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12.1. Contextualização

Até 2012 foi concedida primazia à liquidação das empresas e consequentemente à satisfação dos credores, em prol da recuperação da empresa, conforme resulta do número 3 do Diploma Preambular do CIRE “O objectivo precípuo de qualquer processo de

insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores”.

A viragem em 2012, não se deu do nada. Começou com o Memorando de Entendimento

da Troika em Setembro de 2011, mais concretamente com o ponto 2.17170, continuou com

as Resoluções do Conselho de Ministros 171, e com o Programa Revitalizar que se iniciou

em Fevereiro de 2012, tendo culminado com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, e a criação do Processo Especial de Revitalização, inserindo no CIRE um novo capítulo II, com o aditamento dos artigos 17ºA a 17º I, e com a introdução do n.º 2 do artigo 1º.

Passou a ser primordial a recuperação da empresa, e só quando tal não se afigurasse possível, partir para a liquidação da mesma, com vista à satisfação dos credores.

168 Conferir artigo 15º do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 03 de Agosto

169 Face ao tema escolhido, e porque entendemos tratar-se de um desvio ao presente trabalho, foi opção não desenvolver em pormenor o PER. Para maiores desenvolvimentos sobre esta temática cfr. Gonçalves, Filipa, Estudos de Direito da Insolvência, O Processo Especial de Revitalização, Coimbra, Almedina, 2015, pág. 51 a 98, Lousa, Nuno Ferreira, I Colóquio de Insolvência de Santo Tirso, O incumprimento do plano de recuperação e os direitos dos credores, Coimbra, Almedina, 2014, pág. 119 a 140, Serra, Catarina, O Regime Português da Insolvência, cit., pág. 175 a 190, Serra, Catarina, I Congresso de Direito da Insolvência, Revitalização - A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE, cit., pág. 85 a 106, Serra, Catarina, AB INSTANTIA, Revista do Direito do Conhecimento AB, Ano 2, n.º 4, semestral, Tópicos para uma discussão sobre o processo especial de revitalização (com ilustrações jurisprudenciais), Coimbra, Almedina, 2014, pág. 53 a 109, Epifânio, Maria do Rosário Manual de Direito da Insolvência, cit., pág. 261 a 269, Epifânio, Maria do Rosário, II Congresso do Direito das Sociedades em Revista, O processo especial de revitalização, Coimbra, Almedina, 2012, pág. 257 a 264, Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito da Insolvência, cit., pág. 309 a 314, Martins, Alexandre de Soveral, AB INSTANTIA, Revista do Direito do Conhecimento AB, Ano 1, n.º 1, semestral, O P.E.R. (Processo Especial de Revitalização), Coimbra, Almedina, 2013, pág. 17 a 41.

170 Ponto 2.17“ A fim de melhor facilitar a recuperação efectiva de empresas viáveis, o Código de Insolvência será alterado até ao fim de Novembro de 2011, com assistência técnica do FMI, para, entre outras, introduzir uma maior rapidez nos procedimentos judiciais de aprovação de planos de reestruturação”.

69 “É o que a lei pretende com o Procedimento Especial de Revitalização, evitar a insolvência e consequente liquidação e ao invés, privilegiar a recuperação.”172

“O PER é um processo judicializado, sob controlo da legalidade de um Juiz, com a intervenção de um administrador judicial provisório, nomeado de imediato por este, (cf. art. 17º-C, n.º 3, al. a e arts. 32º a 34º do CIRE), que inúmeras vezes é visto como um entrave, e contrariamente ao que se verifica no SIREVE, há uma crescente desconfiança dos credores, que emerge da descontinuidade da laboração da empresa o que aprovisiona um aumento das dificuldades que daí possam vir a decorrer.”173

A Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril teve aplicabilidade tardia, dado que a produção de efeitos somente ocorreu a 20 de Maio de 2012, apesar do Memorando de Entendimento ser de Setembro de 2011, e a primeira Resolução do Conselho de Ministros, também do mesmo ano.

Com a supra mencionada lei foi ainda possível reforçar a responsabilidade civil dos administradores, fossem estes de facto ou de direito, de forma solidária, desde que tenham prejudicado ou causado prejuízos durante a fase negocial aos credores.

12.2. Aplicabilidade

Analisada a forma como foi criado o PER, há que caracterizar este tipo de procedimento. O PER “é um processo pré-insolvencial, cuja maior vantagem é a possibilidade de o

devedor (qualquer devedor) obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente”

174

e permite uma maior celeridade e simplicidade processuais, na medida em que por

meio de processo negocial (artigos 17ºA a 17ºH CIRE) ou acordo extrajudicial (artigo 17ºI do CIRE) os credores e o devedor possam encontrar uma via de recuperação empresarial, sem que tal comporte impacto negativo na economia, aumento do desemprego e extinção de negócio comercial.

172 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10.07.2013, processo 754/13.4TBLRA.C1, em www.dgsi.pt

173 Monteiro, Juliana Raquel Ferreira, Tese de Mestrado, Via Verde ao Sireve, uma Solução Negociada, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 2014, pág.37, nota de rodapé 78.

174 Serra, Catarina, Processo Especial de Revitalização-contributos para uma “rectificação””, Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, n.ºs II/III, Abril-Setembro, Lisboa, 2012; O Regime Português da Insolvência, cit., pág. 175 e 176

70 “Não se trata de uma modalidade do processo de insolvência, mas sim de uma espécie que vive em paralelo e autonomamente àquele, construído para a obtenção de resultados distintos.”175

O processo especial de revitalização apresenta uma natureza mista, reveste-se de carácter extrajudicial e judicial. Maria do Rosário Epifânio denomina tal processo como

“público e urgente” e como “um processo especial de natureza híbrida ou mista (…) 176

com uma forte componente desjudicializadora.” 177 Além destes aspectos é ainda possível

caracterizá-lo como “um processo concursal (…) e um processo urgente 178”.

Clarificando, híbrido porque o processo tem uma parte processual e judicial, e uma parte negocial e extrajudicial; concursal (n.º 6 do artigo 17ºF do CIRE) porque a aplicabilidade da decisão final estende-se a todos os credores, inclusive aos que não tenham estado envolvidos no processo; urgente (n.º 3 do artigo 17º A do CIRE) porque há que encontrar rapidamente uma solução para a recuperação do devedor.

Outra característica que este processo tem é o seu carácter facultativo. Ao contrário do que sucede na insolvência, e que decorre do artigo 18º do CIRE (impende sobre o devedor a obrigatoriedade de apresentação à insolvência dentro do prazo legalmente estabelecido), no PER o devedor só recorre a este mecanismo desde que esteja numa situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente, e desde que lhe seja possível a recuperação.

Por um lado, este processo de recuperação permite realizar um acordo entre o credor e os devedores, desde que devidamente analisada a situação económica da empresa e sendo considerada possível a recuperação da mesma, com a “mediação” e avaliação realizada pelo AJP.

175Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12.09.2013, processo 1640/13.3TBGMR-A.G1, em www.dgsi.pt

176 Epifânio, Maria do Rosário, O Processo Especial de Revitalização, cit., pág. 14. Outrossim, “A lei expressamente o qualifica como um processo especial.” In Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12.09.2013, processo 1640/13.3TBGMR-A.G1, em www.dgsi.pt. No mesmo sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10.02.2015, processo n.º 998/14.1TYLSB-B.L1-7, em www.dgsi.pt “ O processo de revitalização assume uma natureza específica, com finalidades próprias pois que se destina, em primeira linha, à recuperação do devedor.”

177 Epifânio, Maria do Rosário, II Congresso do Direito das Sociedades em Revista, O processo especial de revitalização, cit., pág. 258.

178 Epifânio, Maria do Rosário, O processo especial de revitalização, cit pág.14; XVIII Encontro Nacional da APAJ, de 05.12.2015, Processo Especial de Revitalização (PER) e os negócios em curso, disponível em http://www.google.pt/url?url=http://apaj.pt/apaj/wp-content/uploads/2015/11/PER-os-efeitos-sobre-os- neg%25C3%25B3cios-em-curso-Maria-do-Ros%25C3%25A1rio-

Epif%25C3%25A2nio.pptx&rct=j&frm=1&q=&esrc=s&sa=U&ved=0ahUKEwjf3627uf3MAhXIfRoKHYjZBJsQFggaMAE&usg=AFQjCNHK_uPox7o-Ujcre1Q3sWBxvT- Amg, consultado pela última vez a 28.05.2016.

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Por outro lado, a intervenção judicial resume-se essencialmente a três actos (desde que excluindo o carácter formalista da publicidade do processo e depósito da documentação): à nomeação do AJP, à decisão sobre a impugnação da lista provisória dos créditos e à homologação/recusa do plano de recuperação que revitalize a empresa (cfr. artigos 17º C n.º 3 alínea a), 17º n.º 3 e 17º F do CIRE).

Para que os devedores recorram ao PER deverão preencher os seus pressupostos subjectivos e objectivos.

Como pressuposto subjectivo, o PER aplica-se a todos os devedores (nº 2 do artigo 1º e n.º 1 do artigo 17º A do CIRE). A discussão que alimenta a doutrina reside em saber se

esses devedores são pessoas colectivas e empresários em nome individual 179, ou se

também é possível estender a aplicabilidade aos singulares e aos patrimónios autónomos

180

.

Se atendermos ao elemento meramente literal, consideramos que se aplica a todos os devedores que se encontrem em situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente. No entanto, se apontarmos pelo objectivo para o qual foi a lei criada, somos obrigados a entender que se aplicará somente a empresários ou pessoas colectivas,

sendo esse o entendimento por nós sufragado 181.

Analisados os pressupostos subjectivos há que analisar os pressupostos objectivos para recurso ao PER.

Para que o devedor recorra ao PER é necessário que se encontre numa situação económica difícil ou insolvência iminente (já supra analisado nos pontos 10.1. e 10.2.), e que tenha capacidade para se recuperar (nº 2 do artigo 1º e n.º 1 do artigo 17º A do CIRE).

179 Fernandes, Luís A. Carvalho e Labareda, João consideram que o âmbito de aplicabilidade é só a pessoas colectivas, porque a recuperabilidade implica necessariamente as empresas e porque a preocupação subjacente desde 2012 com o Plano Revitalizar, o SIREVE e o PER foi reservado à recuperação e evolução empresarial e não às pessoas singulares, in Fernandes, Luís A. Carvalho/Labareda, João, Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas Anotado: actualizado de acordo com as Leis n.º 16/2012 e 66-B/2012 e o Código de Processo Civil de 2013, Lisboa, Quid Iuris, 2013

180 Peralta, Ana Maria, “O SIREVE aplica-se apenas a empresas; o PER aplica-se a todo o devedor, património autónomo, pessoa singular ou colectiva, titular ou não de empresa”, in III Congresso Direito da Insolvência, Os “Novos Créditos”: conceito e regime, Coimbra, Almedina, 2015, pág. 282, nota de rodapé 11, e Silva, Fátima Reis “A lei não tem qualquer regra que limite o acesso a este tipo de processos em função do devedor. Ele poderá, assim, ser utilizado por qualquer devedor seja qual for a sua natureza jurídica desde que reúna os requisitos previstos (situação económica difícil ou insolvência iminente e recuperabilidade.” In Processo Especial de Revitalização- Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto, Porto Editora, 2014, pág. 20.

181Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/2012, de 03 de Fevereiro “criação de apoios e incentivos à reestruturação e revitalização do tecido empresarial, dadas as externalidades positivas que promove, como sejam a criação de postos de trabalho, o crescimento das exportações, o fomento do desenvolvimento regional, em particular das regiões mais carecidas, o dinamismo das entidades da economia social, bem como o contributo para a estabilização do sistema de segurança social”.

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No PER existem ainda duas modalidades: os acordos alcançados do longo do processo e os acordos extrajudiciais de recuperação do devedor.

Nos acordos que são alcançados ao longo do processo, o PER inicia-se com uma declaração assinada entre o devedor e pelo menos um dos credores, num momento posterior e após a apresentação de um plano travam-se negociações entre o devedor e os credores, e quando se chega a consenso, o tribunal homologa o plano, que vincula todos os credores, inclusivamente aqueles que não participaram do processo (artigo 17º A a 17ºH do CIRE). O recurso ao PER pode ainda fazer-se através dos acordos extrajudiciais

de recuperação do devedor (artigo 17º I do CIRE).182