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Desjudicialização do poder de império

No documento DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2012 (páginas 47-62)

CAPÍTULO 3 – HIPÓTESES DE DESJUDICIALIZAÇÃO NO BRASIL

3.1 Desjudicialização do poder de império

3.1.1 Execução no sistema financeiro de habitação

O plano de desenvolvimento econômico e social imaginado pelo Governo Federal na década de 60 foi alicerçado na concessão de crédito para a construção de moradias – “financiamento da casa própria”. Como estímulo às instituições financeiras – que assumiriam grande risco de inadimplemento, até mesmo considerando-se as características dos mutuários beneficiados pelo programa –, foi levada a cabo uma nova forma de recuperação de crédito hipotecário. Nesse cenário promulgou-se o polêmico Decreto-Lei nº 70 de 21.11.1966, autorizando o credor imobiliário a executar extrajudicialmente a garantia – atividade jurisdicional então delegada a um agente fiduciário.104

De acordo com o referido decreto, vencida e não paga a dívida hipotecária, no todo ou em parte, o credor deve formalizar ao agente fiduciário a solicitação de execução da dívida, instruindo-a com i) o título da dívida devidamente registrado no respectivo Cartório de Imóveis; ii) a memória de cálculo do saldo devedor, discriminando o principal, os juros, a multa e outros encargos contratuais e legais; e iii) a cópia dos avisos de recobramento da dívida.105

Recebida a solicitação da execução, o agente fiduciário, nos 10 dias subsequentes, deve promover a notificação do devedor, por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos, concedendo-lhe o prazo de 20 dias para a purgação da mora.

Se o devedor não realizar o pagamento integral do débito, o agente fiduciário está autorizado, de pleno direito, a publicar editais e a efetuar, no decurso dos 15dias imediatos, o

104 DENARDI, Volnei Luiz. Execuções Judicial e Extrajudicial no Sistema Financeiro de Habitação: Lei 5.741/1971 e Decreto-Lei 70/1966. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.82.

105 VASCONCELLOS, Pedro. Execução Extrajudicial e Judicial do Crédito Hipotecário no Sistema

primeiro leilão público do imóvel hipotecado. Se no primeiro leilão o maior lance obtido for inferior ao saldo devedor, será realizado novo leilão, dentro dos 15 dias subsequentes.

Se o maior lance do segundo leilão público for inferior àquela soma, serão pagas inicialmente as despesas do procedimento – inclusive os honorários do agente fiduciário – e a diferença entregue ao credor, que ainda poderá cobrar, por via executiva judicial, a dívida remanescente. Se o lance de alienação do imóvel for superior ao total das importâncias devidas, a diferença será entregue ao devedor.

Até a assinatura do auto de arrematação, pode o devedor purgar o débito apontado, acrescido dos seguintes encargos: i) penalidades previstas no contrato de hipoteca, de até 10% do valor do débito; ii) remuneração do agente fiduciário; iii) juros de mora e correção monetária incidentes até então.

Uma vez efetivada a alienação do imóvel, deve ser emitida a respectiva carta de arrematação, assinada pelo leiloeiro, pelo credor, pelo agente fiduciário e por 5 testemunhas, servindo tal documento como título para a transcrição no Registro de Imóveis. O devedor, caso esteja presente no leilão público, deve assinar a carta de arrematação; caso contrário, no documento deve ser registrada a sua ausência ou então a sua recusa em subscrevê-lo.

Uma vez transcrita a carta de arrematação no Registro de Imóveis, o adquirente pode requerer ao Juízo competente a sua imissão na posse do imóvel, que deve ser concedida liminarmente, sem prejuízo do prosseguimento do feito, de rito ordinário, para o debate das alegações que o devedor porventura aduzir em contestação.

No período que mediar entre a transcrição da carta de arrematação no Registro de Imóveis e a efetiva imissão do adquirente na posse do imóvel alienado em leilão público, o Juiz arbitrará uma taxa mensal de ocupação compatível com o rendimento que deveria proporcionar o investimento realizado na aquisição, exigível por meio de ação executiva judicial.

Eis os procedimentos previstos para a realização da execução extrajudicial segundo o Decreto-Lei nº 70/66, mais especificamente em seus artigos 29 a 38, os quais, por si só, já demonstram tratar-se de um efetivo paradigma – talvez o único no Brasil – do que se propõe:

desjudicialização do poder de império do Estado. Em continuação, justifica-se analisar a constitucionalidade do instituto.

Sempre houve considerável polêmica acerca do decreto que permitiu a execução extrajudicial dos créditos hipotecários, mas após a promulgação da Constituição de 1988 a corrente da inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 70/66 fortaleceu-se, especialmente em razão da expressa previsão da garantia da privação de bens exclusivamente sob o manto do “devido processo legal” (art. 5º, LIV, da CF) – novidade em relação às Constituições anteriores.

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de um recurso extraordinário que questionava a afronta aos princípios do monopólio de jurisdição, do juízo natural, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, foi chamado a manifestar-se sobre a constitucionalidade do referido decreto. O Recurso Extraordinário nº 223.075-1/DF foi julgado em 23.6.98 (publicado no Diário Oficial em 6.11.98), tendo por relator o Ministro Ilmar Galvão. Sua ementa conta com o seguinte teor:

EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. DECRETO-LEI N° 70/66.

CONSTITUCIONALIDADE. Compatibilidade do aludido diploma legal com a Carta da República, posto que além de prever uma fase de controle judicial, conquanto a posteriori da venda do imóvel objeto da garantia pelo agente fiduciário, não impede que eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento seja reprimida, de logo, pelos meios processuais adequados.

Sustentou o Supremo Tribunal Federal que inexistia óbice ao acesso ao Judiciário para questionar execuções injustas ou ilegais106, como no caso então em exame, no qual o mutuário obteve tutela para sustar a venda do imóvel sob a alegação de excesso do valor cobrado. Nos anos seguintes, inúmeras outras decisões107 reafirmaram a constitucionalidade do Decreto-Lei no 70/66, mas no exato momento o debate regressou à Corte – desta vez com mais força – e encontra-se pendente de julgamento.

106 Luiz Antonio Scavone Júnior apresenta os principais aspectos da ação cautelar inominada de sustação de leilão/execução extrajudicial e da ação ordinária de revisão de contrato. Ele oferece modelos de petição. SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Direito imobiliário – Teoria e prática. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p.387-404.

107 Ag RExt 408224-1/SE - Rel: Min. Sepúlveda Pertence, em 3.8.2007; Ag Reg AI 312.004-0/SP - Rel: Min. Joaquim Barbosa, em 7.3.2006; AI - Ag R 514565-7/PR - Rel: Min. Ellen Gracie, em 13.12.2005; Ag Reg AI 497.950-6/SP - Rel: Min. Joaquim Barbosa, em 25.10.2005; AI 509.379-AgR/PR - Rel: Min. Carlos Velloso, em 4.11.2005.

No dia 18.8.2011, o pedido de vista do ministro Gilmar Mendes suspendeu o julgamento da análise da compatibilidade ou não dos dispositivos legais que autorizam a execução extrajudicial de dívidas hipotecárias com a Constituição Federal. A questão está sendo apreciada no julgamento de dois Recursos Extraordinários (556520 e 627106). Até então, há quatro votos pela incompatibilidade dos dispositivos do decreto-lei com a Constituição – ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ayres Britto e Marco Aurélio – e dois pela sua compatibilidade – ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.108

Ao pedir vista dos processos, o ministro Gilmar Mendes explicou estar "extremamente preocupado" com o que classificou de "forma de pensar" que traz sempre mais questões para o Judiciário, sobrecarregando-o. Para ele, a realização de direitos deve ser feita com a intervenção judicial, se necessária. Além disso, lembrou que em muitos países que respeitam

108 i) Para Luiz Fux, "esse decreto-lei inverte completamente a lógica do acesso à justiça. O devedor é submetido a atos de expropriação sem ser ouvido e se ele eventualmente quiser reclamar ele que ingresse em juízo", emendou. Fux sustenta que o procedimento de expropriação de bens do devedor sem a intervenção de um magistrado afronta o princípio do devido processo legal; ii) A ministra Cármen Lúcia ressaltou a jurisprudência assentada sobre a matéria, mas lembrou que isso não significa que o entendimento não possa ser modificado, como ela entende que deva ocorrer. "A análise do que se tem no Decreto-Lei 70/66 desobedece, a meu ver, os princípios básicos do devido processo legal, uma vez que o devedor se vê tolhido nos seus bens sem que haja a possibilidade imediata de acesso ao Poder Judiciário", disse; iii) O ministro Ayres Britto concordou que, no caso, há desrespeito ao devido processo legal. "O Decreto-Lei 70/66 consagra um tipo de execução privada de bens do devedor imobiliário que tem aparência de expropriação, na medida em que consagra um tipo de autotutela que não parece corresponder à teleologia da Constituição quando (esta) fala do devido processo legal", afirmou; iv) Quando votou sobre a matéria, o ministro Marco Aurélio frisou que a Constituição determina que a perda de um bem deve respeitar o devido processo legal e, portanto, deve sempre ser analisada pelo Poder Judiciário; ressaltou, ainda, que "ninguém pode fazer justiça com as próprias mãos"; v) Dias Toffoli lembrou que os demais tribunais do país passaram a adotar o mesmo entendimento do Supremo diante do firme posicionamento jurisprudencial da Corte sobre a matéria. "Mostra-se de rigor a reafirmação dessa pacífica jurisprudência para que se reconheça agora, com a autoridade de matéria cuja Repercussão Geral já foi reconhecida pelo plenário virtual da Corte, a recepção, pela Constituição Federal de 1988, das normas do Decreto-Lei 70/66, que cuidam da execução extrajudicial", concluiu; vi) O ministro Ricardo Lewandowski disse: “Entendo que, desde o momento que o Decreto-Lei 70/66 foi concebido, teve-se em mente a desburocratização do sistema de financiamento da casa própria e do imóvel para a pessoa física", disse. Também frisou o fato de o Supremo ter uma jurisprudência sólida sobre a matéria tanto antes quanto depois da promulgação da CF/88. Citando argumentos do professor Orlando Gomes, o ministro Lewandowski lembrou ainda que o decreto-lei não impede ou proíbe o acesso à via judicial e que em qualquer fase da execução extrajudicial é possível o acesso ao Judiciário. “Portanto, se houver qualquer ofensa ao devido processo legal no que tange a essa execução extrajudicial, a parte que se considera prejudicada pode acorrer ao Judiciário”, afirmou.

Excertos de <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=186899>. Acesso em: 3 dez. 2011.

o estado de direito é praticada a execução nos moldes do Decreto-Lei nº 70/66.109 Os autos dos recursos permanecem conclusos.110

Recentes trabalhos acadêmicos discutiram a constitucionalidade ou não das execuções extrajudiciais do Sistema Financeiro de Habitação. A dissertação de mestrado de Volnei Luiz Denardi, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, aponta a inconstitucionalidade desse tipo de execução em razão da parcialidade do agente fiduciário – a quem, segundo ele, foi conferida verdadeira função executiva e, portanto, jurisdicional –, o que por si só ofenderia ao princípio do devido processo legal e esbarraria no princípio do contraditório.111

Os argumentos da referida dissertação são bem lançados. O agente fiduciário deve ser escolhido em comum acordo pelo credor e devedor e apontado no contrato originário de hipoteca – ou em aditamento específico. O referido decreto ressalva que os agentes fiduciários não podem ter ou manter vínculos societários com os credores ou devedores das hipotecas sob sua tutela, mas não deu a devida atenção quanto à forma de nomeação, no sentido de abalizar quem pode ser indicado para o desempenho da atividade, de forma a garantir a sua imparcialidade.

A dissertação de mestrado de Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa, defendida na Universidade de Direito de São Paulo, ressalta a inconstitucionalidade do mencionado decreto em razão da ofensa ao devido processo legal, uma vez que há delegação a terceiros da atividade executiva – de natureza jurisdicional –, que está sujeita ao monopólio dos órgãos estatais pertencentes ao Poder Judiciário. Yoshikawa alega tratar-se de verdadeira modalidade de autotutela.112

109 Excertos de <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=186899>. Acesso em: 3 dez. 2011.

110 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2541380> e http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3919340>. Acesso em: 28 maio 2012

111 DENARDI, Volnei Luiz. Execuções Judicial e Extrajudicial no Sistema Financeiro de Habitação: Lei 5.741/1971 e Decreto-Lei 70/1966. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

112 YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. Execução Extrajudicial e Devido Processo Legal. São Paulo: Atlas, 2010.

Não se pode concordar com os argumentos do referido trabalho por dois motivos: em primeiro lugar, porque a premissa não é compatível com a conclusão e, em segundo lugar, porque não procede a conclusão, como já explanado nos capítulos anteriores.

Uma terceira dissertação de mestrado, com a qual a autora compartilha opinião, foi defendida por Samy Garson perante a Faculdade de Direito de Coimbra, Portugal. Segundo ele, é descabida a defesa do monopólio ou reserva de jurisdição na realização dos atos executivos tendentes à satisfação do direito do credor hipotecário. A execução extrajudicial não é inconstitucional, mas sua regulamentação brasileira carece de reparos em relação à i) nomeação e formação dos agentes fiduciários e ii) previsão da possibilidade do devedor ou terceiro interessado oferecer oposição.113

Garson entende que os agentes fiduciários deveriam ter formação adequada – podendo revelar-se uma nova carreira jurídica –, com aptidão para a realização da conferência dos cálculos aritméticos apresentados na memória discriminada do saldo devedor. Sobre a oposição, defende a necessidade de previsão legal da oportunidade e das matérias arguíveis. A suspensão ou não do curso da expropriação dependeria da plausibilidade das alegações e eventualmente, da prestação de caução.

Samy Garson propôs, portanto, uma execução desjudicializada, mas com garantias ao devedor. A tese que aqui se defende – desjudicialização da execução, a ser realizada por um notário concursado e preparado para o exercício dos atos executivos, restando expressamente garantido o acesso ao Poder Judiciário em casos de contrariedade – pode vir a abraçar a cobrança de créditos hipotecários, deixando de existir, então, a multiplicidade de “opções” que atualmente se verifica. O credor hipotecário dispõe de três meios para realizar seu crédito: i) execução extrajudicial fundada no Decreto-Lei no 70/66; ii) execução judicial consoante o rito especial previsto na Lei no 5.741/71; iii) execução judicial segundo o rito comum, com base no artigo 585, inciso III, do Código de Processo Civil.114

113 GARSON, Samy. A Desjudicialização da Execução Hipotecária como Meio Alternativo de Recuperação

de Créditos. Universidade de Coimbra, 2006. Dissertação não publicada.

114 Não se deve deixar de mencionar a Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, que “dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências”. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1997/lei-9514-20-novembro-1997-365383-normaatualizada-pl. html>. Acesso em: 1 jul. 2012.

Em razão do que se sustenta, apesar de entender que a execução realizada na forma do Decreto-Lei no 70/66 não ofende o princípio do monopólio de jurisdição, e tampouco do juiz natural, percebe-se que há inquestionável ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa (devido processo legal), já que ao devedor não é assegurado o direito de discutir a existência, certeza e exigibilidade do crédito antes da alienação do seu imóvel.

Nessa linha, a autora espera que o Supremo Tribunal Federal decida pela inconstitucionalidade do Decreto, já que não lhe compete estabelecer as adequações necessárias.115 Cabe ao Legislativo reavaliar a execução extrajudicial, e aqui se apresenta uma proposta de lege ferenda de atividade jurisdicional executiva a ser realizada por agentes delegados pelo Estado116, mas com a garantia ao contraditório e à ampla defesa em razão da previsão de uma fase específica para eventual oposição, antes da expropriação do bem, o que por si só garantiria o devido processo legal.

3.1.2 Projetos de lei para a execução fiscal administrativa

O relatório Justiça em Números publicado pelo Conselho Nacional de Justiça apresentou dados atualizados em relação às execuções fiscais no Brasil. Segundo o relatório, dos 83,4 milhões de processos em trâmite na Justiça brasileira em 2010, 27 milhões eram processos de execução fiscal, constituindo aproximadamente 32% do total. Desses processos, 88% (23,7 milhões) tramitavam na Justiça Estadual, colaborando para congestionar esse ramo da justiça. Além disso, dentre os quase 48 milhões de processos pendentes – sem movimentação e conclusão – da Justiça Estadual, aproximadamente 20,9 milhões (43,5%) eram execuções fiscais. Se a análise restringir-se apenas aos processos em fase de execução

115 Vale ressaltar, no entanto, que apesar do posicionamento acadêmico exposto, admira-se a postura do Ministro Gilmar Mendes. Com uma visão descolada da tese que aqui se defende, prefere-se a manutenção da execução extrajudicial do crédito hipotecário ao retrocesso da judicialização da medida. O jurisdicionado pode, sim, socorrer-se do Poder Judiciário para impedir expropriações injustas e ilegais. Mais se tem a perder do que a ganhar com o reconhecimento da inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 70/66. Além disso, o julgamento da compatibilidade ou não do decreto com a Constituição Federal é termômetro da mentalidade da nossa sociedade (de juristas e jurisdicionados), considerando que se prega a necessidade de mudança cultural, abandono de dogmas e reformulação de conceitos.

116 “A atividade jurisdicional do agente fiduciário engloba uma atividade jurisdicional”. VASCONCELLOS, Pedro. Execução extrajudicial e judicial do crédito hipotecário no sistema financeiro da habitação. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p.19.

no Brasil, o montante de casos de execução fiscal torna-se bem mais expressivo, representando 76% do total de processos nessa fase processual.117

O relatório do CNJ, nessa parte, chega à seguinte conclusão: “A partir dos dados relativos às execuções fiscais, observa-se que o combate à morosidade judicial no Brasil deve envolver necessariamente o debate específico sobre a temática dos procedimentos de execução fiscal, já que o enfrentamento dessa questão tem potencial de solucionar um dos principais gargalos da justiça brasileira”118.

Recente pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), solicitada pelo Conselho Nacional de Justiça e publicada em 4.1.2012, apresenta dados alarmantes sobre o custo (e o benefício) das execuções fiscais e sugere que seja estabelecido novo piso equivalente ao dobro do atual:

Pode-se afirmar que o custo unitário médio total de uma ação de execução fiscal promovida pela PGFN junto à Justiça Federal é de R$ 5.606,67. O tempo médio total de tramitação é de 9 anos, 9 meses e 16 dias, e a probabilidade de obter-se a recuperação integral do crédito é de 25,8%. Considerando-se o custo total da ação de execução fiscal e a probabilidade de obter-se êxito na recuperação do crédito, pode-se afirmar que o breaking

even point, o ponto a partir do qual é economicamente justificável promover-

se judicialmente o executivo fiscal, é de R$ 21.731,45. Ou seja, nas ações de execução fiscal de valor inferior a este, é improvável que a União consiga recuperar um valor igual ou superior ao custo do processamento judicial.119

O cenário apresentado é alarmante, mas não é novo, razão pela qual desde o ano de 2005 tramitam perante a Câmara dos Deputados Federais projetos de lei com diferentes propostas visando o aperfeiçoamento das execuções fiscais, já que comprovadamente – por meio dos muitos índices que cada um desses projetos apresenta – o poder público é o principal responsável pela sobrecarga de trabalho do Poder Judiciário.

Em 6.7.2005, o Deputado Federal Celso Russomanno (PP/SP) apresentou o Projeto de Lei nº 5.615/2005, dispondo sobre “a cobrança administrativa do crédito da Fazenda Pública”.

117 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/sum_exec_por_jn2010.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2011.

118 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/sum_exec_por_jn2010.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2011.

119 <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/120103_comunicadoipea 127.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2012.

O primeiro projeto de desjudicialização da execução fiscal foi arquivado em 24.6.2010 a pedido do autor, justificado pelo fato de haver outras propostas legislativas sobre o mesmo tema tramitando na Casa.120-121

Em 12.11.2007, o Deputado Federal Regis de Oliveira (PSC/SP) apresentou o Projeto de Lei nº 2.412/2007, dispondo sobre “a execução administrativa da Dívida Ativa da União, dos Estados, Municípios, de suas respectivas autarquias e fundações públicas”. A justificativa propõe uma mudança de paradigmas e a atribuição de parcela do poder de império do Estado a outro e determinado órgão de sua estrutura, fazendo-se a translação da competência do agente público dele hoje encarregado – o juiz – para um titular do órgão da Fazenda Pública, designado especificamente para essa atribuição e sujeito a todas as responsabilidades dela decorrentes. A justificativa não deixa de reafirmar o compromisso com as garantias do livre e amplo acesso ao Poder Judiciário, uma vez que a translação do processamento das execuções

No documento DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2012 (páginas 47-62)