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Conforme decorre do artigo 2º do Estatuto do Administrador Judicial (Decreto-Lei n.º 22/2013 de 26 de Dezembro) os Administradores Judiciais tanto são AI, como AJP, tendo em comum o facto de serem um órgão fiscalizador e com poderes-deveres quer no processo de insolvência, quer no PER.

O AJP poderá ser indicado pelo devedor ou escolhido aleatoriamente, quando ocorra a

distribuição dos processos 183. A nomeação do AJP é imediatamente efectuada pelo Juiz

(alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 17º C do CIRE) e as suas funções cessam quando ou se homologa o plano de recuperação ou quando após o seu parecer e nos 3 (três) dias úteis posteriores, o Juiz decreta a situação de insolvência, ou quando é substituído ou reconduzido a AI.

A nomeação do AJP comporta efeitos substantivos e processuais, que analisaremos mais à frente.

O objectivo do AJP é a recuperação empresarial. Para tal, a sua actividade no âmbito do PER, sucintamente, passa pela verificação dos créditos e elaboração de uma lista provisória (n.ºs 2 e 3 do artigo 17º D do CIRE), administrar os bens do devedor (n.º 2 do

182 Serra, Catarina, defende que estes acordos extrajudiciais de recuperação do devedor se distanciam um pouco do âmbito do PER, dado que o seu cariz é iminentemente extrajudicial, in O Regime Português da Insolvência, cit., pág. 189.

183 Note-se que os artigos 32º a 34º do CIRE, face à limitada intervenção judicial, devem ser utilizados cautelarmente, atendendo à finalidade subjacente ao PER. A ressalva a fazer-se prende-se como artigo 33º do CIRE porque, excepção feita aos actos de especial relevo (artigo 161º do CIRE) e à possibilidade de aceder à sede e elementos contabilísticos do devedor, para elaborar a lista provisório de créditos (n.º 3 do artigo 33º do CIRE), ao AJP estão vedados todos os outros poderes exclusivos de administração e gestão patrimonial do AI

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artigo 17º E do CIRE), aceitar ou não a prática de actos de especial relevo pelo devedor

(artigo 161º do CIRE e n.º 2 do artigo 17º E do CIRE) 184 185, acompanhar e fiscalizar o

plano de recuperação, nunca assacando para si o poder de gestão, mas mediando e conciliando as posições assumidas pelo devedor e pelos credores, fiscalizar todo o processo negocial ou extrajudicial, fazer respeitar os princípios orientadores da recuperação extrajudicial dos devedores constantes da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2001, de 25 de Outubro (n.ºs 9 e 10 do artigo 17º D do CIRE), e emitir parecer sobre a eventualidade do devedor se encontrar em insolvência, aquando da não aprovação do plano (n.º 4 do artigo 17º G do CIRE).

Cumpre ainda referir o que sucede, caso o AJP não cumpra com as funções que lhe estão acometidas, e no caso de cumprimento das mesmas, qual a remuneração a que tem direito.

Não existe norma legal que permita punir o AJP quando não cumpra com as suas funções

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, pelo que cabe ao Juiz aplicar analogicamente o exposto no artigo 56º do CIRE (destituir e afastar o AJP, substituindo-o por outro quando não cumpra as funções que lhe são adstritas) 187.

184 “O administrador judicial provisório desempenha um papel do maior relevo, no âmbito do processo de revitalização. Compete-lhe participar nas negociações, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos e a sua regularidade e, na falta de convenção entre todos os intervenientes, deve definir as regras que regerão as negociações (n.ºs 8 e 9 do art.º 17.º-D do CIRE). Deve assegurar que as partes não adoptam expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais à boa marcha das negociações (n.º 9 do art.º 17.º-D do CIRE). O administrador judicial provisório elabora a lista provisória de créditos (n.º 2 do art.º 17.º-D), acorda com o devedor a prorrogação do prazo para as negociações (n.º 5 do art.º 17.º- D), autoriza ou não o devedor a praticar actos de especial relevo (n.º 2 do art.º 17.º-E), atesta a documentação que comprova a aprovação unânime do plano de recuperação (n.º 1 do art.º 17.º-F), recebe os votos, abre-os em conjunto com o devedor e elabora o documento com o resultado da votação (n.º 4 do art.º 17.º-F), comunica ao tribunal o encerramento do processo negocial caso o devedor e a maioria dos credores concluírem antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo para a conclusão das negociações e publicita tal facto no portal Citius (n.º 1 do art.º 17.º-G), emite parecer, após ouvir o devedor e os credores, sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência, e, em caso afirmativo, requer a insolvência do devedor (n.º 4 do art.º 17.º-G).

In Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.03.2014, processo n.º 1904/12.3TYLSB.L1-2, em www.dgsi.pt

185 Com carácter muito restritivo dos poderes do AJP refira-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães,de 12.09.2013, processo n.º 1640/13.3TBGMR- A.G1, em www.dgsi.pt “o único dever e competência do administrador judicial provisório no âmbito do processo especial de revitalização é autorizar ou não a prática pelo devedor de actos de especial relevo, tal como definidos no artigo 161º”. Em sentido oposto, em que o AJP tem inúmeras funções que lhe competem, fundamentais para o normal desenrolar do PER de onde se destaca nomeadamente a elaboração da lista provisória de créditos, a recepção de toda a informação necessária e atempada pelo devedor, servir de mediador e conciliador no âmbito das negociações, orientando e fiscalizando o seu decurso, elaborar parecer se o devedor se encontra em insolvência ou não e comunica-lo ao tribunal, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.11.2014, processo n.º 580/14.3TBFAF- A.G1, em www.dgsi.pt

186 O Estatuto do Administrador Judicial prevê nos artigos 17º e ss. aplicabilidade de sanções disciplinas em caso de violação do Estatuto

187 “Quanto à possibilidade, legal, de destituição do Administrador provisório nomeado no âmbito do PER (ainda que do art. 17 e do art. 32 não resulte qualquer remissão expressa para o art. 56, que prevê a destituição do Administrador de insolvência), ela resulta da exigência de coerência do sistema e da necessidade de garantir que no processo (seja de insolvência seja especial de revitalização) sejam cumpridas pelo administrador nomeado as suas funções, por forma a assegurar o cumprimento da Lei e a salvaguarda de todos os interesses em presença” in Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13.03.2014, processo n.º 1904/12.3TYLSB.L1-2, em www.dgsi.pt

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A retribuição do AJP (artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial) revela-se controvertida. O Estatuto do Administrador Judicial entrou em vigor no final de Março de 2013 e refere-se a uma portaria que deveria ter sido publicada, e que até à presente data não o foi (volvidos mais de 3 anos sobre a publicação e entrada em vigor do Estatuto). Conforme decorre do referido artigo, o AJP tem direito a duas remunerações, uma fixa e uma variável, em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente. Face à supra identificada lacuna, o entendimento jurisprudencial tem sido distinto.

Uns entendem188 que a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro terá aplicabilidade à

remuneração variável a atribuir ao AJP (embora o seu âmbito de aplicação diga estritamente respeito ao AI), aprovando “o montante fixo de remuneração do

administrador da insolvência nomeado pelo Juiz, bem como as tabelas relativas ao montante variável de tal remuneração, em função dos resultados obtidos”.

Outros entendem 189 que apesar da remuneração fixa e variável devidas pelo artigo 23º do

Estatuto do Administrador Judicial, que tal Portaria não poderá ter qualquer tipo de aplicabilidade porque o objectivo inerente a ambos os processos é diferente, devendo o Juiz arbitrar um determinado valor que seja equitativo face ao trabalho e funções desempenhadas pelo AJP no âmbito do resultado obtido no PER, até que ocorra a publicação da portaria.

Sufragamos o entendimento do último parágrafo supra, dado que não existe normativo legal que permita a sua aplicação, cabendo ao Juiz arbitrar o valor a atribuir ao AJP.

A nomeação do AJP pelo Juiz gera efeitos substantivos e efeitos processuais, que analisaremos em seguida.

188 “A remuneração que é devida ao administrador judicial provisório é calculada em função da aplicação, devidamente conjugada/articulada, de normativos que integram três diplomas legais, a saber, o CIRE, o ESTATUTO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL e a PORTARIA N.º 51/2005, de 20 de Janeiro (…) Aceitando-se que as tabelam que integram ambos os Anexos da Portaria n.º 51/2005, não regulam especificamente os resultados obtidos no PER em função da recuperação do devedor, certo é que, dada a analogia das situações, não se descortina fundamento pertinente que impeça a sua aplicação no âmbito do cálculo da remuneração variável que o administrador judicial provisório é devida em PER no qual tenha desempenhado funções”. In Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24.11.2014, processo n.º 1539/13.3TBFAF.G1, em www.dgsi.pt

189 “O administrador judicial provisório nomeado (…) terá direito a uma remuneração fica, a que alude o n.º 1 do artigo 23º, à qual, no caso de vir a ser aprovado um plano de recuperação deverá acrescer uma remuneração variável. (…) os critérios previstos na Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro (…) mostram-se inadequados para servir de base ao cálculo da remuneração da actividade do AJP. Enquanto não foi publicada a portaria em falta, tal remuneração variável deverá ser ficada em função do resultado da recuperação, com recurso à equidade, e tendo em consideração as funções desempenhadas pelo AJP, atendendo, para tal, ao número e natureza dos créditos reclamados, montante dos créditos a satisfazer, prazo durante o qual exerceu as suas funções.” In Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16.02.2016, processo n.º 5543/14.6T8CBR.C1, em www.dgsi.pt

75 13.1. Efeitos Substantivos

O devedor, em sede do PER, tem poderes para dispor e administrar os seus bens, encontrando-se condicionado no que diz respeito aos denominados actos de especial relevo (artigo 161º do CIRE e n.º 2 do artigo 17º E do CIRE).

Os actos de especial relevo são actos que influenciam definitivamente a gestão empresarial e que se prendem com a aquisição e alienação da empresa e/ou bens móveis ou imóveis que pertençam a esta, bem como a celebração de contratos que se prolonguem no tempo (n.º 3 do artigo 161º do CIRE), e que não têm qualquer definição na lei.

Caberá ao AJP permitir ou não ao devedor a prática de actos de especial relevo. O devedor requererá ao AJP por escrito uma prévia autorização para a prática deste tipo de actos e deverá aguardar que o AJP se pronuncie ou não quanto à sua prática (n.ºs 2 e 3 do artigo 17º E do CIRE). O AJP tem 5 (cinco) dias para se pronunciar, e o seu silêncio do não vale como anuência ao devedor para que este possa praticar estes actos (n.ºs 4 e 5 do artigo 17º E do CIRE).

“O devedor apenas fica impedido de praticar actos de especial relevo, tal como se mostrem definidos no artigo 161º do CIRE, sem que previamente obtenha autorização para a realização da operação pretendida por parte do administrador judicial provisório.”190

Nesta senda, o AJP poderá ser entendido como um verdadeiro obstáculo para o devedor, que com respeito pelo artigo 64º do CSC pretenda celebrar negócios vantajosos para a sua entidade e para os credores.

Pela posição que assume o AJP, sobretudo quanto à possibilidade de impedir a prática de actos de especial relevo por parte do devedor, entendemos o contrário do que defende Catarina Serra, “(…) mais como um colaborador do devedor do que um defensor dos

interesses dos credores (…)” 191. O AJP não é um membro colaborante, mas sim essencial, com poderes-deveres, que lhe permitem barrar situações absolutamente desastrosas para o devedor e consequentemente para os credores.

190 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12.09.2013, processo n.º 1640/13.3TBGMR-A.G1, em www.dgsi.pt. No mesmo sentido também Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25.09.2014, processo n.º 983/14.3TBBCL-A.G1, em www.dgsi.pt

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Caberá ao AJP analisar, em concreto, os benefícios e os prejuízos que a prática de tais actos pelo devedor acarretem para a empresa, na medida em que tanto por acção como por omissão poderão ser responsabilizados pelos danos que daí derivem para o devedor e para os credores, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 59º do CIRE por remissão do artigo 34º do CIRE, ex vi alínea a) do n.º 3 do artigo 17º C do CIRE.

O prazo legal concedido para que o AJP dê o seu aval para a prática do devedor de tais actos é extremamente curto (cinco dias) e poderá levar a que o devedor pratique tais actos à revelia da autorização do AJP.

A prática de um acto de especial relevo sem que exista a prévia autorização para o efeito

do AJP implica a ineficácia dos actos praticados quanto aos bens do devedor 192. Com o

PER o devedor não fica privado da disposição e administração dos seus bens, não ocorrendo por parte do AJP a apreensão dos bens ou qualquer tipo de liquidação, e como tal a ineficácia de qualquer acto praticado pelo devedor sem ter a anuência para o efeito do AJP termina com o encerramento do dito processo de revitalização.

A lei é omissa quanto à ratificação para a prática de tais actos, no entanto nada obsta a que o AJP possa ratificar e aceitar os actos praticados sobretudo em sede de benefício do devedor.

13.2. Efeitos processuais

Com o despacho de nomeação do AJP, não devem ser instauradas quaisquer acções de cobrança de dívida e são suspensas todas as acções desta natureza pendentes contra o

devedor (n.º 1 do artigo 17º E do CIRE). 193

Note-se que o plano de recuperação pode ditar a continuidade das mesmas (n.º 1 do artigo 17º E do CIRE in fine).

192 Cfr. artigos 81º n.º 6, artigo 34º, artigo 17ºC n.º 3 alínea a) do CIRE

193Serra, Catarina entende que ao referir-se a acções de cobrança de dívida, se refere tanto a acções declarativas como executivas. No que concerne a acções em que existam créditos litigiosos em discussão, o seu entendimento é de que tais acções deverão prosseguir e não ficarem suspensas, conforme decorre do preceito legal, in I Congresso de Direito da Insolvência, Revitalização - A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE, cit., pág. 99 e 100.

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Após a homologação do plano de recuperação, as acções de cobrança acabam por se extinguir (n.º 1 do artigo 17º E do CIRE).

Também os processos de insolvência que sejam instaurados antes da admissão do PER são suspensos, quando ainda não tenha sido proferida sentença declaratória de insolvência, e extinguem-se logo que homologado e aprovado o plano de recuperação (n.º 6 do artigo 17º E do CIRE).

14. A Responsabilidade do Devedor pelo Recurso Indevido ao Processo Especial de