarado (a satisfação) é ato de império do Estado, que deve compreender, segundo José Miguel Garcia Medina, as modalidades de sub-rogação (execução direta) e de coação (execução indireta).32-33 Ambas levam ao cumprimento forçado da obrigação reconhecida no título.

Pois bem, elucidado que a atividade executiva é parte integrante da jurisdição, pergunta-se: será que dentro de um contexto no qual o Poder Judiciário vem falhando na sua missão de bem prestar a tutela jurisdicional adequada34, seja ela de que natureza for, a

30 BUENO, Cassio Scarpinella. Cumprimento da sentença e processo de execução: ensaio sobre o cumprimento

das sentenças condenatórias. In: DIDIER JR, Fredie (Coord.). Execução Civil: Estudos em homenagem ao Professor Paulo Furtado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p.42. No mesmo sentido: YARSHELL, Flávio Luiz.

Tutela jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1999. p.158-9.

31 SILVA, Ovídio A. Batista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. Rio de Janeiro: Forense,

2007. p.17 e segs.

32 A afirmação de que a tutela jurisdicional executiva deve compreender as modalidades de execução direta (ou

de sub-rogação) e indireta (ou de coação) também é considerada uma quebra de paradigmas e conceitos clássicos, uma vez que tradicionalmente considerava-se que só haveria execução forçada quando manifestada por meio de sub-rogação. As medidas coercitivas não eram consideradas executivas pois não levavam à realização do direito por meio da atividade substitutiva do Estado, já que nesse caso o executado estaria cumprindo voluntariamente a obrigação. Conforme Medina, deve-se entender que o executado age porque constrangido por uma medida coativa, sendo possível mesmo dizer que “o executado age contra a sua própria vontade”, de modo que também nesse caso o juiz atua, forçando a realização do direito. MEDINA, José Miguel

Garcia. Execução:processo civil moderno 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.43-4.

33 Debora Ines Kram Baumöhl desenvolveu sua dissertação de mestrado propondo uma reflexão sobre a

jurisdicionalidade da execução forçada. Segundo Baumöhl, deve-se adotar o conceito mais amplo, que abrange, legitimamente, tanto os atos de pressão psicológica quanto os atos que dispensam o concurso de vontade do devedor. Ambos são espécies do mesmo gênero: autênticos atos estatais que visam à concretização do preceito contido na sentença (e outros títulos). BAUMÖHL, Debora Ines Kram. A nova execução civil – a desestruturação do processo de execução. São Paulo: Atlas, 2006. p.25.

34“Por tutela adequada entende-se a que é provida da efetividade e eficácia que dela se espera”. NERY JÚNIOR,

(24)

aplicação prática e material do direito deve ser considerada manifestação intrínseca e indissociável do órgão judicial?35

Para responder a tal interrogação é necessário adentrar no campo do princípio do monopólio da jurisdição – ou da inafastabilidade do controle jurisdicional, ou do direito ao acesso à justiça, dentre outros tantos conceitos oferecidos para a previsão do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal –, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.36

Para os mais conservadores, diante do referido princípio a atividade jurisdicional não pode ser delegada ou transferida pelo Estado, sendo a prestação da tutela jurisdicional obrigação indeclinável do órgão judicial e do juiz investido para o seu exercício.37

Para os mais flexíveis, é necessário desmistificar o monopólio da jurisdição em mãos do Poder Judiciário, haja vista que a atividade jurisdicional não é de sua exclusividade. Além dos casos citados no capítulo 3 do presente estudo, onde se discorre acerca do exercício da jurisdição privada, como a arbitragem, por exemplo, é importante lembrar que o julgamento de certas autoridades tem sido confiado ao Poder Legislativo, como se percebe da leitura do artigo 52 da Constituição Federal, de forma que se pode concluir que a atividade jurisdicional é típica, mas não exclusiva do Poder Judiciário.38-39

A Lei nº 12.529, de 30.11.2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica,

35 COSTA, Nilton César Antunes da. Poderes do Árbitro: de acordo com a Lei 9.307/96. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2002.p.61.

36 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p.131;

ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.178; CRISTO, Ismael Vieira de. Acesso à justiça e participação popular: reflexão sobre os direitos de ação. São Paulo: Edição Pulsar, 2000. p.77-8.

37 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil: partegeral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

p.163.

38 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2004. p.109; LOPES, João Batista. Curso de direito processual civil, v. 1: parte geral. São Paulo: Atlas, 2005. p.67; BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, v.1. São Paulo: Saraiva, 2008. p.247; COSTA, op. cit., p.51.

39 Athos Gusmão Carneiro entende que o processo de impeachment do presidente, vice-presidente e ministros de

Estado, de competência do Senado Federal (CF, arts. 51, I e 52, I e II) é “jurisdição anômala”. CARNEIRO,

(25)

alterando e revogando leis anteriores, estabelece, em seu artigo 4º, que “o Cade é entidade

judicante com jurisdição em todo o território nacional, que se constitui em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, e competências

previstas nesta Lei”.40

A letra da lei é clara: o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)

exerce jurisdição, devendo “decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e

aplicar as penalidades previstas em lei” (art. 9º, II). A única conclusão possível é que a

atividade jurisdicional não é exclusiva do Poder Judiciário.41

Além disso, como bem lembra Zaiden Garaige Neto, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional não pode ser interpretado como a mera possibilidade de o cidadão ingressar em juízo. Mais do que isso, referido princípio deve ser entendido como garantia ao jurisdicionado de um processo célere com a devida segurança, além de efetivo com a necessária justiça, norteado à luz do devido processo legal – o que infelizmente não se observa. Por tal razão, especar a “tese do monopólio da jurisdição traduz verdadeiro engodo, significa oferecer meia-justiça”, já que o Poder Judiciário não aplica o direito em sua inteireza.42

Para Joel Dias Figueira Júnior, é necessário enfrentar com “coragem, seriedade e de

imediato o tormentoso problema do monopólio da jurisdição estatal, que diuturnamente tem demonstrado e comprovado de maneira cabal a sua insuficiência instrumental em solucionar a

40 <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm>. Acesso em: 12 mar. 2012. 41Em sentido contrário: “O CADE tem natureza jurídica de autarquia federal, a quem compete exercer a

prevenção e repressão contra o abuso do poder econômico (LAT 3º). Embora a lei antitrustre mencione ser o

CADE órgão “judicante” como “jurisdição” em todo o território nacional (LAT 3º), na verdade essas expressões

foram empregadas impropriamente, porque a atividade da autarquia é administrativa e seus julgamentos têm natureza administrativa. Como todo ato administrativo, as decisões do CADE podem ser sindicadas pelo Poder Judiciário, a quem cabe examinar sua constitucionalidade e legalidade, como, por exemplo, se houve correta aplicação dos princípios constitucionais da mínima intervenção pública na atividade privada (CF 170), do devido processo legal administrativo (CF 5º LIV), do contraditório e ampla defesa (CF 5º LV) etc. O que o Judiciário não pode fazer é aplicar as sanções e multas que a lei prevê como atividades do CADE, substituindo-se à autarquia, pois estaria invadindo a esfera de competências do Poder Executivo, em desrespeito à harmonia e à independência entre os poderes do Estado (CF 2º)”. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.141.

42 GERAIGE NETO, Zaiden. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional: art. 5º, inciso XXXV,

(26)

contento os conflitos não raramente complexos e inçados de múltiplas dificuldades, tanto no

plano fatual quanto jurídico, que se apresentam no cotidiano do Judiciário”.43

Rodolfo Mancuso propõe um novo entendimento para jurisdição, e também para o acesso à justiça, sempre tendo em vista as modernas necessidades da sociedade e as reais possibilidades do Estado. Para ele, a atividade jurisdicional é perfeitamente desempenhável por outros agentes, órgãos ou instâncias, desde que aptos a resolver conflitos com justiça e em tempo hábil. Mancuso conclui que a jurisdição não é mais monopólio da Justiça estatal.44-45

Para a autora, a jurisdição como monopólio do Poder Judiciário é apenas uma opção legislativa, que, como já se demonstrou, vem perdendo força inclusive em razão de outras opções legislativas, que passaram a conferir jurisdição para outros órgãos: é a própria lei que diz que o CADE é um ente judicante, da mesma forma que é a própria lei que diz que a decisão do árbitro é equivalente à sentença judicial. Assim, o Estado já vem delegando o poder jurisdicional a outros entes ou órgãos.

Para a autora, inclusive, a Constituição Federal brasileira sequer prevê a tão alardeada reserva de jurisdição, de forma que parece nada impedir que atos de declaração e de execução sejam realizados por agentes imparciais (nomeados pelas partes ou pelo Estado), e em havendo lesão ou ameaça de direitos, possa o jurisdicionado socorrer-se do Poder Judiciário. Para o cumprimento da ordem constitucional basta que as portas do órgão judicial permaneçam abertas.

43 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem (legislação nacional e estrangeira) e o monopólio jurisdicional. São Paulo: LTr, 1999. p.12.

44 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2011. p.342.

45Na mesma linha de raciocínio: “Entendemos que a jurisdição civil deva ficar reservada a casos extremamente

necessários e nos quais a solução dependa da chancela, supervisão ou decisão estatal. A chamada jurisdição voluntária deve ser revista, assim como situações em que é injustificável a intervenção estatal, privilegiando-se as formas de solução de conflito alternativas (câmaras de conciliação, arbitragem, juizados cíveis especializados,

(27)

José Afonso da Silva alerta para um possível erro de interpretação, uma vez que o texto constitucional veio em forma negativa. Silva informa que a formulação utilizada na Constituição Federal brasileira, para conferir o direito à jurisdição, não é direta e positiva, mas

sim indireta “pela via da proibição de competência ao legislador infraconstitucional de dispor em sentido contrário”.46

A Constituição portuguesa, que adotou a desjudicialização da execução, conforme capítulo 5, possui expresso regramento da chamada reserva de jurisdição, ao dizer que incumbe aos tribunais dirimir conflitos de interesses.47 A atividade executiva é considerada administrativa naquele país. Já a Espanha, que se viu impedida de entabular a total desjudicialização na reforma de 2009, sob pena de inconstitucionalidade, conforme item 4.4 do presente estudo, faz referência expressa ao monopólio judicial das atividades declaratórias e executivas.48

Assumindo que essa é uma posição isolada – de que a Constituição Federal brasileira não estabelece expressamente o monopólio da jurisdição –, mais adequado acompanhar o pensamento de renomados juristas, no sentido de que, se o Poder Judiciário não pode oferecer rapidez, segurança e justiça da decisão, e menos ainda o efetivo acesso à ordem jurídica, é necessário concluir que o princípio do monopólio jurisdicional nas mãos do Estado é insustentável. Nesta seara, é imprescindível acatar e trabalhar pelo fortalecimento de outros instrumentos de pacificação social e realização de direitos.49

46 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p.131.

47 Constituição Portuguesa: “Art. 202: Função jurisdicional. (...) 2. Na administração da justiça incumbe aos

tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.”

48 Constituição Espanhola: “Art. 117.3: el ejercicio de la potestad jurisdiccional en todo tipo de procesos,

juzgando y haciendo ejecutar lo juzgado, corresponde exclusivamente a los Juzgados y Tribunales determinados

por las leyes, según las normas de competencia y procedimiento que las mismas establezcan.”

49 É clássica uma passagem de Carmona, difundida por outros tantos autores. No entanto, registra-se que apesar

de mencionar simplesmente jurisdição, ele refere-se ao monopólio de jurisdição: “Para rebater tal idéia tacanha de jurisdição, não há lição mais concisa e direta que a de Giovanni Verde: ‘[A] experiência, tumultuosa destes

últimos quarenta anos nos demonstra que a imagem do estado onipotente e centralizador é um mito, que não pode (e talvez não mereça) ser cultivado. Deste mito faz parte a idéia que a justiça deva ser administrada em via

(28)

A jurisdição, portanto, deve ser vista como a declaração e a satisfação do direito, atividade a ser realizada por um terceiro imparcial, independente e equidistante das partes50, devidamente investido para tanto – em alguns casos pelo próprio particular –, que não necessariamente um magistrado. Não se propõe um novo conceito, apenas o desapego à tradicional visão de que só o Poder Judiciário pode tutelar direitos.

50 CARVALHO, Milton Paulo de. Os princípios e um novo código de processo civil. In: CARNEIRO, Athos

(29)

CAPÍTULO 2

Desjudicialização

2.1 Crise no Poder Judiciário

Não é novidade que o Estado não vem cumprindo com o seu dever de prestar a tutela jurisdicional de forma satisfatória.51 Ao que tudo indica, os maiores problemas são de ordem econômica, razão pela qual só poderão ser sanados, quiçá, se houver a devida destinação de verba orçamentária, possibilitando a investidura de um maior número de magistrados e servidores auxiliares da justiça, bem como o aparelhamento material, instrumental e tecnológico do Poder Judiciário.52-53 Apesar de não haver unanimidade, já que variam os pontos de vista, vários doutrinadores convergem para o reconhecimento de uma profunda crise no Judiciário.

Para José Carlos Barbosa Moreira, o aspecto mais visível do que se costuma chamar "a crise da justiça" é sem dúvida a duração dos processos. O processualista carioca aponta quatro mitos a esse respeito: i) o primeiro está na crença, bastante difundida, de que se cuida de fenômeno exclusivamente brasileiro, quando na verdade trata-se de um problema praticamente universal e que alarma não poucos países desenvolvidos, citando Itália, Japão, Inglaterra e Estados Unidos; ii) o segundo está na ideia de que todos os jurisdicionados clamam pela solução rápida dos litígios, quando é certo que um dos litigantes sempre irá procrastinar o feito; iii) o terceiro mito está alicerçado na falsa impressão de que cabe aos defeitos da legislação processual a maior responsabilidade pela duração excessiva dos pleitos. O respeitável jurista completa:

51 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no contemporâneo Estado de Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.52; HOFFMAN, Paulo; Razoável Duração do Processo.

São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 22; COSTA, Nilton César Antunes da. Poderes do Árbitro: de acordo com a Lei 9.307/96.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.p.61 e segs.

52 SOARES, Rogério Aguiar Munhoz. Tutela jurisdicional diferenciada: tutelas de urgência e medidas

liminares em geral. São Paulo: Malheiros, 2000. p.46.

53 Esses são exatamente os mesmos problemas apontados pelos legisladores que optaram por desjudicializar a

(30)

Recordemos, antes de mais nada, a escassez de órgãos judiciais, a baixa relação entre o número deles e a população em constante aumento, com a agravante de que os quadros existentes registram uma vacância de mais de 20%, que na primeira instância nem a veloz sucessão de concursos públicos consegue preencher. Teríamos de incluir no catálogo das mazelas o insuficiente preparo de muitos juízes, bem como o do pessoal de apoio; em nosso Estado, e provavelmente não só nele, a irracional divisão do território em comarcas, em algumas das quais se torna insuportável a carga de trabalho, enquanto noutras, pouco movimentadas, se mantém uma capacidade ociosa deveras impressionante; a defeituosa organização do trabalho e a insuficiente utilização da moderna tecnologia, que concorrem para reter em baixo nível a produtividade.54

O último mito apontado por Barbosa Moreira acerca da “crise da justiça” está na

supervalorização da rapidez do julgamento. “Se uma Justiça lenta demais é decerto uma

Justiça má, daí não se segue que uma Justiça muito rápida seja necessariamente uma Justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é.”55

José Joaquim Calmon de Passos entende que o problema da crise do Poder Judiciário

comporta muitas abordagens: i) o próprio modelo de Estado; ii) o “processo constitucional de produção jurisdicional do direito”; iii) a institucionalização dos juízes; iv) as questões procedimentais (processuais). Para o processualista baiano os três primeiros pontos são muito mais relevantes, mas têm sido desconsiderados, enquanto o quarto, ainda que irrelevante para o problema, tem sido supervalorizado.56 Em outro artigo, Calmon de Passos lança a questão para a incapacidade financeira dos Estados em conduzir o serviço da Justiça.57

54 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da justiça: alguns mitos. In: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, jul-ago. 2000. São Paulo: Síntese, 2000. p.37-9.

55 Ibid, p.39.

56A síntese dos articulados de Calmon de Passos merece transcrição: “Falar sobre crise do Poder Judiciário é

(31)

Para José Roberto dos Santos Bedaque, são vários os fatores da crise do Judiciário. Em primeiro lugar, o percentual do orçamento estatal destinado ao Poder Judiciário deveria ser revisto, para minimamente fazer jus às suas necessidades. O número de magistrados por habitante está longe dos padrões ideais. Em segundo lugar, Bedaque lembra que são necessárias alterações estruturais dentro do Poder Judiciário, principalmente no tocante à distribuição de competência. A divisão de “serviço” entre os juízes não é proporcional, não

sendo raros os casos de juízes subaproveitados, enquanto outros se encontram assoberbados, sem condições de prestar a tempestiva tutela jurisdicional. Em terceiro lugar, adverte que enquanto o Poder Executivo, maior litigante habitual – seja passiva ou ativamente –, não adotar nova postura, deixando de protelar o cumprimento de suas obrigações, haverá muito pouco progresso. Para o renomado professor, não bastam reformas e aprimoramento de técnicas processuais, mas são necessárias profundas alterações na estrutura e na organização do Poder Judiciário.58

Para Araken de Assis, as causas prováveis da ineficiência do Judiciário estão divididas em três ordens: de oferta, de demanda e ideológica. A crise de oferta diz respeito ao desaparelhamento dos órgãos judiciários; a crise de demanda é relativa ao número excessivo de conflitos, cada vez mais complexos, que aportam em uma estrutura já precária; a crise ideológica refere-se ao operador da cena judiciária, uma vez que os juízes revelam-se alheios à realidade contemporânea, tanto no quesito social quanto no jurídico, já que não raros são desconhecedores até das modificações legislativas.59

Humberto Theodoro Júnior reconhece a crise no Poder Judiciário e entende que se faz

necessária “a adoção de métodos modernos de administração, capazes de racionalizar o fluxo

primeiras, permitindo que delas não cuidemos. Utilizando imagem por mim já empregada em outra oportunidade, direi que estamos, criminosamente, colocando curativos na epiderme de um sujeito canceroso. Em outras palavras: ludibriando o doente e os circunstantes, na esperança de fazê-los crer que estamos interessados

na cura do enfermo, quando apenas ocultamos o inevitável de seu falecimento”. PASSOS, J. J. Calmon. A crise

do poder judiciário e as reformas instrumentais: avanços e retrocessos.In: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, ano III, n. 15, jan-fev. 2002. Porto Alegre: Síntese, 2002. p.5-6.

57 Idem, O problema do acesso à justiça no Brasil. In: Revista de Processo, ano X, n. 39, jul-set. 1995. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p.85-6.

58 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência

(tentativa de sistematização). São Paulo: Malheiros, 2001. p.16. Bedaque também analisa a crise no judiciário em: Efetividade do processo e técnica processual. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

59 ASSIS. Araken de. O direito comparado e a eficiência do sistema judiciário. In: Revista do Advogado, n. 43,

(32)

dos papéis, de implantar técnicas de controle de qualidade, de planejamento e desenvolvimento dos serviços, bem como de preparo e aperfeiçoamento do pessoal em todos

os níveis do Judiciário”60.

Joel Dias Figueira Júnior aponta vários fatores relacionados à crise do Poder Judiciário: i) o número elevado e sempre crescente de causas em desproporção aos órgãos da justiça e seus respectivos auxiliares; ii) o desajuste da legislação processual e da organização judiciária comparada à realidade social; iii) a insuficiência dos recursos tecnológicos.61

José Eduardo de Faria faz uma extensa análise sobre a crise do Poder Judiciário no Brasil e indica dois pontos mais evidentes: a crise de eficiência e a de identidade. O primeiro aspecto diz respeito à “crescente inefetividade desse poder, o que pode ser ilustrado pelo flagrante descompasso entre a procura e a oferta de serviços judiciais, em termos tanto quantitativos quanto qualitativos”. Faria registra que os tribunais estão organizacionalmente ultrapassados, razão pela qual costumam ser lentos e excessivamente burocráticos, apresentando baixíssima produtividade.62

O segundo ponto levantado por Faria diz respeito à crise de identidade das instituições judiciais brasileiras, que por sua vez é expressa por três outros importantes tipos de problemas: i) as leis não acompanham o ritmo das mudanças sociais, obrigando os magistrados a aplicar normas ultrapassadas; ii) a magistratura padece de um excessivo individualismo e formalismo em sua visão de mundo. “Tendo sido educada e organizada para atuar na perspectiva de uma justiça corretiva, a magistratura se revela contida, inibida e temerosa quando estimulada a atuar na dimensão de uma justiça distributiva. Por causa disso, os esforços modernizadores do legislador muitas vezes esbarram na insuficiente sensibilidade social e mesmo sociológica dos juízes”; iii) a judicialização de decisões políticas deixa o Poder Judiciário paralisado. Levado a julgar conflitos de competência do Legislativo e do Executivo, ao mesmo tempo em que assiste aumentado seu poder regulamentar, vê-se ainda

60 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A grande função do processo no Estado Democrático de Direito. In: Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, ano 15, n. 59, jul-set. 2007. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p.20.

61 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1999. p.139.

62 FARIA, José Eduardo. A crise do Poder Judiciário no Brasil. São Paulo: Revista Justiça e Democracia

Referências

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