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Quando nos referimos a insolvência, a ideia vertida sobre a palavra é de término da vida útil e activa de tecido empresarial, de condenação das empresas à liquidação e à dissolução, e do seu afastamento da vida social e empresarial.

Os últimos anos têm-se pautado por um flagelo económico-financeiro sentido a nível internacional, e infelizmente, com reflexo a nível nacional, com nefastas consequências: o aumento da taxa de desemprego, o aumento do crédito mal parado, o aumento do desinvestimento e de um “boom” de insolvências, tanto no plano comercial, como no plano individual.

Manter um Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, regulador do término judicial das empresas, não poderia ser a opção viável, haveria que passar-se para uma via que permitisse a sustentabilidade económico-financeira, paralela e de alternativa à insolvência, para impulsionamento do tecido empresarial que ainda pudesse ser viável, ou seja, apostar nos empresários que quisessem recuperar.

O Memorando de Entendimento celebrado entre a República Portuguesa e o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional de 17 de Maio

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de 2011, dedicou um capítulo a tal tema denominado “Enquadramento legal de

reestruturação de dívidas de empresas e particulares” (pontos 2.17 a 2.21 do diploma em

questão).

Uma tentativa de estancar e sanar tais questões tão críticas, imprimindo celeridade à recuperação às empresas, traduziu-se na implementação do SIREVE e do PER no ordenamento jurídico português.

O Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (denominado SIREVE), foi criado e regulado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 03 de Agosto, e posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 26/2015, de 06 de Fevereiro.

O SIREVE foi criado para substituir o Procedimento Extrajudicial de Conciliação (PEC),

conforme consta do ponto 2.18 do Memorando de Entendimento141, e tem por base duas

Resoluções do Conselho de Ministros, a Resolução n.º 43/2011, de 25 de Outubro142 que

contém os princípios orientadores de recuperação extrajudicial dos credores e a

Resolução n.º 11/2012, de 03 de Fevereiro 143 que criou o Programa Revitalizar.

O Processo Especial de Revitalização (PER) 144 é um processo híbrido 145, criado pela Lei

n.º 16/2012, de 20 de Abril, que procedeu à sexta alteração ao Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março), com alteração ao artigo 1º e o aditamento dos artigos 17º-A ao 17º-I, a esse diploma.

Estes dois mecanismos “visam estabelecer um processo negocial de adesão voluntária”

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para recuperar a empresa e apresentam uma dicotomia vitoriosa, por um lado com o

141 2.18. “ Princípios gerais de reestruturação voluntária extra judicial em conformidade com boas práticas internacionais serão definidos até fim de Setembro de 2011”.

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Que contem os princípios orientadores da Recuperação Extrajudicial de Credores “(…) A empresa que se encontra numa situação financeira difícil e os respectivos credores possam optar por um acordo extrajudicial que visa a recuperação do devedor e que permita a este continuar a sua actividade económica. O enfoque dado a estes mecanismos decorre do facto de se considerar que, em comparação com o processo judicial de insolvência, estes procedimentos, em virtude da sua flexibilidade e eficiência, permitem alcançar diversas vantagens: a empresa mantém-se sempre em actividade, os credores têm uma taxa de recuperação de crédito mais elevada e a empresa mantém as suas relações jurídicas e económicas com trabalhadores, clientes e fornecedores. Por outro lado, estes procedimentos permitem ainda evitar que estas situações cheguem aos tribunais, libertando-os para outros processos. Por estes motivos, os procedimentos extrajudiciais de recuperação de devedores são instrumentos fundamentais numa estratégia de recuperação e viabilização de empresas em dificuldade económica”

143 “Cria o Programa Revitalizar, uma iniciativa do Governo com vista à optimização do enquadramento legal, tributário e financeiro, em que o tecido empresarial em Portugal desenvolve a sua actividade. (…) O Programa Revitalizar é um programa de acção do Governo envolvendo (…) e visa dar uma resposta estratégica global à importância que presentemente assume a temática da revitalização do tecido empresarial em Portugal.”

144 O PER somente entrou em vigor em Maio de 2012, mais de 6 meses após o ditado pelo ponto 2.17 (A fim de melhor facilitar a recuperação efectiva de empresas viáveis, o Código de Insolvência será alterado até ao fim de Novembro de 2011, com a assistência técnica do FMI, para, entre outras, introduzir uma maior rapidez aos procedimentos judiciais de aprovação de planos de reestruturação.) do Memorando da Troika

145 Serra, Catarina, O Regime Português da Insolvência, cit., pág. 174.

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ressarcimento dos credores, e por outro, com a recuperação da empresa, para que esta volte a integrar a sã saúde económico-financeira do tecido empresarial.

Atentemos agora sobretudo, antes de avançarmos para o SIREVE e o PER, em duas expressões, que são o ponto de partida para “revitalizar” as empresas, a insolvência iminente e a situação economicamente difícil, expressões legais que salvo melhor opinião, se afloram como vagos e por vezes, de difícil concretização.

10.1. Insolvência Iminente

Note-se que não existe qualquer definição de insolvência iminente no ordenamento jurídico português, sendo somente possível através da doutrina e da jurisprudência concretizar tal conceito e suprir essa lacuna.

Ao atentarmos sobre o artigo 3º n.º 1 do CIRE veremos que “ é considerado em situação

de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”, complementando o n.º 2 do supra mencionado artigo que é também

considerando insolvente “quando o seu passivo seja manifestamente superior ao seu

activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis”.

A doutrina aponta assim um conjunto de definições para concretizar tal expressão. Nas

palavras de Sandra Cristina Alves Pereira Russel Pinto 147, “a iminência da insolvência

caracteriza-se pela ocorrência de circunstâncias que não tendo ainda conduzido ao incumprimento em condições de poder considerar-se a situação de insolvência já actual, com toda a probabilidade a vão determinar a curto prazo, exactamente pela insuficiência do activo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível”, nas de Catarina Serra 148 “é a situação em que já o devedor já antevê que estará impossibilitado de cumprir as suas obrigações de cumprir as suas obrigações quando elas se vencerem, no futuro próximo” e

147 Pinto, Sandra Cristina Alves Pereira Russell, A Responsabilidade por um Pedido Infundado de Insolvência, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico- Privatísticas, Universidade do Porto, Faculdade de Direito, Porto, Julho 2011, pág. 14

148 Serra, Catarina, O Regime Português da Insolvência, cit., pág. 177. Outrossim Serra, Catarina, I Congresso do Direito da Insolvência, Revitalização- A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE, Coimbra, Almedina, 2013, pág. 91.

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nas de Maria do Rosário Epifânio 149“a iminência da insolvência consiste na probabilidade

de o devedor não cumprir as suas obrigações actuais, no momento em que se vençam.”

Outrossim também são apontadas definições por parte da jurisprudência 150 “Para

caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas, sendo que o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas suas próprias circunstâncias do incumprimento evidenciam a impotência, para o obrigado de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos”.

“ A situação de insolvência aparente não está definida na lei e é aquela em que o devedor

parecer estar numa situação de insolvência, mas ainda não está, v.g., em virtude de ter créditos vincendos e vencidos ainda não satisfeitos, ter créditos e os seus credores não terem conhecimento destes factos.”151

A situação de insolvência iminente é uma situação prévia e anterior à da insolvência actual, ou seja, o devedor tem consciência das suas fragilidades económicas quanto ao cumprimento pontual das obrigações vencidas, no entanto, ainda tenta recuperar e viabilizar a empresa, recebendo os créditos pelos serviços prestados e não liquidados, ou recorrendo à ajuda dos seus trabalhadores ou ao crédito (pessoal e de terceiros), para satisfazer os compromissos assumidos junto dos credores.

10.2. Situação Económica Difícil

Situação distinta é a da situação económica difícil, cuja definição se encontra no artigo 17º-B do CIRE, “situação económica difícil o devedor que enfrentar dificuldade séria para

cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.”

149Epifânio, Maria do Rosário, Manual do Direito da Insolvência, cit., pág. 24. Esta Autora acaba por uns parágrafos abaixo delimitar temporalmente a insolvência iminente considerando que “muito embora ainda não tenha sido possível determinar com rigor o período temporal para a realização deste juízo de prognose (o qual, aliás, deve ser fixado caso a caso, tem-se apontado, para, como mínimo, o período de um ano”. Tal entendimento não é perfilhado por Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes dado que considera “o período relevante para efeitos de verificação dessa prognose não poderá ser formulado em abstracto, dependendo do momento em que se verifique o futuro vencimento das obrigações”, in I Congresso de Direito da Insolvência, Pressupostos da Declaração de Insolvência, cit., pág. 178.

150 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18.12.2012, processo 505/12.0TYLSB.L1-7, em www.dgsi.pt 151 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 20.02.2014, processo 8/14.9TBGMR.G1, em www.dgsi.pt

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No entanto, também a jurisprudência 152 aponta a definição de situação económica difícil,

como “aquela em que o devedor tem dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas

obrigações, por motivos que podem ser de vária ordem, como falta de liquidez, mas que ainda está a pagar, ou seja, ainda não cessou os pagamentos por incapacidade económico-financeira”.

Apenas uma pequena nota, o legislador ao apontar uma definição para situação económica difícil (ao contrário do que fez para a insolvência iminente) fá-lo de uma forma vaga e indeterminada utilizando a expressão dificuldade séria, o que não parece de todo satisfatório, deixando assim lugar à jurisprudência e à doutrina a concretização de tal expressão casuisticamente.