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Desjudicialização do poder de dizer o direito

No documento DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2012 (páginas 62-76)

CAPÍTULO 3 – HIPÓTESES DE DESJUDICIALIZAÇÃO NO BRASIL

3.2 Desjudicialização do poder de dizer o direito

Após uma longa e complicada tramitação, a Lei da Arbitragem (Lei n° 9.307/96) foi promulgada no Brasil, regulamentando esse meio alternativo ao Judiciário para resolução de conflitos que não envolvam direitos indisponíveis. As partes estabelecem em contrato que, caso haja discórdia em determinado assunto, um juízo arbitral será instaurado para a solução da controvérsia. A sentença arbitral tem a mesma força da sentença judicial.

137 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A reforma da execução do título extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.128.

138 TALAMINI, Eduardo. Alienação por iniciativa particular como meio expropriatório executivo (CPC, art. 685-C, acrescido pela Lei 11.382/2006). In: Revista Jurídica, ano 57, n. 385, nov. 2009. Porto Alegre: Notadez, 2009. p.33.

A Lei no 9.307/96, no entanto, já nasceu tendo sua constitucionalidade questionada em razão do princípio do monopólio estatal da jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal), que assegura a todos o direito fundamental de acesso ao Judiciário para garantir-lhes a tutela jurisdicional contra lesão ou ameaça de lesão a direitos.

Para enfrentar as “críticas, especialmente de processualistas ortodoxos que não conseguem ver atividade processual – e muito menos jurisdicional – fora do âmbito da tutela estatal estrita” 139 , muitos doutrinadores sustentaram, por vários aspectos, a

constitucionalidade da arbitragem.140 O principal argumento de defesa é que não há qualquer inconstitucionalidade na renúncia voluntária à jurisdição estatal, devendo sempre ser respeitada a autonomia das partes.141 Até mesmo porque a prestação jurisdicional constitui um direito dos jurisdicionados, e não uma obrigação de levar ao conhecimento do Poder Judiciário toda e qualquer contenda que se desenvolva entre pessoas físicas ou jurídicas.142-143

139 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.26.

140 Sálvio de Figueiredo elencou seis razões pelas quais seria a Lei 9.307/96 constitucional, sempre no sentido de que o acesso ao Judiciário permanecia garantido para casos de declaração de nulidades, execução forçada, resistência de uma das partes etc. TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A arbitragem como meio de solução de conflitos no âmbito do Mercosul e a imprescindibilidade da Corte Comunitária. In: Revista Jurídica, n. 236, jun. 1997. São Paulo: Síntese, 2007. p.23-4; Da mesma forma o fez Nilton César da Costa: “(...) é indubitável a constitucionalidade da Lei 9.307/96, o que se justifica pelas razões sucintamente lançadas: a) desmistificação do monopólio estatal da jurisdição, que também se estende ao(s) árbitros(s); b) autonomia da vontade para acionar ou renunciar a jurisdição estatal (opção do jurisdicionado); c) as partes podem dispor livremente dos bens patrimoniais; d) a própria lei da arbitragem admite em seu bojo mecanismos de intervenção do Poder Judiciário em determinadas circunstâncias, v.g., nulidades, execução forçada, direitos indisponíveis, efetivação das tutelas de urgência (arts. 22 §§2º e 4º, 32, 33 e parágrafos, todos da Lei 9.307/96); e) em casos de recalcitrância por parte daquele que contratou a cláusula compromissória, o compromisso de arbitragem deve ser realizado judicialmente (art. 7º).” COSTA, Nilton César da. Poderes do árbitro: de acordo com a Lei 9.307/96. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.52.

141 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.168-9; GERAIGE NETO, Zaiden. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional: art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.62; SANT’ANNA, Valéria Maria. Arbitragem: Comentários à Lei 9.307 de 23.8.1996. São Paulo: Edipro, 1997. p.28; ROCHA, José de Albuquerque. Lei de Arbitragem (uma avaliação crítica). São Paulo: Malheiros, 1998. p.29-30; SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p.132.

142 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Breves considerações em torno da questão da inafastabilidade da prestação jurisdicional. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). Estudos de Direito Processual Civil: Homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.97.

143“Capacidade de direito é a aptidão abstrata para ser sujeito de poderes, direitos e obrigações inerente a todo ser humano. Capacidade de fato ou de exercício é, porém, a aptidão para exercitar tais poderes, direitos e obrigações. De modo que uma pessoa pode ser titular de poderes e não ter seu exercício ou deferi-los a terceiro. Pois bem, é justamente isso que acontece com a jurisdição.” ROCHA, op. cit., p.29.

Todo o esforço da doutrina não se mostrou suficiente. O Supremo Tribunal Federal foi chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade do juízo arbitral e, ao julgar três casos de homologação de sentença estrangeira 144 , decidiu expressamente acerca da constitucionalidade da Lei no 9.307/96, pelo menos no que tange às suas normas procedimentais.145

No entanto, as vozes da inconstitucionalidade não pararam de soar, uma vez não ter havido manifestação pontual acerca dos artigos mais críticos da lei, como aqueles que equiparam i) a atividade do árbitro à do juiz e ii) a sentença arbitral à sentença judicial. Assim, provocada novamente, a Suprema Corte, no julgamento da Sentença Estrangeira nº 5206-Agr/Reino da Espanha (rel. Min. Maurício Correa), em 30.4.2004, enfrentou a tese a fundo e decretou a constitucionalidade de vários dispositivos da Lei nº 9.307/96, justificando seu entendimento no indispensável respeito à vontade manifestada pela parte ao subscrever a cláusula compromissória, quando da celebração do contrato. Finalmente, foi sacramentada a constitucionalidade do juízo arbitral, a principal hipótese de desjudicialização do poder de dizer o direito.

Outra questão animou os estudiosos do então novo instituto, qual seja, a sua natureza jurídica. Em um primeiro momento, a doutrina defendia duas correntes antagônicas, dividindo opiniões: natureza contratual (privada) da arbitragem, por um lado, e natureza jurisdicional (pública), por outro. Em um segundo momento, a doutrina passou a conciliar as duas correntes, sustentando a natureza jurídica sui generis da arbitragem, uma vez que ela nasce da vontade das partes (privada) e se encerra com um comando que as obriga (pública).146

144 Sec 5847/In – Grã-Bretanha (Inglaterra), rel. Min. Maurício Correa, em 1.12.1999 – DJ 17.12.99, p.0004; Sec 5378/Fr – França, rel. Min. Maurício Correa, em 3.2.2000 – DJ 25.02.2000, p.00054; Sec 5828/No – Noruega, rel. Min. Ilmar Galvão, em 6.12.2000, DJ 23.2.01, p.00084.

145 SILVEIRA, Paulo Fernando. Tribunal Arbitral: Nova Porta de Acesso à Justiça. Curitiba: Juruá, 2006. p.59. 146 Também chamada de “natureza jurisdicional híbrida, sendo na sua primeira fase contratual e na segunda jurisdicional. A base contratual da arbitragem é o compromisso, de caráter estritamente consensual e que estabelece as diretrizes do juízo arbitral que institui. O laudo arbitral, embora tenha nele seus fundamentos e limites, não o integra e, ao equiparar-se à sentença judicial, seus efeitos passam a decorrer da lei, e não da vontade das partes.” MORAIS, José Luis de Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem: alternativa à jurisdição. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.186. No mesmo sentido: CRETELLA NETTO, José. Curso de arbitragem: arbitragem comercial, arbitragem internacional, lei brasileira de arbitragem, instituições internacionais de arbitragem, convenções internacionais de arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.15-6.

Muitos professores da matéria apontaram a existência dessas correntes, de forma acadêmica, mas não sem concluir e posicionar-se pela natureza jurisdicional, de caráter privado, da arbitragem.147 Considerado um dos maiores estudiosos do assunto, relevante o registro da posição de Carlos Alberto Carmona148:

O art. 31 determina que a decisão final dos árbitros produzirá os mesmos efeitos da sentença estatal, constituindo a sentença condenatória título executivo que, embora não oriundo do Poder Judiciário, assume a categoria de judicial. O legislador optou, assim, por adotar a tese da jurisdicionalidade da arbitragem. (...) É bem verdade que muitos estudiosos ainda continuam a debater a natureza jurídica da arbitragem, uns seguindo as velhas lições de Chiovendapara sustentar a idéia contratualista do instituto, outros preferindo seguir ideais mais modernas, defendendo a ampliação do conceito de jurisdição, de forma a encampar também a atividade dos árbitros; outros, por fim, tentam conciliar as duas outras correntes. (...) O fato que ninguém nega é que a arbitragem, embora tenha origem contratual, desenvolve-se com a garantia do devido processo e termina com ato que tende a assumir a mesma função da sentença judicial.

Cândido Rangel Dinamarco afirma já ter sustentado o caráter jurisdicional da arbitragem, mas diz hoje entender tratar-se de atividade parajurisdicional em razão do escopo social pacificador da arbitragem – o que certamente a aproxima da jurisdição estatal.149 Na

mesma linha, defende Sálvio de Figueiredo Teixeira que o árbitro contribui para a pacificação social, dirimindo conflitos, razão pela qual deve ter o exercício da jurisdição reconhecido, ainda que “sob certa perspectiva, no sentido lato”150. Flávio Yarshell, por sua vez, qualifica a

arbitragem com um equivalente jurisdicional.151

147 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.110; ALVIM, José Eduardo Carreira. Direito Arbitral. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.46; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.151-8; COSTA, Nilton César da. Poderes do Árbitro: de acordo com a Lei 9.307/96. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.56-8; ROCHA, José de Albuquerque. Lei de Arbitragem – uma avaliação crítica. São Paulo: Malheiros, 1998. p.27-8; MORAIS, José Luis de Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion.

Mediação e Arbitragem: alternativa à jurisdição. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.183-8;

SANT’ANNA, Valéria Maria. Arbitragem: Comentários à Lei 9.307 de 23.9.96. São Paulo: Edipro, 1997. p.27. VALÉRIO, Marco Aurélio Gumieri. Arbitragem no direito brasileiro: lei nº 9.307/96. São Paulo: Universitária de Direito, 2004. p.110.

148 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.26-7.

149 DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.38-9. 150 TEIXEIRA, Salvio de Figueiredo. A arbitragem como meio de solução de conflitos no âmbito do Mercosul e a imprescindibilidade da Corte Comunitária. In: Revista Jurídica, n. 236, jun. 1997. São Paulo: Síntese, 2007. p.24.

A autora entende que o legislador equiparou o juízo arbitral ao juízo estatal152, inserindo a arbitragem entre os meios de tutela jurisdicional. Há de se considerar que a sentença arbitral tem os mesmos efeitos da sentença judicial153, ou seja, faz coisa julgada entre as partes e possibilita a execução forçada, no caso do seu não cumprimento espontâneo.

Para Joel Dias Figueira Júnior,

a justiça estatal e a justiça arbitral são dois modos distintos de jurisdição e, portanto, de composição de conflitos. Magistrados e árbitros, são todos os dois juízes; apenas um é juiz público, nomeado pelo Estado, enquanto o outro um juiz privado, escolhido pela partes. Idêntica as suas funções, sendo que a do árbitro decorre de investidura contratual. Justiça arbitral e justiça estadual distinguem-se apenas pelos órgãos que as exercem.154

Apesar dessa equivalência, uma diferença deve ser registrada: os árbitros possuem o poder de conhecer da demanda (cognitio) e de dizer o direito (iurisdictio), mas não possuem o poder de impor o cumprimento de suas decisões coercitivamente (executio e coertio), e nesse ponto dependem da colaboração dos órgãos do Poder Judiciário. O árbitro não possui o poder de império para exigir o cumprimento de sua decisão155, mas esse fato não retira do juízo arbitral sua função jurisdicional, até mesmo porque, conforme aqui se defende, a execução também pode ser delegada.

Por fim, faz-se necessário registrar que esse meio alternativo de resolução de conflitos foi amplamente aceito pela sociedade, principalmente quando envolvidos negócios – questões contratuais e societárias. Arnoldo Wald afirmou, em reportagem concedida em 31.5.2011, que o Brasil aparece em 4º lugar no ranking dos países usuários da arbitragem internacional – perdendo apenas para França, Estados Unidos e Canadá.156

152“O árbitro exerce verdadeira jurisdição estatal, razão por que o processo arbitral não pertence ao direito privado, mas ao processual e, pois, ao direito público.” NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil

na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.118-9.

153 RICCI, Edoardo Flavio. Lei de arbitragem brasileira: oito anos de reflexão: questões polêmicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.35.

154 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem, Jurisdição e Execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.154.

155 MORAIS, José Luis de Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem: alternativa à jurisdição. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.180.

156WALD, Arnoldo. Brasil é 4º no mundo em negócios feitos por arbitragem. Disponível em: <http://colunistas.ig.com.br/leisenegocios/2011/05/31/brasil-e-o-4%C2%BA-no-mundo-em-negocios-feitos-por- arbi tragem/>. Acesso em: 18 out. 2011.

Infelizmente não existem dados atualizados sobre o número de procedimentos arbitrais realizados no Brasil, já que o órgão competente – Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (CONIMA) – descuidou de sua missão. A última análise foi realizada em 2003, quando havia, então, um crescimento anual de 3% a 5% na adoção da arbitragem como alternativa à Justiça Estadual.

Em contato com as principais câmaras de arbitragem da cidade de São Paulo, notou-se existir uma curva sempre ascendente em todos os gráficos relativos aos números de arbitragens domésticas realizadas – que não passam de centenas, provavelmente em razão dos altos custos envolvidos. Os referidos gráficos correspondem aos Anexos I a III, ao final deste trabalho, na seguinte ordem: Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC), Câmara de Arbitragem São Paulo (CIESP/FIESP) e Câmara Americana de Comércio (Amcham).

3.2.2 Recuperação extrajudicial

A Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial, Falência e Recuperação Extrajudicial), mais especificamente nos seus artigos 161 a 167, inovou ao regulamentar a tão praticada “concordata branca”. Em resumo, trata-se da possibilidade de o devedor negociar extrajudicialmente com os seus principais credores, e conjuntamente aprovar um plano de pagamento das dívidas, dentro das reais possibilidades do devedor. Entabulado o plano de recuperação extrajudicial, ele pode ser levado ao Judiciário para homologação.157

Há duas modalidades de recuperação extrajudicial, quais sejam, i) aquela prevista no artigo 162158 da lei, que vincula apenas os credores que aderiram ao plano de pagamento e ii) aquela regulamentada pelo artigo 163159 da lei, cujo plano é assinado por 3/5 dos credores de cada classe e obriga a minoria discordante. Em qualquer caso, a sentença de homologação do plano de recuperação extrajudicial constitui título executivo judicial.

157 MANDEL, Julio Kahan. Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas anotada: Lei n. 11.101, de 9.2.2005. São Paulo: Saraiva, 2005. p.5.

158 “Art. 162. O devedor poderá requerer a homologação em juízo do plano de recuperação extrajudicial, juntando sua justificativa e o documento que contenha seus termos e condições, com as assinaturas dos credores que a ele aderiram.”

159 “Art. 163. O devedor poderá, também, requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos. (...)”

“Para evitar que os destemperados se tornem habituais fregueses dessas medidas recuperatórias, que são destinadas aos empresários idôneos em fase de eventual crise involuntária”160, a lei estabeleceu requisitos subjetivos relativos ao devedor que pretende

usufruir dos benefícios da recuperação extrajudicial. São eles: i) exercer regularmente suas atividades há mais de dois anos; ii) não ser falido e, se o foi, que estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; iii) não ter pendente, em juízo, pedido de recuperação judicial; iv) se já houver obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial, que tenham decorrido pelo menos dois anos; v) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes falimentares.

Em relação aos credores, não podem participar da recuperação extrajudicial os titulares de créditos trabalhistas, decorrentes de acidente de trabalho e tributários. Também não podem tomar parte dos atos extrajudiciais o proprietário fiduciário, o arrendador mercantil, o vendedor ou promitente vendedor de imóvel por contrato irrevogável ou o vendedor com reserva de domínio, como também não a instituição que fez o adiantamento do contrato de câmbio.161

No que é pertinente ao plano de recuperação, impõe-se observar que ele não pode i) contemplar o pagamento antecipado de dívidas; ii) dar tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos; iii) acarretar suspensão de direitos, ações ou execuções; iv) impedir pedidos de decretação de falência pelos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial; v) após a sua distribuição, facultar aos credores a desistência do plano.

Uma vez entabulado o plano de pagamento, ele poderá ser levado para apreciação do Poder Judiciário. A sentença homologatória imprime ao ato extrajudicial força equivalente ao ato que proviesse do órgão estatal − recuperação judicial.

Ainda que tímida, a lei sob comento retirou parcela de decisão do Poder Judiciário no que se refere à recuperação de empresas em dificuldade econômica. Nesse sentido, vale a transcrição da posição de José Emílio Nunes Pinto:

160 PACHECO, José da Silva. Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência: em conformidade com a Lei n° 11.101/05 e a alteração da Lei n° 11.127/05. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.428.

Se comparada com a estrutura da antiga Lei de Falências, o instituto da recuperação de empresas representa uma guinada em sentido diametralmente oposto ao até então existente. Muito embora tenha optado o legislador por criar um mecanismo sob o controle e a supervisão do Poder Judiciário e do Ministério Público, na essência, no entanto, os credores e o devedor têm em suas mãos a decisão. A nova legislação busca deixar aos interessados, em primeiro lugar, o poder de optar pela melhor solução, atribuindo-lhes a responsabilidade de encontrar uma saída construtiva para o desequilíbrio sofrido pela empresa. O papel desempenhado pelo Poder Judiciário é supletivo à ação dos credores e do próprio devedor.162

O poder de decisão passou para as mãos dos credores e devedores, de forma que houve parcial deslocamento da atividade jurisdicional. No entanto, havendo a facultativa homologação do plano já definido, decidido e aceito por todos os interessados, haverá então atuação do Poder Judiciário, “irradiando, a partir daí, diversos efeitos, inclusive constitutivos, por haver formação de um novo estado jurídico para o devedor”163, de forma que não se pode

falar, nesse caso, em desjudicialização.

3.2.3 Retificação do registro imobiliário

A Lei nº 10.931, de 2.8.2004, em seu artigo 59, alterou a redação dos artigos 212, 213 e 214 da Lei nº 6.015, de 31.12.1973 − Lei de Registros Públicos. A importante inovação introduzida pela Lei no 10.931/04 é o procedimento administrativo de retificação de registros de imóveis. As retificações de registros imobiliários que outrora eram sujeitas ao procedimento judicial passaram a ser feitas pelo próprio oficial do Registro de Imóveis. O Poder Judiciário apenas atuará em situações nas quais não houver acordo entre as partes ou houver potencial lesão ao direito de propriedade de algum confrontante, podendo-se afirmar que a atividade jurisdicional tradicional será apenas subsidiária ou residual.

Nesses termos, possibilitou-se a retificação do registro imobiliário, de ofício, pelo próprio tabelião de registros públicos, sem intervenção judicial, conforme procedimento administrativo previsto. Estabelece o artigo 212 da Lei de Registros Públicos:

Art. 212. Se o registro ou a averbação for omissa, imprecisa ou não exprimir a verdade, a retificação será feita pelo Oficial do Registro de Imóveis

162 PINTO, José Emílio Nunes. Reflexões indispensáveis sobre a utilização da arbitragem e de meios extrajudiciais de solução de controvérsias. In: LEMES, Selma Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto; MARTINS, Pedro Batista (Coord.). Arbitragem: estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernando da Silva Soares. São Paulo: Atlas, 2007. p.310.

competente, a requerimento do interessado, por meio do procedimento administrativo previsto no art. 213, facultado ao interessado requerer a retificação por meio de procedimento judicial.

Parágrafo único. A opção pelo procedimento administrativo previsto no art. 213 não exclui a prestação jurisdicional, a requerimento da parte prejudicada.

Já o artigo 213 da Lei de Registros Públicos passou a prever casos e situações em que o tabelião poderá retificar o registro ou a averbação “de ofício” ou a requerimento do interessado, fixando procedimentos, dos quais não se justifica detalhamento nesta seara.164 Importante apenas historiar mais essa hipótese de desjudicialização prevista na legislação brasileira.

3.2.4 Inventário, separação165 e divórcio

A Lei no 11.441/2007 estabeleceu regras para a separação, divórcio e inventário consensuais, todos realizados extrajudicialmente em Tabelionatos de Notas. Na separação e no divórcio, o casal, além de concorde, não pode ter filhos menores; e no inventário, os herdeiros e interessados, além de harmônicos, devem ser capazes. Além disso, o autor da herança não pode ter deixado disposição testamentária, o que deve ser comprovado pela competente certidão do Colégio Notarial do Brasil.

A nova regulamentação teve origem no Projeto de Lei do Senado Federal sob o nº 155/2004, de autoria do Senador baiano César Borges, que na ocasião pretendia a desburocratização do procedimento do inventário, agilizando-o e reduzindo custos. Após aprovação, o projeto foi encaminhado para a Câmara dos Deputados, que entendeu por bem ampliar o seu escopo para permitir que também separações e divórcios consensuais pudessem ser realizados por escritura pública, quando não houvesse filhos menores e incapazes. O Projeto Substitutivo da Câmara dos Deputados recebeu o nº 6.416/2005. Devidamente

164Para detalhamento do procedimento: SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Direito imobiliário – Teoria e prática. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p.38-41.

No documento DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2012 (páginas 62-76)