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Delegação do serviço público de execução ao notário

No documento DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2012 (páginas 153-159)

CAPÍTULO 6 – PROPOSTA DE DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO

6.2 Delegação do serviço público de execução ao notário

Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

A Lei nº 8.935 de 18.11.1994 regulamentou mencionado artigo e cuidou de definir esses serviços e os profissionais que podem exercê-los: os “serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (art. 1º)368e “notário, ou tabelião, e oficial de registro,

ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro” (art. 3º).369

Além disso, a lei disciplinou as condições de prestação desses serviços (arts. 4º a 8º); as atribuições e competências dos profissionais (arts. 5º a 12); o ingresso na atividade (arts. 14 a 19); a contratação de prepostos (arts. 20 e 21); as incompatibilidades e impedimentos no exercício da função (arts. 25 a 27); os direitos e deveres desses profissionais (arts. 28 a 30); as infrações disciplinares e penalidade (arts. 31 a 36); a fiscalização dessa atividade pelo Poder Judiciário (arts. 37 e 38); as formas de extinção da delegação (art. 39) e a seguridade social desses profissionais (art. 40).

368 Tais garantias seriam preventivas de litígios: ALVARENGA, Luiz Carlos. A instituição notarial e a

prevenção de litígios. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9659/a-instituicao-notarial-e-a-prevencao-

de-litigios>. Acesso em: 22 jan. 2012; CAVALCANTI NETO, Clóvis Tenório. Linhas preliminares da

atividade notarial. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19262/linhas-preliminares-da-atividade-

notarial>. Acesso em: 22 jan. 2012.

369 Décio Erpen faz breves comentários sobre os serviços notariais e de registro: ERPEN, Décio Antônio. A atividade notarial e registral: uma organização social pré-jurídica. In: Revista da Associação dos Juízes do Rio

As normas sob comento apresentam dois pontos de interesse nesse estudo: o primeiro deles diz respeito à delegação de serviços e o segundo à atividade notarial e de registros. Ambos os assuntos são tratados conjuntamente na doutrina administrativa, uma vez que o principal exemplo da delegação é o serviço notarial e de registros, ao lado tão somente dos leiloeiros, tradutores e intérpretes públicos – eles todos considerados agentes delegados.

Segundo José Afonso da Silva, delegação é “outorga de serviço público a pessoa privada em nome próprio e por sua conta e risco”. Delegação não é cargo público, não é nomeação e tampouco provimento. A delegação de ofício também não se confunde com a delegação de competência ou de encargos administrativos. A delegação é, sim, um “modo de atribuição do serviço a particulares que se habilitam para tanto”, mediante concurso público.370

O ofício delegado é de competência do Estado, cuja titularidade é mantida; tão somente o exercício desse ofício é transferido a um particular. A atividade notarial e registral é pública, mas o seu exercício se dá em caráter privado, por meio de delegação, a um particular, profissional do direito, aprovado em concurso público.371-372

Frisa-se: pública é a função notarial e de registros, privado é o seu exercício. O item 6.3.1 desenvolve e aprofunda o assunto quando analisa o regime jurídico desses profissionais, definindo-os como agentes particulares em colaboração com a Administração – conforme o direito administrativo.

370 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p.878. 371 CAHALI, Francisco José; HERANCE FILHO, Antonio; ROSA, Karin Regina Rick; FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger. Escrituras públicas: separação, divórcio, inventário e partilha consensuais: análise civil, processual civil, tributária e notarial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.50.

372 “A função pública notarial e de registro é, por imperativo constitucional, exercida por meio de descentralização administrativa por colaboração: o Poder Público conserva a titularidade do serviço e transfere sua execução a particulares (pessoas físicas com qualificação específica e que foram aprovadas em concurso público de provas e títulos) em unidades (ou feixes de competência) definidas pela Administração, em função das necessidades dos usuários e da adequação do serviço, mediante critérios relativos ao número de atos praticados, receita, aspectos populacionais e conformidade com a organização judiciária de cada Estado da Federação.” RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de registro. São Paulo: Saraiva, 2009. p.56-7.

Leonardo Brandelli, buscando conceituar o notário e o registrador de acordo com a teoria geral do direito notarial, aponta que o notariado brasileiro é do tipo “latino”373,

classificação que abrange as seguintes características:

a) manutenção da configuração tradicional do notário como conselheiro, perito ou assessor de direito; receptor e intérprete da vontade das partes, redator dos atos e contratos que deva lavrar e portador de fé dos fatos e declarações que se passem ou se façam em sua presença;

b) exigência para o exercício da função notarial de estudos universitários de

Direito em toda a sua extensão, comprovados com o diploma de bacharel em direito ou de título que corresponda a disciplinas análogas, acrescido da especialização e prática da função;

c) limitação do número de notários estritamente de acordo com as necessidades públicas em cada jurisdição, distrito ou circunscrição notarial;

d) seleção de ordem técnica e moral para ingressar na função notarial pelo sistema de concurso de provas e títulos;

e) garantia de inamovibilidade para o titular enquanto tiver boa conduta; f) autonomia institucional de notariado, com seu governo e disciplina a

cargo de organismo corporativo próprio;

g) remuneração do notariado pelo cliente pelo sistema de tabelas legais e com garantia de meios decentes para a subsistência;

h) aposentadoria facultativa por antiguidade, doença ou limite de idade.374

Brandelli menciona que também é característica do notariado latino a aspiração de que todos os atos de jurisdição voluntária sejam atribuídos, exclusivamente, à competência notarial. O estudioso ressalta haver uma corrente doutrinária sugerindo que a jurisdição voluntária não é jurisdição, e tampouco voluntária, razão pela qual poderia ser perfeitamente desempenhada pelo notário, liberando o Poder Judiciário para dedicar-se com mais afinco às questões que efetivamente envolvam uma lide a ser resolvida. Ademais, se não há lide, tratando-se, pois, de atividade administrativa, seria desempenhada com proficiência por um profissional com as características de um notário.375

Como já dito anteriormente, a discussão acerca da natureza jurídica da tutela executiva, se jurisdicional ou administrativa, tem importância relativa para a proposta que se

373 Tipo adotado em mais de 70 países do mundo, como, por exemplo, Espanha, Itália, França, Portugal, Alemanha, Áustria, Albânia, Bélgica, Canadá, Japão, Luxemburgo, Mônaco, México, Argentina e Vaticano, dentre outros.

374 BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. São Paulo: Saraiva, 2011. p.98-9. 375 Ibid, p.99-100.

apresenta. Ainda que jurisdicional, a atividade executiva pode ser delegada, especificamente no que diz respeito aos procedimentos administrativos – citação, intimação, penhora, venda, pagamento –, reservando-se ao magistrado decisões relativas à eventual contrariedade surgida por meio dos embargos do devedor.

Consideradas as características do notariado brasileiro, especialmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que acolheu o sistema notarial latino, acredita- se que os agentes delegados apresentariam bastante eficiência na gestão privada da função pública da execução. Imbuídos em receber seus emolumentos, que serão maiores caso haja êxito no recobro da dívida, certamente os agentes delegados irão investir em modernos sistemas de computação, de pesquisa de dados, de treinamento de pessoal, entre outros.

Além disso, os prazos dos juízes são impróprios, razão pela qual nenhuma sanção lhes é imposta caso o processo fique parado, sem qualquer andamento, por anos e anos nos escaninhos forenses – os famosos tempos mortos. Completamente diferente é o prazo conferido ao notário ou registrador, que deve ser rigorosamente cumprido, sob as penas da lei.

Entende-se absolutamente factível que os agentes delegados possam realizar toda a atividade executiva em um prazo máximo de 90 dias, sem considerar eventual suspensão desse termo por ordem judicial, concedida nos embargos do devedor. Cada etapa ou fase do procedimento executivo deve contar com rígidos prazos: a citação e localização de bens podem ser realizadas em 10 dias (1ª fase); a penhora pode levar até 20 dias (2ª fase); a expropriação, mais complexa, pagamento e extinção da execução podem tomar até 60 dias (3ª fase). Esses prazos devem ser peremptórios.

A lei determina que o protesto seja lavrado no tríduo, caso não haja pagamento, a contar do primeiro dia útil seguinte à data do protocolo do título no tabelionato. Assim, ao tabelião de protesto é dado não mais que 1 dia para a conferência dos requisitos extrínsecos do título – quando então ele poderá ser devolvido por irregularidade – e expedição da competente intimação ao devedor e mais, no máximo, 1 dia para a efetivação da intimação, concedendo-se, assim, prazo hábil para o pagamento do débito pelo devedor. Esses prazos são rigorosamente cumpridos; não o fazendo, os tabeliães estão sujeitos a infrações disciplinares e penalidades.

Há de se ter em mente que nos tabelionatos de protestos paulistanos circulam diariamente centenas de títulos376, de forma que, para o cumprimento dos referidos prazos, deve haver adequada e suficiente infraestrutura.

A autora realizou nova pesquisa de campo, desta vez junto ao 1º Tabelionato de Protestos de São Paulo, uma vez que este é o serviço que apresenta maior efetividade na recuperação de crédito, alcançando o índice de 77%. A média de efetividade dos 10 Tabelionatos de Protesto de São Paulo é de 66%, conforme se verifica do Anexo V, ao final deste trabalho, fornecido pelo Instituto de Estudos de Protestos de Títulos do Brasil, Seção São Paulo.

No intuito de conhecer a estrutura do tabelionato de protesto mais eficiente de São Paulo e obter substrato para sua proposta de ampliação da competência desses tabeliães, a autora solicitou uma visita, tendo sido recebida no dia 12.1.2012, às 10:30 horas, pelo Substituto Mário Florence. Ao longo do dia, acompanhou todas as fases e trâmites do procedimento de protesto, desde a conferência matutina dos títulos, a elaboração vespertina das intimações e imediata remessa ao intimador terceirizado; observou as atividades dos guichês de pagamento de títulos, de retirada de títulos (devolvidos por irregularidade ou protestados), de cancelamento de protesto e de emissão de certidões; conheceu os arquivos e os modernos sistemas de informática; conversou com a equipe de atendimento das ordens judiciais de sustação de protesto; e ainda passou por departamentos típicos de uma empresa, como recursos humanos, faturamento, entre outros.

A efetividade na recuperação de créditos do 1º Tabelionato de Protesto de São Paulo, de titularidade de José Carlos Alves, parece estar relacionada a dois fatores: ampla informatização e rigor procedimental. Se os mesmos resultados pudessem ser estendidos para a atividade executiva, haveria um enorme sucesso no cumprimento das obrigações nesse país. Nem se espera tanto, pois a média de efetividade dos 10 Cartórios de Protesto da Cidade de São Paulo já representa o quádruplo daquela apurada pelo CNJ em relação ao Poder Judiciário.

Tal visita trouxe mais certeza ao que se propõe, especialmente no sentido de ampliar os poderes dos tabelionatos de protesto, já que afeitos aos títulos executivos. A estrutura existente é apta a dar efetividade também para a execução: a notável habilidade na análise do título377 para o protesto poderia ser aplicada na verificação dos pressupostos da execução; os sistemas de localização de endereço do devedor, de expedição e efetivação de intimação e de publicação de edital servem tanto para o protesto como a execução. No mais, é dotar a serventia de acesso aos sistemas de informação, como Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), Registros de Imóveis, departamento de registro de veículos automotores, entre outros.378

O agente de execução deve ter amplo acesso a essas informações. Acredita a autora que até mesmo penhora on-line possa ser realizada pelo tabelião, independentemente de ordem judicial. O artigo 655-A do vigente Código de Processo Civil informa que “o juiz, a requerimento do exequente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução”. Em atenção ao sigilo bancário379, o Tabelião não deve requisitar e receber

informações sobre a existência de ativos e seus valores, mas tão somente requerer e obter a indisponibilidade de eventuais valores existentes, até o limite do crédito.

377 O tabelião não deve apurar a prescrição ou caducidade do título, conforme artigo 9º da Lei nº 9.492/97: “Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serão examinados em seus caracteres formais e terão curso se não apresentarem vícios, não cabendo ao Tabelião de Protesto investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade. Parágrafo único. Qualquer irregularidade formal observada pelo Tabelião obstará o registro do protesto.” Todavia, desde a expedição da Súmula nº 370 do STJ, publicada em 25.2.2009, segundo a qual “caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado”, os Tabelionatos não protestam títulos com apresentação bancária antes da data aprazada.

378Em 13.4.2012, o Ministro Cesar Peluso lançou o sistema de integração de informação judiciária. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=204929>. Acesso em: 5 maio 2021. Algumas informações “extraprocessuais”, como a consulta de indisponibilidade de bens e consulta de existência de bens imóveis, devem entrar em funcionamento em breve espaço de tempo. Na data da consulta já era possível consultar a existência de bens imóveis em nome de pessoa física no Estado de São Paulo, mas não a indisponibilidade de bens. O CNIPE já é um grande avanço e deve servir de exemplo aos demais poderes, facilitando assim a localização do devedor e de seus bens. <http://www.cnj.jus.br/cnipe>. Acesso em: 5 maio 2012.

379 “O sigilo bancário, espécie do direito à privacidade do indivíduo, em que pese protegido pelo inc. X do art. 5º da Constituição Federal, não ostenta a qualidade de direito de caráter absoluto, porquanto cede espaço diante do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, em atenção ao que estabelecem os incs. XXXV e LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, à luz do princípio da proporcionalidade”. RAMOS, José Eduardo Ferreira. Jurisdição: crise, efetividade e plenitude institucional. In: GUNTHER, Luiz Eduardo (Coord.). Jurisdição: crise, efetividade e plenitude institucional. Curitiba: Juruá, 2008. p.363.

A questão do sigilo bancário parece solucionada com a redação proposta pelo projeto de lei para o novo Código de Processo Civil, já aprovado pelo Senado Federal e em trâmite perante a Câmara dos Deputados – PL nº 8.046/2010.380 O projeto elimina a possibilidade de

o juiz conhecer os ativos financeiros do devedor, devendo apenas requerer o bloqueio. Por óbvio é necessária a previsão de transferência de competência do juiz para o tabelião de protesto em relação ao requerimento de indisponibilidade dos eventuais ativos financeiros, mas registra-se a tendência da maior proteção ao sigilo bancário, sem que haja prejuízo aos credores.

Portanto, a presente proposta delega parte da atividade executiva do juiz ao tabelião de protesto, já que afeito aos títulos de créditos. Nesse passo, importante analisar, ainda que brevemente, o regime jurídico, a competência, o ingresso na profissão, a remuneração, entre outros aspectos desses agentes delegados.

6.3 Notários e registradores

No documento DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2012 (páginas 153-159)