• Nenhum resultado encontrado

A responsabilidade dos administradores e dos gerentes das sociedades comerciais em caso de insolvência, insolvência eminente e situação económica difícil

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A responsabilidade dos administradores e dos gerentes das sociedades comerciais em caso de insolvência, insolvência eminente e situação económica difícil"

Copied!
92
0
0

Texto

(1)

1

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

A RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES E DOS

GERENTES DAS SOCIEDADES COMERCIAIS EM CASO DE

INSOLVÊNCIA, INSOLVÊNCIA IMINENTE E SITUAÇÃO

ECONÓMICA DIFÍCIL

Mónica Sofia Simões de Sousa Aluna n.º 11944 Mestrado Profissionalizante Jurídico-Empresariais 2016

(2)

2

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

A RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES E DOS

GERENTES DAS SOCIEDADES COMERCIAIS EM CASO DE

INSOLVÊNCIA, INSOLVÊNCIA IMINENTE E SITUAÇÃO

ECONÓMICA DIFÍCIL

Mónica Sofia Simões de Sousa Aluna n.º 11944 Mestrado Profissionalizante Jurídico-Empresariais 2016

Dissertação orientada pela Sra. Prof.ª Doutora Isabel Maria Grosso Elias de Oliveira Alexandre

(3)

3 Agradecimentos

O percurso para alcançar mais este patamar da minha vida académica, deve-se ao apoio de várias pessoas.

Desde logo aos meus pais, que me acompanharam em todas as decisões e fizeram de mim a pessoa que sou hoje.

Ao ombro amigo da Fernanda Lopes que me incentivou a encetar esta nova etapa e que sempre esteve presente com carinho e compreensão, quando foi necessário.

Ao Sérgio Gusmão Pereira, o amor da minha vida, que incondicionalmente me apoiou, perante todas as adversidades e alegrias com que me deparei, mas que nunca permitiu que baixasse os braços.

Por último, mas não menos importante, à Exma. Sra. Professora Doutora, Isabel Alexandre, minha ilustre orientadora pelas palavras de motivação e incentivo, e pelo apoio que me concedeu sempre que necessário.

(4)

4 Resumo

A preterição do dever de apresentação à insolvência dentro do prazo e de acordo com os requisitos estipulados no artigo 18º do CIRE, acarreta a responsabilização dos administradores de direito ou de facto.

Para que ocorra responsabilização dos administradores há que articular o regime societário (artigos 72º e ss do CSC), com o regime da qualificação da insolvência (artigos 185º e ss do CIRE). Além desta responsabilização, os administradores de direito ou de facto poderão ainda ser sancionados penalmente (artigos 227º a 229º do CP).

O devedor poderá recorrer ao PER e ao SIREVE para recuperar a empresa caso não se encontre numa situação de insolvência, mas numa situação de insolvência iminente ou situação económica difícil.

O devedor que se apresenta indevidamente ao PER deverá ser civilmente responsabilizado.

O devedor não poderá praticar actos de especial relevo, a menos que para tal seja autorizado pelo AJP.

Palavras-Chave: insolvência, responsabilidade, qualificação de insolvência, revitalização, administrador

(5)

5 Abstract

The breach of the duty of submission to insolvency in time and in accordance with the requirements of Article 18 of the CIRE, causes the responsibility of “de facto or de jure” administrators.

It is necessary articulate the corporate regime (articles 72 and ss CSC) with the insolvency qualification regime (articles 185 and ss CIRE) to verify the accountability of the administrators. In addition to this responsibility “de facto or de jure” administrators may still be criminally sanctioned (articles 227 to 229 of CP).

The debtor may use the PER and SIREVE to recover the company, if is not in a state of insolvency but in a situation of imminent state of insolvency or in a difficult economic situation.

The debtor who unduly presents himself to the PER should be civilly responsible.

The debtor is prohibited to practice special relevant acts, unless it is allowed to perform those acts by the AJP.

(6)

6 Índice Agradecimentos ... 3 Resumo ... 4 Abstract ... 5 Índice ... 6

Lista de siglas e abreviaturas utilizadas ... 8

1. Introdução ... 9

2. Deveres legais e deveres contratuais ...10

3. Deveres fundamentais ...11

3.1. O dever de cuidado ...13

3.2. O dever de lealdade ...15

4. A responsabilidade dos Administradores e dos Gerentes ...16

4.1. Pela Indevida Apresentação por parte do Devedor à Insolvência ...16

4.2. Pela Não Apresentação à Insolvência ...20

5. Administradores de Facto e de Direito ...25

6. A responsabilidade civil dos Administradores ...29

6.1. Responsabilidade civil dos administradores para com a sociedade ...30

6.1.2. Exoneração da responsabilidade ...32

6.1.2.1. Business Judgement Rule ...32

6.1.2.2. Não participação ou oposição do Administrador e a deliberação dos sócios ...33

6.1.3. Efectivação da responsabilidade ...34

6.2. Responsabilidade civil dos administradores para com os credores sociais ...35

6.3. Responsabilidade civil dos administradores para com os sócios e terceiros ...39

6.4. Extinção da responsabilidade civil ...40

7. Responsabilidade penal dos Administradores e dos Gerentes e a sua extinção ...41

(7)

7

8.1. Incidente de carácter limitado ...46

8.2. Incidente de carácter pleno ...47

8.3. Insolvência culposa e fortuita ...48

9. Efeitos da Qualificação de Insolvência como Culposa ...53

10. Mecanismos de recuperação de empresas ...60

10.1. Insolvência Iminente ...62

10.2. Situação Económica Difícil ...63

11. Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial – SIREVE ...64

11.1. Contextualização ...64

11.2. Aplicabilidade ...65

12. Processo Especial de Revitalização – PER ...68

12.1. Contextualização ...68

12.2. Aplicabilidade ...69

13. A figura do Administrador Judicial Provisório ...72

13.1. Efeitos Substantivos ...75

13.2. Efeitos processuais ...76

14. A Responsabilidade do Devedor pelo Recurso Indevido ao Processo Especial de Revitalização ...77

15. Conclusões ...79

Bibliografia ...84

(8)

8 Lista de siglas e abreviaturas utilizadas

AJP- Administrador Judicial Provisório AI – Administrador de Insolvência CC - Código Civil

CIRE - Código de Insolvência e Recuperação de Empresas CFR. - Conferir

CP – Código Penal

CPC – Código de Processo Civil

CPEREF - Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e da Falência CPPT- Código de Processo e Procedimento Tributário

CRC-Código do Registo Comercial

CSC - Código das Sociedades Comerciais CT – Código do Trabalho

DL - Decreto-Lei

IAPMEI - Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento IES- Informação Empresarial Simplificada

LGT – Lei Geral Tributária N.º - Número

Pág. – Página

PEC - Procedimento Extrajudicial de Conciliação PER - Processo Especial de Revitalização

PROC. - Processo

SIREVE - Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial Ss.- Seguintes

(9)

9 1. Introdução

A crise económica mundial teve e tem profundos reflexos em Portugal, o que levou à intervenção externa com o pedido de apoio ao Fundo Monetário Internacional e à assinatura do Memorandum da Troika.

O nosso sistema empresarial baseia-se na competitividade interna e externa, e na solvência das empresas. A crise económica tem como consequência o declínio empresarial, cuja consequência directa é a insolvência.

Segundo dados estatísticos 1, Portugal encerrou o ano 2013 com cerca de 10.213

insolvências registadas, o ano 2014 com 9.229 insolvências registadas, e o ano 2015 com 9.930 insolvências registas. Ainda não chegámos a meio do ano de 2016, e o número de insolvências registadas é já de 5.487. Os sectores mais afectados foram o comércio a retalho (excepto em veículos automóveis e motociclos), o comércio por grosso (excepto em veículos automóveis e motociclos), e a promoção imobiliária (construção de edifícios). Os três distritos mais afectados em 2013, 2014 e 2015 foram Lisboa, Porto e Braga.

Nesse sentido, em muito tem contribuído a conduta dos administradores para criarem ou agravarem a situação da insolvência. No entanto, há que por termo a tais condutas prevaricadoras que ajudam a devastar o tecido empresarial.

Assim o legislador tem desempenhado uma importante função em procurar dar resposta a estas situações, através da criação e/ou aprofundamento de mecanismos de responsabilização dos administradores que permitam, por um lado, dissuadir as suas condutas nefastas com a aplicabilidade de sanções, e por outro, ressarcir os danos que estes hajam causado com a sua conduta.

Atendendo a que a responsabilidade dos administradores em caso de insolvência é um tema tão vasto e rico, nas páginas que de seguida se apresentam procuraremos analisar a responsabilidade dos administradores e dos gerentes das sociedades comerciais em caso de insolvência, insolvência iminente e situação económica difícil.

Primeiramente, focar-nos-emos nos deveres fundamentais dos administradores e no seu dever de apresentação à insolvência.

1 Os números apresentados e a pesquisa constante deste parágrafo advêm da análise feita pela Racius, que consta em www.racius.com/observatorio/2013; www.racius.com/observatorio/2014; www.racius.com/observatorio/2015; www.racius.com/observatorio/2016, consultados pela última vez a 21.06.2016.

(10)

10

De seguida, passaremos a analisar a responsabilidade civil dos administradores, perante a sociedade, os credores sociais e terceiros, e a sua responsabilidade penal.

Para a compreensão desta questão, faremos uma análise prévia acerca dos administradores de direito e dos administradores de facto.

Posteriormente debruçar-nos-emos sobre a responsabilidade insolvencial oriunda do incidente de qualificação de insolvência e sobre a responsabilidade do devedor pela sua apresentação indevida à insolvência.

Por fim, propomo-nos a analisar brevemente dois mecanismos (recentes) de recuperação de empresas, isto é, o PER e o SIREVE, analisaremos a responsabilidade do devedor por recurso indevido ao Processo Especial de Revitalização e em que medida os actos de especial relevo não poderão ser uma cláusula de exclusão de responsabilidade dos administradores.

Acerca da presente dissertação cumpre esclarecer que qualquer referência ao termo de “Administradores” será sempre em sentido amplo, querendo abranger os membros e titulares dos órgãos de administração, designados por gerentes nas sociedades por quotas e por administradores nas sociedades anónimas (cfr. respectivamente artigos 252º e 390º do CSC).

2. Deveres legais e deveres contratuais

Os administradores deverão cumprir os deveres legais e contratuais a que estão adstritos. Os deveres contratuais podem derivar do contrato de sociedade ou dos estatutos. Os deveres legais decorrem da lei, nomeadamente do CSC e de legislação avulsa.

Os deveres legais podem dividir-se deveres legais gerais 2e deveres legais específicos.

Os deveres legais específicos são aqueles cujo conteúdo decorre da lei, não permitindo aos administradores qualquer livre arbítrio de actuação.

Entre os deveres legais específicos destacamos, aqueles com relevância para o presente trabalho, como sendo o dever de apresentação do devedor à insolvência e a obrigatoriedade que impende sobre os administradores na sua apresentação (artigos 18º

(11)

11

e 19º do CIRE); e o dever dos administradores se absterem da prática de crimes societários (artigos 227º a 229º do CP).

Os deveres legais gerais mais não são do que directrizes de actuação da administração no exercício das suas funções.

Como deveres gerais de conteúdo genérico, destacamos os deveres de cuidado e de lealdade, constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 64º do CSC, respectivamente, entendidos como “deveres fundamentais”, conforme decorre da epígrafe do supra mencionado artigo, e que passaremos a analisar de seguida.

3. Deveres fundamentais

O artigo 64º do CSC com a epígrafe “Deveres fundamentais”, tem a seguinte redacção:

1.Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar: a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores. 2. Os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade.

A menção à “diligência de um gestor criterioso e ordenado” advém do n.º 1 artigo 17º do Decreto-Lei n.º 49 381, de 15 de Novembro de 1969.

O Decreto-Lei n.º 262/86, de 02 de Setembro (Código das Sociedades Comerciais), continha um artigo 64º dedicado ao dever de diligência.

O Código das Sociedades Comerciais acabou por ser novamente alterado com o Decreto-Lei n.º 280/87, de 08 de Julho, sendo que apenas a única alteração a este artigo, foi a substituição do termo “accionistas” (que constava da redacção inicial do Código), pelo termo “sócios”.

(12)

12

Note-se que a alteração operada ao artigo com o Decreto-Lei n.º 76 A/2006, de 29 de Março foi a mais relevante, passando o artigo 64º do CSC a ter duas alíneas, uma dedicada ao dever de cuidado (a) e outra dedicada ao dever de lealdade (b).

Na anterior versão deste artigo Menezes Cordeiro 3 entendia que se tratava de um

preceito incompleto e que era necessária a sua articulação com outras normas para que

pudesse ser entendido como uma norma de conduta. Para Carneiro da Frada 4 apesar de

ser também uma “proposição incompleta” porque não traduzia qualquer sanção para a prevaricação dos administradores, apresentava “conteúdo normativo próprio”.

Na sua versão actual, o artigo 64º do CSC permite aferir da ilicitude e da culpa dos administradores.

Menezes Cordeiro 5 entende que tal norma se trata de “uma justaposição de massas

jurídicas de origens e tempos diversos. Assim, temos: uma massa portuguesa tradicional: a diligência de um gestor criterioso e ordenado; uma massa alemã: os deveres de lealdade; uma massa europeia: o interesse da sociedade e a referência aos interesses dos sócios e dos trabalhadores, uma massa anglo-saxónica: a contraposição cuidado/lealdade; os deveres de cuidado com algumas especificações e a referência aos stakeholders.”

Para Coutinho de Abreu 6 este artigo desempenha “uma dupla função: indica deveres

objectivos de conduta em forma de cláusula geral, de cuja concretização resulta, deveres (mais) específicos de (i)licitude e circunscreve o critério da culpa: sendo, por isso, fundamento autónomo de responsabilidade”.

Carneiro da Frada 7 vai também neste sentido, entendendo que este artigo engloba tanto

a culpa como a ilicitude. Menezes Cordeiro 8 vai em sentido contrário, considerando que o

que está em causa é uma “previsão geral de responsabilidade (de ilicitude).”

3 Cordeiro, António Menezes entende que este dever de cuidado é um dever de gestão, in Os deveres fundamentais dos administradores das sociedades (Artigo

64.°/1 do CSC), Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, Vol. II, Doutrina, Lisboa, Setembro 2006, in

http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=50879&ida=50925, consultado pela última vez a 08.06.2016

4 Frada, Manuel António Carneiro da, A business judgement rule no quadro dos deveres gerais dos administradores, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 67, Vol. I, Doutrina, Lisboa, Janeiro 2007, in http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=59032&ida=59045, consultado pela última vez a 08.06.2016 5 Cordeiro, António Menezes, Os deveres fundamentais dos administradores das sociedades (Artigo 64.°/1 do CSC), Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, Vol. II, Doutrina, Lisboa, Setembro 2006, in http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=50879&ida=50925, consultado pela última vez a 08.06.2016 e Direito das Sociedades, cit., pág. 886

6 Abreu, Jorge Manuel Coutinho de, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades, cit., pág. 17

7 Frada, Manuel António Carneiro da, A business judgement rule no quadro dos deveres gerais dos administradores, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 67, Vol. I, Doutrina, Lisboa, Janeiro 2007,in http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=59032&ida=59045, consultado pela última vez a 08.06.2016

(13)

13

Adelaide Menezes Leitão 9 entende que “os deveres fundamentais podem ser vistos de

forma caleidoscópia: enquanto deveres que adstringem um poder-dever dos administradores, enquanto deveres autónomos que recortam a ilicitude das suas condutas e enquanto deveres acomplados a outros deveres dispersos por outras disposições do Código das Sociedades Comerciais e restante legislação. (…) Trata-se, por isso, de uma norma primária a conjugar, em termos sistemáticos, com outras normas primárias e com normas secundárias”.

O artigo 64º do CSC concretiza os “deveres de gestão e representação da sociedade” 10

através de dois deveres fundamentais: o dever de cuidado e o dever de lealdade. Estes dois deveres deverão presidir à conduta dos administradores no dever legal específico de apresentação à insolvência.

A doutrina 11 considera que na base destes dois deveres se deverá atender à diligência de

um gestor criterioso e ordenado, bem mais exigente, do que a responsabilidade civil, em que opera a diligência do “bonus pater familiae” (n.º2 do artigo 487º do CC).

Feita uma breve análise histórica ao artigo, que cremos ser de interesse, comecemos por analisar tal artigo.

3.1. O dever de cuidado

O dever de cuidado consta na alínea a) do n.º 1 do artigo 64º do CSC 12.

Caberá aos administradores das sociedades no exercício das suas funções actuarem diligentemente, com competência técnica e conhecimento da actividade da societária, como um gestor criterioso e ordenado, em cumprimento das suas funções.

9 Leitão, Adelaide Menezes, Revista de Direito das Sociedades, Ano I, n.º 3, Responsabilidade dos administradores para com a sociedade e os credores sociais por violação de normas de protecção, Coimbra, Almedina, 2009, pág. 664

10 Cordeiro, António Menezes, Direito das Sociedades, cit.,pág. 845

11 Neste sentido, Cordeiro, António Menezes, Os deveres fundamentais dos administradores das sociedades (Artigo 64.°/1 do CSC), Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, Vol. II, Doutrina, Lisboa, Setembro 2006, in http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=50879&ida=50925, consultado pela última vez a 08.06.2016 e Leitão, Adelaide Menezes, Revista de Direito das Sociedades, Ano I, n.º 3, Responsabilidade dos administradores para com a sociedade e os credores sociais por violação de normas de protecção, cit., pág. 669. Frada, Manuel António Carneiro da, entende que só se a diligência do gestor criterioso e ordenado só se aplicará ao dever de cuidado, in A business judgement rule no quadro dos deveres gerais dos administradores, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 67, Vol. I, Doutrina, Lisboa, Janeiro 2007, in http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=59032&ida=59045, consultado pela última vez a 08.06.2016 e Abreu, Jorge Manuel Coutinho de, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades, cit., pág. 24

12 Cordeiro, António Menezes entende que este dever de cuidado é um dever de gestão, in Os deveres fundamentais dos administradores das sociedades (Artigo

64.°/1 do CSC), Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, Vol. II, Doutrina, Lisboa, Setembro 2006, in

(14)

14

Manuel Fragoso Mendes 13 entende que o dever de cuidado se subdivide noutros cinco

deveres (disponibilidade, vigilância e investigação, preparar adequadamente as decisões

de gestão, tomar decisões de gestão razoáveis e actuação racional).

Seguimos a orientação de Coutinho de Abreu 14, que entende estarmos perante três

subdeveres: o de controlar a organização e o funcionamento da sociedade, o de preparar adequadamente as decisões e o de tomar decisões razoáveis.

O primeiro subdever compreende o dever de vigilância 15 e o dever de investigação.

Significa isto que os administradores deverão encontrar-se sobejamente informados sobre a situação económico-financeira da sociedade, e sobre quem ocupa e como gere a sociedade. Para este subdever há que ter em conta a disponibilidade para o desenvolvimento do negócio e o conhecimento da actividade empresarial, da alínea a) do n.º 1 do artigo 64º do CSC.

O subdever de preparar adequadamente as decisões implica que os administradores, nomeadamente, se debrucem sobre as situações, estudem os assuntos que lhes são submetidos, analisem a sua complexidade, tempo e modo de execução, e analisem se a sociedade dispõe de conhecimentos e dos meios adequados para a prossecução da actividade. O fim último será sempre o bem da sociedade que representam.

Por último, o subdever de tomar decisões razoáveis. Este subdever requer que após ponderação, os administradores actuem sem dissipar património e sem obter para si ou para terceiros qualquer vantagem, que não abusem da posição que ocupam, seja para o que for, procurando sempre incrementar o lucro empresarial, dentro de uma lógica de racionalidade. Para este subdever há que ter em conta a discricionariedade empresarial, da alínea a) do n.º 1 do artigo 64º do CSC.

Em suma, podemos definir o dever de cuidado da seguinte forma: “os administradores

hão-de aplicar nas actividades de organização, decisão e controlo societários o tempo, esforço e conhecimento requeridos pela natureza das funções, as competências específicas e as circunstâncias.”16

13 Mendes, Manuel Fragoso, Revista de Direito das Sociedades, Ano VI, 3-4, Entre o temerário e o diligente - A business judgement rule e os deveres dos administradores. Da sua origem à implementação no ordenamento jurídico português, Coimbra, Almedina, 2014, pág. 809 a 832

14 Abreu, Jorge Manuel Coutinho de, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades, cit., pág. 19 a 24 15 O dever de vigilância encontra-se contemplado na lei, n.º 8 do artigo 408º do CSC

(15)

15 3.2. O dever de lealdade

O dever de lealdade consta da alínea b) do n.º 1 do artigo 64º do CSC.

Significa tal dever que a actuação imposta ao administrador deverá estritamente respeitar os interesses societários, e não comportamentos desviantes que privilegiem interesses próprios ou de terceiros.

Ocorrerá violação deste dever sempre que os administradores procurem retirar proveito próprio ou para terceiros, sem ter em conta a prossecução do interesse societário.

A lei manda ter em consideração vários interesses, colocando em primeiro lugar os interesses societários, e depois todos os outros interesses, como sendo os dos sócios, os dos trabalhadores, os dos clientes, os dos credores, e os dos stakeholders.

Carneiro da Frada 17 entende que a lealdade subjacente a esta alínea será uma lealdade

qualificada, porque exige “um especial dever de lealdade” na medida em que a posição que o administrador assume perante a sociedade terá uma superior relevância face às demais situações, em que é permitida uma lealdade comum.

Este dever de lealdade pode ser concretizado em várias situações 18: comportamento

correcto por parte dos administradores quando celebram contratos com a sociedade (n.ºs 1 e 2 do artigo 397º e 428º do CSC); o não exercício de uma actividade concorrente com a sociedade (n.º 1 do artigo 254º, n.º 3 do artigo 398º e 428 do CSC); e o não aproveitamento em benefício próprio ou alheio, de oportunidades de negócio da sociedade, de meios ou de informação privilegiada, e bem assim do estatuto ou da sua posição.

Embora a violação destes deveres legais gerais possa não ser geradora de responsabilidade civil dos administradores, não quer dizer que em Assembleia Geral não possa ser deliberada a destituição dos administradores infractores, conforme decorre da lei (n.º 6 do artigo 257º, n.º 4 do artigo 403º e n.º 2 do artigo 430º do CSC).

Em suma, podemos definir o dever de lealdade da seguinte forma: “o dever (geral) de

lealdade é definível como dever de os administradores exclusivamente terem em vista os interesses da sociedade e procurarem satisfazê-los, abstendo-se portanto de promover o seu próprio benefício ou interesses alheios.” 19

17 Frada, Manuel António Carneiro da, A business judgement rule no quadro dos deveres gerais dos administradores, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 67, Vol. I, Doutrina, Lisboa, Janeiro 2007, in http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=59032&ida=59045, consultado pela última vez a 08.06.2016 18 Abreu, Jorge Manuel Coutinho de, Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades, cit., pág. 25 a 27

(16)

16

Uma vez analisados os deveres legais dos administradores, passaremos a analisar de que forma poderão os administradores serem responsabilizados pela violação dos mesmos.

4. A responsabilidade dos Administradores e dos Gerentes

4.1. Pela Indevida Apresentação por parte do Devedor à Insolvência

A epígrafe do artigo 22º do CIRE refere-se à dedução de um pedido infundado, quando o corpo do artigo vai mais longe, “ a dedução de pedido infundado de declaração de

insolvência, ou a indevida apresentação por parte do devedor, gera responsabilidade civil pelos prejuízos causados ao devedor ou aos credores, mas apenas em caso de dolo”, e

contém duas situações distintas, por um lado o requerente legitimado (artigos 19º e 20º do CIRE) que infundadamente tenha realizado um pedido de declaração de insolvência, e por outro, o devedor que se apresenta indevidamente à insolvência.

Este artigo é controverso no que diz respeito às questões processuais, à responsabilização dos requerentes e à restrição do tipo subjectivo ao dolo.

Quanto ao que nos importa para o trabalho em apreço, restringimo-nos à indevida

apresentação do devedor à insolvência 20, aferindo se daí advém responsabilidade para

os administradores.

Para aferirmos da eventual responsabilização do devedor pela indevida apresentação à insolvência deveremos analisar os requisitos cumulativos que decorrem do corpo do artigo 22º do CIRE: a indevida apresentação à insolvência por parte do devedor, o prejuízo e o dolo.

20 É possível também analisar o artigo 22º do CIRE no que diz respeito a um pedido infundado de declaração de insolvência pelo credor, e gerador de prejuízos ao devedor. Contudo tal análise constitui um desvio ao presente trabalho, pelo que não a iremos analisar. Para maiores desenvolvimentos sobre esta matéria, cfr. Doutrina: Costa, Teresa Nogueira da, Estudos de Direito da Insolvência, Coordenadora: Maria do Rosário Epifânio, A responsabilidade pelo pedido infundado ou apresentação indevida ao processo de insolvência prevista no artigo 22º do CIRE, Coimbra, Almedina, 2015, pág. 7 a 50; Cordeiro, António Menezes, Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2011, pág. 231; Fernandes, Luís A. Carvalho/Labareda, João, Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas Anotado: actualizado de acordo com as Leis n.º 16/2012 e 66-B/2012 e o Código de Processo Civil de 2013, Lisboa, Quid Iuris, 2013, pág. 142; Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito da Insolvência, 4ª edição, Coimbra, Almedina 2012, pág. 144 e 145;Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes, I Congresso de Direito da Insolvência, Pressupostos da declaração de Insolvência, Coimbra, Almedina, 2013, pág. 184 e 185; Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 6ªedição, Coimbra, Almedina, 2012, pág. 71 e 72.Jurisprudência Acórdão da Relação de Lisboa, de 05.06.2014, processo n.º 26541/13.1T2SNT.L1-2, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22.04.2008,processo n.º 0727065, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.12.2012, processo n.º 2109/12.6TBLRA.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.06.2012, processo n.º 1954/09.7TBVIS.C1, todos em www.dgsi.pt

(17)

17

Quanto ao primeiro requisito, analisemos o conteúdo do n.º 1 do artigo 3º do CIRE “é

considerado em situação de insolvência, o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”, sendo complementado pelo seu n.º 2, ao entender

que “são também considerados insolventes quando o seu passivo é manifestamente

superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis.”21

Significa isto, que o devedor ao realizar a petição escrita para se apresentar à insolvência, deverá alegar os factos que integrem o pressuposto de tal declaração (artigo 23º do CIRE) isto é, que se encontra impossibilitado de cumprir obrigações vencidas e/ou apresenta um passivo superior ao seu activo, em cumprimento dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3º do CIRE. Tratando-se a insolvência de um processo urgente (conforme decorre do artigo 9º do CIRE), e caso o devedor não alegue os factos mencionados no parágrafo anterior, o pedido é manifestamente improcedente e caberá ao Juiz proferir despacho indeferindo liminarmente o pedido de declaração de insolvência, até ao terceiro dia útil subsequente à distribuição, conforme decorre da alínea a) do n.º 1 do artigo 27º.

Os prejuízos causados aos credores poderão ser patrimoniais ou não patrimoniais, e serem aferidos com base no nexo de causalidade entre o facto praticado pelo devedor (apresentação indevida à insolvência) e o dano que daí advenha.

A apresentação à insolvência pelo devedor poderá criar constrangimentos ao credor, quando pense que não vai ser ressarcido. Contudo, ao ser indeferida liminarmente pelo Juiz a petição inicial apresentada pelo devedor, por falta de fundamentação, o credor não tem com que se preocupar, significando que o devedor não se encontra em situação de insolvência e como tal o devedor é solvente para satisfazer as suas dívidas.

Logo, ao não estarmos perante uma situação de insolvência, ao não estar comprometido o património societário, não se entende como poderá ser accionada a responsabilidade dos devedores perante os credores, por danos que não existam.

Embora a situação de apresentação indevida à insolvência possa não gerar danos a

credores22, poderá ser geradora de danos a terceiros: desde logo ao próprio devedor, na

medida em que teve encargos patrimoniais com o pagamento das taxas de justiça e o

21 O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17.10.2006, processo n.º 760/06.5TBVNO.V1, em www.dsgi.pt, refere que terá de ser um incumprimento generalizado das obrigações existentes.

22Podemos ser levados a equacionar hipoteticamente a possibilidade dos credores menos informados e letrados, serem enganados pelo devedor com uma alegada insolvência, cujo objectivo final seria a renegociação do crédito e eventual perdão de juros

(18)

18

com recurso aos advogados; à sociedade, ao afectar o seu bom nome ou ao impedir que se estabeleçam relações comerciais com os credores; aos trabalhadores, na medida em que ao terem conhecimento desta situação queiram trocar o incerto pelo certo, ou seja, trocar o seu posto de trabalho, despedindo-se, por outro noutro local, ainda que de menor salário; aos sócios entre si, quando um se aproveite do outro, com base numa alegada insolvência, para aquisição de quotas ou de acções, a valores inferiores ao seu real valor. Chegamos ao último requisito, o dolo. Este deverá ser considerado para efeitos do supra mencionado artigo em análise, em qualquer das suas modalidades, directo, necessário e eventual23.

A letra da lei refere expressamente que a violação do presente artigo é geradora de responsabilidade civil, restringindo o seu elemento subjectivo ao dolo.

Para analisarmos a discussão doutrinária em torno deste requisito, deveremos sumariamente distinguir dois tipos de responsabilidade.

Por um lado, a responsabilidade processual por litigância de má fé assente no dolo ou na negligência grave, e que implica a fixação de uma indemnização pecuniária por parte do Juiz (artigos 542º e 543º do CPC).

Por outro lado, a responsabilidade civil, que se decompõe em responsabilidade contratual e extracontratual, assente no dolo e na mera culpa, e que implica a reposição da situação que existia inicialmente, caso o dano não se tivesse verificado (artigos 483º e 562º do CC).

Maioritariamente a doutrina tem entendido que não colhe a tese da responsabilidade civil restringida aos casos de dolo, embora os argumentos perfilhados por vários autores tenham contornos diferentes, como de seguida veremos.

Carneiro da Frada 24 entende que prevalece o exposto na lei, sem necessidade de se

recorrer a qualquer analogia ou interpretação extensiva.

23O dolo é directo quando exista a intenção de desencadear o resultado lesivo da conduta. Pode dizer-se, por isso, que nesta espécie de dolo o dano constitui a “meta própria” da referida conduta. O dolo é necessário quando o agente não queira efectivamente uma parte do resultado-que para ele é secundária -mas este seja todavia inevitável para atingir o resultado pretendido. (…) o dolo é eventual quando o agente se conforme com a possível concretização do dano antecipadamente previsto. Não o pretende propriamente, mas realiza a conduta aceitando-o como uma consequência provável da mesma.”, González, José Alberto, Responsabilidade Civil, 2ª Edição, Lisboa, Quid Iuris,2009, pág. 79

24 Frada, Manuel António Carneiro da, A Responsabilidade dos Administradores na Insolvência, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, vol. II, Doutrina, Lisboa, Setembro de 2006, in http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=50879&ida=50916, consultado pela última vez a 08.06.2016

(19)

19

Carvalho Fernandes e Luís Labareda 25 desviam-se do que pretendeu o legislador, e

consideram que a responsabilidade subjacente ao artigo 22º do CIRE, é uma responsabilidade processual civil (o instituto da litigância de má-fé (artigo 542º do CPC)), assente no dolo e na culpa grosseira.

Menezes Leitão 26 também não aceita o que decorre da lei, considerando que o artigo 22º

do CIRE ao punir quem indevidamente se apresentou à insolvência, será responsabilizado civilmente pelos seus actos (n.º 1 do artigo 483º do CC), tanto por dolo como por negligência.

Teresa Nogueira da Costa 27 considera que o artigo 22º do CIRE se refere a uma

responsabilidade especial face à responsabilidade que consta da litigância de má fé, pelo que entre o artigo 22º do CIRE e o artigo 542º do CPC “não há forma de admitir a sua

coexistência”. Mais acrescenta que “sendo a responsabilidade processual uma manifestação da responsabilidade civil, defendemos que o art. 22º do CIRE irá subsumir-se à responsabilidade aquiliana e não à contratual.” No subsumir-seu entendimento, o legislador

pretendeu somente ter em conta o dolo, não responsabilizando qualquer agente que actue com negligência.

Catarina Serra 28 entende que aquele que indevidamente se apresentou à insolvência

deverá ser punido civilmente, estando em causa a sua actuação com base no dolo ou

“quanto muito, de negligência grosseira”.

Menezes Cordeiro 29 distingue as duas situações patentes no artigo 22º do CIRE. Se

estivermos perante um pedido infundado de declaração de insolvência, o credor será o responsável pelos prejuízos que cause ao devedor, nos termos da responsabilidade civil (artigo 483º do CCIV), dado que deveria ter actuado como um “bom pai de família (bonus

pater familiae)” (n.º 2 do artigo 487º do CCIV), e ao criar um prejuízo responderia quer em

caso de dolo, quer de mera culpa. Tal já não sucederá com uma apresentação indevida à

25Fernandes, Luís A. Carvalho/Labareda, João, Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas Anotado: actualizado de acordo com as Leis n.º 16/2012 e 66-B/2012 e o Código de Processo Civil de 2013, Lisboa, Quid Iuris, 2013, pág. 142

26 Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito da Insolvência, cit., pág. 144 e 145; I Congresso do Direito da Insolvência, Pressupostos da declaração de insolvência, cit., pág. 184 e 185; Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, cit.,, pág. 71 e 72

27 Costa, Teresa Nogueira da, Estudos de Direito da Insolvência, Coordenadora: Maria do Rosário Epifânio, A responsabilidade pelo pedido infundado ou apresentação indevida ao processo de insolvência prevista no artigo 22º do CIRE, cit., pág. 8, 32, 33, 40 e 45

28 Serra, Catarina, O Regime Português da Insolvência, 5ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, pág. 41

(20)

20

insolvência pelo devedor, sendo que aí existirá responsabilidade somente aos casos de dolo.

Jurisprudencialmente, também resulta o entendimento de que a apresentação indevida à

insolvência é geradora de responsabilidade civil em caso de dolo 30.

Face ao que abordámos, comungamos do entendimento de Menezes Cordeiro. Uma apresentação indevida à insolvência é geradora de responsabilidade civil do devedor perante o credor (desde que preenchidos os seus requisitos), mas somente em caso de dolo.

Somos ainda do entendimento que a actuação do administrador deverá ser sempre a de um gestor criterioso e ordenado, com respeito pelos deveres de cuidado e de lealdade do artigo 64º do CSC.

4.2. Pela Não Apresentação à Insolvência

Analisada a indevida apresentação à insolvência pelo devedor e as suas consequências, dediquemo-nos agora ao dever geral de apresentação à insolvência e às consequências que possam daí advir para os administradores em caso de incumprimento do mesmo. Para procedermos a tal avaliação, necessitamos de saber quando é que uma sociedade se encontra em insolvência.

Para tal analisemos o que expõe o artigo 3º do CIRE, o seu n.º 1 “É considerado em

situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”, e o seu.º 2 que se refere às pessoas colectivas e patrimónios

autónomos que são considerados insolventes “quanto o passivo for manifestamente

superior ao seu passivo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis”.

Comecemos por dissecar o exposto no n.º 1 do artigo 3º do CIRE, e atentemos sobre três expressões.

30 Acórdão da Relação de Lisboa, de 05.06.2014, processo n.º 26541/13.1T2SNT.L1-2, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 22.04.2008, processo n.º 0727065, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.12.2012, processo n.º 2109/12.6TBLRA.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.06.2012, processo n.º 1954/09.7TBVIS.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20.04.2010, processo n.º 336/09.5TYLSB.L1-7, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.04.2013, processo n.º 114/11.1TBPST-A.L1-1, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.12.2012, processo n.º 2198/12.6TBLRA.C1, todos em www.dgsi.pt

(21)

21

A primeira delas “impossibilitado de cumprir” significa isto que o legislador não se refere ao incumprimento, bastando-se com a mera possibilidade de incumprir.

Quanto à segunda, “obrigações vencidas”. Ao contrário do carácter literal apontado pelo legislador, somos a crer que deverá realizar-se uma interpretação extensiva, tendo em consideração que o artigo respeita a todas as obrigações do devedor (encontrem-se ou não vencidas).

Por fim “ as suas obrigações”. Comungamos do entendimento de Maria do Rosário Epifânio, de que não é necessário que sejam todas as obrigações, podendo ser apenas uma “A doutrina tem entendido desde logo que a impossibilidade de cumprimento

relevante para efeitos de insolvência não tem que dizer respeito a todas as obrigações do devedor. Pode tratar-se de uma só, ou de poucas dívidas, exigindo-se apenas que a(s) dívida(s) pelo seu montante e pelo seu significado no âmbito do passivo do devedor seja(m) reveladora(s) da impossibilidade de cumprimento de generalidade das obrigações”.31 Este é também o entendimento comungado pela jurisprudência. 32

Para esta Autora 33 o n.º 1 do artigo 3º do CIRE apresenta-se como um conceito geral de

insolvência, enquanto o n.º 2 do supra mencionado artigo é já um conceito especial face às entidades visadas.

Menezes Leitão 34 considera que às sociedades além do “critério principal” contido no n.º

1, também se aplicará o “critério acessório” do n.º 2 do artigo 3º do CIRE.

Para este Autor 35 o n.º 1 do artigo 3º do CIRE contém o critério principal para definir a

insolvência, que tem por base um outro critério, o critério do fluxo de caixa, isto é, que “o

devedor é insolvente logo que se torna incapaz, por ausência de liquidez suficiente, para pagar as suas dívidas no momento em que estas se vencem”. O n.º2 do artigo 3º do

CIRE, por outro lado, apresentar-se-á como um critério acessório, destinado às sociedades e patrimónios autónomos, no qual se encontra reflectido o critério do balanço

ou do activo patrimonial, isto é, “a insolvência resulta do facto de os bens do devedor serem insuficientes para cumprimento integral das obrigações”.

31Epifânio, Maria do Rosário, Manual do Direito da Insolvência, 4ª edição, Coimbra, Almedina, 2012, pág. 20.

32 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.05.2012, processo n.º 716/11.6TBVIS.C1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães,de 20.02.2014, processo n.º 1157/13.6TBFLG.G1, ambos em www.dgsi.pt

33 Epifânio, Maria do Rosário, Manual do Direito da Insolvência, cit., pág. 20 34 Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito da Insolvência, cit., pág. 80 a 81 35Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito da Insolvência, cit., pág. 79 a 82

(22)

22

Considera Catarina Serra 36 que “ a insolvência é, em geral, a impossibilidade de o

devedor cumprir as suas obrigações vencidas (cfr. art.3º, n.º1)”. Referindo-se esta Autora

quanto ao n.º 2 do artigo 3º do CIRE, “insolvência é também a situação de superioridade

manifesta do passivo sobre o activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis (cfr. art.3º, n.º 2)”, concluindo ainda que “a superioridade manifesta do passivo sobre o activo coincide em regra, com a impossibilidade de estas entidades cumprirem as suas dívidas.”

Esta Autora critica a posição sindicada pelo n.º 2 do artigo 3º do CIRE, dado que ao haver uma manifesta superioridade do passivo face ao activo, há desde logo violação da norma do artigo 35º do CSC quanto à perda de metade do capital social. E aí há que aferir qual o regime que prevalecerá, se o que decorre do CSC em que caberá aos administradores a convocatória de uma Assembleia Geral para que se tomem as medidas adequadas ou o que decorre do CIRE, em que caberá aos administradores o dever de apresentação à insolvência. Para Catarina Serra há que “cumprir o dever consagrado no artigo 35º do

CSC com precedência relativamente ao cumprimento do dever consagrado nos arts. 18º e 19º do CIRE.”37

Jurisprudencialmente também é apontada uma definição de insolvência “O que

verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.”38

Somos do entendimento que sendo a insolvência um processo universal e cujo objectivo é a satisfação dos credores, conforme decorre do artigo 1º do CIRE, que os n.ºs 1 e 2 do artigo 3º do CIRE aplicar-se-ão indistintamente às sociedades comerciais para aferir quando uma sociedade se encontra em insolvência.

O processo de insolvência pode ser desencadeado através de alguma das pessoas elencadas nos artigos 18º a 20º do CIRE, devedor, pelo órgão social incumbido da sua administração, por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor e pelo Ministério Público, e que tenham legitimidade para fazê-lo.

36 Serra, Catarina, O Regime Português da Insolvência, cit., pág. 36 37Serra, Catarina, O Regime Português da Insolvência, cit., pág. 37 e 38

(23)

23

Além do artigo 3º do CIRE, também o artigo 20º do mesmo diploma contém um conjunto de factos-índice que indiciam uma situação de insolvência. São “sintomas de situação de

insolvência”35, indícios de que a entidade pode estar em insolvência ou próxima da mesma, desde que preenchido algum dos factos.

Estes factos-índice permitem aos legitimados dar início a um processo de insolvência, sem necessidade de demonstração efectiva de que o devedor se encontra impossibilitado do cumprimento das obrigações vencidas, o que faz presumir a situação de insolvência. Todos os factos constante das alíneas a) a f) do artigo 20º do CIRE são presunções ilidíveis, ou seja, que admitem prova em contrário (n.º 2 do artigo 350º do CC).

Situação distinta é a que consta da alínea g) do supra mencionado artigo. Esta alínea conjugada com o n.º 3 do artigo 18º do CIRE contém uma presunção inilidível, e como tal absoluta, e irrefutável, de que havendo um incumprimento generalizado nos últimos três meses das obrigações aí vertidas (obrigações tributárias, de contribuições e quotizações junto segurança social, das dívidas dos contratos de trabalho, e de rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência), de que se presume que o devedor de encontra em insolvência, sem possibilidade de prova em contrário.

O devedor ao recepcionar a acção, discordando do que lhe é imputado, e considerando que não se encontra(m) preenchido(s) o(s) facto(s) índice apontados que lhe são apontados pelo credor, poderá sempre opor-se a essa acção e provar que é solvente (n.º 3 do artigo 30º do CIRE).

Sabendo que a insolvência “traduz a situação daquele que está impossibilitado de cumprir

as suas obrigações, normalmente por ausência da necessária liquidez, em determinado momento, porque o total das suas responsabilidades excede os bens de que pode dispor para as satisfazer “ 39, cabe aos administradores no âmbito das suas funções que tenham conhecimento de que a empresa se mostra incapaz de pagar as dívidas vencidas, e que o seu passivo é superior ao activo, tendo em conta os princípios contabilístico, o dever de se apresentarem à insolvência.

(24)

24

Expõe o n.º 1 do artigo 18º do CIRE, que impende sobre o devedor um dever “O devedor

deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias 40 seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la”.

O prazo dos trinta dias constante do n.º 1 deste artigo é peremptório, não se configurando como prazo de caducidade. Este dever de apresentação à insolvência que impende sobre o administrador à data que a conheça ou que devesse conhecê-la, “corre durante as férias

judiciais. Mas, se este não o fizer (dentro deste prazo), não fica desobrigado desse dever, nem os credores ficam sem legitimidade para requerer a insolvência. A única consequência é que, se o prazo estiver ultrapassado, à data de apresentação à insolvência ou do requerimento de insolvência, este dever considera-se incumprido e a sua única consequência consistirá na presunção de culpa grave (art. 186º).”41

“O decurso do prazo de apresentação não faz cessar o correspondente dever, e consequentemente, não retira legitimidade ao insolvente para a instauração da acção.

(…), o art. 18º tem carácter de disposição de protecção, o que significa que a sua

infracção implicaria sempre responsabilidade ao abrigo do art. 483 n.º 1, 2ª modalidade do CC. (…) Não se imputam ao administrador os prejuízos derivados da causação, por ele, de uma insolvência, mas apenas os danos advenientes da omissão ou do retardamento da apresentação à insolvência.”42

O n.º 3 do artigo 18º do CIRE contém uma presunção inilídivel, para o devedor que é também titular da empresa “ Quando o devedor seja titular de uma empresa, presume-se

de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g) do n.º 1 do artigo 20.º”.

40 A Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril veio alterar o requisito temporal, sendo anteriormente de 60 dias, e após a sexta alteração operada ao CIRE o dever de apresentação à insolvência foi reduzido a 30 dias. Serra, Catarina entende que o prazo ora fixado é muito curto para analisar a situação de insolvência, e pode trazer consequências nefastas, na medida em que não querendo os administradores sofrer as sanções que decorrem da sua não apresentação, podem incorrer face a uma inexacta análise, em situações de indevida apresentação à insolvência ou inclusivamente numa apresentação à insolvência quando preencham os requisitos necessários para se apresentar ao PER, in O Regime Português da Insolvência, cit., pág. 41.

41 Martins, Luís M., Processo de Insolvência, 3ª edição, Coimbra, Almedina 2013, pág. 115.

42Lumbrales, Nuno Botelho Moniz, Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pitta e Cunha, Vol. III, Direito Privado, Direito Público e Vária, Breves Reflexões sobre Alguns Aspectos da Responsabilidade Penal dos Administradores e Gerentes das Empresas em Caso de Insolvência, Coimbra, Almedina, 2010, pág. 281 e 285.

(25)

25

A violação deste dever legal implica também a violação de dois deveres que devem pautar toda e qualquer conduta dos administradores, o dever de cuidado e de lealdade (artigo 64º do CSC), que já foram supra abordados no ponto 3.

Como bem afirma Edgar Valles 43 “o administrador ou gerente não são responsabilizados

pelos prejuízos decorrentes da situação de insolvência (a não ser que tenham violado os deveres funcionais de gestão), mas já respondem pelos danos decorrentes da omissão ou do retardamento de apresentação à insolvência”, assumindo desta forma uma dupla

responsabilidade perante os credores e a sociedade.

Caso ocorra a preterição do dever de apresentação à insolvência dentro do prazo e de acordo com os requisitos estipulados, o administrador será responsabilizado pelos seus actos ou omissões, e ser-lhe-ão imputados os danos que daí advenham, bem como gravosas sanções no campo civil, penal, bem como no âmbito do incidente de qualificação de insolvência, como iremos analisar.

5. Administradores de Facto e de Direito 44

Cremos ser de importância para o tema em apreço determinar e esclarecer o conceito do administrador, bem como distinguir sucintamente o que se entende por administrador de direito e administrador de facto, dado que ambos poderão sofrer sanções e serem responsabilizados em sede civil, penal e concursal, como veremos mais adiante.

O CPEREF era omisso quanto à definição do conceito de administrador/gerente/director. Com vista a suprir tal lacuna era necessário recorrer-se à doutrina e à jurisprudência. A

doutrina 45 entendia que um administrador/gerente/director seria aquele que tinha o

controlo e a gestão da pessoa colectiva.

Só mais tarde com a alteração operada ao CPEREF com o Decreto-Lei n.º 315/98, de 20 de Outubro é que foram dadas umas achegas não concretizadas.

43Valles, Edgar, Responsabilidade dos Gerentes e dos Administradores, Coimbra, Almedina, 2015, pág. 32

44 Face ao tema escolhido, foi opção não desenvolver em pormenor Administradores de Facto e de Direito. Para maiores desenvolvimentos sobre esta temática cfr. Costa, Ricardo, Responsabilidade Civil Societária dos Administradores de Facto, in “Temas Societários” n.º 2, IDET, Coimbra, Almedina, 2006, pág. 24 a 44, Ribeiro, Maria de Fátima, A tutela dos credores de sociedades por quotas e a “desconsideração da personalidade jurídica”, Coimbra, Almedina, 2009, Abreu, Jorge Manuel Coutinho de, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades, cit., pág. 99 a 110

(26)

26

Mas foi com a Lei n.º 53/2004, de 18 Março, que criou o CIRE, que passámos a ter uma noção de administrador e de representante legal, conforme decorre do exposto do ponto

20 do Diploma Preambular, bem como da alínea a) do n.º 1 do artigo 6º desse diploma 46.

Apesar da referência legal a administrador de direito e de facto em três preceitos do CIRE, a saber alínea c) do n.º 2 do artigo 49º, alínea a) n.º 3 do artigo 82º e n.ºs 1, 2, e 3 do artigo 186º, a lei é omissa quanto a definição de administrador de direito e a administrador de facto.

A sexta alteração operada ao CIRE com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, inseriu um novo preceito com menção a administrador de direito e de facto, no âmbito dos efeitos decorrentes de uma insolvência ser considerada culposa, alínea a) do n.º 2 do artigo 189º, mas permanece o vazio legal quanto a uma definição de administrador de direito e administrador de facto. E não deixa de ser no mínimo estranho, que o legislador apesar de manter esta lacuna, aponte consequências de responsabilização, noutros diplomas, tanto a nível fiscal como penal (por exemplo artigo 24º da LGT, n.º 3 do artigo 227º, n.º 2 do artigo 227º A, n.º 3 do artigo 228º e n.º 2 do artigo 229º do CP).

Luís M. Martins 47 aponta uma definição para administração de direito “Considera-se

administrador/gerente de direito aquele que se encontra nomeado como titular de um cargo social ou designado no contrato de sociedade, figurando no registo comercial da sociedade.”

Facilmente poderemos apontar uma definição para administrador de direito, como sendo aquele que devidamente designado no contrato de sociedade ou indigitado em Assembleia Geral foi empossado para desempenhar tais funções, e que figura como representante legal da sociedade na sua certidão permanente.

No entanto, já no que concerne a administrador de facto, a sua definição não se afigura tão linear e reveste alguma complexidade. A doutrina e a jurisprudência para sanarem tal lacuna, procuram apontar indícios e/ou definições para administrador de facto.

46Artigo 6º n.º 1 alínea a) do CIRE: “ Não sendo o devedor uma pessoa singular, aqueles a quem incumba a administração ou liquidação da entidade ou património em causa, designadamente os titulares do órgão social que para o efeito for competente”.

(27)

27

Luís M. Martins 48 considera que “Os gerentes de facto praticam actos de gestão sem que

tenham sido legalmente nomeados como titulares do cargo.”

Maria de Fátima Ribeiro 49 aponta uma definição para administração de facto, “o conceito

de administração de facto deve estar ligada à existência de “domínio” da sociedade, situação que permite que alguém que não o administrador (por exemplo um sócio), não o sendo, consiga fazer com que a sociedade se vincule ou actue neste ou naquele sentido, de forma regular e esporádica.”

Coutinho de Abreu 50 também apresenta uma definição para administrador de facto “é

administrador de facto (em sentido amplo) quem, sem título bastante, exerce, directa ou indirectamente e de modo autónomo (não subordinadamente) funções próprias de administrador de direito da sociedade.”

A jurisprudência 51 também procura concretizar o que são administradores de facto como

sendo aqueles “que praticam actos de administração sem que se encontrem legalmente

nomeados como titulares do cargo que exercem”, e considera que “ o conceito de administração ou gerência não resulta da lei, e a doutrina e a jurisprudência tem entendido como indícios reveladores do exercício efectivo do cargo o facto de os gestores praticarem actos de administração e gestão de bens, vincularem a sociedade relativamente a fornecedores, clientes, entidades financeiras e terceiros em geral, assinarem cheques ou outros documentos ou de terem qualquer intervenção na direcção da actividade da empresa.” 52

Consideramos estar perante um administrador de facto quando alguém se encarrega da gestão empresarial, toma decisões com carácter autónomo e com estratégia empresarial, decisões estas que tem efeito vinculativo perante o restante tecido empresarial, com o conhecimento e/ou consentimento dos sócios e dos administradores de direito.

48Martins, Luís M., Processo de Insolvência, cit., pág. 74

49 Ribeiro, Maria de Fátima, A responsabilidade de gerentes e administradores pela actuação na proximidade da insolvência da sociedade comercial, O Direito, 142º, I, Juridireito, 2010, pág. 121

50 Abreu, Jorge Manuel Coutinho de, Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades, cit., pág. 101. Este Autor na mesma obra citada (pág. 99 a 102) considera existirem três tipos de administradores de facto, os administradores aparentes, os administradores ocultos e os administradores na sombra. Os administradores aparentes (os que foram designados com base numa deliberação nula, cujo título caducou ou se extinguiu, ou que não tem título bastante) tem poderes de gestão com autonomia e representam a sociedade junto de terceiros. Os administradores ocultos (os que detém outro título que não o de administrador) tem poder de gestão com autonomia, mas não representa a sociedade. Os administradores na sombra (sob a alçada e “na sombra” do administrador de direito, exerce o controlo e a gestão, sem nunca chegar a representar a sociedade.

51 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21.01.2014, processo n.º 724/12.8TJCBR-1, em www.dgsi.pt 52Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.02.2009, processo n.º STA_045/09, em www.dgsi.pt

(28)

28

Como iremos abordar mais à frente, em caso de preterição dos deveres que lhes são acometidos também os administradores de facto incorrem em responsabilidade civil (contratual ou extracontratual), à semelhança do que acontece com os Administradores de Direito.

Outro dos reflexos da responsabilização do administrador de facto encontra-se patenteado no CIRE, quanto à qualificação de insolvência como culposa (artigo 186º do CIRE), que iremos abordar com mais detalhe, bem como na legitimidade que o AI tem em propor e fazer seguir contra aquele acções de responsabilidade (alínea a) do n.º 2 do artigo 82º do

CIRE). Para Maria de Fátima Ribeiro 53 quanto a este preceito legal considera que “o

contributo (…) para a fundamentação da responsabilidade dos administradores de facto é nulo, porque apenas atribui ao administrador de insolvência legitimidade para propor ou fazer seguir aquelas acções de responsabilidade “que legalmente couberem (…) para as quais já exista fundamento legal expresso.”

Por fim, e também a nível criminal poderão os administradores de facto serem punidos, conforme decorre n.º 3 do artigo 227º, n.º 2 do artigo 227º A, n.º 3 do artigo 228º e n.º 2 do artigo 229º do CP, o que também mais à frente neste trabalho iremos abordar.

Em suma, tanto os administradores de direito como os administradores de facto serão responsabilizados pela prática dos seus actos perante a sociedade, credores sociais e terceiros.

O CSC não apresenta qualquer sanção para os administradores de facto. A doutrina uma vez mais divide-se quanto à responsabilização: há quem invoque o exposto nos artigos 72º e seguintes do CSC, e há quem invoque o exposto no artigo 80º do CSC.

Observando a epígrafe do artigo 80º do CSC “Responsabilidade de outras pessoas com

funções de administração”, bem como para o seu conteúdo “As disposições respeitantes à responsabilidade dos gerentes ou administradores aplicam-se a outras pessoas a quem sejam confiadas funções de administração” é possível afirmar-se que aqui estão incluídas

outras pessoas, como sendo os administradores de facto. 54

53Ribeiro, Maria de Fátima, A Tutela dos Credores da Sociedade por Quotas e a “desconsideração da personalidade jurídica”, cit., pág. 473.

54 Neste sentido, Ramos, Maria Elisabete, Responsabilidade civil dos administradores e directores de sociedades anónimas perante os credores sociais, Coimbra, Coimbra Editora, 2002,pág. 180 e ss.

(29)

29

Por seu turno, há doutrina 55 que refuta a aplicabilidade do artigo 80º do CSC aos

administradores de facto, entendendo que os artigos 72º a 79º do CSC são os que se aplicam aos administradores de facto em sede de responsabilidade civil, numa perspectiva funcional.

Perfilhamos o entendimento de Coutinho de Abreu, de que a responsabilidade dos administradores de facto se subsume aos artigos 72º a 79º do CSC. Parece-nos redundante inserir os administradores de facto dentro do artigo 80º do CSC, primeiro porque entendemos que a referência a administrador, diz respeito quer a administrador de direito, quer a administrador de facto, e depois porque conforme dita a norma, aos administradores de facto sempre se lhes aplicariam as mesmas normas que aos administradores de direito, e como tal parece esvaziada de utilidade esta situação.

Uma vez sucintamente analisada a distinção entre administrador de direito e administrador de facto, e apontadas possíveis definições de ambos, face ao vazio legal existente, analisemos a responsabilidade civil dos administradores.

6. A responsabilidade civil dos Administradores

A responsabilidade civil efetivar-se-á quando os administradores no exercício das suas funções violem deveres legais e/ou contratuais, cabendo-lhes indemnizar os danos que sejam gerados pelas suas condutas.

Sendo o dever de apresentação à insolvência um dever legal específico, analisemos perante quem os administradores serão civilmente responsáveis pela sua violação.

A responsabilidade civil dos administradores divide-se em responsabilidade para com a sociedade (artigo 72º e ss do CSC), responsabilidade para com os credores da sociedade (artigo 78º e ss do CSC), e responsabilidade para com os sócios e terceiros (artigo 79º e ss do CSC), as quais passaremos a analisar.

(30)

30 6.1. Responsabilidade civil dos administradores para com a sociedade

Na relação que se estabelece com a sociedade os administradores deverão cumprir com os deveres contratuais e/ou legais que lhes são acometidos. A violação desses mesmos deveres é geradora de responsabilidade civil contratual e subjectiva, desde que preenchidos os pressupostos típicos da responsabilidade civil, a saber: o facto voluntário (acção/omissão), ilicitude (violação dos deveres legais ou contratuais), culpa (juízo de censura quanto ao comportamento do individuo), dano criado e o nexo de causalidade

(artigo 72º do CSC). 56

Por facto entende-se toda a actuação do administrador quer por acção quer por omissão, quando viole qualquer dever legal ou contratual a que esteja obrigado.

Existe ilicitude quando os administradores violem os deveres legais 57ou contratuais 58 a

que estão adstritos.

Saliente-se que o principal dever do administrador no exercício das suas funções é administrar, dever este que se decompõe noutros deveres, como sendo os deveres legais gerais (já supra referidos e desenvolvidos no ponto dois) e específicos.

O n.º 1 do artigo 72º do CSC em análise consagra uma presunção de culpa. Para que os administradores possam afastar esta presunção que sobre eles impende, e serem desresponsabilizados, caber-lhes-á ilidir a presunção e provar que actuaram sem culpa, com respeito pelos deveres de cuidado e de diligência tal como faria um gestor criterioso e ordenado (n.º 1 do artigo 64º do CSC).

Como quarto pressuposto da responsabilidade civil, elenca-se o dano. Estarão em causa os danos sociais criados pelos administradores no âmbito das suas funções, por preterição dos deveres contratuais ou legais.

Por fim, sempre se diga que terá necessariamente de existir um nexo de causalidade entre o facto e o dano para que ocorra a responsabilização do administrador.

56 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31.03.2011, processo n.º 242/09.3YRLSB.S1, em www.dsgi.pt

57 As disposições legais poderão encontrar-se no CSC (a título exemplificativo, entre outras, o artigo 6º) ou noutros diplomas, como sendo o CIRE (destacamos, porque a mais importante e com relevo para o presente trabalho, o artigo 18º do CIRE, quanto ao dever de apresentação à insolvência) ou o CP (por exemplo artigo 227º).

58 Às disposições contratuais poderão também corresponder as disposições estatutárias, in Abreu, Jorge Manuel Coutinho de, Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades, cit., pág. 72

Referências

Documentos relacionados

Additionally, half of the interview participants that would like to look for a job abroad after their graduation explicitly stated that they do not want to live outside

No projeto de 15 de maio de 2013 encontrava- se consignado que a SIC generalista deveria emitir, desde o segundo ano de vigência do Plano, uma hora e trinta minutos semanais de

O Bootstrap não é o único framework CSS do mercado, no entanto é o mais reputado do mercado e foi selecionado para o website portveb.com por possuir uma

We, therefore, ask whether the public visibility of populist messages in a country has an impact upon the effects of populist messages (Research Question 1; RQ1) and use the

•• 56 •• Garbui BU Azevedo CS Matos AB Ensaio de resistência adesiva por microtração: revisão de literatura Rev. Shono Y, Ogawa T, Terashita M, Carvakho RM, Pashley

Com o intuito de promover saúde por meio de informação à população, foi desenvolvido um manual didático, de baixo custo, contendo 12 páginas de material informativo sobre a

INTRODUÇÃO: A síndrome de Poland trata-se de uma anomalia congênita rara que se manifesta clinicamente de maneira variável, resultando em hipoplasia ou aplasia total dos músculos