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Articulação de vozes na escrita do pesquisador em formação: análise de arranjos linguísticos na produção escrita acadêmica

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM DEPARTAMENTO DE LETRAS

MARIA APARECIDA DA SILVA MIRANDA

ARTICULAÇÃO DE VOZES NA ESCRITA DO PESQUISADOR EM FORMAÇÃO: análise de arranjos linguísticos na produção escrita acadêmica

Natal-RN 2019

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ARTICULAÇÃO DE VOZES NA ESCRITA DO PESQUISADOR EM FORMAÇÃO: análise de arranjos linguísticos na produção escrita acadêmica

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), para obtenção do título de doutora em Estudos da Linguagem, área de concentração Estudos em Linguística Teórica e Descritiva

Orientadora: Profa. Dra. Sulemi Fabiano Campos

Natal-RN 2019

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Miranda, Maria Aparecida da Silva.

Articulação de vozes na escrita do pesquisador em formação: análise de arranjos linguísticos na produção escrita acadêmica / Maria Aparecida da Silva Miranda. - Natal, 2019.

173f.: il.

Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem Departamento de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019.

Orientadora: Profa. Dra. Sulemi Fabiano Campos.

1. Escrita acadêmica - Tese. 2. Arranjos linguísticos - Tese. 3. Alusão - Tese. 4. Paráfrase - Tese. 5. Simulacro - Tese. I. Campos, Sulemi Fabiano. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'4

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -CCHLA

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ARTICULAÇÃO DE VOZES NA ESCRITA DO PESQUISADOR EM FORMAÇÃO: análise de arranjos linguísticos na produção escrita acadêmica

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), para obtenção do título de doutora em Estudos da Linguagem, área de concentração Estudos em Linguística Teórica e Descritiva

Orientadora: Profa. Dra. Sulemi Fabiano Campos

Aprovada em 18/ 07/2019

Banca examinadora

_____________________________________________________ Profa. Dra. Sulemi Fabiano Campos – UFRN

Presidente

_____________________________________________________ Profa. Dra. Ana Virgínia Lima da Silva Rocha – UFRN

Examinador Interno

_____________________________________________________ Profa. Dra. Maria da Penha Casado Alves – UFRN

Examinador Interno

_____________________________________________________ Profa. Dra. Mariana Aparecida de Oliveira Ribeiro – UFMA

Examinador Externo

_____________________________________________________ Prof. Dr. Thomas Massao Fairchild – UFPA

Examinador Externo Natal-RN

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Dedico este trabalho a minha orientadora, Profa. Dra. Sulemi Fabiano Campos, por sua sensibilidade como pessoa e como professora, sendo capaz de apostar no incerto, na mudança, na construção do aluno pesquisador, e por acreditar que o sujeito pesquisador está em formação e, como tal, é capaz de apreender, experienciar, reformular, transformar, criar e produzir sentidos, a partir das formas da língua, sobre o que antes lhe era totalmente obscuro.

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A DEUS, voz suprema de todos os ensinamentos, em quem busquei refúgio e forças durante esta longa jornada!;

a minha família, meu bem mais precioso;

a professora Sulemi Fabiano Campos, por sua orientação para a orquestração de vozes neste percurso de produção escrita acadêmico-científica;

à banca examinadora do processo de qualificação, composta pelos professores Dr. Thomas Massao Fairchild (UFPA), Emari de Andrade (Unitau) e Ernesto Sérgio Bertoldo (UFU), os quais, com suas críticas, bem fundamentadas, deram relevantes contribuições para o refinamento da proposta de análise para a construção desta tese,

aos amigos do Grupo de Estudo do Texto e do Discurso, os quais tenho a honra de ter como amigos que acolhem nos momentos de angústia, imanentes à formação do pesquisador, pelas discussões e ensinamentos, que muito contribuíram para que eu definisse com harmonia a orquestração de vozes desta pesquisa;

à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa de estudos que me foi concedida e pelo comprometimento com o desenvolvimento da pesquisa;

a meu querido esposo, Assis Miranda, pelo apoio e paciência, durante dias e noites em que me dediquei aos estudos;

a minhas filhas, Ana Brena e Ana Beatriz, por compreenderem minha ausência e pela certeza de tê-las sempre a meu lado, fortalecendo minha decisão de continuar a busca por novas conquistas, sem nunca fraquejar nem desistir de meu sonho;

a todos os meus familiares, em especial Bebel e Leni, pelo apoio que deles recebi nas horas em que mais precisei, ao longo destes anos de estudos;

à professora Edileusa, pela colaboração e, sobretudo, pela leitura criteriosa deste trabalho;

aos colegas de trabalho que me apoiaram colaborando nas tarefas do cotidiano, pois muitas vezes, precisei afastar-me um pouco para poder escrever; especialmente, aos diretores das instituições de ensino em que trabalho;

a todos os que não mencionei mas que, nesta importante caminhada, direta ou indiretamente, se fizerem presentes, contribuindo, pelos laços de amizade, para esta tese que ora vem à luz.

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Esta pesquisa tem como objeto de estudo arranjos linguísticos que engendram os discursos no processo de produção escrita do pesquisador em formação. Partindo da perspectiva de que a heterogeneidade é fundante em relação à escrita acadêmica, de modo que o escrever vai além da linguagem apreendida pelas palavras e observável na materialidade da língua –, elaborou-se a questão de pesquisa: de que modo elaborou-se constituem os processos de produção escrita acadêmica por meio de arranjos linguísticos vistos pela materialidade da língua? A hipótese é que a produção escrita acadêmica – um processo discursivo que se constitui por meio de arranjos linguísticos que engendram os discursos na escrita de dissertação de mestrado – pode ser observada: ora por meio de paráfrase, ora de alusão, ora de simulacro. A heterogeneidade, que é própria da língua, carrega marcas do outro na materialidade do texto que deixam flagrar o lugar de enunciação do pesquisador em formação. Nosso objetivo geral é investigar como arranjos linguísticos, articulados pelo pesquisador em formação, engendram as diferentes vozes no processo de produção escrita acadêmica. Os objetivos específicos são: a) analisar como o pesquisador em formação, por meio de paráfrase, articula as diferentes vozes no processo de produção escrita acadêmica; b) observar como o pesquisador em formação engendra as vozes na escrita por meio da alusão; c) investigar como se constitui o simulacro, efeito da articulação de vozes por meio da inserção do outro. Fundamentamo-nos em estudos enunciativos de Authier-Revuz (1990; 1998; 2004; 2011) sobre as formas heterogêneas de inserção do outro no discurso pelas formas de alusão e, paráfrase, de Fuchs (1985), e simulacro, de Baudrillard (1981). Tomamos como corpus duas dissertações de mestrado coletadas em programas de pós-graduação da área de Linguística do Portal de Domínio Público. Tratamos metodologicamente os arranjos linguísticos como indícios (GINZBURG, 1981) que deixam ver a articulação de vozes inscritas e categorizar os processos produção de escrita acadêmica. Os resultados confirmam a hipótese levantada e mostram que, pela materialidade da escrita, é possível observar diferentes arranjos linguísticos definidos a partir das formas de articulação do outro mobilizado pelo pesquisador em formação, na escrita de dissertação de mestrado.

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ABSTRACT

This research has as study object the linguistic arrangements that engender the discourses in the written production process of the researcher in formation. From the perspective that heterogeneity is fundamental in comparison to academic writing, so that writing goes beyond the language apprehended by words and observable in the language materiality, we elaborate the research question: how are the processes of academic written production constituted through linguistic arrangements seen by the language materiality? Our hypothesis is that academic writing production - a discursive process that is constituted through linguistic arrangements that engender discourses in master’s thesis writing - can be observed: sometimes through paraphrase, sometimes allusion, sometimes simulacrum. The heterogeneity, which is proper to language, carries marks of the other in the text materiality that allows the researcher's place of enunciation to be caught. Our general objective is to investigate how linguistic arrangements, articulated by the researcher in formation, engender the different voices in the process of academic written production. The specific objectives are: a) to analyze how the researcher in formation, through paraphrase, articulates the different voices in the process of academic written production; b) to verify to what extent the way the voices are articulated indicates specificities in the writing of the researcher in formation; c) to investigate how the simulacrum is constituted, the effect of the articulation of voices through the insertion of the other. We base ourselves on Authier-Revuz's (1990; 1998; 2004; 2011) enunciative studies on the heterogeneous forms of insertion of the other into discourse by the forms of allusion, and paraphrase by Fuchs (1985), and Baudrillard's (1981) simulacrum. We take as corpus, two master's thesis, collected in postgraduate programs in the Linguistics area ofthe Public Domain Portal. Methodologically we treat linguistic arrangements as evidence (GINZBURG, 1981) that allow us to see the articulation of inscribed voices and to categorize the processes of academic writing production. The results confirm the hypothesis raised and show that, due to the materiality of writing, it is possible to observe different linguistic arrangements defined from the articulation forms of the other mobilized by the researcher in formation, in the writing of a master's thesis.

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Cette recherche a pour objet d'étude les arrangements linguistiques, qui engendrent les discours dans le processus de production écrite du chercheur en formation. En supposant de la perspective que l'hétérogénéité est fondamentale par rapport à l'écriture académique, de sorte que l'écriture dépasse le langage saisi par les mots et observable dans la matérialité du langage, nous élaborons la question la questions de recherche : comment les processus de production écrite académique constitués à travers les arrangements linguistiques sont-ils vus par la matérialité du langage? Notre hypothèse est que la production écrite académique - un processus discursif constitué par des arrangements linguistiques qui engendrent les discours dans la dissertation du master - peut être observée : tantôt à travers de paraphrase, tantôt par allusion, tantôt par simulacre. L'hétérogénéité, caractéristique du langage, porte des marques de l'autre dans la matérialité du texte, ce qui permet de trouver le lieu d'énonciation du chercheur en formation. Notre objectif général est d'étudier la manière dont les arrangements linguistiques, articulés par le chercheur en formation, engendrent les différentes voix dans le processus de production écrite académique. Les objectifs spécifiques sont les suivants: a) analyser comment, à travers une paraphrase, le chercheur en formation articule les différentes voix dans le processus de production écrite académique; b) vérifier dans quelle mesure la manière dont les voix sont articulées indique des spécificités dans l'écriture du chercheur en formation; c) étudier comment se constitue le simulacre, l’effet de l’articulation des voix en insérant l'autre. Nous nous basons sur les études énonciatives d'Authier-Revuz (1990; 1998; 2004; 2011) sur les formes hétérogènes d'insertion de l'autre dans le discours par les formes d'allusion et paraphrase de Fuchs (1985) et le simulacre de Baudrillard (1981). Nous prenons comme corpus deux dissertations de Master rassemblés dans des programmes de troisième cycle du domaine linguistique du portail de domaine public. Les résultats confirment l'hypothèse posée et montrent que, du fait de la matérialité de l'écriture, il est possible d'observer différents arrangements linguistiques définis à partir des formes d'articulation de l'autre mobilisées par le chercheur en formation, lors de la rédaction d'une dissertation de Master.

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Quadro (1) – Formas da heterogeneidade ... 47

Quadro (2) – Representação da modalização autonímica ... 55

Quadro (3) – Categorização da modalização autonímica ... 55

Quadro (4) – Não coincidências do dizer ... 56

Quadro (5) – Concepções de paráfrase ... 61

Quadro (6) – Tipos de paráfrase ... 62

Quadro (7) – Paráfrase x efeitos ... 64

Quadro (8) – Definições de simulacro ... 70

Quadro (9) – Corpus da pesquisa ... 93

Quadro (10) – Dissertações selecionadas ... 96

Quadro (11) – Estrutura da dissertação D1 1999 ... 99

Quadro (12) – Estrutura da dissertação D2 2004 ... 100

Quadro (13) – Estratégias utilizadas pelo pesquisador na atividade parafrástica – D1 1999 ... 114

Quadro (14) – Segmento da D11999 e segmento do texto-fonte Bakhtin (1992) ... 119

Quadro (15) – Estratégias utilizadas pelo pesquisador na atividade parafrástica – D2 2004 ... 124

Quadro (16) – Indícios de alusão no discurso D2 2004 ... 137

Quadro (17) – Indícios da construção da voz do pesquisador na D2 2004 ... 150

Quadro (18) – Vozes orquestradas na escrita do pesquisador em formação... 154

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Figura 1 – Estratégias discursivas ... 53

Figura 2 – Índices de alusividade ... 59

Figura 3 – Arranjos linguísticos ... 66

Figura 4 – Estratégias de orquestração de vozes ... 72

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ABNT − Associação Brasileira de Normas Técnicas AD − Análise do Discurso

CAPES − Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CNPQ − Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CORPUS (números 1 e 2, indicam a ordem de aparição da dissertação) D − Dissertação (D1, D2)

DD − Discurso direto DI − Discurso indireto DR − Discurso relatado

DR – Discurso relatado/Discurso reportado EF – Ensino Fundamental

FD − Formação discursiva FT − Fundamentação teórica

FEUSP – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo GETED − Grupo de Estudos do Texto e do Discurso

IT – Ilha textual

FT – Fundamentação teórica

MDS – Modalização em discurso segundo NCD – Não coincidências do dizer

RDO – Representação do discurso outro

PPgEL– Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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APRESENTAÇÃO ... 14

SOBRE A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA ... 19

1.1 Experiência com as outras palavras ... 19

1.2 Experiência com o “outro”: o que dizem outras pesquisas ... 21

1.2.1 A experiência com a escrita no mestrado ... 26

1.2.2 Escrita acadêmica: a lida do pesquisador com a teoria ... 26

1.2.3 A experiência com o “novo”... 29

A PRODUÇÃO ESCRITA NA UNIVERSIDADE ... 33

2.1 A universidade e a produção escrita ... 35

2.2 A hegemonia e legitimidade na universidade ... 37

2.3 Escrita acadêmica: processos de produção escrita ... 39

3.1 Heterogeneidade e autorrepresentação do dizer ... 46

3.1.1 ALUSÃO: heterogeneidade mostrada ... 54

3.2 Da heterogeneidade própria do discurso à paráfrase ... 59

3.3 Delineando o sentido de simulacro ... 67

3.4 Semelhanças e dessemelhanças: paráfrase, alusão, simulacro ... 73

METODOLOGIA, DESCRIÇÃO DO CORPUS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE . 82 4.1 Dissertação de mestrado: processos de escrita ... 82

4.2 Olhar a escrita por uma lupa indiciária: a pesquisa qualitativa ... 85

4.3 Dissertações de mestrado: a constituição do corpus ... 90

4.4 Dissertação de mestrado: a descrição do corpus ... 92

4.4.1 O objeto de que falamos ... 95

4.5 Aproximando a lupa do dado: as categorias de análise ... 104

4.5.1 Explorando os indícios: no rastro dos dados ... 106

ARTICULAÇÃO DE VOZES NA ESCRITA DO PESQUISADOR EM FORMAÇÃO 108 5.1 PARÁFRASE: atividade de reformulação do dizer do outro ... 109

5.1.1 Estratégias de reformulação do dizer do outro ... 109

5.2 ALUSÃO: o outro exterior ao discurso ... 126

5.2.1 Estratégias que exigem um trabalho interpretativo da linguagem ... 127

5.3 SIMULACRO: a orquestração de vozes na escrita das dissertações ... 143

5.3.1 Simulacro da orquestração da voz do pesquisador implicada na escrita ... 145

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 166

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“Somos todos escritores. Só que uns escrevem, outros não." (José Saramago)

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APRESENTAÇÃO

Este trabalho de pesquisa analisa processos de produção escrita acadêmica de inserção da voz alheia mobilizada pelo pesquisador em formação. A produção de conhecimento é um processo discursivo dos discursos inscritos na história, visto pelas formas da língua. Reconhecemos o diálogo com o outro como princípio constitutivo do dizer, e a materialidade do texto como o espaço de observação da relação do sujeito com o outro. Sob esse viés de investigação, temos como objeto de estudo arranjos linguísticos da heterogeneidade discursiva que engendram os discursos na escrita de dissertação de mestrado.

Nosso interesse em estudar a escrita acadêmica do ponto de vista da heterogeneidade discursiva está relacionado à postulação de novos saberes. Emerge da constatação de que o processo de construção do texto é composto pelo dizer de outros autores; consequentemente é possível observar, pelas formas da língua, o modo de articulação de vozes dos discursos já produzidos.

A discussão não deveria causar espanto, mesmo porque é de costume que, na escrita acadêmica, haja retomada teórica de conceitos da área com a qual se trabalha. Fato é que a produção de textos acadêmicos, nos mais diferentes níveis e estilos, está associada ao modo como o sujeito que escreve se posiciona em relação aos autores lidos, articula o dizer do outro e o textualiza na escrita. Contudo não pretendemos criticar tal prática, mas discutir sobre o fato de que, no interior do que se denomina referencial teórico, há estratégias próprias do dizer do pesquisador que o singularizam.

Para escrever, o pesquisador se utiliza de arranjos linguísticos para articular as diferentes vozes que atravessam o próprio dizer e o dizer do outro, visto haver modos de assumir a tensão própria da linguagem escrita. Efetivamente, não há como escrever um texto resultante de uma pesquisa sem que o dizer não esteja atravessado pelo outro, prática que se realiza pela experiência do sujeito com a linguagem acadêmica.

Escrever, na universidade, não é somente, nem prioritariamente, uma questão de seguir regras ou obedecer a normas. Encontrar formas de dizer e articular as vozes na escritura do texto faz parte das regras do ritual de escrita acadêmica para ser visto como membro legitimado da cultura acadêmica.

A discussão sobre arranjos linguísticos de articulação de vozes materializados na escrita de dissertação de mestrado contribui para nossa reflexão sobre a produção escrita acadêmica, pois entendemos que há neles algumas características que lhes são próprias. O

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interesse pelas formas da língua – as modalizações do dizer, as estratégias que articulam e reverberam as vozes citadas –, por serem processos constitutivos da escrita acadêmica.

Tomada como produção de conhecimento os modos de dizer do pesquisador na escrita acadêmica pode ser investigada se forem examinadas, na materialidade textual, as estratégias linguísticas que indiciam as escolhas feitas por ele na construção do objeto de pesquisa, para que, em consequência disso, se possa dizer algo sobre essa tensa relação do sujeito com a teoria. Nesse sentido, trabalhar a escrita para construir o objeto de pesquisa tem efeitos estruturantes sobre o que é dizível ou indizível, considerando-se o modo heterogêneo da linguagem de adentrar o espaço do outro.

Sendo o diálogo constitutivo do discurso acadêmico, interessa-nos entender como o ritual de escrita se estrutura pela articulação das vozes mobilizadas pelo pesquisador em formação. Tal questão envolve a análise da reformulação do discurso outro, visto por meio do encadeamento discursivo, que diz respeito aos procedimentos linguísticos por meio dos quais se estabelecem, entre segmentos do texto e parágrafos, diversas relações semânticas e/ou pragmáticas. Esse encadeamento pode fazer com que o texto tenha uma progressão harmoniosa, por conferir forma ao trabalho com e sobre a linguagem, no sentido de que sempre sob as próprias palavras, outras palavras são ditas (AUTHIER-REVUZ, 2004).

As formas do discurso relatado, as modalizações, os conectores interfrásticos, os recursos tipográficos, entre outros, assumem o papel de fazer o encadeamento discursivo, estabelecendo, entre orações ou partes do texto, diversos tipos de relações que dão sentido a este.

Em consonância com pesquisas que tratam da escrita produzida na universidade, podemos dizer que há cobranças a essa instituição, as quais, na maior parte das vezes, dizem respeito à falta de domínio dos alunos quanto às regras gramaticais bem como às formas de articular o outro no discurso. Nesse sentido, a qualidade das produções textuais tem sido alvo de críticas no que se refere à habilidade de escrever do pesquisador. Contudo a preocupação não é com a escrita em si, mas com o modo como o sujeito lida com os conceitos teóricos na escrita, suscitando indagações que impulsionam os estudos sobre a escrita acadêmica.

Partindo da perspectiva de que todo discurso dialoga como seu outro, de que todo discurso se faz em meio ao já dito e, como tal carrega marcas do outro, observáveis na materialidade da língua, diretamente ligada ao exercício de escrita, elaboramos nossa questão de pesquisa: de que modo se constituem os processos de produção escrita acadêmica por meio de arranjos linguísticos vistos pelas formas da língua? Essa questão pode ser desmembrada em outras mais específicas: como, por meio de paráfrase, o pesquisador em formação articula

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as vozes no processo de produção escrita acadêmica? como o pesquisador engendra as vozes na escrita por meio da alusão? como se constitui o simulacro efeito da articulação de vozes no processo de escrita de dissertação de mestrado? o que mostram os arranjos linguísticos sobre o processo de produção de escrita do pesquisador em formação?

A hipótese é que a produção escrita acadêmica, um processo discursivo que se constitui por meio de arranjos linguísticos que engendram os discursos – no nosso caso, na escrita de dissertação de mestrado – pode ser observada por meio ora de paráfrase, ora de alusão, ora de simulacro. A heterogeneidade é própria da língua e, como tal, carrega marcas do outro na materialidade do texto que deixam flagrar o lugar de enunciação do pesquisador em formação.

O objetivo geral é investigar, a partir do levantamento e da análise de operações linguísticas observáveis na materialidade escrita de dissertações de mestrado, como arranjos linguísticos engendram as diferentes vozes no processo de produção escrita acadêmica.

A partir desse objetivo maior, propomos três objetivos específicos: 1) analisar como, o pesquisador em formação, por meio de paráfrase, articula as vozes no processo de produção escrita acadêmica; 2) observar como o pesquisador em formação engendra as vozes na escrita por meio da alusão; 3) investigar como se constitui o simulacro, efeito da articulação de vozes, por meio da inserção do outro na escrita de dissertação de mestrado.

Esta pesquisa ancora-se principalmente na Análise do Discurso de linha francesa, principalmente nos estudos sobre heterogeneidade discursiva de Authier-Revuz (1998; 2004; 2007; 2011). Tais estudos trazem uma grande contribuição, ao apontarem, na materialidade da língua, as operações que o sujeito (o pesquisador) na lida com as palavras do outro e na escolha por uma ou outra palavra, realiza, fazendo emergir a heterogeneidade do dizer. Ainda sobre estudos que mostram formas de articular vozes alheias, citamos a paráfrase de Fuchs (1985), como atividade de reformulação que resulta da interação entre os sujeitos da enunciação. No que diz respeito ao simulacro da orquestração de vozes e os sentidos que emergem dessa operação, sentimos necessidade de fazer associações entre o conceito de simulacro, de Baudrillard (1981), e o de heterogeneidade mostrada, de Authier-Revuz (2004), por entendermos que as representações discursivas são construídas pelo sujeito (o pesquisador) na relação com o outro, num conjunto de ações que se materializam na escrita pelas formas da língua.

Tratamos metodologicamente, as operações linguístico-discursivas que envolvem os arranjos linguísticos como indícios, apoiamo-nos no paradigma indiciário de Ginzburg (1989), modelo epistemológico que se volta para a análise das marcas deixadas no texto,

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tornando possível examinar os pormenores (indícios) e, a partir deles, desvelar uma série de eventos. Nesse tipo de trabalho, o pesquisador é percebido como “caçador” em busca de pistas para localizar sua presa (aqui entendidas como análogas às marcas do outro na escrita). O paradigma indiciário pode ser considerado um tipo específico de pesquisa qualitativa. Nesse sentido, colocamos como desafio para esta pesquisa o inventário de arranjos linguísticos mobilizados pelo pesquisador em formação ao articular a teoria e o objeto de estudo, na tessitura da pesquisa.

Sinalizando o que pretendemos estudar, passamos a uma apresentação do modo como esta tese está organizada, de forma que fique mais evidente a discussão que aponta como se constituem os processos de produção escrita acadêmica, vistos por meio de arranjos linguísticos.

No primeiro capítulo, iniciamos a discussão a partir da reflexão sobre experiência com a escrita na universidade, estabelecendo uma relação com a nossa própria experiência primeira, com a experiência do outro e com esta nova experiência. Para isso, retomamos algumas pesquisas realizadas por integrantes do GETED que tomam a escrita acadêmica como objeto de estudo, apoiando-nos em estudos de Larrosa (2004) sobre experiência. Ainda neste capítulo, fazemos aproximações teóricas para sustentar a discussão sobre os processos de produção de escrita acadêmica a partir da reflexão teórica proposta por Deleuze (1989), Barthes (2004) e Barzotto (2011), para falar sobre o ato de criação associando-o ao processo de produção escrita acadêmica.

No segundo capítulo, apresentamos um breve percurso sobre a crise de hegemonia e de legitimidade da universidade, apoiando-se nos estudos de Santos (1999) e Chauí (1999, 2001).

No terceiro capítulo, apresentamos perspectivas teóricas desta pesquisa, que, como já dissemos, se ancora na Análise do Discurso de linha francesa, principalmente nos estudos concernentes à enunciação. De forma mais específica, os conceitos basilares da pesquisa, a partir dos quais se darão as análises, são os de heterogeneidade discursiva, especificamente a alusão, de Authier-Revuz, (1990; 1998; 2004; 2007; 2011), o de paráfrase, proposto por Fuchs (1985), e o de simulacro, por Baudrillard (1981).

O quarto capítulo é dedicado à descrição do corpus e da metodologia que desenvolvemos como instrumento de investigação, de acordo com os propósitos da pesquisa.

No quinto capítulo, analisamos os dados, visando observar como os pesquisadores em formação, por meio de arranjos linguísticos, engendram as diferentes vozes na escrita de dissertações. Esse trabalho se dará a partir da análise das formas da língua de inserção das

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vozes na materialidade escrita da pesquisa – nome do(s) autor(es), ano de referência bibliográfica, paginação e marcadores tipográficos –, para compreendermos como as vozes alheias são inseridas no texto, indicia em certa medida, processos de produção escrita acadêmica.

O ponto central deste trabalho consiste em discutir os processos de produção escrita acadêmica, vistos por meio de arranjos linguísticos como produção de conhecimento na universidade. Antes de tudo, é preciso admitir: que a escrita acadêmica é múltipla, porque é calcada pela presença do outro; que há regras que precisam ser respeitadas, como formas de inserção do outro na escrita; e que isso pode ser inventariado linguisticamente.

As considerações finais sobre a análise realizada no curso da investigação ressaltam algumas reflexões sobre os processos de produção escrita acadêmica.

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SOBRE A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

Este capítulo tem como objetivo delinear alguns aspectos para a contextualização do

corpus da pesquisa a partir de um diálogo construído com base no conceito de experiência,

aqui entendida como a experiência com o outro e nossa experiência, as quais têm em comum a investigação sobre a escrita acadêmica.

A experiência acadêmica, como exercício de alteridade, abre a possibilidade de se produzir e divulgar conhecimento a partir da investigação. Porém a questão que se coloca é como narrar acontecimentos de forma a explicitar o modo de constituição escrita. Não se trata, pois, de escrever sobre o tema “experiência”, mas de expor experiências com pesquisa na universidade com o objetivo de pensar sobre os modos de se mobilizar um conhecimento (teoria) na escrita de uma pesquisa a partir da análise das formas de articulação de vozes no trabalho de escrita de pesquisadores da área de Letras.

Para o alcance desse objetivo, este capítulo está organizado em três partes: a primeira volta-se para nossa experiência com a escrita no mestrado; a segunda trata da experiência com pesquisas desenvolvidas por pesquisadores que tomam a escrita acadêmica como objeto de investigação vinculado ao Grupo de Pesquisa em Estudo do Texto e do Discurso (GETED-UFRN); e a terceira volta-se para experiência com a pesquisa de modo geral.

1.1 Experiência com as outras palavras

Na universidade, o aprendizado da escrita é um processo de construção dialógica que carece de uma experiência com e por meio da escrita e da leitura, construída pelo gesto do pesquisador que se põe a pesquisar algo que resulta de uma inquietação. A compreensão que o sujeito tem de si se constitui através do olhar e da palavra do outro. É pelo olhar e pela palavra que, na constituição do discurso, conferimos sentido a nossa experiência de estar no mundo, sentindo que este é atravessado por valores que fazem parte da cultura em relação aos quais somos interpelados. Ao observarmos as interações sociais e os enunciados que emergem na vida cotidiana, constatamos a necessidade absoluta do outro. Isso significa que a experiência é sempre subjetiva e, para que ela se singularize, necessita ser vivida por um sujeito disponível, por isso exposto a transformação.

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Para Larrosa (2004), a experiência advém da experiência, e esta gera outra experiência, que afeta o sujeito, fazendo-o produzir sentidos a partir da interpretação daquilo que o atravessa e o constitui como sujeito pesquisador. O autor chama essas dimensões de princípios da experiência: princípio de exterioridade, alteridade e alienação; princípio de reflexividade, subjetividade e transformação, e princípio de passagem e paixão. Dessa experiência, é preciso contar o que nos passa, narrar o que nos acontece, escrever sobre o que nos toca na universidade.

Nesse contexto, o pesquisador não apenas pergunta, para obter respostas que atendam aos objetivos definidos de antemão, mas, ao perguntar, também responde e se posiciona como um sujeito que, do lugar de pesquisador, traz perspectivas e valores diversos sobre as experiências compartilhadas com os sujeitos da pesquisa. Contudo, a pesquisa não se esgota no encontro entre o pesquisador e seu outro. É necessário dar forma e conteúdo ao acontecimento vivido no campo da pesquisa, e é nesse momento que o texto escrito entra em cena e consolida os processos de materialização dos conceitos mobilizados, pelas formas da língua no campo de sua pesquisa.

Pesquisar é movimentar-se na linguagem e com ela construir respostas às próprias inquietações. De acordo com Larrosa (2004), quando se constroem respostas e interpretações com as palavras, não se está somente nomeando as coisas, mas também dando sentido àquilo que é sentido e visto na relação com o outro. Porém ocorre que, no contexto atual, a universidade vem perdendo essa característica secular de instituição social e tornando-se uma entidade administrativa. Assim sendo, deve atuar segundo um conjunto de regras e normas desprovidas de conteúdos particulares, formalmente aplicadas a toda e qualquer manifestação social.

A experiência com a pesquisa motiva o interesse em ampliar as discussões sobre os percalços que o pesquisador precisa enfrentar para entrar na ordem discursiva, para dominar as regras da cultura de escrita acadêmica e, a partir desse lugar, produzir algo de seu daquilo que assina como produção de conhecimento científico. A discussão abre espaços para um campo vasto de reflexões a partir dos resultados da pesquisa que desenvolvemos no mestrado (MIRANDA, 2013).

Na pesquisa de mestrado, tomamos por base estudos que abordavam os diferentes modos de o pesquisador relaciona-se com a teoria na escrita de uma pesquisa. Observamos que, para além dos problemas de escrita, muitas pesquisas produzidas na atualidade versam sobre essa questão e se preocupam com implicações provenientes da imobilidade dos alunos frente aos desafios da escrita, seja os da educação básica, seja os que estão na universidade.

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Apesar disso, são poucas as pesquisas que se dispõem a focalizar os meandros do ato de escrever.

No discurso acadêmico, o sujeito mobiliza diferentes formas e maneiras de dizer e de lidar com palavras alheias e, de modo singular, produz efeitos de sentido, em seu texto, como um gesto da experiência. A experiência toca e faz o sujeito sentir, no corpo, as implicações de seu envolvimento com a própria produção. A escrita possibilita, dessa forma, a constituição dessa experiência por meio das palavras do outro, que passam a ser palavras próprias, pois estão deslocadas, refeitas ou repensadas no/pelo trabalho de interpretação do sujeito. A experiência é essencial para a ciência: rompe com as opiniões, com o imediatismo, com a ordem do real e busca a objetividade e a universalidade. A experiência faz parte da constituição da ciência e de sua diferenciação em relação aos demais saberes, ao cotidiano e ao senso comum. Consideramos, ainda, que todo discurso, por se produzir em meio ao já dito é habitado por outros discursos. Significa dizer que a experiência se constrói entre múltiplas formações discursivas, que se relacionam de modo conflituoso, num embate de sentidos em torno da orquestração de vozes no interior de cada uma dessas formações discursivas.

É importante dizer, ainda, que a experiência advém do exterior, daquilo que é vivido e que nos constitui pesquisadores. A experiência é a passagem da existência, a passagem de um ser que não tem essência ou razão ou fundamento, mas que simplesmente “existe” de uma forma sempre singular, finita, imanente, contingente.

1.2 Experiência com o “outro”: o que dizem outras pesquisas

Para falar da experiência com o outro, voltamos o olhar para a universidade, agora a partir de estudos de pesquisadores que se propuseram discutir os modos de constituição de escrita. Para isso, selecionamos três pesquisas, que foram desenvolvidas para ampliar a discussão sobre aspectos relacionados à escrita acadêmica como produção de conhecimento.

Nos últimos anos, no Brasil, muitos estudiosos vêm demonstrando preocupação no que concerne à produção de conhecimento no meio acadêmico. Discussões dessa natureza têm sido feitas por pesquisadores que integram o grupo de Pesquisa em Estudos do Texto e do Discurso (GETED-UFRN)1, no qual esta pesquisa também está inserida. Alguns dos

1 O Grupo de Estudos do Texto e do Discurso (GETED) surgiu em 2010, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Seus pesquisadores visam aos estudos e às pesquisas que permeiam o ensino e a aprendizagem da escrita em ambiente escolar/acadêmico. O GETED é coordenado pela professora Dr.ª Sulemi Fabiano Campos (UFRN).

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resultados desse processo investigativo serão tomados como caminhos para ajudar na discursividade aqui empreendida.

Iniciamos a discussão com os estudos de Fabiano-Campos, que há mais de uma década se volta para a escrita de textos acadêmicos, analisando diferentes textos produzidos por alunos de diversas instituições de ensino superior do país. Em sua pesquisa do doutorado (FABIANO-CAMPOS, 2007), intitulada A prática da pesquisa como sustentação da

apropriação do conhecimento na graduação em Letras, a autora analisou a incorporação do

discurso do “outro” na escrita de alunos de graduação em Letras, e concluiu que a prática constante da pesquisa, durante a graduação, sustenta a apropriação dos conceitos de área e que

a universidade forma alunos que não conseguem apreender o conhecimento e abordá-lo nos textos produzidos de forma a sustentar sua escrita a partir de um campo teórico definido

(FABIANO-CAMPOS, 2007, p.13).

Com base nas constatações de Fabiano-Campos (2007, 2011), não parece descabido dizer que a qualidade das produções acadêmicas, ainda hoje, padece de males reincidentes: os alunos não conseguem fundamentar teoricamente seus textos e atêm-se a repetir conceitos de teorias já consolidadas na comunidade científica, sem imprimir neles sua marca autoral.

Os estudos desenvolvidos por Fabiano-Campos motivaram pesquisadores como Vieira (2013) e Bernardes (2017), entre outros integrantes do GETED-UFRN, a abordarem a escrita acadêmica como objeto de estudo. Suas pesquisas foram produzidas a partir dos estudos promovidos por esse grupo, nessa linha de investigação. Tem-se como exemplo a de Vieira (2013), intitulada A escrita do texto acadêmico na graduação: modos de utilização de

conceitos teóricos de uma área de conhecimento2, cujo objetivo foi verificar os efeitos de sentido criados na escrita, a partir das formas de marcação de outros discursos. O corpus da pesquisa foi constituído por textos acadêmicos de alunos do curso de Letras, especificamente o texto monográfico. Os resultados revelaram que a escrita caracterizada pela repetição e reprodução pode desenvolver um efeito de sentido portador da ideia de promoção (as marcações do outro na escrita acadêmica podem funcionar de modo a destacar aquilo que outro afirma em detrimento do dizer de quem escreve), ou seja, do enaltecimento de um autor, um conceito ou uma teoria.

Ainda segundo Vieira (2013), as produções escritas analisadas assinalam a possível ausência de intimidade de seus autores com a pesquisa, visto que, em seus textos, predominam a reprodução de conceitos teóricos de um autor reconhecido na comunidade

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científica e a aceitação da ideia de que o texto funciona como forma de demarcar a filiação teórica de quem escreve. Assim como Vieira, Bernardes (2017) apresenta resultados inquietantes ao dedicar-se, de modo singular, ao estudo da leitura, da escrita e da relação do sujeito com o conhecimento em textos produzidos na universidade.

Do ponto de vista dos procedimentos, a escrita acadêmica se prende às propriedades da lógica formal, tomada como modelo aplicável a qualquer construção científica. Acerca disso, esses estudiosos que se preocupam com a produção de conhecimento e a elaboração desses conhecimentos por intermédio da produção escrita apontam limites em relação aos modos de conciliar a ida ao outro, o estar diante das regras da cultura e o lugar próprio.

Em sua pesquisa, Bernardes (2017) procurou, em produções universitárias, algumas marcas que pudessem ser tomadas como indícios do trabalho do pesquisador na tentativa de dizer algo de si, mesmo atravessado pelo outro, de forma que se mostrasse implicado em sua escrita. A pesquisadora salienta que, em relação ao modo de lidar com as diferentes vozes no texto, há, na linguagem, um aparente controle do sujeito (enunciador) sobre um enunciado, que deixa marcas de sua enunciação, determinada pelas formas de negociação de vozes no texto. Foi por esses fatores que tomamos a pesquisa de Bernardes para levantar algumas questões como possibilidades de reflexão sobre as formas de lidar com as vozes alheias na escrita de textos produzidos na universidade.

Referindo-se especificamente às formas de negociação de vozes na escrita acadêmica, Bernardes (2017), em sua tese – Formas linguísticas no processo da escrita dos

pesquisadores em dissertação de Mestrado: Negociação de Vozes3 -, analisa dissertações de

mestrado defendidas em programas de pós-graduação em Letras de universidades federais brasileiras, coletadas no Portal de Periódicos da Capes.

Nesse trabalho, o objetivo principal foi analisar o uso das formas linguísticas que inscrevem o outro na linearidade do discurso, focalizando as estratégias mobilizadas pelo pesquisador (autor da dissertação) na negociação com o discurso do outro em seu dizer, no texto produzido. Para orientar as reflexões, a investigação mobilizou, principalmente, os estudos linguístico-enunciativos desenvolvidos por Authier-Revuz (1990, 1998, 2004, 2011) sobre a heterogeneidade enunciativa do dizer e buscou respaldo no conceito de paráfrase linguística de Fuchs (1985).

Na análise dos dados, mostrou as dificuldades relacionadas ao processo de escrita na universidade, em relação ao uso das formas linguísticas ao se introduzir o dizer do outro no

3Tese desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Eixo temático: Estudos Linguísticos do Texto.

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texto produzido e problematizar a produção resultante desse processo. Os fragmentos analisados revelam uma dificuldade dos pesquisadores quanto à ação mais ampla de instaurar a negociação (o diálogo) com o discurso do outro (autor citado) nos textos acadêmico-científicos.

Outra constatação de Bernardes é que o limitado envolvimento na construção de saberes pode estar relacionado ao fato de os pesquisadores não conseguirem, de modo mais sistemático, apreender o conhecimento e, a partir disso, conferir sentidos aos discursos em circulação. E que é possível alcançar uma melhoria na qualidade da produção do texto acadêmico-científico, em um contexto de ensino que dê atenção às formas de inserção das vozes alheias, o que também serve de orientação para que o pesquisador aprenda a deslocar-se “com relação ao senso comum”, colocando algo de si nos textos que produz. Nos excertos analisados neste trabalho, pode-se perceber que o limitado envolvimento na construção de saberes parece estar relacionado ao fato de os pesquisadores não conseguirem, de modo mais efetivo, apreender o conhecimento e, a partir disso, imprimir sentidos aos discursos em circulação.

Pela perspectiva da autora, a leitura e a interpretação das teorias com vistas à produção de um texto acadêmico (coeso, coerente) que contenha marcas de autoria parece ser algo quase inatingível ao longo do trabalho do pesquisador na construção do texto. Na escrita das dissertações, a inserção do outro remete a formas linguísticas de um movimento constituído por paráfrases, que são em grande parte, similares ao texto original, porque resultam de um trabalho pouco ou quase nada criativo com a linguagem. Isso pode ser comprovado a partir das estratégias linguísticas de referência ao discurso do outro na materialidade do texto produzido pelo pesquisador, as quais não deixam entrever o que esse produtor fez com tudo aquilo que lhe foi dado a ler ao longo de seu curso.

Isso se faz mais evidente no capítulo teórico das dissertações analisadas, em que se verifica um uso recorrente de citações e paráfrases (teorias e autores citados). Além disso, há, explicitamente, a transcrição de palavras dos autores convocados como aporte teórico para fundamentar e legitimar as pesquisas. Constata-se ainda reiterados usos de formas linguísticas de representação do discurso outro (RDO), sinalizando a introdução do dizer do outro nos textos por eles produzidos, sem ao menos reinterpretá-los num novo dizer. (BERNARDES, 2017 p. 123).

É o caso de produções que trazem apenas “impressões pessoais e relatos de experiências”, dissertações genéricas, em que não se tenta sustentar um ponto de vista, não há um ponto de partida nem um de chegada. Tais textos confundem o leitor, que busca

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reconhecer nesses produtores um sujeito capaz de explicitar seu pensamento sobre a experiência vivenciada pela trajetória de escrita.

Esses aspectos da relação entre sujeito e escrita acadêmica significam uma tentativa de construir bases de discussão sobre processos de produção de escrita, por intermédio das formas de inserção do outro na materialidade do texto, ou seja, o que cerca a produção escrita na universidade, sem perder de vista a necessária construção de uma relação singular entre o sujeito e o conhecimento.

A relevância deste estudo se inscreve no movimento de reflexão acerca da produção escrita do pesquisador em formação, pois o que se observa nos trabalhos de pesquisa é uma escrita que se volta para os autores resenhados, para um dizer outro (teórico), uma representação escrita do dizer outro. Nesse processo de escrita, o sujeito pesquisador faz parte de um processo por meio do qual deve buscar escrever com propriedade, responsabilizando-se pelo dito, mas, para isso acontecer, é necessário que, nas universidades, o trabalho com pesquisa seja executado em todas as instâncias. Esse processo é carregado de tensão, principalmente no que se refere a encontrar a medida certa para recobrir com palavras o dizer do outro, preocupando-se com a questão da ética.

Nas pesquisas apresentadas até aqui sobre essa temática, estavam em questão as formas como os pesquisadores lidavam com os discursos mobilizados como fonte teórica na materialidade do texto, ou seja, a negociação de vozes provenientes dos autores lidos. Na pesquisa que desenvolvemos no mestrado, muito próxima dessa discussão, o foco da investigação foi a relação do pesquisador em formação com a teoria, ou seja, como ele lida com o outro ao mobilizar um dado conceito e dá consequência, a isso na escrita da pesquisa. Nesse sentido, por meio das análises, à medida que se delineavam as vozes autorizadas na escrita das dissertações, foi possível observarmos a relação do pesquisador com o “outro”, as estratégias que utilizava e os efeitos que decorriam desse processo de escrita.

Como se pode perceber, o grupo vem se consolidando na criação de uma linha investigativa que focaliza a escrita acadêmica. Sob a coordenação da pesquisadora Dr.ª Sulemi Fabiano Campos, discute-se a produção de conhecimento a partir da análise linguístico-discursiva da escrita de pesquisadores em formação, realizam-se estudos sobre o modo como o pesquisador lida com o outro (teórico), as formas de negociação com as vozes alheias que realiza e que ficam marcadas na materialidade da língua. Em tais pesquisas, no entanto, as questões investigadas não passam pelo entendimento de como os processos de produção de escrita acadêmica se constituem por meio de arranjos linguísticos, e é essa questão que queremos compreender.

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1.2.1 A experiência com a escrita no mestrado

Na pesquisa de mestrado, optamos por observar como pesquisadores em formação lidavam com o outro na escrita e verificar se esses pesquisadores eram questionadores em relação a seu objeto de estudo. Para isso, buscamos caracterizar as formas como lidavam com os discursos já proferidos: analisamos a correlação entre a produção da escrita do texto acadêmico e a posição enunciativa do sujeito para se inserir na comunidade de fala, a universidade.

Com base no que propusemos para discussão sobre a análise de como os processos de articulação do outro se constituem na escrita, com o que foi possível problematizarmos com a caracterização das produções acadêmicas, constatamos que o pesquisador em formação, em geral, apontava para a falta de experiência em produzir uma escrita própria que indiciasse o envolvimento do pesquisador com seu objeto de pesquisa. Em virtude disso, surgiram inquietações relativas ao modo de constituição da escrita acadêmica como produção de conhecimento.

Nesse contexto, a pesquisa discutiu especificidades da escrita na formação universitária frente à relação do sujeito com a linguagem acadêmica e às normas metodológicas, bem como se o pesquisador em formação era questionador em relação ao objeto de estudo. Para isso, verificamos, nas produções acadêmicas, dentre os problemas evidenciados no trabalho de escrita da dissertação de mestrado, o fato de que as produções pareciam constituir-se por um movimento parafrástico que não chegava a retroagir sobre o dizer do outro. Além disso, apontamos o uso de expressões linguísticas (discurso indireto, aspas, itálico e reformuladores parafrásticos) que trazem prejuízo para a escrita, na medida em que dão a impressão de que o enunciador não se responsabiliza pelo discurso, sendo este, então, direcionado ao autor citado.

Para melhor demonstrar como se deu nossa experiência com a pesquisa no mestrado, apresentamos, a seguir, de forma sucinta, alguns resultados que obtivemos.

1.2.2 Escrita acadêmica: a lida do pesquisador com a teoria

Sobre as formas de lidar com o outro na escrita do texto acadêmico, como mostram as pesquisas, as marcas desses processos indiciam a produção de escrita acadêmica, abrindo a discussão sobre a relação existente entre as diferentes formas de articulação com o outro e os

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reflexos disso na escrita produzida na universidade. A produção escrita acadêmica compreende, em sua estrutura, procedimentos teórico-metodológicos, como a apresentação de um problema, a criação de um objeto de pesquisa e a utilização de outros discursos como parte da argumentação para sustentação da tese proposta. Assim, o pesquisador precisa encontrar modos de lidar com o outro, a fim de sustentar uma posição enunciativa entre seus pares.

O uso do discurso de outro autor produz efeitos diversos nos dois discursos. Faz-se necessário observar, por exemplo, como o pesquisador correlaciona as teorias estudadas que dão suporte a sua formação com a produção escrita de sua pesquisa. Assim, a forma de marcar a presença de outro discurso em uma produção escrita pode refletir as relações que o sujeito estabelece com o outro, dados os textos lidos durante sua formação.

As pesquisas do GETED dialogam entre si quanto uma questão fundante: como pesquisadores se relacionam com o outro ao considerarem os processos de escritura de textos produzidos na universidade. Cada autor procura puxar as pontas dos fios, mostrando as marcas da relação do pesquisador com a teoria deixadas na materialidade do texto e, consequentemente, as reflexões destes. A negociação de vozes na tessitura do texto é o ponto de partida – as pesquisas desenvolvidas por pesquisadores do GETED, particularmente aquelas a que nos referirmos, levam o leitor, por entradas distintas, à reflexão sobre as “dificuldades” dessa relação que o pesquisador estabelece com o outro.

Bem próximo desse fio condutor de discussões, na pesquisa que desenvolvemos no mestrado também buscamos mostrar as dificuldades com que o pesquisador em formação depara ao mobilizar conceitos teóricos e sistematizá-los na escrita, o que, de certo modo, coloca a necessidade de esse sujeito encontrar modos de se relacionar com o conhecimento já produzido ao qual se filia, ou busca filiar-se, para se inserir em dada comunidade de fala.

O modo como o pesquisador lida com o outro na escrita acadêmica pode ser observado, linguisticamente, por intermédio das formas heterogêneas de articulação de vozes na materialidade do texto. Ao realizar uma pesquisa, necessariamente, o sujeito desloca as preocupações sobre sua realidade para os fatos da linguagem, proporcionando, como consequências, efeitos no modo de lidar com o outro ao articular um dado conceito teórico e sustentar uma posição enunciativa, os dois discursos já não são os mesmos, mas cada um apresenta suas especificidades.

Para demonstrar como certos movimentos estavam materializados na escrita do pesquisador em formação, apresentamos alguns exemplos desenvolvidos na pesquisa de

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mestrado. Com eles, discutimos questões relativas ao modo como um pesquisador lida com a teoria na escrita, podendo sua escrita aproximar-se ou não de uma criação.

Com base nessa discussão e no que foi possível problematizar com a caracterização de outras produções escritas, constatamos que, no movimento de escrita parafrástica, seriam tão-somente possíveis tentativas de reformulação do texto-fonte, uma vez que esse movimento resulta de um gesto de leitura de uma construção teórica. Além disso, observamos o uso de expressões linguísticas (discurso indireto, aspas, itálico e reformulador parafrástico) que, em muitos casos, trazem prejuízo para a escrita, na medida em que dão a impressão de que o enunciador não se responsabiliza pelo discurso, sendo essa responsabilidade direcionada para o autor que é citado.

Outra questão discutida foi sobre alguns problemas de escrita que ocorrem em virtude da omissão de informações necessárias quando se mobiliza o discurso do outro, conferindo autoridade ao próprio discurso. Por fim, constatamos que, na atividade parafrástica, o movimento ocorre pela inversão de trechos do texto-fonte, possivelmente como tentativa de reformulação do texto primeiro para um texto segundo, não se chegando a um trabalho de retroação sobre o dizer do outro.

Nas reflexões sobre o modo como se tem feito uso de conceitos na escrita de textos acadêmicos, percebemos que, quando excessivo, esse uso, afeta as produções acadêmicas, e não é de surpreender que surjam modismos teóricos. Assim, alguns autores são revelados e passam a ser citado amplamente, processo nem sempre satisfatório, pois pode levar o enunciador à repetição do outro.

Com base nos estudos apresentados, chegamos ao entendimento de que, de modo geral, há, nas dissertações, indícios de um movimento de escrita que parece ser tecido por “formas” que disciplinam e cristalizam a escrita, o que em certa medida, enfraquece os processos de produção de conhecimento e de que o modo como o discurso do outro se constitui na escrita pode inserir o discurso do mestrando como discurso universitário, mas não o bastante para articular a teoria de forma a convencer os pares. Os resultados da investigação apontaram a existência de um “modelo” de pesquisa que inclui o outro, no movimento de escrita como experiência do pesquisador em formação a partir de sua entrada na universidade.

Desse trabalho de pesquisa, surgiram inquietações quanto à produção de conhecimento na escrita acadêmica, dando origem a outros questionamentos que nos conduziram à tese de doutorado. Contudo, pensamos ser produtivo um olhar sobre o modo de constituição dos processos de produção de escrita acadêmica, observáveis por meio de arranjos linguísticos inscritos na materialidade da língua, tomando por base aquilo que há de

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“bom” nos trabalhos de pesquisadores em formação na lida com o outro ao qual ele se filia para escrever sua pesquisa.

1.2.3 A experiência com o “novo”

No meio acadêmico, há uma cobrança constante por publicações, o que leva os pesquisadores, muitas vezes, a envidarem esforços somente para a produção da escrita, sem preocupação com a produção de conhecimento de fato. Embora, na realização de uma pesquisa de mestrado, se disponha, aproximadamente, de dois anos para a efetivação das leituras, análises e de escrita, esse período de tempo, não raro, é insuficiente para a realização de um trabalho de pesquisa que indicie uma filiação teórica do sujeito em seu escrito. Apesar disso, espera-se que o pesquisador se aproxime de sua área a partir, principalmente, das leituras que realizou, encontre modos de lidar com o outro e marque um lugar de enunciação, enfrentando os percalços próprios da formação universitária.

Deve-se considerar que nem sempre a ausência de algo “novo” pode ser um empecilho para a publicação de uma pesquisa. No caso de publicação no âmbito acadêmico, segundo o que foi observado nos estudos realizados por Fabiano-Campos, Vieira, Bernardes, Miranda, mesmo havendo uma relação intrínseca do pesquisador com os autores lidos, não se poderá dizer que houve uma apropriação de conceitos mobilizados se não for possível localizar, na materialidade textual, arranjos que promovam especificidades no modo de construir um posicionamento próprio sobre o conceito a partir das vozes mobilizadas, legitimando os discursos entre os pares. Isso corresponde a dizer que, quando se lê um texto acadêmico resultante de uma pesquisa, acredita-se ter em mãos algo diferente do que já foi dito, devendo aparecer a voz daquele que pesquisou sobre o tema e, certamente, tem algo a ser dito.

O diálogo que se estabelece nesta seção aborda a experiência com o outro. Para Compagnon (1996, p.37), a citação é um corpo estranho no texto, que não pertence àquele que escreve. Esse “corpo” pode apresentar-se como estranho pelo fato de que, inicialmente, não se tem a definição metodológica do que o sujeito se propôs pesquisar. Essa questão norteia a seleção do corpus e a organização dos excertos.

Em pesquisas de cunho qualitativo, os dados não são evidentes, visto que a construção do dado se faz mediante as necessidades do pesquisador, que surgem, por sua vez, com base nos questionamento e no problema de pesquisa a ser investigado. Dizendo de outra forma, os dados não se revelam aos olhos do pesquisador, ou melhor, na verdade, é preciso

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selecioná-los com foco naquilo que melhor ajuda a entender e a interpretar o fenômeno estudado.

Para observar os arranjos linguísticos que engendram um modo de articulação dos discursos alheios no trabalho de construção de uma pesquisa, escolhemos analisar a escrita de dissertações de mestrado da área de Linguística. Para isso, foi necessário considerarmos o modo como as marcas do outro se manifestavam no texto, relacioná-las com o conjunto de eventos linguísticos de articulação do discurso no discurso. Se, por um lado, essas marcas tinham a ver com a organização do discurso, por outro remetiam ao discurso em sua relação com a exterioridade, com a situação de produção da escrita do pesquisador em formação, percebida no processo de enunciação em que o sujeito marcava o dizer na materialidade do texto.

Fazendo um contraponto da pesquisa que desenvolvemos no mestrado com a do doutorado, hão de se considerar as discussões relevantes como pontos de chegada. Enquanto, na pesquisa de mestrado, o foco em questão estava relacionado às dificuldades do pesquisador em formação ao mobilizar conceitos de gênero do discurso do Círculo de Bakhtin e colocá-los em funcionamento na escrita, na que desenvolvemos no doutorado passa a ser o foco de discussão os processos de produção escrita que levam a “bons resultados”, provenientes da relação do pesquisador, da área de Letras, com a teoria. Partimos da análise de certos arranjos linguísticos que engendram formas de articulação da teoria na construção da pesquisa, especificamente em dissertações de mestrado que indiciem esses processos como produção de conhecimento no meio acadêmico. Assim como na dissertação de mestrado, para a pesquisa de doutoramento tomamos como objeto de estudo trabalhos que tratam sobre conceitos de gênero do discurso, para observar como arranjos linguísticos engendram as diferentes vozes ao articular a teoria no trabalho de escrita das dissertações analisadas.

Para mostrar como se deram as análises empreendidas, apresentamos alguns resultados da experiência com pesquisa no mestrado, discutindo especificidades da escrita universitária como pontos de relevância para a construção da pesquisa no doutorado. Buscamos construir um corpus que abrisse espaço de discussão para o que há de “bom” nas produções acadêmicas, sem, contudo, polarizar, apenas mostrar o que consideramos bons processos de produção escrita acadêmica.

Assim, não atribuímos qualquer potencialidade transformadora a uma experiência em si, em detrimento de outra, mas sim ao processo que o sujeito experiencia com a linguagem acadêmica por intermédio da escrita. A ideia é que aquele que produz uma pesquisa possa ser atravessado pelos significantes da área que se propõe estudar e consiga colocar em seu texto

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algo de si, manobra que o tornará capaz de produzir, por sua vez, significantes novos com os textos que assina.

Guardadas as devidas proporções, esta tese constitui-se em continuação de nossa pesquisa de mestrado, intitulada Efeitos de sentido das não coincidências do dizer na escrita

acadêmica (MIRANDA 2013). Nesse trabalho, o interesse recaiu nas marcas linguísticas que

indiciam a relação do pesquisador com o legado cultural ao mobilizar um conceito de área e dá-lo a ver na escrita de dissertação de mestrado. Chamavam a atenção o fato de, nesses materiais, tais estratégias configurar-se como um movimento de escrita parafrástica que indiciava, em certa medida, a lida do pesquisador com a teoria na escrita da dissertação, conforme discutimos no trecho a seguir:

Comparando o excerto do pesquisador da D3 com o da obra do autor supostamente lido pelo pesquisador, verificamos alterações de ordem sintática e tipográfica entre um texto e outro. Quanto às alterações sinonímicas, encontramos, basicamente, as seguintes palavras/expressões alteradas: “realiza-se”, para “efetua-se”; “membros”, para “integrantes”; “na totalidade do enunciado”, para “Estes três elementos”. Refletindo sobre o conceito de enunciado conforme propôs Bakhtin, é possível que tais alterações sinonímicas não alterem o sentido do enunciado na construção proposta pelo pesquisador da D3. No contexto em que aparecem as palavras/expressões, de certa forma o conceito de enunciado é contemplado, mesmo que de forma recortada e invertida (MIRANDA, 2013, p. 106).

Estava em questão o modo como os pesquisadores modalizavam o dizer, para observarmos como ele construía o discurso a partir de um movimento entre o que estava sendo dito e o que fora produzido antes. O uso de modalizadores, nesse jogo textual entre o discurso do pesquisador e o do autor lido por ele, sugeria que a relação que o pesquisador em formação estabelecia com o legado cultural era, possivelmente, uma relação imaginária. Nesse momento de exposição da teoria, o pesquisador parecia aproximar-se do discurso universitário, mas ainda não o bastante para se inserir nesse discurso, visto que reproduz o discurso do “outro”. Pode-se dizer, em causas como essas, que o sujeito pesquisador é interpelado por um sujeito-falante (sujeito de seu discurso) que representa, na linguagem escrita, as formações ideológicas correspondentes; ou seja, o sujeito crê que é o senhor do discurso (PECHÊUX, 1999).

Na pesquisa que realizamos no doutorado, ampliamos o debate para questões relativas aos processos de produção escrita na universidade, porém deixando de lado o “ranço” do julgamento sobre o que vem sendo o foco das investigações – as dificuldades do sujeito pesquisador em lidar com o conhecimento já produzido na escrita de textos acadêmicos e, em certa medida, trabalhar com os textos para investigar como esses

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movimentos se constituem na escrita. Para mostrar esses processos de produção escrita acadêmica, filiamo-nos às teorias de Authier-Revuz sobre a heterogeneidade enunciativa, às formas de alusão, à paráfrase de Fuchs e ao simulacro de Baudrillard, a fim de observarmos como esses processos engendram as vozes na escrita das dissertações de mestrado. Inserida nessa trajetória, esta pesquisa representa mais uma oportunidade para reafirmarmos o compromisso de estudar a escrita acadêmica.

Defendemos aqui os princípios de que há várias formas de escrever, de que cada sujeito escreve a sua maneira e de que, pelo modo como ele engendra as vozes na materialidade do texto, produz efeitos na escrita. Partindo dessas premissas, é possível dizermos que as formas de uso do discurso de outro autor podem desenvolver efeitos de sentido que indiciem processos de produção escrita acadêmica, entre eles o de apropriação de uma teoria, autor ou conceito, e que esse efeito contribui para a aceitabilidade e a inserção do trabalho numa comunidade científica. Portanto, que a forma de articular as vozes deixa marcas da presença de outro discurso em uma produção escrita.

Nesse sentido, pensamos que nosso trabalho pode contribuir com os estudos da área ao apresentar, por meio da análise da escrita de dissertações de mestrado, o modo como se constituem os processos de produção de escrita acadêmica por meio de arranjos linguísticos, vistos pela materialidade da língua.

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