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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA À EDUCAÇÃO BÁSICA NA MODALIDADE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

FORMAS DE INGRESSO E RESULTADOS: EVASÃO E PERMANÊNCIA NO CURSO PROEJA DA UNED DE SAPUCAIA DO SUL

Luzia Terezinha Baptista Oliveira Orientador: Profª Drª Conceição Paludo

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FICHA CATALOGRÁFICA

___________________________________________________________________________

O48f Oliveira, Luzia Terezinha Baptista

Formas de ingresso e resultados: evasão e permanência no curso PROEJA da UNED de Sapucaia do Sul / Luzia Terezinha Baptista Oliveira ; orientadora Conceição Paludo. – Porto Alegre, 2009.

30 f. : il.

Trabalho de conclusão (Especialização) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Curso de Especialização em Educação Profissional integrada à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, 2009, Porto Alegre, BR-RS.

1. Educação. 2. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 3. PROEJA. 4. PROEJA – Formas de ingresso – Evasão – Permanência. 5. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense.Campus Sapucaia do Sul. I. Paludo, Conceição. II. Título

CDU 374.7 _____________________________________________________________________________ CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação.

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FORMAS DE INGRESSO E RESULTADOS: EVASÃO E PERMANÊNCIA NO CURSO PROEJA DA UNED DE SAPUCAIA DO SUL

Luzia Terezinha Baptista Oliveira1 oliverluz@yahoo.com.br

Introdução

O motivo desta exposição2 é apresentar o resultado de um estudo comparativo dos processos de ingresso das duas turmas do curso PROEJA da Unidade de Ensino Descentralizada do CEFET de Pelotas3 em Sapucaia do Sul – UNED de Sapucaia, em 2007 e 2008, cujo objetivo foi o de investigar em que medida a reestruturação da forma de ingresso realizada no último ano contribuiu para a redução do índice de evasão e para a permanência dos alunos, na implantação do curso Técnico em Processos Administrativos.

A definição deste problema de pesquisa se deu pela constatação de que ao longo da implantação dos programas de Educação de Jovens e Adultos no Brasil, a evasão escolar tem apresentado resultados preocupantes: um número bem expressivo de crianças e adolescentes ainda continuam se perdendo ao longo da trajetória escolar e não conseguem concluir a Educação Básica na idade adequada. Em vista disso, um grande desafio é pensar políticas e práticas que atendam às perspectivas, que estimulem e motivem os sujeitos que procuram a EJA e, acima de tudo, o desafio maior para professores e coordenadores dos cursos é manter a permanência dos alunos nas turmas.

Como exemplo, temos a proposta do PROEJA - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de EJA, que busca promover a inserção do aluno de EJA no universo da educação tecnológica. No entanto, além da falta de

1 Licenciada em Letras pela Universidade Federal de Roraima. Especialista em Psicopedagogia – UNITAS. Professora do Colégio de Aplicação da UFRR. Atualmente lotada no CEFET/RS Unidade de Sapucaia do Sul. Tem experiência na área de Língua Portuguesa e Educação com ênfase em Educação de Jovens e Adultos.

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Este artigo, realizado para cumprir o requisito parcial para obtenção de título de especialista em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, do curso de Especialização pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no período de 2008/2009, sendo a pesquisa e o artigo orientados pela professora doutora Conceição Paludo.

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Recentemente, o Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas (CEFET/RS) transformou-se em Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (IFET Sul-Rio-Grandense). A mudança ocorreu ao ser sancionada a lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que cria 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia em todo o Brasil.

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qualificação profissional dos professores para atender esta demanda educacional e a sobrecarga de trabalho extensivo dos alunos, nos deparamos com o número de vagas muito inferior ao número de candidatos, fazendo-se, assim, necessário o estabelecimento de processos seletivos para o ingresso nos cursos. Sendo assim, somos consequentemente instigados a refletir sobre como pode ser pensada a forma de acesso dos alunos nos cursos do PROEJA e como lidar com a assimetria entre o número de vagas e a demanda existente.

Esta reflexão nos inquieta e se justifica se pensarmos que historicamente o povo brasileiro vem sendo penalizado por processos de exclusão permanentes. Haja vista as estratégias e mecanismos utilizados pelos colonizadores, no Brasil - Colônia e no Império, tais como a geopolítica e as missões jesuíticas, com o doutrinamento cristão, não só para ocupação dos “territórios”, mas como para ocupação do intelecto social dos habitantes da colônia.

Concomitantemente à ocupação territorial e intelectual, ocorreu a exploração da mão de obra, por meio do regime escravocrata, durante três séculos, que acaba refletindo na conjuntura estrutural moderna de sociedade e interferindo, também, na concepção de políticas públicas e, no caso do nosso estudo, das políticas educacionais. Segundo Juarez Martins Rodrigues,

o que se constata é que, na adoção das políticas, ao longo da história, a formação para o trabalho segue a risca o conjunto de medidas e mecanismo de divisão de classes sociais. Não foi diferente no período do auge da produção cafeeira do século passado e nem foi diferente durante o ciclo da borracha, marcada pela ocupação aristocrática do norte do país, onde os filhos da elite emigravam para as academias européias. O que dizer da educação dos soldados da borracha, os imigrantes nordestinos? (2008, p.106).

Ernani Maria Fiori ao prefaciar a obra Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, corrobora com essa reflexão: “em sociedades cuja dinâmica estrutural conduz a dominação de consciências, a pedagogia dominante é a pedagogia das classes dominantes” E, Paulo Freire,

Em regime de dominação de consciências, em que os que mais trabalham menos podem dizer e em que multidões imensas nem se quer tem condições para trabalhar; os dominadores mantêm o monopólio da palavra com que mistificam, massificam e dominam. (1957, p.11)

Neste contexto histórico-social brasileiro, a formação profissional esteve sempre configurada pelo modelo sociopolítico e econômico vigente. O que aprendemos é que na prática sempre se exercitou uma dualidade formativa onde, de um lado, era oferecida uma educação intelectualizada para os detentores dos meios de produção e, por outro, propunha-se

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a qualificação pra os trabalhadores manufatureiros, marceneiros, artesãos, entre outros, para atender as necessidades relacionadas à formação de mão de obra. Porém, isso não significa atribuir à educação, ao longo do tempo, o status de vilã, responsabilizando-a pelas mazelas sociais, acumulação de riquezas do sistema capitalista e sobre o fracasso escolar das classes populares. Sabe-se que ela é muito mais instrumento a serviço dos modelos socioeconômicos e políticos constituídos.

Nessa lógica, esta prática concorre para que o próprio sistema educacional “produza” indivíduos em desigualdade de condições para concorrer com jovens da mesma faixa etária a uma vaga em cursos técnicos e/ou de graduação gratuitos, pois a qualidade do ensino oferecido passa, na maioria das vezes, pelo poder socioeconômico da população. E como se não bastasse, deparam-se com os processos seletivos vigentes, os quais são postos em cheque por estudiosos e educadores, por sua ineficiência e por critérios injustos e excludentes, que possivelmente venham a ser reformulados.

Esse sistema, na esfera da educação básica já vem “produzindo”, por vários fatores, indivíduos que evadem da escola e não concluem os estudos em tempo hábil, gerando, assim, a parcela da sociedade formada por homens e mulheres, que num dado período da sua existência, após vários anos afastados da escola, por necessidade de ter qualificação e maior chance de acesso ao mercado de trabalho, recorrem aos cursos de EJA. No caso da nossa pesquisa, mais precisamente, os cursos PROEJA.

Dessa forma, devido à discrepância entre o número de vagas e a oferta para os cursos de PROEJA, se faz necessário o processo seletivo. Entretanto, quando se fala em seleção, necessariamente se faz presente à idéia de que alguns não terão acesso. Isso remete a uma série de indagações a respeito de como elaborar um processo seletivo justo. Isso se for possível não ser excludente quando se tem mais demanda que vagas. Que princípios serão focados? Que critérios serão utilizados? Como saber se o aluno se identifica com o curso, se está motivado e se os sujeitos escolhidos são os que realmente pertencem à parcela da população a quem o curso é destinado? Nesse contexto, a nossa pesquisa se justifica como um movimento de busca de respostas para essas indagações, a partir da experiência PROEJA, que vem sendo implementada no Campus de Sapucaia do Sul.

Realizada no período de maio de 2008 a janeiro de 2009, a referida investigação, teve como objeto de estudo a análise das duas formas de ingresso, implementadas nos diferentes processos seletivos, nas duas turmas de primeiro e segundo anos, que apresentam diferentes índices de evasão. Pretendeu-se verificar se houve relação entre reestruturação da forma de ingresso e os índices referentes à evasão e à permanência.

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Para tal, os procedimentos metodológicos selecionados tiveram o enfoque qualitativo e constituíram um estudo de caso. Para a coleta de dados realizou-se a análise dos processos seletivos e dos registros sobre evasão e permanência no curso; foram aplicados questionários e realizadas entrevistas com alunos que deixaram de freqüentar o curso. Tanto os questionários quanto as entrevistas tinham como finalidade complementar as informações contidas nos documentos, bem como, de nos aproximar do contexto socioeconômico e cultural dos sujeitos envolvidos, de forma a obter maior detalhamento dos dados, tendo em vista a maior probabilidade de coerência nos resultados e considerações finais.

Vale ressaltar que o universo entrevistado é composto por alunos das duas turmas que deixaram de freqüentar o curso e que são considerados evadidos e/ou matrícula cancelada, conforme a definição da Organização Didática vigente do IFET Sul-Rio-Grandense, para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio.

No cômputo dos dados e análise das respostas observou-se que o questionário aplicado aos freqüentes serviu mais para conhecer o perfil do alunado atual que para fornecer informações pertinentes à pesquisa proposta. Por outro lado, o que significativamente deu sustentação aos dados foi a análise documental dos registros4 e a análise das entrevistas com os evadidos, por amostragem.

Surgem, no entanto, alguns desafios, imprevistos, no âmbito investigativo, tais como: a dificuldade de reencontrar os alunos evadidos e/ou matrícula cancelada, alguns não moram mais na região; os registros na COREGIS - Coordenação de Registros Acadêmicos - estão sendo construídos a partir dos documentos que estamos solicitando para análise, pois ainda não há um registro estatístico dos índices, haja vista ser um curso ainda em implantação e, por último, o tempo decorrido entre a matrícula inicial da primeira turma e da última (segunda turma) pode se dizer que é incipiente.

Os alunos evadidos e/ou matrícula cancelada perfazem 18 (dezoito), num total de 75 (setenta e cinco) alunos das duas primeiras turmas: 1G 2007 e 1G 2008. Desses 18 alunos, 03 (três) foram entrevistados pessoalmente, com transcrição das falas; 06 (seis) foram contatados por telefone e forneceram relevantes informações sobre os motivos de sua não permanência no curso; os demais, não foram encontrados. Tomamos como base para a análise os depoimentos oriundos das entrevistas gravadas e transcritas. Em todo caso, consideramos os contatos por telefone de grande importância para o enriquecimento das discussões e análises dos resultados finais da pesquisa.

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Registro dos dois Editais de Ingresso do PROEJA, das Atas de Matrícula e das Atas de Chamada para as listas de suplentes.

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A partir disso, esta investigação pretendeu contribuir, de um lado, para o levantamento de dados e produção de indicadores de evasão e permanência do curso PROEJA no próprio Campus e, de outro, aceitar o desafio de ajudar a construir um referencial para o ensino técnico da atualidade, na modalidade de educação de jovens e adultos, o PROEJA. Além do mais, consideramos altamente significativo para os educadores que atuam nas turmas de PROEJA, participar desse esforço de reflexão sobre o processo político pedagógico destes cursos. Segundo Arroyo,

há décadas as camadas populares vêm pressionando o estado para entrar na escola. E entraram. Não na escola que durante anos serviu aos filhos das camadas dirigentes e dos proprietários, mas em uma rede escolar de segunda ou de terceira categoria. (...) A invasão da escola, pelo povo, sua expulsão precoce, seu péssimo aproveitamento alarmou alguns, incomodou a muitos. Ensaiaram-se experiências e propostas diversas de escola para o povo durante essas décadas (1986. p. 16).

Atualmente, o PROEJA surge como uma política pública – experimental - que se propõe romper, dentro do possível, com o caráter informal e aligeirado dos cursos de EJA. Esse processo reflexivo e investigatório, pelo viés da forma de acesso ao curso, tende a ampliar o campo de visão que temos em torno de processos seletivos vigentes para realizar com mais serenidade e equidade os ajustes necessários para essa entrada das classes populares nas escolas ditas de excelência - os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia - sem o caráter de um curso menor, mas equitativo.

1 Educação de Jovens e Adultos - Definição dos Sujeitos

O embrião da problemática dessa pesquisa encontra-se nas minhas experiências anteriores de professora de Educação básica. Durante minha trajetória, em duas ocasiões5, escolas públicas6 realizaram processos de entrada diferentes para alunos da 1ª série do ensino fundamental: sorteio, seleção por meio de prova e/ou “concessão de privilégios7”. Esta última formava duas das três turmas de 1ª série. A terceira turma era formada por crianças que se submetiam ao sorteio, as quais moravam em bairros afastados, eram filhos das classes

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Dois períodos da minha docência, em duas escolas, públicas. Ambas com políticas educacionais voltadas ao atendimento da elite, cujo fio condutor da proposta pedagógica era a aprovação do maior número possível de alunos no vestibular.

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Escolas públicas bem conceituadas, uma da rede federal e outra estadual conveniada com a diocese do estado.

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A garantia de entrada oferecida por uma das referidas escolas, para o preenchimento das vagas de duas das três turmas de primeira série, por alunos provenientes das escolas de educação infantil da rede particular de ensino que priorizavam a alfabetização do aluno na pré-escola.

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populares que freqüentaram a pré-escola da rede pública com uma abordagem pedagógica diferenciada8 e, em alguns casos, ainda não haviam fraquentado escola.

A política interna dessas escolas causou-me estranhamento e indignação, uma vez que as crianças que passavam nas provas e/ou entravam por concessão de privilégios eram oriundos da rede particular e filhos da camada social mais abastada. Justamente esses permaneciam, quase que na totalidade, até o final do Ensino Médio. Ao contrário, um número bem significativo de alunos das classes populares deixava de freqüentar por vários motivos: dificuldade de chegar no horário por morar em bairros distantes e seus pais não conseguirem pagar o deslocamento; baixo rendimento por infrequência e por ter de cuidar dos irmãos menores e/ou por excessivos afazeres domésticos no horário oposto as aulas; exclusão por sentirem-se discriminados pelos colegas e, por vezes, pelos professores que se identificavam com a política elitista da escola, colaborando grandemente para a formação da espessa camada de crianças e adolescentes que foram se perdendo ao longo da trajetória escolar e não conseguiram concluir a Educação Básica.

No entanto, a constatação, mesmo que de maneira empírica, de que os alunos ingressantes por sorteio apresentavam índice maior de infrequência e de evasão possibilitou-nos enxergar a outra face da política de ingresso das escolas. Para que grupo populacional se pensa a entrada por sorteio público? Por que as instituições federais de ensino não preenchem suas vagas por sorteio público? Certamente estaríamos provocando uma exacerbada discussão sobre a perversidade da histórica negação dos direitos desses filhos de trabalhadores, que sonham para seus filhos o que já lhes tinha sido negada e, exatamente por isso, não dispõem das condições necessárias para que os mesmos pudessem freqüentar e ter bom desempenho escolar no tempo adequado. Quem são esses sujeitos? Eles raramente conseguem usufruir do ensino público e gratuito em razão do empobrecimento que lhe é imposto pela conjuntura social e econômica e pelo processo de exclusão histórico ao qual são submetidos ao longo dos anos escolares. Este processo desemboca na evasão ou no “esfoliamento” daqueles que trabalham num horário e estudam em outro, ou se endividam para conseguir pagar uma faculdade particular.

Num esforço reflexivo de busca da definição de Educação de Jovens e Adultos e da definição dos sujeitos a quem se destina a EJA, visitamos os bastidores do processo de constituição da escola e sua relação com o trabalho ao longo do tempo, e os bastidores da educação popular de onde emerge a EJA. Pode-se começar perguntando sobre a origem da

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A organização curricular da pré-escola da rede pública dessa região compreendia a educação infantil como um tempo de socialização, amadurecimento afetivo e cognitivo e iniciação no mundo da leitura e da escrita, deixando assim a consolidação da alfabetização para as séries seguintes.

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escola do ponto de vista sociológico e histórico. Quando surgiu a primeira escola? Com que finalidade? A quem se destinava? Que princípios norteavam o projeto político pedagógico da mesma? E, o que isso tem a ver com a EJA?

Em busca de respostas para estas indagações, recorremos, mesmo que modestamente, à história da educação ocidental. Ao que nos parece, os primeiros esboços educacionais são dos gregos e datam de alguns séculos antes de Cristo. No entanto, o que aprendemos é que não podemos afirmar que a escola tenha tido início ou tenha passado por este ou aquele processo de evolução sem considerarmos o contexto histórico, as especificidades de cada sociedade e a descontinuidade dos processos educacionais, tanto no âmbito geral como particular.

Segundo Mariano F. Enguita, autor que discute a face oculta da escola, os primeiros sistemas escolares que surgiram no ocidente respondiam mais a fatores e fins políticos, religiosos e militares e pouco tinham a ver com a economia. Isto porque, até o início do processo de industrialização, as pessoas aprendiam a fazer seu trabalho fazendo.

A grande maioria, os camponeses, aprendiam sem necessidade sequer de sair da esfera doméstica, constituída por unidades econômicas quase auto-suficientes. E uma pequena minoria por caminhos um pouco maior, como os candidatos a artesãos, em seu périplo como aprendizes e oficiais, mas sem necessidade de recorrer a mecanismos alheios às próprias instituições produtivas, embora transcendessem a unidade doméstica de origem (1989.p.129).

Para o mesmo autor, nas sociedades primitivas não havia essa divisão que conhecemos hoje do trabalho. Antes do século XVI, não havia a necessidade de organização, cadência e sequenciação do tempo de trabalho. Era a chamada produção de subsistência, produção para satisfazer as necessidades limitadas, imediatas daquele grupo social. Para tal, não precisavam sair de seus territórios e nem buscar novos conhecimentos fora do ambiente familiar. A divisão do trabalho e do tempo se esgotava nas divisões de tarefas entre homens e mulheres. Os próprios trabalhadores deliberavam, com autonomia, sobre o que, como e quando produzir. Não havia uma divisão clara entre trabalho, ócio e atos sociais rituais. O mesmo espaço servia para o desenvolvimento da vida familiar, para as práticas de consumo e ócio e para as funções produtivas.

Por exemplo, na Roma antiga o jovem varão acompanhava o pai na terra, na guerra, no foro e as filhas acompanhavam a mãe nas tarefas domésticas. Dessa forma, a sede da aprendizagem para o trabalho era a família. A habilidade e os conhecimentos necessários eram adquiridos no próprio local de trabalho e a escola como concebemos não era oferecida.

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Outros sistemas escolares surgiram a partir das lutas religiosas, tais como a Reforma Protestante e a expansão do ensino dos jesuítas, com reconhecido poder doutrinador. Encontramos, também, as Escolas/trabalho ou Escolas/indústria na Inglaterra, França e Norte da Europa durante a Idade Média, que eram destinadas a livrar da ociosidade meninos e meninas órfãos ou filhos de pobres que eram inscritos pelo governo e, quando completavam quatro anos, eram levadas para a referida escola onde eram criadas, aprendiam um ofício e eram muito cobiçadas, pois eram absorvidas como mão de obra barata nas indústrias e manufatureiros.

Passamos também pelas famílias medievais inglesas em que as crianças, dos sete aos quatorze anos, eram enviadas a outra casa, com ou sem um contrato, para que longe dos laços afetivos familiares pudessem aprender boas maneiras, talvez frequentar a escola e aprender um ofício. Uma espécie de intercambio familiar. Havia também um interesse por parte de artesãos, os quais recebiam um grupo de aprendizes, em que o aprendiz era obrigado a servir fielmente ao mestre nas tarefas do ofício e na vida doméstica. E o mestre era obrigado a ensinar-lhe as técnicas do artesanato, alimenta-lo, vesti-lo, dar-lhe formação moral, religiosa e prepara-lo para ser um bom cidadão. Neste contexto, a sede da aprendizagem para o trabalho era outra família e a educação tem um caráter de socialização direta de uma geração para outra, sem a interferência da instituição escola e a criança-aprendiz aprende também, em loco, as relações de produção.

Certamente, as escolas antecederam o capitalismo e a indústria e continuam desenvolvendo-se apesar deles. Com o advento da industrialização e pós-industrialização os sistemas escolares passam a atender as necessidades do capitalismo, e não se pode negar que a partir de um dado momento do desenvolvimento do capitalismo, as necessidades deste, em termos de mão de obra, constituíram o fator mais poderoso a influir nas mudanças ocorridas no sistema escolar em seu conjunto e entre as quatro paredes da escola. Isso ocorre, segundo Enguita (1989), em primeiro lugar porque as grandes empresas capitalistas sempre exerceram grande influência sobre o poder político; em segundo lugar porque as iniciativas privadas se ajustam aos interesses capitalistas; em terceiro lugar porque os supostos benefícios da escola – visão de que a mesma constitui um caminho para o trabalho assalariado – tornam-se instrumentos para submissão às demandas das empresas; em quarto lugar porque as escolas eram campos de treinamento para as empresas; em quinto lugar, as empresas sempre apareceram na sociedade capitalista – exceto em alguns períodos de agitação social – como referência de legitimidade social e são vistas como instituições desejáveis ou inevitáveis, convertendo-se, assim, em um modelo a ser imitado pelas autoridades educacionais; por

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último, convém recordar, segundo o autor, que as escolas de hoje não são o resultado de uma evolução não conflitiva e baseada em consensos generalizados, mas o produto provisório de uma longa cadeia de conflitos ideológicos, organizativos e sociais.

Pelo que se percebe, o marco inicial dos sistemas educativos que nos foi possível citar apresenta a escola – instituição – sempre como instrumento a serviço ora da religião, ora da política, ora da economia, ao sabor das mudanças regimentais do trabalho e da produção. E os referidos sistemas não apresentam princípios norteadores e nem projetos educacionais cujo foco seja a formação do homem para a sua autonomia no mundo, porém, adotam como norte a preparação de crianças e jovens para constituir mão de obra assalariada, dócil, disposta e manejável. Nesse entendimento, não é difícil imaginar as conseqüências desastrosas desta relação pessoa/escola/trabalho/produção, nos moldes aqui expostos, e porque tanta gente não consegue estudar no tempo adequado.

Vale ressaltar que a escola de hoje, apesar da diversidade natural de cada instituição PÚBLICA ou PRIVADA e da oferta educacional disponível – educação básica, pré-vestibular, preparação para concurso, cursos técnicos de menor ou maior duração, graduação, pós-graduação – ainda variam de acordo com o poder econômico do aluno (a) e não perdeu a sua característica inicial de prestadoras de serviço aos interesses da classe dominante. Salvam-se algumas exceções.

Voltemos ao propósito inicial: definir a Educação de Jovens e Adultos e a quem se destina, agora pelo viés da educação popular de onde emerge a EJA, pelo veio da sociologia e pelo olhar de Piletti (1995), o qual nos instiga à reflexão quando diz que muitas definições foram dadas à educação popular no Brasil no decorrer da história, no entanto, ele a apresenta como a mais abrangente e como a concepção de educação que atende os interesses e aspirações do povo. Para compreensão dessa definição o autor apresenta quatro momentos ou aspectos importantes: a criação e o intercambio do saber antes da escola; a luta pela escola pública gratuita para todos; a Educação de Adultos para preencher as lacunas deixadas pela escola regular; os interesses populares na educação, abrangendo tanto a atividade escolar quanto processos educativos extra-escolares.

Primeiramente, segundo este mesmo autor, o saber e o conhecimento, tanto teórico quanto prático, nasceram antes da escola e como resultado do contato entre os seres humanos e a natureza. Há milhões de anos, nossos ancestrais já utilizavam instrumentos para medir as relações com a natureza, para caçar, para pescar, registrar a história por meio de desenhos nas pedras; já viviam em tribos, em aldeias, praticando a agricultura e o pastoreio. Nesse momento já viviam o regime de divisão social do trabalho. A partir daí, o próprio saber foi

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sendo apropriado, por diferentes grupos, de acordo com suas atividades e, por vezes, mantido em segredo, de tal forma que os saberes comuns foram sendo apropriados por alguns e passados de geração para geração, constituindo-se as relações de poder entre os que detêm o conhecimento e o povo. Muitos conhecimentos passam a ser segredos de estado entre os povos, como os curandeiros, magos, feiticeiros, artesãos, entre outros. Desse modo, começou a existir duas formas de saber: o erudito, dominante, privilégio de alguns e o saber popular, do consenso, comunitário, comum a todos. Isso antes da escola formal.

Mesmo com a instituição da escola, por muito tempo, o saber escolar manteve-se como privilégio de uma minoria: a nobreza e o clero, durante a Idade Média. E, a partir da Idade Moderna, com a ascensão da burguesia, a escola era apenas de quem podia pagar por isso. Com a Revolução Francesa cresceram as pressões populares exigindo escola pública e gratuita para todos. As classes populares então perceberam que só teriam acesso à educação básica – ler, escrever e contar – e ao conhecimento formal, se lutassem para legitimar o direito à escola pública gratuita e com garantia não só de acesso, mas de condições mínimas necessárias para permanecer na escola até o termino do tempo previsto para o curso.

Na medida em que a escola formal, pública e gratuita, ainda hoje, deixa de fora grande parte das crianças e/ou não cumpre o papel de atender a todos, nem de oferecer condições de permanência na escola, inúmeras pessoas chegam à idade adulta sem saber ler e escrever ou com pouca escolarização. Nesse contexto, apesar das muitas campanhas de alfabetização e escolarização de jovens e adultos no Brasil, ainda há um alto índice de analfabetismo e baixa escolaridade na população brasileira de classes populares.

Da luta pela escola pública e pelo atendimento dessa demanda reprimida emergem os interesses populares na educação, abrangendo tanto a atividade escolar quanto processos educativos extra-escolares, tais como: que haja escolas públicas e gratuitas para todos; que essa escola disponha de meios necessários – materiais, humanos e didáticos – independente de sua origem socioeconômica; que a escola se adapte aos sujeitos, de forma a encontrar meios de diminuir os índices de repetência e evasão; que a escola atue juntamente com a comunidade, permitindo a participação de todos – pais, líderes comunitários e alunos – no trabalho escolar. E, por último, que a escola respeite os valores culturais dos indivíduos, abra suas portas à manifestação desses valores e que o saber comunitário esteja presente na escola.

O diálogo com Piletti ajuda-nos a identificar quem são os sujeitos da EJA, ou seja, homens e mulheres que, historicamente, têm ficado à margem do processo educacional formal e que constituem a população adulta de analfabetos e/ou com pouca escolarização. Esses homens e mulheres aprenderam a reconhecer que têm direito ao acesso e a permanência na

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escola de forma plena e que, para isso, têm seus próprios interesses e expectativas em relação à educação escolar formal. Haja vista as intensas lutas do povo brasileiro ora representado pelos movimentos sociais organizados, ora pelos mais variados movimentos comunitários mobilizados pelo anseio por uma educação publica de qualidade para todos, nas cidades, no campo, nas florestas, nas margens dos rios. Isso significa dizer uma educação que equalize as diferenças, que valorize os saberes e o contexto dos sujeitos em seus territórios. Entenda-se território como um espaço de vida, ou como um tipo de espaço geográfico onde se realizam todas as dimensões da existência humana, conforme Fernandes (2006).

Seria incoerente dizermos que não houve avanços significativos no sentido do atendimento das reivindicações e da criação de políticas públicas para o atendimento das demandas. No entanto, as políticas educacionais propostas têm sido em descompasso com as necessidades da população mais pobre e desassistida. São pensadas numa perspectiva compensatória para a educação pública em geral e, além disso, aligeirada para a EJA. Isso fica claro quando se garante na legislação escola para todos de Ensino Fundamental, mas não são asseguradas as condições de permanência até o termino desse nível e apresenta-se redução da oferta de vagas para o Ensino Médio. Além disso, a proposta desse segundo nível tem apresentado, na grande maioria, um fim em si mesmo: o vestibular. Vestibular que a grande maioria da população nem vislumbra mais, pois financeiramente não vê possibilidade de cursar uma universidade privada e não tem esperança de entrar na universidade pública, com a agravante de que começam a trabalhar ainda na infância para contribuir com a renda familiar e não possuem condições de pagar um cursinho.

Nesse caso, a educação dos anseios populares não pode deixar de incluir no seu currículo a preparação para o trabalho em outra perspectiva que não unicamente a graduação. O que nos induz a pensar que a escola para todos ainda não está servindo para todos, ou melhor, não está atendendo aos interesses do povo e que, neste cenário, continuará por tempo indeterminado a produzir candidato(a)s para a EJA. Paralelo a essa constatação – apesar de na prática não serem tão visíveis os avanços no sentido de impedir a contínua formação dessa demanda educacional dos excluídos – e pelas constantes pressões populares, o país reconhece a real situação da educação e começa prever legalmente políticas para essas demandas.

2 Políticas atuais para a EJA

Entre outras concepções de política, a aristotélica enuncia que “política é essencialmente unida à moral, porque o fim último do estado é a virtude, isto é, a formação

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moral dos cidadãos e o conjunto dos meios necessários para isso9”. Nessa lógica, cabe ao Estado oferecer políticas públicas de atendimento à população: trabalho, saúde, lazer, saneamento, segurança que possibilitem uma vida digna e o acesso à educação de qualidade.

Modernamente a política aparece alinhada às relações de poder, desse modo, discutindo o poder social dos homens sobre os homens – poder econômico, ideológico e político – que define as relações hierárquicas nas esferas da sociedade. É nesse contexto ideológico que, grosso modo, as políticas públicas se constroem e se concretizam em Políticas de Estado, permanentes, legitimadas pelo estado, e, em políticas de governo transitórias, podendo ser descontinuada na administração seguinte.

No tocante a educação, em nosso caso à Educação de Jovens e Adultos, apesar da legislação que será exposta a seguir, é um exemplo de políticas públicas transitórias. É assim que a maioria das ações de EJA podem ser definidas como programas compensatórios, na tentativa de reparar a dívida social para com a população empobrecida e historicamente alijada do processo educacional.

No texto da LDB, Seção V, Artigo 37, que trata da Educação de Jovens e Adultos, escreve-se: “A Educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria”. Com isso define legalmente a quem deve ser destinada a EJA e inclui essa modalidade de ensino na legislação vigente. Soares (2005) considera ainda tímidas as iniciativas para atender satisfatoriamente as necessidades da educação de jovens e adultos no Brasil, e que Projetos e Programas são iniciativas limitadas para substituírem políticas de longa duração.

Nessa lógica, o parecer CEB 11/2000 que regulamenta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos inscreve a EJA no contexto educacional como a modalidade que apresenta três funções: reparadora, equalizadora e qualificadora.

A primeira função – Reparadora – diz respeito a divida social que o país tem com a população devido à histórica negação dos direitos de acesso e permanência na escola no tempo adequado. Ainda segundo Soares10,

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) representou uma dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais na escola ou fora dela, e tenham sido a força de trabalho na constituição de riquezas e na elevação de obras públicas. Ser privado desse acesso é de fato a perda de um

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Fonte: http://www.mundodosfilosofos.com.br/aristoteles2.htm

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Leôncio Soares - professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador (2005) do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos daquela universidade e redator da análise do parecer CEB 11/2000, que regulamente as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.

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instrumento imprescindível para uma presença significativa na vivência social contemporânea (2002, p.32).

A segunda função – Equalizadora – se propõe a garantir uma modalidade de ensino que proporcione maior igualdade de acesso e permanência à educação formal para os que ficaram fora desse processo ao longo dos anos.

Por último, a função Qualificadora se refere à função da EJA por excelência: educação permanente, que corresponde à necessidade de atualização e de aprendizagem contínuas, próprias da modernidade, e que diz respeito ao processo de “educação ao longo da vida”, conforme o Relatório da UNESCO para o século XXI.

Essa educação ao longo da vida busca promover a emancipação dos sujeitos a partir de si, do seu contexto, da sua cultura, dos seus saberes, das suas metas, no diálogo com a proposta educacional pensada para aquele coletivo, daquela realidade.

A Educação emancipadora, no entanto, não é tarefa apenas de professores. Ela se constitui em um processo coletivo que assume como norte, a reflexão acerca da necessidade e da possibilidade de a população oprimida despertar para as tarefas necessárias para a modificação da estrutura social vigente. A proposta de Educação Emancipadora engloba alunos, professores ou quaisquer outras pessoas que optem pela transformação social, que entendam a sociedade sob a perspectiva das tensões expressas pela desigualdade social. (Guzzo y Euzebios, 2005).

Na continuidade, segundo o Parecer CEB 11/2000, a reentrada no sistema escolar dos que tiveram uma interrupção forçada, seja pela repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência, deve ser saudada como uma reparação corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação. Para tanto, são necessárias mais vagas para estes "novos" alunos, demandantes de uma nova oportunidade de equalização. Nesse sentido, o grande desafio é pensar mecanismos que possibilitem a permanência dos mesmos nos cursos, com participação, responsabilidade e autonomia dentro do processo educativo.

Nesse sentido, o próprio Documento Base para o PROEJA, de Nível Médio e Técnico, menciona:

...as políticas de EJA não acompanham o avanço das políticas públicas educacionais que vêm alargando a oferta de matrículas para o ensino fundamental, universalizando o acesso a essa etapa de ensino ou, ainda, ampliando a oferta no ensino médio, no horizonte prescrito pela Carta Magna (2007, p. 9).

É fato que as políticas governamentais vêm sendo articuladas e pensadas para atender maior número possível dos homens e mulheres que estão à margem do processo

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educacional. No entanto, quando se pensa que, na prática, o direito ao ingresso não é garantia de permanência e de saída do aluno pela porta da frente da escola após a conclusão do curso, entende-se que algo está errado. Se todos têm direito ao acesso, por que tão poucos têm acesso e, menos ainda, conseguem permanecer até o término do curso?

3 Educação de Jovens e Adultos – A dialética da Evasão e Permanência e a EJA

Como já foi mencionado, a Educação de Jovens e Adultos atende a considerável parcela da população que, por vários motivos, não conseguiu estudar ou não concluiu os estudos no tempo adequado.

A EJA, em síntese, trabalha com sujeitos marginais ao sistema, com atributos sempre acentuados em consequência de alguns fatores adicionais como raça/etnia, cor, gênero, entre outros. Negros, quilombolas, mulheres, indígenas, camponeses, ribeirinhos, pescadores, jovens, idosos, subempregados, trabalhadores informais são emblemáticos representantes das múltiplas apartações que a sociedade brasileira, excludente, promove para grande parte da população desfavorecida economicamente, social e culturalmente (Documento Base, PROEJA, 2007, p.11.).

É justamente a partir dessa compreensão que queremos discutir a evasão e permanência, pelo viés da forma de ingresso do curso do PROEJA, do Campus do IFET Sul-Rio-Grandense, de Sapucaia do Sul. Sabe-se que os cursos PROEJA só adentraram as escolas federais tecnológicas, ditas escolas de excelência, por uma chamada do MEC e que as mesmas ofereceram bastante resistência para a implementação dos referidos cursos. Na prática não houve boa receptividade à proposta em grande parte das instituições11 e com algumas exceções, a implantação dos cursos se deu por imposição legal. Essa situação gerou, em muitos casos, conflitos internos e desafios de gestão que impulsionaram reflexões de valores e tomadas de posicionamentos que afloram princípios e concepções educacionais do corpo docente em relação à organização didática de um curso de tal especificidade.

No âmbito do Campus Sapucaia não foi diferente. Haja vista que o primeiro grupo que abraçou a implantação do curso era composto, quase que especificamente, por professores da formação geral e a participação na construção da proposta de curso se deu por adesão ou por identificação dos professores com as causas sociais e humanas. Isso, apesar de ser um curso Técnico em Processos Administrativos.

É importante lembrar que o fato de os Institutos Federais de Educação Tecnológica encamparem os cursos PROEJA não dirime o fato de que os candidatos a estes cursos se

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Informação a partir de relatos de professores de outras instituições, envolvidos com cursos PROEJA, em cursos, eventos e GTs.

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enquadram nos sujeitos da EJA apresentados pelo documento base. E isso requer um olhar específico, que enxergue as peculiaridades deste grupo e busque a inclusão no contexto de educação de excelência, de forma equânime e emancipadora.

A partir desta constatação, tencionamos analisar a evolução das duas primeiras turmas e discutir os resultados relacionados à evasão e à permanência. Comecemos conceituando denotativamente os dois vocábulos12: EVASÃO – ato ou efeito de evadir, fuga, escapada, pretexto; PERMANÊNCIA – ato de permanecer, constância, continuidade, firmeza. Muito simples pensar que o/a estudante, de qualquer nível ou idade, que se evade da escola deve estar fugindo das suas responsabilidades, escapando dos compromissos, utilizando pretextos para não vir para a aula. Por outro lado, os que permanecem tem constância, firmeza de propósitos e persistência.

Em primeira instância, esse entendimento pode ser real e esta pode ser uma boa explicação para algumas desistências dos alunos em todos os tempos e idades. Porém, se conceituarmos conotativamente os dois vocábulos – levando em consideração os contextos e especificidades de cada momento histórico, região, comunidade, escola, indivíduo – poderemos encontrar um vasto cabedal de significados para as mesmas palavras.

Continuando a reflexão, sabemos que a sociedade brasileira é, historicamente, marcada pela desigualdade social e pela exclusão histórica imposta pela relação de poder do homem sobre o próprio homem, em todas as esferas: social, econômica, política e ideológica. Relação esta que define quem manda e quem deve obedecer. Nessa lógica, detém o poder quem tem o dinheiro, quem tem o domínio do conhecimento e das idéias, e quem tem o poder político instituído. Outro tipo de exclusão consiste naquela imposta pelo próprio indivíduo a si mesmo, analfabeto ou com baixa escolaridade, talvez pela culpa que lhe é conferida ao longo da vida pelo próprio insucesso. O indivíduo se exclui dos espaços por acreditar que não é capaz ou por uma idéia equivocada a respeito da escola que permeia concepções de docentes e discentes. Nesse sentido, Bourdieu contribui com essa reflexão:

É provável por um efeito de inércia cultural que continuamos tomando o sistema escolar como um fator de mobilidade social, segundo a ideologia da “escola libertadora” , quando, ao contrário, tudo tende a mostrar que ele é um dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece à aparência de legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom social tratado como dom natural. (1999, p. 41).

Esse imaginário é observado ao longo das nossas experiências de professores e professoras que atuam na EJA em qualquer dos níveis. Percebemos que alguns estudantes buscam, por uma memória cultural internalizada, aquela escola da infância da qual eles foram

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excluídos. Esperam muito conteúdo, com professores rigorosos, punitivos, mas não raro entram em conflito, pois percebem que isso também contribuiu para que ficassem de fora do processo educativo anterior. E, em alguns casos, sentem dificuldade em se adequar às novas metodologias e acabam evadindo.

Magda Soares contribui com essa discussão no que se refere ao fracasso escolar da/na escola. A autora lembra que o discurso em favor da educação popular é antigo, precede a proclamação da República e perpassa a história da educação no Brasil. Salienta que a “igualdade de oportunidades educacionais” e “educação como um direito de todos” tornam-se, no Brasil, “lugares-comuns”, num repetido discurso em favor da democracia de ensino, que não foi interrompido nem mesmo durante os regimes autoritários, antiliberais e antidemocráticos dos períodos 1937-1945 e 1964-1985. Desse modo, ao longo do tempo, esse discurso ora toma a direção quantitativa, quando o foco se volta para a ampliação do número de vagas e do número de escolas para classes populares e para a obrigatoriedade e gratuidade do ensino elementar; ora se volta para a direção qualitativa do ensino, quando o foco se volta para a promoção de reformas educacionais, reformulação da organização escolar, introdução de novas metodologias e aperfeiçoamento de professores.

Para Soares, esse discurso oficial pela democratização da escola, em qualquer das direções quantitativa e qualitativa, procura responder a demanda popular por educação, por acesso à instrução e ao saber. Nesse sentido, a educação não é uma doação do Estado ao povo, mas sim o resultado de uma progressiva e lenta conquista das camadas populares em sua luta pela democratização da escola. Nessa luta, porém, o povo ainda não é vencedor, continua vencido, pois não há escola para todos.

No tocante ao fracasso escolar, o que se pode concluir de forma muito sintética é que, periodicamente, ocorre uma discussão nova em torno da culpabilização de alguém. E o foco da culpa recai sobre um ou outro segmento de acordo com o momento histórico: político, econômico e sociocultural da época. Ora o foco recai sobre o alunado, ora sobre a docência, ora sobre o sistema educacional em vigência, ora sobre a família. Essa prática de culpabilização não contribui efetivamente para reduzir a evasão em todos os níveis de ensino, em especial nas populações empobrecidas, em áreas de risco e/ou marginalizadas social e economicamente.

Nesse sentido, ampliamos a discussão a partir dos resultados apresentados, em 09 de julho de 2009, pela representante do Unicef no Brasil13 quando da divulgação do Relatório

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sobre o acesso de crianças e adolescentes à Educação no Brasil. O relatório mostra que o Brasil registrou avanços importantes nos últimos 15 anos, especialmente na ampliação do número de matrículas, e cerca de 27 milhões de estudantes estão nas salas de aula, o que corresponde a 97,6% das crianças entre 7 e 14 anos. No entanto, 680 mil brasileiros, 2,4% das crianças nessa faixa etária, ainda estão fora da escola.

... as desigualdades presentes na sociedade ainda têm um importante reflexo no ensino brasileiro. (...) os grupos mais vulneráveis da população que enfrentam dificuldades para ter acesso à educação e concluir os estudos. (...) As mais atingidas são [crianças] oriundas das populações vulneráveis como as negras, indígenas, quilombolas, pobres, sob risco de violência e exploração, e com deficiência. (...) A questão do direito a aprender não é só acesso, mas a permanência, a aprendizagem e a conclusão dos estudos na idade certa (Relatório da Unicef, 2009).

Dessas 680 mil crianças, 450 mil são negras e pardas e a maioria vive nas regiões norte e nordeste. O relatório destaca que a taxa de analfabetismo entre os jovens de 15 a 17 anos tem diminuído, mas ressalta o alto índice de reprovação, que acaba impactando na adequação idade-série. Ressalta também que apesar de passar em média 10 anos na escola, os estudantes brasileiros completam com sucesso pouco mais que sete séries. De acordo com o Censo Escolar de 2006, dos alunos matriculados na 1ª série, apenas 53,7 % concluíram o Ensino Fundamental e 50,9 % concluíram o Ensino Médio. O Unicef recomenda a ampliação da obrigatoriedade não só para o ensino fundamental (7 a 14 anos), mas também para o ensino infantil (4 a 5 anos) e ensino médio (15 aos 17 anos), como forma de garantir a todos o acesso à educação. Por outro lado, na prática o que se tem percebido é que apenas a garantia de acesso não assegura a permanência.

4 Forma de Ingresso e o Movimento de Evasão e de Permanência nas Turmas Pesquisadas

Apresentamos aqui o resultado referente ao estudo dos processos de ingresso das duas turmas do PROEJA, no Campus de Sapucaia do Sul, em 2007 e 2008, cujo objetivo é investigar em que medida a reestruturação da forma de ingresso contribuiu para a redução da evasão e para a permanência dos alunos na implantação do curso Técnico em Processos Administrativos do IFET Sul-Rio-Grandense, por meio de análise documental e entrevistas. A proposta é tentar avaliar o impacto dessa reestruturação pela análise dos gráficos das duas matrículas: inicial e no segundo ano letivo.

Utilizamos como referência para a definição dos conceitos de evasão e permanência a Resolução Nº. 021/2008 que normatiza a Organização Didática vigente do IFET Sul-Rio-Grandense para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio.

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Considera-se EVADIDO o aluno que se enquadrar em uma das seguintes condições: I - apresentar índice de frequência inferior a 50% (cinqüenta por cento) do total da carga horária do período e nota zero (0) ou conceito equivalente em todas as disciplinas na última etapa de avaliação; II - não efetuar a matrícula nos prazos definidos no calendário acadêmico (Título I, Capítulo X, DA EVASÃO, Artigo 25, p.11).

O CANCELAMENTO de matrícula é o ato pelo qual o aluno é desligado do CEFET/RS, de forma voluntária14 ou compulsória15, perdendo os direitos adquiridos no processo seletivo. Parágrafo único – O cancelamento de matrícula será efetivado pela Diretoria da Unidade (Título III, Capítulo V, DO CANCELAMENTO DE MATRÌCULA, p. 18).

O TRANCAMENTO de matrícula é o ato pelo qual o aluno interrompe, temporariamente, os estudos, com duração máxima de um ano letivo, somente pode ser solicitado no segundo ano e pode ser pedida a reabertura de matrícula segundo as normas estabelecidas (Título III, Capítulo IV, DO TRANCAMENTO DE MATRÍCULA, p. 17).

Seguindo a definição acima descrita, obtivemos junto a Coordenação de Registros Acadêmicos – COREGIS, por meio da análise dos Editais de Ingresso do PROEJA, das Atas de Matrícula e das Atas de Chamada para as listas de suplentes, os resultados a seguir.

Na turma 1G_2007, cuja forma de ingresso foi por sorteio público, com matrícula inicial de 35 (trinta e cinco) alunos, a qual realizou no segundo ano, em 2008, a matrícula de 20 (vinte) alunos, e desses, o trancamento de matrícula de 02 (dois), com registro de 15 (quinze) desistências considerando os casos de evasão e de cancelamento.

• Gráfico 1 - Evolução dos Alunos da Turma 1G_2007 para 2008 (Matrícula inicial 35 alunos)

Matrículas 2º Ano

20 Alunos 15 Alunos

Alunos Frequentes Evasão/cancelamento

• Fonte: Registro dos dois Editais de ingresso do PROEJA, das atas de Matrícula e das Atas de Chamada para lista de suplentes.

Para o ano seguinte houve a reestruturação da forma de ingresso e o aumento do número de vagas, justamente por causa da evasão elevada do primeiro ano. Desse modo, a turma 1G_2008, cujo Edital para ingresso passou a constituir-se de um processo seletivo com duas etapas. Na primeira, das inscrições, o candidato preencheu um questionário com seus

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Pode ocorrer em qualquer período letivo por solicitação do próprio aluno, quando maior de 18 anos ou pelo responsável quando menor.

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dados socioeconômicos e na segunda, por ocasião de palestra explicativa sobre o curso, aplicação de um questionário sobre o perfil do candidato e redação de uma questão discursiva sobre as expectativas do mesmo em relação ao curso. A turma 1G_2008, com matrícula inicial de 40 (quarenta) alunos, realizou no segundo ano, em 2009, a matrícula de 37 (trinta e sete) alunos, desses, o trancamento de matrícula de 01 (um), com registro de 03 (três) evadidos.

• Gráfico 2 - Evolução dos Alunos da Turma 1G_2008 para 2009 (Matrícula inicial 40 alunos)

Matrículas 2º Ano

37 Alunos

Alunos Frequentes Evasão/cancelamento 3 alunos

• Fonte: Registro dos dois Editais de ingresso do PROEJA, das atas de Matrícula e das Atas de Chamada para lista de suplentes.

Os referidos gráficos sintetizam os registros documentais relacionados à evasão e permanência nessas duas turmas, do mesmo nível, porém com condições de acesso e períodos letivos diferentes. Os mesmos são ainda incipientes por se tratar de uma experiência em fase de implantação com pouco tempo decorrido. Nota-se que a primeira turma, 1G_2007 (sorteio público), apresenta 42,9% (quarenta e dois vírgula nove por cento) e a segunda 1G_2008 (seletiva) apresenta 7,5% (sete vírgula cinco por cento) de baixa do 1º para o 2º ano letivo. Os dados percentuais registram um aumento significativamente maior da permanência na segunda turma.

Na análise discriminada dos dados documentais referentes à evasão e permanência por turma, na turma 1G_2007 percebe-se que além do expressivo número de evasão/cancelamento – 15 alunos num universo de 35 – o ingresso por Sorteio Público permitiu o preenchimento das vagas por um número também expressivo de candidatos equivocados quanto à proposta do curso ou sem motivação, os quais em alguns casos nem realizaram a matrícula e, ao serem procurados pela Instituição, abriram mão da vaga. Outros até foram matriculados mas se evadiram nos primeiros meses de aula. O reflexo disso aparece no depoimento de uma ex-aluna da turma 1G_2007, durante a entrevista, ao relatar sobre a motivação para a escolha do curso. “Não tinha nada pra fazer, vi o anúncio, disseram que a escola era boa e resolvi tentar. Então fui sorteada”. E ao relatar porque abandonou o curso diz: “Eu acho que eu não tenho talento. Não tenho capacidade, assim... E comecei a me analisar... E me exclui. Pensei em

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desistir, trancar... Vou parar....” (mulher, 28 anos) Essa aluna já possuía o Ensino Médio na ocasião da matrícula e fica claro que a mesma não estava motivada para o curso e seus objetivos eram inconsistentes e superficiais.

Voltando à análise documental, agora da turma 1G_2008 cujo ingresso foi por processo seletivo, constatamos um número reduzido de evasão – 03 alunos num universo de 40. Esse resultado pode ser atribuído à reestruturação do critério de seleção para o ingresso dessa turma, o qual possibilitou aos candidatos conhecerem com antecedência a matriz curricular do curso e à coordenação, valer-se de dados fornecidos pelo próprio aluno para, na medida do possível, preencher as vagas com os sujeitos o mais próximo do perfil de alunos aos quais se destina o PROEJA. A partir disso, entende-se que esse processo tende a contribuir para a permanência dos alunos desta turma, uma vez que os mesmos, ao apropriarem-se das informações, têm menor possibilidade de equivocarem-se a respeito da proposta do curso.

4. 1 Relação entre a forma de ingresso e a evasão dos estudante do curso PROEJA no IFET Sul-Rio-Grandense – Campus Sapucaia do Sul

Retomando, a nossa proposta foi a de investigar se há interferência do processo de ingresso do curso nesses dados, uma vez que, de um ano para outro, houve um movimento de reflexão por parte da equipe pedagógica e uma reestruturação do referido processo, que passou de sorteio para seletiva.

Como procedimento metodológico, além da análise documental, foi aplicado um questionário com trinta e quatro questões de cunho pessoal, profissional e socioeconômico em 100% dos alunos frequentes e por amostragem aos evadidos e matrícula cancelada. Este com a finalidade de complementar as informações contidas nos documentos e nos aproximar do contexto socioeconômico e cultural dos sujeitos envolvidos, tendo em vista a maior probabilidade de coerência nos resultados e considerações finais. Das trinta e quatro questões, três foram relacionadas à bolsa auxilio estudantil que os alunos das duas turmas passaram a receber a partir de agosto de 2008.

Na continuidade, com o mesmo fim, foram realizadas entrevistas com alunos evadidos das duas turmas. Para a aplicação desse instrumento, tomamos como referencia os dezoito alunos/as (15 da turma 1G_2007 e 03 da 1G_2008) evadidos/matrícula cancelada. Desses, conseguimos contato por telefone com nove alunos, pois alguns não residem mais no mesmo endereço, não possuem o mesmo telefone e outros nem moram mais na região. Dos nove, três foram entrevistados com gravação e transcrição das falas e seis foram entrevistados por telefone. Obviamente, tomamos como base para a análise os depoimentos oriundos das

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entrevistas gravadas e transcritas. Em todo caso, consideramos os contatos por telefone de grande importância para o enriquecimento das discussões finais da pesquisa.

Foram contatados sete mulheres e dois homens, com faixa etária entre 22 e 37 anos. No entanto, foi possível entrevistar com gravação e transcrição das falas um homem e duas mulheres.

- Homem - (turma 1G_2008 - seleção), casado, 37 anos, renda familiar de aproximadamente três salários mínimos, um filho, funcionário da firma que terceiriza o serviço de segurança do Campus de Sapucaia.

- Mulheres - A primeira entrevistada (turma 1G_2007 - sorteio), solteira, 28 anos, entrega panfletos na rua recebendo em torno de R$ 20,00 a R$ 30,00 por dia, não tem filhos. A segunda (1G_2008 - seleção), viúva, 25 anos, recepcionista, renda em torno de dois salários mínimos, mãe de dois filhos de 08 e 10 anos.

Os três entrevistados residentes em Sapucaia.

É bem verdade que, ao entrevistarmos os alunos, nos deparamos com falas que deixam transparecer alguns fatores que ultrapassam a esfera da organização didático-curricular de um curso e que vão além do processo seletivo, tais como os apresentados nos depoimentos a seguir, quando perguntamos por que deixaram de frequentar o curso:

1. Homem, 37 (1G_2008) - “Escolhi o curso porque precisava ter o 2º grau completo. Já tinha perdido oportunidades de progressão por não ter o Ensino Médio. Escolhi o curso porque é na escola onde trabalho como segurança... Não consegui conciliar o curso com um trabalho extra que consegui no mercado do meu sogro. Tenho 37 anos, não disponho de tanto tempo. Mas... tenho que pagar as contas... Por outro lado tava fazendo as provas do ENCCEJA, Nível Médio, e passei... perdi a vontade de continuar o curso... é muito tempo. Quando percebi que era técnico administrativo, me dei conta... isso eu já sei fazer... é muito tempo... eu preciso do diploma do E.M”.

2. Mulher, 28 (1G_2007) – “Tinha que ter mais... Como é que vou te dizer... Assim, buscar mais conhecimentos assim, sabe? Eu fui frequentando assim... Mas de repente eu vi que não era pra mim. Eu to enchendo linguiça, sabe? Sendo mais um. Não... Não quero ser mais um. (...) Eu acho que eu não tenho talento. Não tenho capacidade, assim... “Botei” assim... E comecei a me analisar, assim... E me exclui. Pensei em desistir, trancar...”

3. Mulher, 25 (1G_2008) - “Eu escolhi o curso porque eu queria fazer o segundo grau com técnico... Tive que desistir porque meu marido morreu. Tenho dois filhos, 10 e 8 anos, não posso deixar sozinhos à noite. Eu tentei continuar depois disso, mas não deu... Ele me levava e me ajudava com as crianças. Eu não precisava trabalhar fora. Ele morreu e eu tive

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que trabalhar. Acabei de concluir as provas do ENCCEJA. Estou fazendo um curso de um ano e meio, pago, técnico administrativo, para poder ser promovida.”

O primeiro depoimento apresenta como motivo da desistência uma situação muito comum nos alunos de EJA: a pessoa busca a escola por necessidade de qualificação e progressão funcional, no entanto já tem assumido várias responsabilidades e tem que priorizar algumas. Por esse motivo, busca um Ensino Médio mais aligeirado por não conseguir conciliar trabalho e estudo. Nesse caso o curso PROEJA não atende as necessidades imediatas de qualificação rápida e ele não dispõe de tempo para concluir o curso.

No segundo depoimento, a jovem possuía o Ensino Médio e entrou por sorteio “Não tinha nada pra fazer, vi o anúncio, disseram que a escola era boa e resolvi tentar. Então fui sorteada”. Além do mais, ela não possuía identificação com o curso muito menos motivação para continuar cursando.

No terceiro depoimento, a jovem viúva, ao contrário da anterior, tinha clareza em seus propósitos, metas definidas, escolheu o curso por ser técnico e em sua área de interesse, apesar da duração do mesmo – três anos. No entanto, fatores socioeconômicos e familiares fizeram com que ela fosse obrigada a abandonar o curso e buscar formas mais aligeiradas de qualificação, com a agravante de ter que recorrer a um curso pago, mesmo com a situação econômica fragilizada após a morte do marido.

Como já havia citado, alguns depoimentos feitos de maneira informal por telefone são também relevantes para a discussão.

Mulher, 32 (1G_2008) - “Escolhi o curso por ser de uma área de meu interesse... Queria muito continuar, mas tive que mudar de endereço porque compramos uma casa em outro bairro. Ficamos muito endividados e não tinha dinheiro para o transporte até a escola... nem para pagar alguém pra ficar com meus dois filhos pequenos. Estava e ainda estou desempregada. Tentei trancar a matrícula... Não consegui... pois só pode trancar no segundo ano. Por isso perdi a vaga.”

Esse depoimento traz a tona o impedimento legal da normatização didática que constituiu um entrave para a permanência desta aluna no curso, uma vez que o trancamento só é possível depois de um ano. Será que em se tratando de pessoas que não puderam estudar no tempo adequado e que são portadores de uma especificidade socioeconômica que dificulta ainda hoje a sua permanência na escola, não seria apropriado pensar uma legislação com critérios equânimes e com garantia de acesso e condições de prosseguimento dos estudos até o final do curso?

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No computo geral, ao analisar os dados, percebe-se que tanto na ocorrência de evasão, quanto de cancelamento e de trancamento de matrícula, o grupo pesquisado apresenta motivos da mesma natureza para a não permanência, tais como: impossibilidade em conciliar trabalho e estudo; falta de local adequado para deixar os filhos menores; mudança de endereço; sentimento de incapacidade para acompanhar o curso; dificuldades financeiras e de deslocamento; problemas de saúde – dois casos de depressão; necessidade de acelerar o processo de titulação e por isso migram para as provas da ENCCEJA16 e outros cursos técnicos em escolas particulares, visto que é um processo mais rápido.

No presente estudo, pudemos observar a significativa redução da evasão de alunos da turma 1G_2008 em relação à 1G_2007 e o consequente avanço na relação acesso-permanência. Neste processo seletivo de ingresso reestruturado, o candidato passa a ser mais sujeito da sua opção pelo curso, uma vez que, pelas informações recebidas e pela necessidade de redigir uma questão discursiva, elabora uma reflexão e se torna parte do processo, experimentando uma sensação de pertencimento ao curso. Isto, todavia, não impede que por problemas socioeconômicos e familiares, um ou outro estudante seja obrigado a desistir do curso, temporária ou permanentemente.

4.3 Trabalho Bem Remunerado e Política Pública de Qualidade Como Possíveis Soluções Para a Evasão.

Esse estudo nos possibilitou refletir sobre a disparidade entre a oferta de vagas, a demanda e a possível correlação entre a forma de ingresso, a evasão e a permanência nos cursos PROEJA. Refletir também sobre as funções da EJA trazidas pelo parecer CEB 11/2000 que regulamenta as Diretrizes Curriculares Nacionais para EJA. Comecemos pela Função Reparadora diz respeito à dívida social que o país tem com a população devido à histórica negação dos direitos de acesso e permanência na escola no tempo adequado. Como se paga uma dívida? Como se reparam séculos de alijamento dessa população que hoje procura a EJA?

O que se pode observar, nesse esforço de pesquisa e reflexão, é que os motivos que deixaram os meninos e meninas fora da escola no século passado continuam sendo os mesmos, reeditados e em outro cenário histórico. E, o fato de a EJA forjar uma oferta de reparação, na prática continua sendo para uma pequena parcela dos alijados e nem mesmo essa consegue permanecer na sua totalidade até o final do curso. As classes populares

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Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul - Exames Nacionais de Certificação de Competências da Educação de Jovens e Adultos

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continuam com os mesmos problemas que as deixaram de fora dos processos educativos formais na infância e as deixa ainda hoje na vida adulta – situação socioeconômica.

Na continuidade, a Função Equalizadora se propõe garantir uma modalidade de ensino que proporcione maior igualdade de acesso e permanência à educação formal para os que ficaram fora desse processo ao longo dos anos. O que entendemos por equalizar?

Equalizar17 significa uniformizar, igualar. Como podemos garantir igualdade de acesso e permanência para os que herdaram a condição socioeconômica dos que permanecem fora dos espaços educacionais, sociais e econômicos? Como garantir igualdade de acesso e permanência, num curso técnico com duração de três anos, para pais e mães de família que trabalham o dia todo e não dispõem ao final do dia de um local adequado para deixar os filhos menores enquanto frequentam o curso e nem de condições financeiras para pagar alguém?

Por mais que a reflexão sobre a equalização tenha avançado, essa ainda é uma equação a ser resolvida e certamente começa pela criação de políticas públicas sérias e comprometidas com a promoção do homem como protagonista de seu processo de formação e capacitação para o trabalho. Isso, por meio do trabalho bem remunerado, que lhe permita condições dignas de sustentabilidade familiar para começar a romper com o vergonhoso índice de evasão que ainda aparece no Censo Escolar de 2006 e que foi apresentado no Relatório da Unicef, 2009.

A última função, Qualificadora, que se refere à função da EJA por excelência, corresponde à necessidade de atualização e de aprendizagem contínuas ao longo da vida, já mencionado pelo Relatório da UNESCO para o século XXI. Ao que nos parece, nunca se buscou tanto qualificação e cursos de formação complementar, em espaços formais e não formais, como na modernidade.

Esses espaços de aprendizagem se multiplicam e as pessoas de todas as idades investem humana e financeiramente em cursos e cursinhos – pré-vestibulares e para concursos, oficinas, palestras, cursos de informática, de cabeleireira, de manicure, de saúde, entre outros – com o intuito de ampliar suas chances de acesso ao trabalho, de acesso à escolarização, de estabelecimento no mercado informal e de melhoria na qualidade de vida, sua e de sua família. Nesse processo de educação permanente, dinâmica e necessária para a sobrevivência na sociedade moderna, o PROEJA oferece um espaço formal, técnico, reconhecidamente de qualificação profissional para os que não estudaram no tempo adequado.

Nesse contexto, como professora das duas turmas, que foram os sujeitos deste estudo, tive a oportunidade de conversar sobre os motivos velados pelos quais procuraram um curso do PROEJA: “Preciso estudar para poder ajudar meus filhos; busquei o curso para poder ser

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