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A relação entre arte e moral: o moralismo moderado de Nöel Carroll

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

A RELAÇÃO ENTRE ARTE E MORAL: O MORALISMO MODERADO DE

NÖEL CARROLL

Paula Gabellieri

Mestrado em Filosofia

(Área de Especialização – Estética e Filosofia da Arte)

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

A RELAÇÃO ENTRE ARTE E MORAL: O MORALISMO MODERADO DE

NÖEL CARROLL

Paula Gabellieri

Dissertação orientada pelo Professor Doutor Carlos João Correia

Mestrado em Filosofia

(Área de Especialização – Estética e Filosofia da Arte) 2010

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1

RESUMO

A arte ocupa um lugar importante na vida e na cultura. Mas o que é exactamente a arte, e por que devemos valorizá-la, são questões muito antigas de que os filósofos se têm ocupado. Falar de arte é falar de obras de arte, daquilo que estas nos transmitem, dos valores que possuem. Em muitas obras de arte, os valores estéticos e os valores éticos estão presentes, e ambos contribuem para o valor artístico da obra. A questão principal deste trabalho é a seguinte: a presença do valor moral numa obra afecta o desempenho do valor estético? O autonomismo radical e moderado, o moralismo radical e o eticismo são algumas das principais teorias candidatas a explicar a interacção entre valor moral e estético na arte. Por diferentes razões, nenhuma destas teorias responde satisfatoriamente a esta questão.

Este trabalho defenderá que, por vezes, uma falha moral diminui o valor estético da obra e um mérito moral poderá contribuir para o aumento do valor estético. Esta é a tese que irei defender a partir da teoria do moralismo moderado de Noël Carroll.

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2

ABSTRACT

Art takes up an important place in life and culture. But what exactly is art and why should we value it are ancient questions which have ever since concerned philosophers. Speaking of art is speaking of works of art, of what they convey, of the values they hold. Many works of art have both aesthetic and ethic values and both contribute to their artistic merit. The key issue of this essay is the following one: will the moral value in a work affect the performance of the aesthetic value? Radical and moderate autonomism, radical moralism and ethicism are some of the main theories that have tried to explain the interaction between moral and aesthetic value in art. For different reasons, none of them has satisfactorily answered this question.

This thesis sustains that, at times, a moral flaw lessens an artworsk‘s aesthetic value whereas the moral value may contribute to increase its aesthetic value. This is the thesis I will support based on Noël Carroll‘s moderate moralism.

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3

ÍNDICE

ÍNDICE……… 3

AGRADECIMENTOS………... 5

INTRODUÇÃO……….. 6

I-DEFINIÇÕES E NATUREZA DO DEBATE……… 9

II-ANTI-MORALISMO ……….. 14

1- O autonomismo estético………. 14

1.1.Formalismo……….. 15

1.2.Algumas objecções ao formalismo……….. 18

2- Teorias estético-psicológicas……… 22

2.1- Teoria da atitude estética……… 22

2.2-Observações críticas à teoria da atitude estética……… 24

3- O instrumentalismo de Beardsley……… 26

3.1- Teoria do valor……….. 27

3.2- Objecções à teoria de Beardsley………... 29

4- O expressionismo de Collingwood………. 32

4.1- Objecções à teoria de Colligwood……… 33

III- RELAÇÕES ENTRE ARTE, EMOÇÃO E ÉTICA ……….. 38

(6)

4

2-Arte e ética ……….. 41

2.1-A interacção entre valores éticos e valores estéticos………… 45

2.2- Perspectivas de interacção……….. 47

2.2.1- Imoralismo……… 47

2.2.2-David Hume e o padrão de gosto……….. 50

2.2.3- Eticismo………. 52

IV- NOËL CARROLL

1- Arte e estética……… 57

1.2- Objecções à perspectiva de Morris Weitz………. 61

2- Teoria Institucional da arte……….. 63

2.1- Objecções à teoria institucional………. 65

3- Teoria Histórica da arte……… 67

3.1- Objecções à teoria histórica……… 68

4- Teoria Narrativa………. 70

5- Moralismo moderado……… 74

6- Autonomismo moderado……… 76

7- A arte e o conhecimento moral………. 78

8- Em defesa do criticismo ético………. 83

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS……… 86

ÍNDICE ONOMÁSTICO ………

BIBLIOGRAFIA………. 89

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5

Agradecimentos

A realização deste trabalho foi para mim tão importante como difícil. Esta não seria possível se não tivesse tido a sorte de estar rodeada de pessoas tão especiais:

Agradeço ao Professor Carlos João Correia que aceitou com generosidade acompanhar-me neste trabalho. Agradeço-lhe muito a simpatia, a disponibilidade com que me ajudou nos seus comentários e sugestões.

Agradeço à Paula Mateus que tanto me encorajou a prosseguir neste trabalho e a não desistir do mestrado.

Agradeço aos meus filhos - Manuel e Sara. Eles são a fonte de alegria, de vitalidade e de amor que me protegem e motivam.

Por fim, agradeço ao Matteo o amor, a paciência e a sua infinita generosidade. Não tenho palavras para expressar o que lhe devo.

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6

Introdução

«Algumas pessoas, quando levantam a questão da arte, não estão à procura de uma explicação da razão pela qual os objectos difíceis podem serem considerados arte. Nem querem descobrir um tipo de justificação retrospectiva para o comportamento do mundo da arte. Em vez disso, perguntar o que é a arte é uma forma indirecta de perguntar que objectos no mundo tornam compensadores certos tipos de atenção.»

Nigel Warburton

A arte ocupa um lugar importante na vida e na cultura. Mas o que é, exactamente a arte, e por que devemos valorizá-la, são questões muito antigas de que os filósofos se têm ocupado e para os quais têm vindo a desenvolver diferentes respostas.

É neste cenário filosófico que pretendemos integrar a discussão desta dissertação. O que propomos fazer é uma discussão acerca do problema do valor da arte, nomeadamente, analisar a relação entre as teorias da justificação do valor da arte em geral e o carácter moral das obras de arte.

Em muitas obras de arte estão presentes valores estéticos e valores éticos, e ambos contribuem para o valor artístico da obra. A questão que pretendemos explorar é a seguinte: a presença de valores éticos na obra pode afectar o desenvolvimento e a realização dos valores estéticos? Existem várias respostas a esta questão, várias teorias: umas que reafirmam a interacção entre os vários valores presentes nas obras, outras que negam que os valores estéticos possam ser afectados por outros tipos de valor. O resultado é a existência de várias teorias do valor, vários modos de compreender o valor artístico das obras de arte.

O que iremos defender é uma posição moderada, baseada na perspectiva de Noël Carroll, que defende que em certas obras de arte pode existir interacção entre valores éticos e valores estéticos e que tal é determinante na apreciação e no valor que concedemos a tais obras. Esta perspectiva é fundamentada pela teoria narrativa, pelo moralismo moderado e pela defesa de um criticismo humanista orientado para as próprias obras, e as suas especificidades, sem ser baseado em definições ou ideias generalistas de arte. Um regresso às obras, àquilo que cada uma possui e interrogarmo-nos por que razão são consideradas obras de arte e que importância é que tal facto tem para nós, deve ser o sentido da crítica da arte.

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7 Na primeira parte desta dissertação iremos situar o problema e o percurso que iremos fazer no sentido de compreender as várias respostas e as consequentes formas de compreender o fenómeno artístico. O domínio que nos interessa discutir é o das teorias de valor da arte e não da sua definição. Defenderemos uma perspectiva inclusiva do valor da arte no sentido que não exclui à partida nenhuma dimensão presente na obra que possa contribuir para a sua apreciação e valor. A perspectiva de Carroll, ou seja, o moralismo moderado, insere-se na discussão de outras perspectivas rivais: os autonomistas radicais, os moralistas radicais e os autonomistas moderados. Não sendo uma teoria rival, o moralismo moderado distingue-se também da teoria eticista.

Na segunda parte deste trabalho, iremo-nos confrontar com o autonomismo estético. Consideramos tais argumentos como autonomistas radicais e, nessas medida,anti-moralistas. Discutirei os argumentos dos formalistas (Clive Bell), dos defensores das teorias estético-psicológicas (Stolnitz e Beardsley) e do expressionismo (Collingwood). Tais argumentos defendem de formas diversas basicamente o seguinte: as obras de arte tem um valor autónomo que as tornam objectos peculiares de todos os outros. Tal valor em certas perspectivas tem um valor intrínseco e tal se deve apenas às características formais intrínsecas às obras (formalismo); Noutras teorias a arte tem um valor instrumental na medida em que se defende que o valor da arte reside no valor das experiências que as obras nos proporcionam (teorias estético-psicológicas e expressionismo). Porém, caracterizam tais experiências como sendo experiências estéticas excluindo destas todas as referências que as obras possam fazer exterior a si mesmas. Tentaremos demonstrar que nenhuma destas teorias consegue responder de forma satisfatória à questão do valor da arte.

Na terceira parte da dissertação, discutiremos e defenderemos a relação entre arte e moral. Numa primeira abordagem, destacamos a relação entre arte e emoção e, num segundo momento, a ligação entre as emoções e a moral para chegarmos à correspondência desta com a arte. Neste capítulo serão abordadas diferentes teorias de interacção entre ética e estética: o moralismo radical ( Tolstoi), o imoralismo, David Hume e o eticismo. Argumentaremos a favor das teorias que são precursoras de um criticismo ético mas rejeitaremos todas as tentativas de generalizar critérios de valor que limitem uma compreensão que se quer tão completa quanto possível dos fenómenos artísticos.

Na quarta e última parte, apresentaremos a perspectiva de Noël Carroll a partir de três pilares:

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8 a teoria narrativa (apresentada como teoria alternativa à teoria institucional defendida por Dickie e à teoria histórica de Levinson);

o moralismo moderado ( apresentado como alternativa ao autonomismo moderado e radical e ao moralismo radical);

defesa de um criticismo humanista ( apresentado como alternativa a correntes da crítica da arte, nomeadamente, certas teorias da crítica literária, que pretendem excluir da análise da arte qualquer valor que não seja uma qualidade estética).

Concluiremos que a perspectiva de Carroll (considerada por alguns filósofos como sendo uma teoria fraca, com pouco poder explicativo por se apresentar como moderada, não arriscando proposições generalistas acerca do valor da arte, não fornecendo nenhum critério para a avaliação das obras de arte) diz-nos o que é possível dizer acerca desta problemática ou, pelo menos, o que nos parece legitimo afirmar. Mais do que uma fraqueza de análise, parece-me uma contribuição filosófica inteligente e útil para que o debate prossiga.

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I-DEFINIÇÕES E NATUREZA DO DEBATE

― As pessoas em diferentes períodos têm ideias persistentes sobre as normas da arte, tal como têm ideias persistentes sobre o que é e o que não é uma inferência lógica. E, tal como a lógica pode investigar o ponto até onde estas ideias estão correctas, não pela revelação de verdades metafísicas mas pela elaboração de sistemas de regras, também um interesse no ideal de arte pode investigar a base avaliativa sobre a qual esse ideal pode ser encontrado.‖ Gordon Graham, Filosofia das Artes, p. 268-269

Este trabalho parte do pressuposto que a filosofia normativa da arte consiste numa abordagem importante e prometedora acerca das artes: importante na medida que nos ajuda a compreender o lugar de valor que a arte ocupa na vida e na cultura; prometedora porque se constitui como pano de fundo, como fundamento filosófico para a avaliação das obras de arte, possibilitando a crítica da arte.

Apesar da relação entre teorias do valor da arte e teorias da avaliação (geralmente as teorias de avaliação dependem de teorias do valor), é importante esclarecer que se trata de teorias que resolvem problemas distintos: uma teoria do valor é uma teoria da justificação do valor da arte em geral, enquanto a teoria da avaliação é uma teoria que explica por que razão uma dada obra de arte é boa ou é melhor do que outra. Este trabalho insere-se no domínio das teorias de valor, pretendendo debruçar-se num problema específico: saber se há relação entre o valor estético das obras de arte e o carácter moral destas, isto é, o carácter moral meritório existente numa obra contribuirá positivamente para a atribuição do valor estético dessa mesma obra? E os defeitos de carácter moral existentes numa obra produzirão efeitos negativos na atribuição do valor estético dessa mesma obra? A resposta a tais questões permite-nos compreender a relação entre a moral e a razão pela qual a arte é valiosa e a pertinência de uma crítica ética das obras de arte.

A relação entre arte e moral é uma discussão antiga. Muitos filósofos consideraram que a arte desempenha um papel privilegiado no acesso às nossas emoções e que, por isso mesmo, desempenha uma importante função moral.

óteles valorizava a arte precisamente por esta nos ensinar a controlar as nossas emoções e isso ter um efeito positivo nos nossos comportamentos. A tragédia suscita emoções como a piedade e o medo educando o espectador, libertando-o de uma pressão emocional negativa. Neste sentido, todo o espectáculo, assim como a caracterização do herói trágico, são pensados a partir de referências morais que permitem envolver o espectador num processo psicológico de catarse, essencial a uma educação emocional. Aristóteles é bem claro no primado que atribui à acção como finalidade da tragédia. Mais do que qualidades de carácter, as personagens

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10 imitam acções verosímeis e a boa ou má fortuna destes depende exclusivamente das acções praticadas. Acção que desperta em nós certos sentimentos, e tal é possível porque o espectáculo é elaborado segundo a verosimilhança e necessidade adequada aos sentimentos humanos. É por isso que o herói trágico tem de ser uma pessoa semelhante a nós, com respeito pela virtude, que passa de afortunado a desafortunado. Por outro lado, a sua má sorte tem de resultar de um erro, de um equívoco. Só esta combinação poderá produzir o efeito desejado pela tragédia e esta cumprir a sua finalidade.1

Na Crítica da Faculdade do Juízo Kant procurou fazer uma ponte entre a Crítica da Razão Pura e Crítica da Razão Prática. Ao querer conciliar dois campos aparentemente inconciliáveis, Kant abriu-nos um ―novo mundo‖ e um novo olhar sobre nós próprios. O mundo do conhecimento, da natureza do qual impera uma necessidade e rigidez que exclui a liberdade, e, por outro lado, o mundo da vontade moral, da liberdade são, afinal, conciliáveis. É através do momento estético e da actividade judicativa acerca da beleza e do sublime que se estabelece a conciliação. Esta tarefa levada a cabo por Kant na Crítica da Faculdade do Juízo permite-nos compreender a sua filosofia como um sistema unificador, ajudando-nos a compreender todos os dualismos existentes nas outras críticas, alargando a nossa compreensão do homem e da natureza. A atitude estética permite-nos compreender um sujeito que, para além de conhecer e de agir, sente e é nessa capacidade de sentir que o homem consegue realizar melhor a sua Humanidade. 2

Já Platão, no Livro X da República, reconhecendo o poder da arte em lidar com as emoções, censura-a, considerando-a uma perigosa manifestação de irracionalidade que através da manipulação das emoções pode constituir um obstáculo ao conhecimento da Verdade e do Bem. O domínio da arte é o da imitação e não o da Verdade. Neste sentido, Platão retira qualquer valor cognitivo e moral à arte, atribuindo-lhe um papel negativo na formação dos cidadãos.

Independentemente do valor atribuído à Arte, o que parece evidente é a pertinência de pensar numa relação mais ou menos íntima entre a arte e moralidade, quer na compreensão do processo artístico, quer na concepção das obras de arte,

1 ― É, pois, a tragédia imitação de uma acção de carácter elevado, completa e de certa

extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes (do drama), (imitação que se efectua) não por narrativa, mas mediante actores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções. Aristóteles, Poética, trad.Eudoro de Sousa, INCM, p.110, [24]

2 ― (…) a verdadeira propedêutica para a fundação do gosto seja o desenvolvimento de ideias morais e a cultura do sentimento moral, já que somente se a sensibilidade concordar com ele pode o verdadeiro gosto tomar uma forma determinada e imutável.‖ Kant, Crítica da Faculdade do Juízo, §60

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11 quer nos efeitos e nas respostas que estas provocam no espectador, envolvendo-o e possibilitando-lhe experiências estéticas. 3

Nas respostas desenvolvidas no sentido de solucionar o problema do valor da arte, os filósofos divergem essencialmente em dois aspectos. Uns consideram que o valor de uma obra de arte só pode ser compreendido nas características presentes nas obras, i.e., é possível identificar objectivamente as características estéticas responsáveis pelo valor das obras: uma obra de arte tem valor pelo que é, independentemente do que sentimos quando a observamos. Esta posição ficou conhecida por objectivismo estético. Outros atribuem valor à obra de arte em virtude do que sentimos quando a percepcionamos, em função da experiência que a obra proporciona ao sujeito: são teorias psicológicas que focam a experiência estética do sujeito na relação com as obras de arte. Tal posição defende um subjectivismo estético.4

As teorias do valor da arte também se distinguem por outro aspecto: uns filósofos tendem a atribuir um valor intrínseco à arte, i.e., o valor de um objecto de arte reside exclusivamente em si, independentemente de elementos externos (contexto social, político, etc.), ou de efeitos que esta possa produzir (prazer, conhecimento, educação moral, etc.); Outros consideram que o valor da arte é instrumental, isto é, que o valor da arte resulta dos efeitos que esta produz, nomeadamente em possibilitar-nos experiências valiosas. Tais experiências são importantes porque nos permitem um maior conhecimento acerca do mundo e de nós próprios (valor cognitivo) ou possibilitam-nos momentos de prazer (perspectiva hedonista) ou ainda tem uma função moral (moralismo).

As teorias que definem o valor intrínseco das obras de arte terão que demonstrar que existem características dos objectos ou das experiências provocadas por estes que são autónomas, absolutamente independentes de qualquer outro domínio exterior às características internas das obras ou das experiências provocadas por elas e que o valor estético atribuído a tais objectos depende exclusivamente da apreensão das características das obras de arte. Terão de demonstrar, por exemplo,

3 Uma outra distinção importante que importa salientar é a diferença entre o valor artístico e o valor estético de uma obra. Entendemos por valor artístico o valor O valor artístico diz respeito às características efectivamente realizadas no produto artístico, eventualmente exemplares pela sua originalidade para outras obras equiparadas a outras obras pela História da Arte. O valor estético remete-nos para a experiência estética provocada por determinado objecto. Diz respeito à capacidade de uma obra a partir das suas qualidades produzir uma experiência que valorizamos. 4 David Hume é, a título de exemplo, um dos defensores do subjectivismo estético na medida que defende que o valor da arte está necessariamente ligado ao prazer ou satisfação do sujeito que contempla a obra de arte e não a uma declaração sobre o objecto contemplado. No entanto, afastando-se de um subjectivismo radical defende a existência de um padrão de gosto (princípios gerais de gosto) oferecendo, deste modo, um critério geral de justificação dos juízos estéticos.

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12 que o conteúdo, a mensagem presente nas obras não farão parte das propriedades estéticas das obras. Estas conduzem-nos para propriedades como a harmonia das formas, a beleza, a unidade e complexidade estrutural, entre outras.

Por outro lado, as teorias instrumentalistas para defenderem o valor estético enquanto valor peculiar das obras de arte terão que demonstrar que estas são, não só valiosas pelos efeitos que produzem (maior conhecimento do mundo, nomeadamente da experiência humana), como o seu valor reside na forma como o fazem. Nas obras de arte tão importante quanto o que está a ser representado é o como está representado. O processo que a obra de arte desencadeia no espectador, envolvendo-o numa experiência valienvolvendo-osa que prenvolvendo-oduzirá efeitenvolvendo-os. O valenvolvendo-or da arte está nesses efeitenvolvendo-os e nos meios utilizados para os atingir. É em tudo isto, que consiste o valor da arte que sendo instrumental a torna insubstituível e única. Um poder específico e peculiar a par de outros domínios, nomeadamente científicos5. Assim, o mais importante para percebemos o valor da arte é estarmos atentos não só aos seus efeitos, mas ao modo de atingi-los.

Esta discussão antiga ganha ainda outras dimensões quando tentamos compreender a arte contemporânea. Há, na arte contemporânea, um conjunto de artistas polémicos pelas questões éticas que as suas obras levantam, obras que são moralmente condenáveis apesar de terem sido esteticamente aceites.

Na tentativa de compreender a relação entre valor estético e valor moral o debate filosófico desenvolve-se na discussão de quatro perspectivas, a saber: as autonomistas radicais, autonomistas moderadas, as moralistas radicais e as moralistas moderadas.

De uma forma geral as perspectivas autonomistas são aquelas que defendem que a dimensão estética de uma obra de arte é autónoma em relação a outras dimensões tais como a dimensão moral. Consideram que o valor estético de uma obra é um valor intrínseco, independente de ulteriores ou externos fins para os quais as obras possam ser utilizadas.

Quanto às perspectivas moralistas, estas defendem que existe uma relação entre o valor estético de uma obra e o carácter moral que a obra apresenta. Consideram que a completa compreensão das qualidades estéticas de uma obra implicam uma aceitação do carácter moral da obra. A não-aceitação do carácter moral

5 Como nos diz Goodman, defensor do valor cognitivo da arte:― (...) a principal tese deste

livro é a de que as artes devem ser tomadas, não menos seriamente do que as ciências, como modos de descoberta, criação e ampliação do conhecimento, no sentido amplo de avanço da compreensão e, por conseguinte, a filosofia da arte deve ser concebida como uma parte integral da metafísica e da epistemologia.― Modos de Fazer Mundos, p.153

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13 da obra por manifestar atitudes repreensíveis eticamente tem repercussões nas qualidades estéticas das obras. Segundo o Eticismo, por exemplo, uma obra apresenta um erro estético se manifesta falhas no seu carácter moral e será esteticamente melhor se promover atitudes eticamente recomendáveis.

Uma distinção interessante de incluir no debate é o facto de algumas obras serem casos de violação dos princípios éticos na sua natureza e outras serem casos de violação dos princípios éticos na sua origem. Uma obra pode violar um princípio ético porque contém conteúdos imorais e apresenta-os promovendo tal imoralidade. Neste sentido, podemos apresentar como exemplos algumas obras como os filmes Cães Danados e Pulp Fiction do realizador Quentin Tarantino ou o filme Laranja Mecânica de Stanley Kubrick onde a extrema violência e crueldade e a forma fria como esta é representada são inseparáveis para a apreciação estética de tais obras e a consequente atribuição de valor. Estas obras poderão ser consideradas imorais por natureza. Outras obras podem violar princípios éticos na sua origem quando a realização da obra implica a realização de uma acção imoral. Exemplos destes casos são as obras de Body Art que resultam de mutilações feitas a corpos. Mais recentemente uma coreógrafa portuguesa pretendia provocar um ataque epiléptico em pleno espectáculo para aumentar a intensidade dramática da sua obra.6 O interesse em fazer tal distinção tem que ver com o facto de a relação entre determinada obra e as questões éticas que coloca não se limitar à observação das características intrínsecas do objecto estético, mas apontar para características extrínsecas ao objecto, nomeadamente, a sua produção.

6 Rita Marcalo, coreógrafa e performer portuguesa radicada no Reino Unido dirige a companhia Instant Dessidence.

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II- ANTI-MORALISMO

1- O autonomismo estético

Neste Capítulo, apresentamos algumas teorias que designamos de Autonomistas por considerarem que o valor estético existente nas obras deve ser considerado numa dimensão autónoma em relação a qualquer outra dimensão nomeadamente moral. As obras de arte têm um valor intrínseco e tal deve-se apenas às qualidades estéticas das obras. Neste sentido, considerámos tais argumentos anti-moralistas.

Um dos maiores e precursores do chamado autonomismo estético ou Esteticismo foi Oscar Wilde:

―Não há livros morais nem imorais. Os livros são bem ou mal escritos. Nada mais (...) A vida moral do homem diz respeito ao artista, mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito de um meio imperfeito. (...) Nenhum artista tem simpatias éticas. Uma simpatia ética num artista é um imperdoável maneirismo de estilo. (...) O vício e a virtude são, para o artista, materiais para a arte. (...) Toda a arte é absolutamente inútil.‖7

A perspectiva de Oscar Wilde acerca da arte, a ideia da arte pela arte ganhou bastante relevo junto de filósofos e artistas e tal posição ficou conhecida como Esteticismo. Esta perspectiva defende que o valor das obras de arte depende exclusivamente das suas características estéticas internas, independentemente de quaisquer aspectos externos ou efeitos que possa produzir. A arte tem um valor intrínseco justificado apenas pela beleza das suas formas.

Os argumentos apresentados pelos esteticistas baseiam-se na indispensabilidade e no carácter insubstituível das obras de arte e podem ser apresentados da seguinte forma: por um lado, se o valor de uma obra de arte dependesse do seu conteúdo ou da mensagem a transmitir, estaríamos a valorizar não a própria obra mas a mensagem. Se valorizássemos não a própria obra mas a mensagem, a obra tornar-se-ia dispensável, uma vez compreendida a mensagem. Ora, isso não acontece pois a obra não passa a ser dispensável mesmo depois de compreendida a sua mensagem. Logo, o valor da obra de arte não depende do seu conteúdo ou da mensagem a transmitir. Por outro lado, se a obras de arte não tivessem valor intrínseco então estas não seriam insubstituíveis. Ora, as obras de arte são únicas e, por isso, insubstituíveis. Logo, as obras de arte têm valor intrínseco e o

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15 seu valor em nada pode depender de qualidades que não sejam qualidades estéticas. Todos os outros elementos ou contextos morais, políticos, entre outros, são absolutamente exteriores à obra e nada nos podem dizer relativamente ao valor da arte.

Entre os argumentos autonomistas que irei discutir estão diferentes perspectivas. Umas que consideram que o valor está nas qualidades estéticas presentes objectivamente na obra (Teoria Formalista) outras que o valor estético está na experiência ou atitude que a obra de arte suscita no sujeito que dela frui (Teoria Estético- Psicológica).

1.1. Formalismo

No âmbito da estética designa-se de formalismo as correntes de pensamento que realçam os valores formais das obras de arte. Foi neste contexto que Clive Bell no capìtulo ― Hipótese Estética‖ do seu livro intitulado Arte defendeu a sua teoria formalista da arte. As ideias essenciais desta teoria são as seguintes:

1) Há uma emoção peculiar provocada pelas obras de arte. 2) Esta emoção chama-se emoção estética.

3) O problema central da estética é descobrir a qualidade comum aos objectos que nos provocam tal emoção.

4) A qualidade comum a todas as obras de arte é a forma significante.

5) A forma significante resulta da combinação de certas cores, linhas, formas.

A perspectiva formalista de Bell é também conhecida por marcar uma posição autonomista relativamente ao valor da arte. Para este filósofo e crítico da arte, a arte tem um domínio distinto de todos os outros campos de valor social. A arte tem um valor intrínseco, independente de ulteriores e externos propósitos, tais como promover uma educação moral. Se uma forma representacional tiver valor, é como forma, não é como representação. É pela sua forma significante que a arte apresenta as suas características estéticas e nos provoca uma emoção peculiar que chamamos emoção estética. Esta, por sua vez, distingue-se das emoções da vida, transportando-nos do mundo da actividade do homem para um mundo da exaltação estética. É um mundo com emoções próprias.8

8Bell distingue as verdadeiras obras de arte daquelas obras que designa por ―Pintura

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16 A perspectiva formalista desenvolve-se a partir de dois argumentos. Noël Carroll na sua obra Philosophy of Art designa-os por: argumento do denominador comum e o argumento da função.

O argumento do denominador comum surge no intuito de definir obra de arte através de uma característica que seja condição necessária e essencial para que uma obra seja considerada obra de arte. Neste sentido, a teoria formalista considera que perante as características existentes nas obras de arte como a representação, expressão e forma, só esta última está presente em todas as obras de arte. Nas obras de Josef Albers , por exemplo, os seus desenhos decorativos abstractos não exibem nenhuma qualidade representativa. Por outro lado, nem toda a arte é expressiva. George Balanchine, mestre do bailado abstracto, pretende retirar da dança todos os elementos representativos ou expressivos característicos de um ballet narrativo. . Porém, todas as obras de arte têm forma, sejam elas, pinturas, esculturas, literatura, musica, etc. A forma é, assim, o denominador comum de todas as obras de arte.

Contudo, apesar da forma parecer ser uma característica sempre presente nas obras de arte, ela não é ainda a condição suficiente que nos permite atribuir a um determinado objecto o estatuto de obra de arte. Se é verdade que a forma é uma característica presente em todas as obras de arte, também é verdade que esta está presente em muitos outros objectos que não são obras de arte. Um artigo de jornal, um teorema matemático possui uma forma. É por isso, diz-nos Carroll que os formalistas viram-se forçados a apresentar o argumento da função e a caracterizarem a forma presente nas obras de arte como sendo uma forma específica (forma significante) com uma função específica (capaz de produzir uma experiência peculiar, ou seja, uma experiência estética).

Bell não consegue ser muito claro na definição de forma significante. Fala-nos de uma certa combinação de elementos que, no caso da arte visual, seria uma certa relação entre linhas e cores que constituem uma forma esteticamente emocionante capaz de nos elevar das emoções comuns da vida como o medo, a raiva, a alegria, e coisas semelhantes.9

informação e, por este motivo, Bell não as considera obras de arte. ―Deixam incólumes as nossas emoções estéticas, porque não somos afectados pelas suas formas, mas sim pelas ideias ou pela informação que as suas formas sugerem ou veiculam.‖ Bell, (1914), p. 27.

9 Ainda na perspectiva das teorias que defendem que o valor da arte consiste na

capacidade de provocar uma experiência estética, Beardsley , ao contrário de Bell, oferece-nos uma teoria mais sofisticada, apresentando-nos a base de uma teoria da avaliação, fornecendo-nos as características específicas relativas às diferentes formas de arte e características gerais

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17 Para além da íntima relação entre a forma significante de uma obra de arte e a experiência estética provocada por esta, os formalistas apelam para o argumento da função. A função primária da arte é a exibição da forma, ao contrário das outras actividades humanas. Um teorema matemático pode ter uma forma, a sua forma ser significante pela sua simplicidade e elegância, mas a sua principal função não é a exibição da sua forma. O que é representado não é indiferente no teorema matemático. Na obra de arte o que é representado é sempre irrelevante. Assim, podemos definir formalismo da seguinte maneira: o formalismo é uma doutrina que defende que alguma coisa é uma obra de arte só no caso de ter sido produzida com a intenção primária de possuir e exibir forma significante.

Os formalistas pretendem destituir a arte de todos os elementos cognitivos, morais e outros tipos de representação na atribuição do estatuto de arte a uma obra, assim como no valor que atribuímos à Arte. Tais elementos são responsáveis pelo valor histórico, político, moral de determinada obra, mas nada nos dizem acerca do valor artístico. Aquilo que é representado numa obra só terá eventual interesse se tal motivar e despertar o espectador para as propriedades formais da obra. Mas na maior parte dos casos tais elementos são obstáculos ao estado de desinteresse e isolamento propício à experiência estética.

A doutrina formalista vai ao encontro de algumas das nossas intuições acerca da experiência com as obras de arte, nomeadamente, com o facto de algumas obras de arte do passado continuarem merecedoras da nossa atenção apesar daquilo que está representado já estar obsoleto. Esta característica da arte distingue-a do que se passa, por exemplo, no conhecimento científico.

como a Unidade, Complexidade e Intensidade que determinam a intensidade da experiência estética produzida pela obra.

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1.2- Algumas Objecções ao Formalismo

Como vimos, o formalismo defende que: x é uma obra de arte se e só se x se destina essencialmente a exibir uma forma significante. Tal teoria dá conta de algumas obras de arte, mas deixa de fora muitas outras. Nessa medida, é importante que coloquemos a questão: será o formalismo uma teoria adequada para compreendermos toda arte?

Facilmente encontramos obras de arte que foram criadas com objectivos de glorificar santos, celebrar vitórias militares ou representarem certos eventos ou pessoas. Nestes casos, a intenção primária na criação da obra de arte ultrapassa a forma significante. Que resposta daria o formalista a tais casos? Muitos formalistas admitem que possam existir várias e distintas intenções que presidem a criação de uma obra de arte. E tal facto explica por que razão uma obra de arte possa ser considerada e avaliada numa perspectiva histórica ou religiosa, etc. No entanto todas essas perspectivas acerca da obra não se confundem e não devem ser confundidas quando estamos a avaliar a obra numa perspectiva artística, diz-nos o formalista. Só neste caso, estamos perante a obra como obra de arte. E, desta maneira, só a forma significante exibida pela obra nos importa e não nos devemos deixar influenciar por mais nenhum aspecto.

Porém, o que nos parece difícil é distinguir na obra os elementos que entram para o conceito de forma significante e aquilo que na obra está mas não é significante dado que não é clara a definição de forma significante. É uma relação entre as várias características estéticas, diz-nos o formalista, que nos prende e nos eleva das emoções comuns para uma experiência estética. Mas se não soubermos exactamente quais são essas características e como agem, como saberemos que o que nos prende a certa obra é uma virtude formal não contemplada pela tal forma significante. (Caso das pinturas monocromáticas) .

Um outro aspecto duvidoso na teoria formalista tem que ver com a existência de um estado mental peculiar preposicionado por todas as obras de arte. Existem tantos tipos de obras de arte que exigem tantos tipos de respostas mentais que é estranho que em todas as obras de arte tenham o mesmo modo de funcionamento perante o sujeito que a contempla. O tipo de resposta mental exigido ao espectador será diferente se estivermos a falar de Pintura ou Cinema ou uma obra de Literatura.

Por outro lado, o formalista não nos resolve o problema de saber o que é a má obra de arte. Uma obra de arte é arte porque tem forma significante e o que não tem forma significante não é arte, ficando por explicar a existência de obras de arte más e obras de arte boas.

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19 Embora Clive Bell não tenha construído uma teoria do valor da arte, parece inegável que, à questão de saber se devemos ter em conta ou não os valores morais presentes na obra para fundamentarmos os nossos juízos estéticos acerca das obras de arte, Bell responderia que não. Numa obra de arte, devemos ter em conta apenas os elementos estéticos, ou seja, as características formais dos objectos responsáveis pela emoção que tal objecto provocou no sujeito. Isto parece afastar toda a perspectiva moralista no sentido de libertar as obras do cumprimento de quaisquer cânones morais, de quaisquer referências exteriores às obras.

Se é verdade que, no capítulo da Hipótese Estética, Bell defende o valor estético como sendo o valor mais elevado de todos os valores encontrando-se, deste modo, fora do alcance de quaisquer julgamentos morais, também é verdade e muito curioso que, ao longo dos vários capítulos da sua obra, tal defesa da estética eleva-se numa justificação moral dos valores estéticos. Senão vejamos:

― (...) as únicas propriedades relevantes numa obra de arte, julgada como tal, são as propriedades artísticas: julgada como um meio para o bem nem vale a pena considerar outras qualidades, pois, uma vez que não há melhor meio para o bem do que a arte, não há qualidades de maior valor moral do que as qualidades artìsticas.‖Clive Bell, (1914), p. 80

A relação estreita entre a arte e ética é evidente na defesa do próprio esteticismo de Bell. A experiência estética implica uma atitude que se caracteriza por uma apreensão dos objectos como fins em si mesmos. Só desta forma conseguimos captar a forma pura que os artistas tão misteriosamente são capazes de transmitir através da forma significante presente nas obras de arte. Por outro lado, a contemplação estética eleva-nos da atitude prática e utilitária do quotidiano. Neste sentido, convida-nos à busca do valor intrínseco das coisas e, desta forma, ao seu sentido ético. Assim está justificada a arte enquanto actividade humana. Esta é o meio, por excelência, para o bem.

É evidente e assumida a influência que o filósofo Moore, nomeadamente na obra Principia Ethica, teve no critério pelo qual Bell traduz o valor da arte. Tal como nos diz Moore, alguns estados de espírito são por si só bons como fins, independentemente das suas consequências10. Assim, para justificar eticamente

10―As coisas mais valiosas que conhecemos ou podemos imaginar são, sem dúvida, certos

estados de consciência que se podem descrever genericamente como os prazeres das relações humanas e o gozo dos objectos belos. Provavelmente ninguém que se tenha alguma vez confrontado com esta questão terá tido alguma dúvida de que o afecto pessoal e a apreciação do que é belo na Arte ou na Natureza sejam bons em si mesmos; nem parece provável que, se considerarmos apenas as coisas que vale a pena termos unicamente por si mesmas, alguém pense que qualquer outra coisa diferente daquelas duas tenha tanto valor quanto elas. (...) O que não foi reconhecido ainda é que se trata da verdade última e

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20 qualquer actividade humana, devemos averiguar: é isto um meio para bons estados de espírito? A esta questão Bell responde: a arte é uma fonte capaz de suscitar bons estados de espírito. A arte cria-nos emoções estéticas e estas suscitam-nos experiências estéticas que são estados de espírito de excelência.

―A arte é não só um meio para bons estados de espìrito, mas, talvez o meio mais directo e poderoso que possuímos. Nada é mais directo, porque nada afecta a mente de um modo tão imediato; nada é mais poderoso, porque não há nenhum estado de consciência mais excelente ou mais intenso do que o estado de contemplação estética.‖ Bell (1914), p. 78

No capítulo designado Hipótese Metafísica, Bell abre com esta questão: porque nos emocionam tão estranhamente certas disposições e combinações de formas? Tal questão é uma questão metafísica e não estética, alerta-nos o autor. Para a estética, é suficiente que existam obras que nos emocionam de forma peculiar. No entanto, Bell avança com uma hipótese de resposta metafísica: a forma criada emociona-nos tão profundamente porque expressa a emoção do seu criador. As obras de arte de arte resultam da materialização de um sentimento, da ―apreensão apaixonada da forma‖. A emoção que o artista sentiu deriva do facto de este ver os objectos como formas puras - ou seja, como fins em si mesmos. A capacidade e o poder do artista de captar a forma pura das coisas e a revelar numa obra através de uma forma significante, ultrapassa a própria beleza. Formas significantes não são necessariamente formas belas. São formas que nos transmitem a verdade das coisas, os objectos como fins em si.

Neste sentido, Bell designa de forma significante a propriedade comum a todas as obras de arte resultante da emoção sentida pelos artistas ao captarem a realidade última das coisas e a capacidade de materialização dessas formas numa obra de arte. Esta hipótese metafísica sugere a relação entre arte e verdade: a obra de arte expressa uma realidade despojada, uma realidade pura, númenica. Esta capacidade da arte em nos revelar a significância individual de cada coisa, permite elevarmo-nos do fluxo da vida, oferece-nos um novo estado espírito, convida-nos a uma atitude peculiar. E é nesse sentido que Bell estabelece alguns pontos de contacto entre Arte e Religião.11

fundamental da Filosofia Moral. Que é apenas por essas coisas- para que o maior número possível delas possa vir a existir- que se justifica que qualquer pessoa cumpra um dever público ou particular; que elas são a raison d’être da virtude; que são elas (...) que constituem o fim último e racional da acção humana e o único critério do progresso social, parecem ser verdades normalmente esquecidas.‖Moore, Pricipia Ethica, & 113, p.295

11 Para Clive Bell a Arte e a Religião são manifestações do espírito irmanadas. Vejamos

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21 Há também uma conexão fundamental entre a história da arte e a história da religião, reconhece Bell, declarando o seu intuito de seguir o movimento da arte e descobrir até que ponto esse movimento acompanha as mudanças no estado espiritual da sociedade. Detecta a relação entre a deterioração da arte e a redução do sentido religioso. Porém, esta relação só poderá resultar de uma leitura da História à luz dos juízos estéticos e nunca se deverão fazer juízos estéticos à luz da História. A ligação de uma obra de arte a outra pode ser historicamente interessante, mas nada disso interessa à apreciação estética da obra. Cada obra de arte deve ser julgada pelos seus próprios méritos. É nesta questão do fundamento dos juízos estéticos que Clive Bell afirma o seu autonomismo estético. A relação aqui existente entre arte e ética é bem distinta de uma concepção moralista da arte como a defendida por Tolstoi. Tolstoi justifica a existência da arte pela capacidade desta promover boas acções, no entanto, diria Bell, as boas acções não são fins em si mesmos. O seu valor de boas acções é apenas conferido tendo em conta o fim em vista. É sempre o fim em vista que confere valor à acção e o fim de todas as boas acções deve ser o de promover bons estados de espírito. É neste sentido que é justificado o valor da arte. São as obras de arte pelas suas características estéticas, quer dizer formais, que constituem um meio privilegiado de acesso aos bons estados de espírito que permitem ao homem elevar-se das emoções comuns da vida e sentir uma emoção peculiar que só a contemplação estética lhe permite. Este estado ―quase religioso‖ aproxima o homem do bem e da verdade.

―A arte está acima da moral, ou melhor, toda a arte é moral, porque, como espero mostrar já a seguir, as obras de arte são meios de acesso imediato ao bem. Quando, julgamos uma coisa como obra de arte, atribuímos-lhe a maior importância ética e colocamo-la fora do alcance do moralista‖. Bell (1914), p.28

Neste sentido, a posição autonomista de Bell (que propõe uma avaliação da obra de arte com base em critérios puramente estéticos que se encontram exclusivamente na obra de arte), acaba por encontrar a sua justificação em valores puramente éticos, a saber: o bem, o desinteresse, a elevação do eu e em valores até cognitivos como a verdade.

como « fins» em vez de as ver como «meios»; III- Têm a capacidade de transportar os homens para estados de espírito não terrenos; os arrebatamentos estéticos e religiosos são estados de espírito semelhantes.

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2- Teorias Estético-Psicológicas

2.1- Teoria da Atitude Estética

No âmbito das teoria estético-psicológicas, Stolnitz defende como conceito central a ―atitude estética‖. Esta distingue-se da atitude prática e consiste na característica peculiar das obras de arte.

Designamos por atitudes as predisposições adquiridas que dirigem e orientam a nossa atenção e, portanto, a forma como percepcionamos o mundo. Neste sentido, o sujeito não pode ser compreendido como um receptor passivo de estímulos externos. A percepção implica sempre uma permanente construção no sentido em que o mundo é sempre o mundo para nós, i.é., o mundo de acordo com os nossos interesses e objectivos.

Neste sentido, a atitude prática é a atitude que temos habitualmente perante o mundo e caracteriza-se pela atenção que damos às coisas em termos da sua utilidade para servirem ou não os nossos objectivos e interesses. Neste tipo de atitude a nossa atenção não se concentra no objecto em si mesmo. Este é apenas percebido como meio para um fim, sendo, portanto, o fim que dirige a nossa experiência do objecto. Inversamente, a atitude estética é assim definida:

― a atenção e a contemplação desinteressadas e complacentes de qualquer objecto da consciência, por si mesmo, apenas‖.

Stolnitz no sentido de clarificar a definição de atitude estética irá debruçar-se na compreensão dos termos que constituem a definição: a atenção remete-nos para a actividade do sujeito face ao objecto. A atenção implica selecção, discriminação e conhecimento. A atitude estética pressupõe da parte do sujeito uma certa perspicácia no sentido de percepcionar os detalhes do objecto, de compreender o que nele é essencial e tudo isto requer conhecimento de alusões ou símbolos que ocorrem na obra; contemplação remete-nos para o olhar do sujeito que percepciona esteticamente o objecto. Trata-se de um olhar que não procura nada fora do objecto que percepciona, a atenção é apenas dirigida ao objecto por direito próprio. A contemplação remete-nos necessariamente para o desinteresse. A atitude estética é essencialmente uma aitude desinteressada no sentido de que não há nenhum intuíto ulterior à contemplação do objecto em si mesmo. Segundo Stolnitz, a atitude estética excluí a finalidade de classificar e de emitir juízos.12

12 Stolnitz excluí da atitude estética alguns interesses, a saber: o interesse cognitivo ( quando a experiência com o objecto implica um estudo com a finalidade de emitir juízos ) e o orgulho e

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23 Um outro conceito importante para compreendermos a definição de atitude estética é a complacência. Esta remete-nos para a imparcialidade do sujeito que percepciona o objecto. Diz-nos Stolnitz: ― Ser ‗complacente‘, na experiência estética, significa dar ao objecto a ‗oportunidade‘ de mostrar como pode ser interessante de perceber.‖ A experiência estética não deve ser mediatizada por qualquer preconceito ou valor que envolvam o sujeito de alguma parcialidade contra o objecto contemplado. Um outro aspecto da definição de atitude estética tem a ver com aquilo que irá caracterizar o objecto estético. Stolnitz diz-nos que a atitude estética é um tipo de atitude que se poderá ter face a qualquer objecto da consciência, isto é, qualquer objecto que possa ser percebido ou sentido, fruto do pensamento conceptual ou da imaginação. Neste sentido, qualquer objecto pode ser objecto estético.

Após ter definido o conceito de atitude estética por referência a este, Stolnitz define todos os outros conceitos que podem interessar à investigação estética, a saber:

Def. de experiência estética: experiência global que se tem quando se toma uma atitude estética.

Def. de objecto estético: objecto em relação ao qual adoptamos a atitude estética.

Def. de valor estético: valor desta experiência estética ou do seu objecto.

prestígio ( o exemplo daquelas pessoas que coleccionam objectos em função da raridade e do valor comercial) . Segundo Stolnitz, estes interesses implicam a percepção do objecto em função da sua origem e utilidade, i.é., do seu contexto.

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24 2.2- Observações críticas à Teoria da Atitude Estética

A teoria de Stolnitz é uma teoria da atitude estética e, neste sentido, procura uma definição de arte não no objecto, mas sim no sujeito, i.é., na disposição, no estado mental que permita a este ter experiências estéticas. Por sua vez, este género de atitude é caracterizada pelo seu aspecto não prático que faz dela uma contemplação e uma atenção desinteressada. Ora, é exactamente neste ponto que tal teoria me sugere algumas dúvidas. Stolnitz faz uma descrição do modo como percebemos o mundo, remetendo-nos para os valores, interesses e disposições inerentes a cada sujeito através dos quais este dirige a sua atenção e, consequentemente, a sua percepção do mundo. Resumindo: o modo como percebemos o mundo é determinado pela atitude. Após esta introdução, Stolnitz distingue vários tipos de atitudes: atitude prática e atitude estética e define esta última como atitude desinteressada. A questão que se coloca agora é esta: como é possível uma atitude desinteressada se a forma como nos relacionamos com o mundo é sempre mediatizada, construída por valores, conhecimentos e interesses? No entanto, parece-me que quando Stolnitz nos fala de uma atenção desinteressada refere-se à inexistência de qualquer aspecto ou intenção que possa afastar a atenção do sujeito do objecto em si mesmo ou que envolva o sujeito numa parcialidade que constitui um obstáculo à experiência estética. De qualquer forma, o termo atenção desinteressada não me parece adequado dado que o que se exige é atenção como condição indespensável a preciação da o.a. (que se opõe à distracção). A distinção entre atenção interessada e atenção desinteressada não faz sentido uma vez que Stolnitzs entende a atenção interessada como distracção e esta, como nos diz Dickie, ―(…) não é um género especial de atenção, é um género de desatenção.‖13

Um outro aspecto desta teoria que levanta problemas, e que é comum a todas as teorias estéticas-psicológicas, tem a ver com a dificuldade em avaliar atitudes, ou seja, se a condição para que um objecto seja considerado estético é a atitude estética e se esta se caracteriza por uma atenção desinteressada, como é que eu garanto que a atitude que estou a ter é uma atitude estética? Para além disso, como nos diz Stolnitz, a atitude estética pressupõe conhecimento, i.é., requer instrumentos que permitam ao sujeito descodificar os símbolos inerentes à obra. Ora, isto significa que as propriedades da obra e a correcta percepção destas são importantes para a atitude estética e, portanto, mais uma vez não se compreende como é que esta pode ser

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25 definida como atenção desinteressada e como é que uma definição de Arte pode ser construida tendo em conta apenas os estados mentais dos sujeitos (espectadores).

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3- O Instrumentalismo de Beardsley

Juntamente com Clive Bell, Beardsley foi um dos defensores da teoria estético-psicológica. Chamamos teorias psicológicas às teorias estéticas que defendem que existem um conjunto de experiências – experiências estéticas- que estão relacionadas com os objectos que designamos como obras de arte.

Monroe Beardsley, na sua obra Aesthetics: Problems in the Philosophy of Criticism para além de enumerar um conjunto de princípios gerais acerca do valor da arte, explica-nos a relação entre estes e a experiência estética. Desta forma, este filósofo apresenta as bases de uma teoria da avaliação que pretende dar conta da linguagem dos críticos da arte para falar de objectos estéticos e, ao mesmo tempo fundamenta estas questões da avaliação das obras numa teoria do valor.

Tendo em conta o âmbito de interesse deste trabalho, não iremos explorar ao pormenor a teoria da avaliação defendida por Beardsley. No entanto importa salientar as suas linhas gerais: relativamente à possibilidade de fundamentar os juízos de valor acerca das obras de arte, o filósofo diz-nos que estes podem ser justificados através de razões objectivas, entendendo por razões objectivas as características presentes nas obras14. Quanto à possibilidade de existirem critérios de avaliação, este admite a existência de critérios específicos que devem ser subsumidos sob três critérios gerais, a saber, a unidade, a intensidade e a complexidade. Avaliar uma obra de arte implica avaliar as características presentes na obra responsáveis pela unidade, intensidade e complexidade da obra em causa. Tais razões objectivas presentes na obras são as condições para a obra poder suscitar uma experiência peculiar - experiência estética- e de fazer parte de uma determinada classe-função, a classe dos objectos estéticos. Se x pertence à classe de objectos estéticos então X tem a função de desencadear uma experiência estética. Os critérios gerais: unidade, intensidade e complexidade são formas de compreendermos as experiências estéticas provocadas pelas obras de arte, permitindo avaliá-las e atribuir-lhes uma certa magnitude. Quanto maior for a magnitude da experiência estética vivida maior é o valor da obra de arte. Resumindo, os pontos essenciais da teoria são os seguintes:

14

Beardsley posiciona-se contra a tese do singularismo crítico que defende que não é possível subsumir a avaliação de uma obra de arte a partir de princípios gerais na medida em que um aspecto pode ser considerado um mérito numa dada obra e o mesmo ser considerado uma imperfeição noutra. A este argumento do singularistas críticos, Beardsley responde que as características não podem ser analisadas como elementos separados e distintos. As características funcionam em conjuntos, em variadas combinações.

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27 1. Os objecto estéticos são objectos de uma classe-função (os objectos estéticos

têm uma função).

2. A sua função é a da provocar uma experiência estética.

3. Uma experiência estética é uma experiência cujas características são a unidade, a intensidade e a complexidade (e o isolamento)

4. Uma boa experiência estética é aquela que tem unidade, intensidade e complexidade em graus significativos, i.é, de magnitude elevada.

5. Um bom objecto estético é aquele que tem a capacidade de provocar uma experiência estética de magnitude elevada, sendo a magnitude da experiência provocada uma função das suas características.

3.1-Teoria do valor

Dado que o que nos interessa essencialmente neste trabalho é a justificação do valor da arte em geral e não as razões pelas quais uma dada obra de arte é boa ou melhor do que outra, vamo-nos debruçar com mais atenção na teoria do valor defendida por Beardsley , no cap. XI de Aesthetics…

Para Beardsley a arte tem um valor instrumental porque é um meio para um fim valioso. A sua tese é a seguinte: a arte tem valor instrumental porque é capaz de produzir experiências estéticas, as quais têm valor. Desta forma, se a arte é um meio para produzir um fim, Bearsley teria que nos demonstrar que o fim para a qual a arte é um meio é um fim valioso, isto é, que ter experiências estéticas é ter uma experiência compensadora, com valor. Só desta maneira poderíamos aceitar e compreender o valor da arte. Para já, vamos admitir que a experiência estética tem valor debruçando-nos apenas na sua natureza.

Como vimos atrás, Beardsley defende que a unidade, intensidade e complexidade de uma obra remete-nos para características objectivas nas obras. Por exemplo: posso dizer de uma pintura que ela tem unidade porque as suas cores são harmoniosas e a sua composição espacial de planos e volumes está solidamente organizada. Ou, por outro lado: que uma pintura é complexa pela diversidade de materiais e técnica que exibe. Mas estas características objectivas das obras provocam uma experiência subjectiva de unidade, intensidade e complexidade. Assim, não anulando a subjectividade na experiência estética, Beardsley consegue evitar o relativismo, dado que a experiência estética implica uma apreensão cognitiva de características que estão presentes nas obras. Os sentimentos subjectivos da unidade, intensidade e complexidades são suscitados por características objectivas de unidade, intensidade e complexidade.

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28 Vejamos agora quais são as características da experiência estética. Apesar de estas estarem todas relacionadas, poderemos enumerá-las assim:

1. A atenção do sujeito é fixada num objecto e é este que controla a experiência. A obra de arte pelas suas características impõe-se ao sujeito, concentrando toda a sua concentração.

2. A experiência estética é uma experiência intensa e tal intensidade é responsável pela alienação do sujeito em relação a qualquer elemento exterior à obra.

3. É uma experiência coerente e tal permite um desenvolvimento coerente na experiencia subjectiva. A obra é uma espécie de ―mundo‖ organizado.

4. É completa. Não alude a nada fora da obra. É uma experiência destacada, auto-suficiente.

5. É complexa. A complexidade da experiência decorre da diversidade de factores que entram na experiência subjectiva da própria experiência.

Destas características enunciadas, pretende-se concluir que a experiência estética é uma experiência peculiar que resulta de uma apreensão cognitiva das características estéticas das obras. Neste sentido, Beardsley caracteriza-a como uma experiência desinteressada, não subordinada a qualquer finalidade prática seja ela moral ou cognitiva ou de qualquer outro género. Os aspectos morais e cognitivos devem ser afastados na apreensão estética de uma obra. Estes em nada contribuem para o valor estético das obras de arte e são, muitas vezes, obstáculos para espectadores menos treinados que confundem o valor estético com o valor moral ou cognitivo de uma obra. Nisto reside o papel do crítico de arte. O crítico de arte avalia a capacidade que uma determinada obra tem de proporcionar experiências estéticas, apontando para as características da própria obra.

Beardsley fala-nos ainda de uma outra característica dos objectos estéticos, para além da capacidade de nos provocar experiências estéticas: o facto de não serem reais. Chama-lhes ― objects manques‖. São objectos faz-de-conta e essa sua natureza explica a ausência de finalidade prática da experiência estética e faz desta uma experiência desinteressada e isolado de tudo o resto.

Segundo esta teoria, as razões que podemos aduzir a favor do valor estético são razões exclusivamente estéticas. Mas nem mesmo todas as razões estéticas contribuem para avaliar o valor estético de uma obra. Beardsley distingue razões genéticas, afectivas e objectivas. As razões genéticas são aquelas que se relacionam com a origem e realização da obra. Incluímos neste tipo de razões a intenção e a originalidade. Estas razões dizem respeito mais ao artista e ao enquadramento da obra no contexto artístico com outras obras e por isso mesmo não devem ser tidas em

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29 conta na avaliação da obra. As razões afectivas são razões que prendem muitas vezes os espectadores às obras e que têm que ver com reacções emotivas provocadas em nós pelas obras. Estas reacções são, muitas vezes, não provocadas directamente pelas características das obras, relacionando-se com elementos morais, históricos, sociais, etc, presentes nas obras ou despertados por estas. São reacções específicas, subjectivas, que se relacionam com o tipo de espectador, sendo contingentes à obra de arte, e não devem, por isso, ser tidas em conta na avaliação das obras. Finalmente são as razões objectivas as únicas que se prendem directamente com as características das obras e estas devem ser suficientes para justificarem os juízos de valor acerca de uma obra.

3.2- Objecções à teoria de Beardsley

A perspectiva instrumentalista de Beardsley representa uma forma articulada e fundamentada de evitar o relativismo acerca da experiência estética e, consequentemente, a aceitação do relativismo acerca do valor da arte. A exigência da apreensão cognitiva, ou seja, da apreensão de certas características que se encontram efectivamente na obra como condições de possibilidade da experiência estética fundamentam a teoria do valor deste filósofo ao mesmo tempo que lançam os primeiros passos para a elaboração de uma teoria da avaliação que nos permite avaliar cada obra a partir de critérios gerais como a unidade, intensidade e complexidade.

Contudo, podemos refutar Beardsley de duas formas: na caracterização da experiência estética como uma experiência desinteressada, e, por outro lado, no facto da teoria instrumentalista cair numa regressão infinita da justificação do valor.

Um dos aspectos centrais na caracterização da experiencia estética feita pelo instrumentalismo estético é o facto de ser uma experiência desinteressada e, dessa forma, ser uma experiência isolada de tudo o que seja exterior à própria obra. O valor dos objectos estéticos depende apenas da sua capacidade de provocar experiências estéticas de magnitude elevada. Ora, se conseguirmos mostrar que existe pelo menos uma obra de arte que retira o seu valor de componentes morais e cognitivos, estaremos em condições de colocar a tese central da teoria do valor em causa. Esta estratégia argumentativa foi utilizada por George Dickie que apresentou vários contra-exemplos ao exigido carácter desinteressado da experiência estética.

«Se reflectirmos na experiência de leitura de As Aventuras de Huckleberry Finn, veremos que nada há na experiência que anule as referências. Acresce que as referências do romance a lugares históricos e práticas nos Estados Unidos

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30 desempenham um papel importante e necessário na nossa experiência da obra. Na verdade, as referências do romance tendem a intensificar a percepção que o leitor tem dos aspectos do mundo real.» diz Dickie (1997) p. 227

Ao contrário do que defende Beardsley, não há razão nenhuma para excluir da experiência estética elementos morais ou cognitivos na medida em que estes não anulam necessariamente a apreensão das qualidades estéticas. Ao invés estes podem ser uma útil ajuda para nos despertar a atenção para as qualidades estéticas das obras. São muitos os exemplos em que os aspectos referenciais das obras são também responsáveis pelas propriedades estéticas e que o consequente conhecimento destes nos permitem usufruir os aspectos estéticos enriquecendo e completando a nossa experiência estética. O meu conhecimento da guerra do Vietname e o que tal acontecimento gerou na memória histórica do povo americana em nada prejudica a experiência suscitada pela obra-prima Apocalypse Now. Assim como, a minha experiência estética da Guernica não é abalada pelo facto de eu ter conhecimento que Picasso pretendeu com tal obra testemunhar o acontecimento histórico da guerra civil espanhola, a luta entre os republicanos e os fascistas. Tal conhecimento ajudará talvez a interpretar algumas das qualidades estéticas da obra e explicará, pelo menos em parte, o valor artístico atribuído a tais obras. É claro que quer o Apocalypse Now como a Guernica transcendem os acontecimentos históricos e que mais do que os acontecimentos em causa, estas obras reflectem a eternidade intemporal do sofrimento humano, os efeitos psicológicos da guerra e o que acontece na mente humana frente à destruição. E esta é talvez a característica mais peculiar da arte. A capacidade e o poder que esta actividade humana tem de nos transmitir conceitos, referências universais ajuda-nos a compreender a razão pela qual considerarmos que as tais experiências estéticas provocadas pelas obras de arte são experiências compensadoras e gratificantes. A arte, nomeadamente, a literatura proporciona conhecimento conceptual, refinando e esclarecendo conceitos morais que usamos frequentemente. É prova disso o facto de insistirmos em utilizar expressões como «processo Kafkiano» e designarmos alguém como um autêntico D. Quixote para nos referirmos a uma atitude heróica e idealista. A arte oferece-nos formas eficazes e específicas capazes de nos dar a conhecer certos aspectos do mundo. É neste sentido que refutamos o instrumentalismos estético assim como todas as teorias que querendo compreender o valor da arte, afastam desta todos os elementos morais e cognitivos. Pelo contrário parece-nos que, por vezes, elementos exteriores à obra podem-nos despertar para a apreensão das qualidades estéticas destas e, por outro lado, não compreendemos a razão pela qual estas teorias do autonomismo estético

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31 não têm em conta o efeito e o poder que a arte tem na vida das pessoas, na sua formação moral e conhecimento, na compreensão do valor da arte.

Há ainda uma outra objecção que apresentamos à teoria de Beardsley que tem que ver com o facto de esta cair numa regressão infinita da justificação do valor. A arte é valiosa porque é um meio para alcançarmos experiências estéticas e daí o seu valor ser um valor instrumental. Dessa forma, Beardsley terá que demonstrar que o fim para o qual a arte é um meio é um fim valioso, ou seja, terá que nos mostrar por que razão considera as experiências estéticas experiências valiosas, como o próprio nos diz: «experiências gratificantes e compensadoras». Acontece que Beardsley não nos oferece uma defesa racional do valor das experiências estéticas como valores finais e tal enfraquece a sua teoria do valor.

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