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4.5 Aproximando a lupa do dado: as categorias de análise

5.1.1 Estratégias de reformulação do dizer do outro

As estratégias de reformulação do dizer do outro nos permitem um olhar sobre o texto do pesquisador em formação de modo a observarmos os movimentos de articulação das vozes no texto.

A paráfrase será utilizada como um dos processos de escrita acadêmica, contudo não propomos nenhuma reformulação desses procedimentos; buscamos verificar as diferentes formas de uso desse recurso na escrita dos pesquisadores em formação e não, por exemplo, apresentar os níveis de paráfrase de determinado texto. Enfim, analisamos os dados com o

objetivo de compreender de que modo se constitui a escrita do pesquisador, a partir de arranjos linguísticos com estrutura parafrástica, e apontar a paráfrase como um dos processos de legitimação de escrita acadêmica. Enfocaremos aquilo que consideramos ser característica da atividade parafrástica presente na construção do texto. Na superfície textual, as marcas mostram o trabalho do pesquisador ao articular as diferentes vozes e sustentar o argumento. Enxergamos isso por meio de formas linguísticas presentes na materialidade de escrita das dissertações. Inicialmente, faremos a análise da dissertação D1 1999 e, em seguida, a da D2 200420.

A proposta da D1 1999 foi observar os modos de relação dialógica que escreventes- alunos estabeleceram com a linguagem em um evento particular de produção escolar da escrita – o evento “reconto de história” –, de textos escritos por alunos da 2ª série do ensino fundamental. A dissertação toma por base o conceito de gênero discursivo, tal como abordado na reflexão bakhtiniana. No trecho selecionado da D1 1999, o pesquisador descreve a organização de sua pesquisa e dos fundamentos teóricos. Nossa escolha se ateve aos trechos em que há referência aos discursos de outros autores, particularmente aqueles que abordam conceitos bakhtinianos, mantendo a originalidade dos textos selecionados. Vejamos.

Excerto (1) D1 1999

[...] Assim, o conceito de gênero, deslocado do lugar teórico em que historicamente tem circulado – a teoria literária –, o que tem significado, nos termos de Souza (1997), a emergência de uma "crise da delimitação entre os gêneros", e passando a estar relacionado às diferentes esferas da atividade humana, conforme propôs Bakhtin [1952-3] (1997), pode nos ajudar a compreender a escrita escolar em sua relação dialógica necessária com os modos de leitura prestigiados na escola, com os textos escritos que circulam nesse espaço, com as instruções que tentam orientar as práticas de leitura/escrita. No interior da reflexão bakhtiniana, gênero deixa de ser definido somente pela

estrutura do texto e passa a ser abordado como um modo de organização do acontecimento enunciativo, acontecimento materializado em formas relativamente estáveis de enunciados (Bakhtin, op. cit.: 279) necessárias ao estabelecimento da interação verbal, pois, como sugere Bakhtin, quando enunciamos, o fazemos sempre no domínio de um determinado gênero. Embora estejam sistematicamente associados a determinadas formas, os gêneros discursivos, por sua constituição sócio-histórica (sic), adquirem uma dinâmica que, em termos bakhtinianos, é sempre dialógica. [...] (Excerto (1) D1 1999, p. 01)

O excerto (1) aborda a relação do “conceito de gênero” do discurso com o ensino da escrita em contexto escolar. Verificamos que, nesse momento, há duas formas de

20 Esclarecemos que a metodologia adotada para a análise dos excertos não segue uma regularidade específica. Será determinada pela necessidade de explicitação das estratégias de reformulação presentes no excerto selecionado.

sumarização: a sumarização do conceito de gênero nos termos de Souza (1997) e, depois, a sumarização21 a partir da reflexão bakhtiniana, num movimento de reformulação do discurso sem marcas explícitas do outro.

A partir da sumarização: nos termos de Souza (1997), que fala da “emergência de uma "crise da delimitação entre os gêneros", e passando a estar relacionado às diferentes esferas da atividade humana, conforme propôs Bakhtin ([1952-3] 1997)” – o pesquisador da D1 expõe que o conceito de gênero, deslocado do lugar teórico em que historicamente tem circulado (a teoria literária), pode ajudar a compreender a escrita na escola. Ele articula as vozes de modo a atribuir sentido à expressão discursiva que se propõe investigar bem como à proposta de interferência e demarcação do lugar do outro no discurso por uma espécie de tradução do discurso de Bakhtin nos termos de Souza.

Ao se posicionar, o pesquisador da D1 denota preocupação em justificar o porquê do conceito para o objetivo proposto. Nesse movimento, ele expõe as ideias no discurso a partir do princípio de que o conceito de gênero conforme propôs Bakhtin ajuda a compreender a escrita escolar. Veja-se o trecho a seguir.

“Assim, o conceito de gênero, deslocado do lugar teórico em que historicamente

tem circulado – a teoria literária –, o que tem significado nos termos de Souza

(1997), a emergência de uma "crise da delimitação entre os gêneros", e passando a

estar relacionado às diferentes esferas da atividade humana, conforme propôs

Bakhtin ([1952-3] 1997), pode nos ajudar a compreender a escrita escolar em sua

relação dialógica necessária com os modos de leitura prestigiados na escola, com os textos escritos que circulam nesse espaço, com as instruções que tentam orientar as práticas de leitura/escrita”. (D1 1999)

Nesse diálogo com o outro, percebemos o encadeamento de palavras (formas linguísticas) que inscrevem o outro na linearidade do discurso, ou seja, estratégias mobilizadas pelo pesquisador na articulação com o discurso do outro em seu dizer. Pelo modo como engendra as vozes no discurso, o pesquisador da D1 produz outros sentidos. Assim, ele ora fala, ora é atravessado pela voz do outro, ora expõe sua opinião sobre o conceito mobilizado – o porquê da escolha do conceito de gênero para fundamentar a pesquisa –, ora fala na voz de quem já pesquisou sobre o assunto. São modos de dizer que não se dão no vazio, mas são atravessados por sua historicidade.

21 Adotamos a concepção de Koch (2002, p. 94) de que a anáfora encapsuladora é a sumarização de uma informação precedente, compartilhada pelos interlocutores, uma vez que é perfeitamente aplicável às categorias lexicais e gramaticais.

Segundo Larrosa (2017), é pelas palavras que se produzem sentidos, criam-se realidades. Como se pode perceber, o pesquisador mobiliza a voz alheia em seu texto, estabelece a demarcação da exterioridade discursiva (outro discurso) por formulação que se aproxima do discurso relatado indireto livre e por formas modalizadoras que demarcam o outro no discurso, como se vê em “Assim, o conceito de gênero do discurso”, “o que tem significado nos termos de Souza (1997)”, “conforme propôs Bakhtin [1952-3] (1997)”.

A estrutura linguística, como se apresenta, caracteriza-se como paráfrase de reformulação do dizer do outro, a qual se observa pelas marcas linguísticas de inserção do discurso outro, em que o pesquisador se encarrega de reformular, com suas palavras, o dizer de Bakhtin através do que disse Sousa (1997). Genericamente, podemos dizer que, na articulação de vozes, o uso do discurso indireto marca mais a presença do pesquisador, que reformula o já dito, do que o do discurso direto, ao fazer uma citação literal, muitas vezes apenas complementando uma informação.

O pesquisador da D1 utiliza um conector de conformidade – “conforme propôs Bakhtin” –, seguido da expressão modalizadora ”pode”, ao retomar uma citação direta: "crise da delimitação entre os gêneros”. O enunciado entre aspas comparece no discurso como delimitação das extremidades teóricas, ou seja, marca a separação entre o discurso do pesquisador e o do outro (teórico), que é considerado como exterior ao discurso. Nesse movimento de reformulação do discurso, é possível perceber o espaço comunicativo entre as duas vozes (a do pesquisador e a do teórico) engendradas no discurso.

conforme propôs Bakhtin [1952-3] (1997), pode nos ajudar a compreender a

escrita escolar em sua relação dialógica necessária com os modos de leitura prestigiados na escola, com os textos escritos que circulam nesse espaço, com as instruções que tentam orientar as práticas de leitura/escrita.

Ainda no excerto (1), vemos outra forma de sumarização como estratégia de reformulação do discurso outro, em que o pesquisador resume o conteúdo do conceito parafraseado e, a partir de formas linguísticas que engendram as vozes, é possível observarmos seu posicionamento enunciativo ao mobilizar o conceito. Ele utiliza, nesse movimento de reformulação, a expressão conclusiva-explicativa “pois” e, logo em seguida, a expressão de conformidade “Embora”, como se pode ver:

No interior da reflexão bakhtiniana, gênero deixa de ser definido somente pela estrutura do texto e passa a ser abordado como um modo de organização do acontecimento enunciativo, acontecimento materializado em formas relativamente

estáveis de enunciados (Bakhtin, op. cit.: 279) necessárias ao estabelecimento da interação verbal, pois, como sugere Bakhtin, quando enunciamos, o fazemos sempre no domínio de um determinado gênero. Embora estejam sistematicamente associados a determinadas formas, os gêneros discursivos, por sua constituição sócio-histórica (sic), adquirem urna dinâmica que, em termos bakhtinianos, é sempre dialógica. [...] (D1 1999, p. 01)

É importante notar que, na estratégia de reformulação em discurso relatado indireto “No interior da reflexão bakhtiniana”, o pesquisador da D1 representa o outro dizer de forma não explícita, isto é, traduz as falas citadas não se utilizando das palavras do outro, mas, sim, de palavras que provêm da interpretação sobre o conteúdo do discurso citado. A marca de referência do texto-fonte “(Bakhtin, op. cit.: 279)” atribui legitimidade ao dizer enunciado.

Na sequência do fragmento, a expressão explicativa “pois, como sugere Bakhtin”, uma forma indireta de atribuir o dizer ao outro (Bakhtin), como explicação sobre o que o pesquisador enuncia a partir do dizer de Bakhtin, pode ser percebida pelo uso da conjunção “pois”, possivelmente para mostrar reflexão em relação ao discurso enunciado, que se “funde” entre as duas vozes, como concordância, vista pela flexão verbal em primeira pessoa do plural – “enunciamos” e “fazemos” – e como marca da negociação do sujeito com o Outro que circunscreve a alteridade enunciativa.

Ainda nesse excerto, a conjunção “embora”, seguida da expressão “por sua vez”, produz um efeito de concessão explicativa entre os enunciados: “Embora estejam sistematicamente associados a determinadas formas, os gêneros discursivos por sua constituição sócio-histórica (sic), adquirem uma dinâmica que, em termos bakhtinianos, é sempre dialógica. [...]” (D11999, p. 01). Considerando a atuação do pesquisador no processo de interpretação e tradução da voz alheia, dizemos que ele se mostra presente no texto pelo compartilhamento das vozes, engendradas de modo que é possível recuperar os movimentos enunciativos que são atribuídos a elas e pelo que enunciam na construção textual.

O pesquisador da D1 assume um posicionamento enunciativo e se responsabiliza pela criação de um lugar enunciativo, a partir do qual interpreta, de forma reflexiva, o conceito que mobilizou para sustentar o ponto de vista e fundamentar a pesquisa. Ele busca dar melhor visibilidade às estratégias adotadas ao reformular e engendrar no discurso o conceito de “gênero do discurso como enunciados relativamente estáveis”, empregado pelo pesquisador para conferir à pesquisa certa legitimidade. Ou seja, ao realizar os vários procedimentos de articulação de vozes, notamos em sua estrutura textual, que ele segue regras que atendem às convenções de escrita acadêmica que legitimam o dizer.

Ressaltamos, contudo, que, em uma construção parafrástica, a representação do discurso outro pode ocorrer por meio de verbo, de conjunção, de preposição. Desse modo, limitar o estudo do discurso citado ou do discurso relatado à abordagem das formas de citação seria um reducionismo, uma vez que há diversas maneiras de representar o discurso do outro, que ampliam o leque das formas convencionais de discurso citado.

O quadro que segue traz uma demonstração dos movimentos enunciativos que caracterizam a paráfrase reformulativa no processo de escrita da dissertação. Nesse movimento, o pesquisador mobiliza diferentes estratégias que evidenciam sua relação com o outro, como se pode observar no quadro (13).

Quadro (13) – Estratégias utilizadas pelo pesquisador na atividade parafrástica – D1 1999 Estratégias mobilizadas Formas de inserção do outro no discurso Vozes engendradas Efeitos de sentido Discurso relatado indireto

“Assim, o conceito de gênero ... nos termos de Souza (1997)...”

Autor da pesquisa e Souza

Posicionamento enunciativo reflexivo do pesquisador sobre o conteúdo relatado de

legitimidade Modalização

em discurso segundo

“conforme propôs Bakhtin ([1952-3] 1997), pode nos ajudar a compreender” Autor da pesquisa e Bakhtin Responsabilização do autor citado e do autor citante Discurso

relatado indireto

“No interior da reflexão bakhtiniana ... (Bakhtin, op. cit.: 279)” Autor da pesquisa e Bakhtin Retoma o referente no discurso... Expressões de reformulação parafrásticas

“...pois, como sugere Bakhtin, quando enunciamos, o fazemos...“ Autor da pesquisa e Bakhtin Marca a participação enunciativa reflexiva do pesquisador, que introduz o outro (Bakhtin), o qual legitima o discurso para o interlocutor (leitor) Discurso indireto + Discurso direto e uso de aspas (ilha textual)

“... nos termos de Souza (1997) .... "crise da delimitação entre os gêneros"...

Souza e o autor da pesquisa

Marca o que é interior e exterior ao discurso

Sumarização dos termos de Souza (1997)

“... nos termos de Souza

(1997), a emergência de uma

"crise da delimitação entre os gêneros", e passando a estar relacionado às diferentes esferas da atividade humana...”

Autor da pesquisa e Souza

Indica literalidade do conteúdo sumarizado na atividade parafrástica

Sumarização sobre a reflexão bakhtiniana

“No interior da reflexão

bakhtiniana, gênero deixa de

ser definido somente pela estrutura do texto e passa a ser abordado como um modo de organização do acontecimento enunciativo, acontecimento materializado em formas relativamente estáveis de enunciados (Bakhtin, op. cit.: 279) necessárias ao

estabelecimento da interação verbal, pois, como sugere

Bakhtin, quando enunciamos, o fazemos sempre no domínio

de um determinado gênero.

Embora estejam

sistematicamente associados a

determinadas formas, os gêneros discursivos, por sua

constituição sócio-histórica (sic), adquirem uma dinâmica que, em termos bakhtinianos, é sempre dialógica. [...] Voz de Bakhtin na voz do pesquisador Posicionamento reflexivo argumentativo do pesquisador sobre o conteúdo sumarizado como atividade parafrástica, que se dirige ao seu interlocutor (leitor) Marcas tipográficas + Discurso direto, ou citação direta - (ilha textual)

"crise da delimitação entre os gêneros"

Delimitam a voz de Souza

As aspas delimitam o discurso “outro” sem ruptura sintática (ilha textual)

Delimitam a voz de Souza em relação à voz do autor da pesquisa

Quadro elaborado pela autora da pesquisa – Fonte: D1 1999

O quadro acima, organizado com base no excerto (1), mostra que as principais estratégias de reformulação parafrástica que demarcam as fronteiras entre as palavras do pesquisador e as do outro (os teóricos citados) se manifestam, de forma explícita ou não, a partir de operações linguísticas perceptíveis na materialidade do texto, indicando a existência de diálogo entre os discursos enunciados.

O pesquisador utiliza-se de outras vozes, nas quais se apoia para expressar melhor seu “querer dizer” de forma a legitimar o discurso acadêmico. A expressão linguística “conforme propôs” mais a indicação do texto-fonte são marcas representativas do discurso indireto que evidenciam certa ponderação, ou modalização, no dizer do pesquisador ao demarcar a exterioridade que atravessa esse dizer. Sinalizando o discurso, ele delimita a fronteira entre o eu-pesquisador e o outro (Bakhtin).

Na construção parafrástica, os movimentos de reformulação, junção e compartilhamento do dizer do pesquisador com o outro dizer são operações fundamentais do processo de produção de textos acadêmicos os quais têm como principal característica a incorporação da fala do outro na atividade de reformulação (FUCHS, 1985) de um texto-fonte no novo texto.

No excerto (2), a seguir, registramos uma situação bastante recorrente nas dissertações, em que o discurso do outro se faz presente no do pesquisador sem qualquer marca de ruptura sintática que oriente o leitor sobre o texto-fonte do dizer, mas as estratégias mobilizadas para remissão às vozes externas, com a finalidade de conferir cientificidade ao dizer por si mesmo, em um movimento de reformulação do discurso, atentam às exigências formais da apresentação do arcabouço teórico da pesquisa.

Excerto (2) D1 1999

[...]

A oposição de Bakhtin fica explicitamente configurada pelo conceito de compreensão

responsiva ativa: para o autor, o que caracteriza um enunciado como unidade real da comunicação

verbal (o que não se confunde com a oração enquanto unidade estritamente linguística) é a possibilidade que ele estabelece de uma alternância dos sujeitos falantes. O enunciado, então, é

produzido sempre no contexto da interação verbal. Essa reversibilidade de papéis não deve ser

reduzida à mera troca de turnos de uma interlocução, mas deve ser compreendida como condição constitutiva do enunciado. Isso fica mais claro quando Bakhtin enfatiza que o acabamento específico do enunciado é "a possibilidade de responder". Fica-nos explicitado, então, que a completude do enunciado define-se exatamente por sua incompletude, isto é, por sua possibilidade de tornar-se "algo mais". [...]

(D1 1999, p.34 - 35, negrito nosso)

No excerto acima, o pesquisador indica seu diálogo com o conceito “compreensão responsiva ativa”, de Bakhtin, sem deixar marcas de ruptura sintática, mas é possível observar aquilo que é da ordem do autor da dissertação e o que é da ordem do discurso do autor fonte do dizer pelo uso do itálico e das aspas, que delimitam e engendram as vozes na construção do texto.

Ao destacar em itálico a expressão “compreensão responsiva ativa”, o pesquisador delimita os discursos (o dele próprio e o do autor teórico), colocando em alternância os sujeitos falantes (pesquisador e autor do texto-fonte) – a voz alheia exterior ao que se fala é delineada no texto produzido de forma direta: “A oposição de Bakhtin fica explicitamente configurada pelo conceito de compreensão responsiva ativa”. A modalização em discurso

segundo “para o autor” (discurso indireto) retoma as palavras deste (Bakhtin) citadas pelo pesquisador como fonte do dizer.

As formas linguísticas expressivas observadas são “para o autor” e “então”, como reformulação e inserção do outro no discurso, as quais marcam a articulação do pesquisador de forma reflexiva em relação ao conceito “compreensão responsiva ativa”, que legitima o dizer a partir de um já dito.

Retomamos os pressupostos de Authier-Revuz (2004, p. 231) sobre o fato de as aspas marcarem um distanciamento, uma suspensão da responsabilidade enunciativa, como também a voz do outro que se faz presente no enunciado, para dizer que o emprego do itálico e das aspas observado na escrita do pesquisador da D1 como sendo uma marca de sua posição reflexiva sobre o já dito é também uma resposta às marcas da escrita acadêmica. Ao estabelecer uma fronteira entre os dizeres e marcar os exteriores teóricos enunciados no discurso, ele evidencia aquilo que é de ordem literal do discurso do autor citado e aquilo que é do conteúdo de sua interpretação, que tem fonte no já dito.

A atividade de reformulação parafrástica levada a efeito pelo pesquisador em formação revela um movimento de distanciamento. Ao parafrasear o conceito “atitude responsiva ativa”, ele busca deixar em evidência que é ele quem cita Bakhtin. Enxergamos isso pelo uso do discurso direto “A oposição de Bakhtin fica explicitamente configurada pelo conceito de compreensão responsiva ativa”. Em seguida, o pesquisador utiliza uma expressão modalizadora – “para o autor” –, destacando, por meio de itálico, os trechos que correspondem à voz alheia que atravessa sua voz, com valor de certeza quanto à heterogeneidade que se mostra no enunciado.

O emprego da expressão “Fica-nos explicitado então” configura uma participação conjunta no dizer (uma adesão do discurso do um ao discurso do outro). Constatamos, ainda, que, para tornar ainda mais compreensível o que escreve, o pesquisador recorre ao teórico- fonte (Bakhtin), ressaltando a legitimidade sobre o que enuncia ao retomar o conteúdo dos dizeres deste.

A oposição de Bakhtin fica explicitamente configurada pelo conceito de

compreensão responsiva ativa: para o autor, o que caracteriza um enunciado

como unidade real da comunicação verbal (...). O enunciado, então, é produzido sempre no contexto da interação verbal. Essa reversibilidade de papéis não deve ser reduzida à mera troca de turnos de uma interlocução, mas deve ser compreendida como condição constitutiva do enunciado. Isso fica mais claro quando Bakhtin enfatiza (...)

Essa formulação de representação do discurso outro se aproxima de um discurso indireto livre, em que o pesquisador esforça-se mais ao reformular o dizer do outro com suas próprias palavras. Nesse caso, o discurso do outro é reconstruído pelo sujeito pesquisador, que assimila o discurso-fonte, exercendo uma atividade interpretativa sobre a fala do outro. Assim, a relação estabelecida entre o pesquisador e o outro (Bakhtin) se realiza numa forma reflexiva de concordância.

O pronome demonstrativo “essa”, como elemento de referenciação anafórica, marca um retorno à voz enunciada, a outra voz, que legitima a explicação argumentativa, interpretada como sendo os pontos em que o pesquisador se posiciona reflexivamente sobre o outro dizer, para dizer que a reversibilidade de papéis é constitutiva, como enfatiza Bakhtin ao falar sobre “compreensão responsiva ativa”. Na sequência do enunciado, a conjunção adversativa “mas” marca a reflexão com efeito de oposição sobre o que foi dito – “mas deve ser compreendida como condição constitutiva do enunciado” –, reafirmada como legítima pelo uso do pronome demonstrativo “isso” com valor de referenciação anafórica – “Isso fica mais claro quando Bakhtin enfatiza (...)” –, movimento em que o pesquisador constrói seu