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Quanto vale a minha casa? A comercialização dos imóveis faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Natal

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS

CARINA APARECIDA BARBOSA MENDES CHAVES

Quanto vale a minha casa?

A comercialização dos imóveis faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Natal

Natal, RN 2019

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CARINA APARECIDA BARBOSA MENDES CHAVES

Quanto vale a minha casa? A comercialização dos imóveis faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Natal

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Estudos Urbanos e Regionais.

Orientadora: Profª Drª Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros

Natal, RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

Chaves, Carina Aparecida Barbosa Mendes. Quanto vale a minha casa? A comercialização dos imóveis faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Natal / Carina Aparecida Barbosa Mendes Chaves. - 2019.

156f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Estudos Urbanos e Regionais. Natal, RN, 2019.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros.

1. Programa Minha Casa Minha Vida - Dissertação. 2. Venda - Dissertação. 3. Aluguel - Dissertação. 4. Casa Própria - Dissertação. 5. Região Metropolitana - Natal (Rio Grande do Norte) - Dissertação. I. Medeiros, Sara Raquel Fernandes Queiroz

de. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 351.778.532(813.2) Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748

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Ao Danilo, Ana Flávia e João Pedro, que nessa jornada foram a motivação, o suporte e o refúgio para que eu pudesse percorrer esse árduo caminho.

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Agradecimentos

Agradeço ao meu bom Deus, por ter me dado saúde, forças, sabedoria e persistência para concluir esta pesquisa de mestrado e permitiu que mais essa vitória fosse alcançada!

Ao meu amado Danilo que em todo o tempo caminhou comigo, vibrou com cada vitória e nos momentos de escuridão me fez ver que o amanhecer chegaria. Obrigada pela sua renúncia em prol de mim e por acreditar quando nem eu mesma fui capaz de crer!

À Ana Flávia, minha filha, amiga de todas as horas, eu agradeço pelo companheirismo, amor e compreensão. Por tantas vezes que abdicou de suas próprias vontades para que esse trabalho fosse realizado. Ao João Pedro, meu filho querido, dono do abraço mais gostoso desse mundo, eu agradeço por mais uma vez compreender e me apoiar com suas palavras de carinho. Vocês são a benevolência de Deus na minha vida!

Agradeço à minha mãe, a dona dos olhos mais lindos, que me ensinou sempre através de sua própria vida que desistir não é uma opção. A sua batalha me trouxe até aqui. Obrigada mãe! Ao meu pai que nunca teve palavras contrárias e com convicção sempre disse que tudo ia dar certo. Às minhas queridas Natália Mendes e Cássia Chaves que me deram suporte fazendo a minha parte de mãe em momentos que eu precisava me dedicar à finalização desse trabalho. Às minhas irmãs Maria Alice, Joice e Jéssica pelas inúmeras conversas e incentivo.

À minha orientadora Sara Medeiros que nunca mediu esforços para me ajudar. Foram muitos os momentos em que tudo parecia perdido, em meio aos obstáculos que surgiram pelo caminho da pesquisa. Mas ela sempre tinha a solução, e, por isso, eu pude avançar e chegar até aqui. Seus ensinamentos foram fundamentais na construção do meu saber, ensinamentos esses, que vão além do campo acadêmico. Agradeço pelo apoio, confiança, reflexões e pelos muitos cafés, sejam eles com “puxões de orelha” ou com elogios, pois ambos fizeram parte do meu crescimento acadêmico e pessoal.

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Ao professor Márcio Valença, por quem tenho um imenso carinho, eu agradeço por despertar em mim a vontade de pesquisar sobre o tema habitação e me encorajar a trilhar o caminho da pesquisa, mesmo quando as situações eram adversas o bastante.

À professora Jane Barbosa pelas contribuições, palavras de ânimo e seu sorriso que fazia do nosso dia mais feliz. Obrigada pelas boas conversas e apoio prestado!

Ao Grupo Estúdio Conceito que antes mesmo que eu me tornasse aluna vinculada ao Programa de Pós Graduação em Estudos Urbanos e Regionais, me acolheu e me proporcionou momentos de grandes aprendizados e reflexões.

Agradeço ao Grupo Cidades Contemporâneas por proporcionar momentos de debates e reflexões e a estrutura necessária para a pesquisa. Agradeço em especial a Beatriz Medeiros, Flávia Duarte e Mariana Fernandes. Beatriz, a minha companheira de choros e vitórias, já sinto saudades de sua voz dizendo “Vai dar certo!”. Flávia e Mariana são as meninas mais sorridentes de toda a UFRN e sempre com boa vontade de ajudar. Eu sempre serei agradecida, pois esse trabalho não teria se concretizado sem vocês! Agradeço a Diana Rodrigues por ser sempre prestativa, à Talia pela companhia nas manhãs de estudo e a Beatriz Carvalho pela sua prontidão e boa vontade.

Aos meus colegas de mestrado, que fizeram com que o caminho da dissertação não fosse uma estrada que se anda só, mas que se peleja uns juntos aos outros e a vitória de cada um é a nossa também. Agradeço em especial à Thaís, Yuri, Gabriel, Alenuska, Gabriela, Érica e Eleidiana pelas dicas, ajudas e ótimas conversas pelos corredores.

Ao Laboratório de Estatística Aplicada da UFRN, na pessoa de Ythalo Santos, que esteve sempre a disposição para nos ajudar, realizando o cálculo amostral e tirando todas as dúvidas que surgiram.

Agradeço aos alunos e amigos que se voluntariaram para a pesquisa de campo, em especial Nahara, Francisco Haroldo, Felipe Hiago e Felippe Tarkinni.

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Agradeço as minhas amigas Denise Aragão e Luzia Vitalino por tantas vezes me ajudarem em minhas necessidades e por me apoiarem desde o começo dessa caminhada.

Agradeço a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), aos professores do Programa de Pós Graduação em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR) e à Rosângela que com sua simpatia e presteza muito ajudou nas questões administrativas.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) agradeço pelo apoio financeiro.

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Lista de Abreviaturas

BNH – Banco Nacional da Habitação CEF – Caixa Econômica Federal

CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico FAR – Fundo de Arrendamento Residencial

FCP – Fundação Casa Popular

FDS – Fundo de Desenvolvimento Social

FGTS – Fundo de Garantia de Tempo de Serviço IAPs - Institutos de Aposentadorias e Pensões PAC – Programa de Aceleração do Crescimento PAR – Programa de Arrendamento Residencial

PPEUR – Programa de Pós Graduação em Estudos Urbanos e Regionais PL – Projeto de Lei

PMCMV – Programa Minha Casa Minha Vida RM – Região Metropolitana

RMN – Região Metropolitana de Natal

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Lista de Gráficos

Gráfico 1 - População que tem conhecimento de imóveis à venda nos empreendimentos em que residem ... 82 Gráfico 2 - Satisfação dos moradores em comparação com a moradia anterior ... 87 Gráfico 3 - Satisfação dos moradores quanto à unidade habitacional em comparação com a moradia anterior ... 88 Gráfico 4 - Satisfação dos moradores quanto ao tamanho da unidade habitacional em comparação com a moradia anterior ... 89 Gráfico 5 - Satisfação dos moradores quanto à localização da moradia atual em comparação com a anterior ... 90 Gráfico 6 - Valor Médio de aluguel no Vivendas do Planalto e no bairro Planalto .. 102 Gráfico 7 – Valor médio de venda no Vivendas do Planalto e no bairro Planalto.... 102 Gráfico 8 - Anúncios Online dos Empreendimentos de Parnamirim ... 107 Gráfico 9 - Valor médio de aluguel no Terras do Engenho I e II e no bairro Santa Tereza ... 107 Gráfico 10 - Valor médio de venda nos Residenciais Terras do Engenho I e II e no bairro Santa Tereza ... 108 Gráfico 11 - Valor médio de aluguel no Waldemar Rolim e Nelson Monteiro e no bairro Nova Esperança ... 109 Gráfico 12 - Valor médio de venda no Waldemar Rolim e Nelson Monteiro e no bairro Nova Esperança ... 109

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Lista de Figuras

Figura 1 - Localizações dos empreendimentos Faixa 1 do Programa Minha Vida na

Região Metropolitana de Natal ... 69

Figura 2 - Planilha de Tabulação dos Anúncios de Venda e Locação ... 75

Figura 3 - Residenciais com maior índice de moradias alugadas ... 78

Figura 4 - População que sabe de imóveis para vender ou alugar no empreendimento ... 84

Figura 5 – Painel Fotográfico dos residenciais Ilhas do Pacífico e Vida Nova e seu entorno ... 92

Figura 6 - Localização dos Residenciais Nelson Monteiro e Waldemar Rolim e as estruturas ao redor ... 93

Figura 7 - Painel Fotográfico dos residenciais Nelson Monteiro e Waldemar Rolim e seu entorno ... 94

Figura 8 – Residencial Manoel Dias ... 95

Figura 9 – Residencial Minha Santa ... 95

Figura 10 – Placa de Vende-se em Apartamento do PMCMV Faixa 1 ... 96

Figura 11 - Relatório de Inadimplência de um Condomínio Residencial Faixa 1 na Região Metropolitana de Natal ... 98

Figura 12 - Municípios com maior proporção de anúncios ... 101

Figura 13 - Publicação de Imóvel Faixa 1 do PMCMV no portal OLX ... 103

Figura 14 - Localização dos Empreendimentos em Parnamirim ... 104

Figura 15 - Localizações dos empreendimentos no município de Parnamirim ... 106

Figura 16 - Anúncio Imóvel Vivendas do Planalto ... 110

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Figura 18 - Painel Fotográfico dos empreendimentos Terras do Engenho I e II e seu entorno ... 126

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Lista de Quadros

Quadro 1 - Faixas do PMCMV e seus limites de renda ... 47 Quadro 2 - Diferencias entre as Faixas do Programa ... 49 Quadro 3 - Principais Agentes do PMCMV e suas funções ... 50 Quadro 4 - Notícias de Comercialização e/ou Locação de Imóveis Faixa 1 do PMCMV ... 66 Quadro 5 - Municípios e Empreendimentos do PMCMV na RM de Natal ... 70 Quadro 6 - Condição dos Imóveis Faixa 1 do PMCMV por moradores ... 77 Quadro 7 - Residenciais com maior número de contratos efetuados com terceiros e sem resposta ... 79 Quadro 8 - Condição da moradia atual por origem do contrato de compra ... 79 Quadro 9 - Ano de Entrega e tempo de moradia da população residente ... 81 Quadro 10 - População que sabe de imóveis para vender ou alugar no empreendimento ... 83 Quadro 11 - Empreendimentos com maiores incidências ... 86 Quadro 12 - Satisfação dos moradores em comparação com a moradia anterior, nos sete empreendimentos que mais possuem indicativos de comercialização ... 87 Quadro 13 - Satisfação dos moradores quanto à unidade habitacional em comparação com a moradia anterior, nos sete empreendimentos que mais possuem indicativos de comercialização ... 88 Quadro 14 - Satisfação dos moradores quanto ao tamanho da unidade habitacional em comparação com a moradia anterior ... 89 Quadro 15 - Satisfação dos moradores quanto à localização do empreendimento em comparação com a moradia anterior ... 90 Quadro 16 - Empreendimentos mal localizados na Região Metropolitana de Natal.. 91 Quadro 17 - Unidades Habitacionais por Município ... 100

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Quadro 18 - Localizações dos Empreendimentos no município de Parnamirim ... 105

Quadro 19 - Empreendimentos com maiores incidências verificadas em pesquisa de campo e coleta online ... 113

Quadro 20 - Amostragem da segunda fase da pesquisa de campo ... 117

Quadro 21 - Condição de Moradia Atual ... 118

Quadro 22 - Preferência por tipologia de imóveis por Residencial ... 119

Quadro 23 - Tamanho das famílias e satisfação em relação ao tamanho do imóvel ... 119

Quadro 24 - O tamanho do apartamento atende a família ... 120

Quadro 25 - A localização do residencial atende a família ... 121

Quadro 26 - População que conhece pessoas que venderam o apartamento ... 122

Quadro 27 - Motivos de quem vendeu o imóvel segundo relatos dos moradores ... 123

Quadro 28 - Moradores que venderiam o imóvel se fosse permitido ... 123

Quadro 29 - Moradores que concordam que a venda não seja permitida ... 124

Quadro 30 - Motivo dos locatários escolherem o imóvel do PMCMV para residirem ... 124

Quadro 31 - Desejo da população locatária de adquirir o imóvel ... 125

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RESUMO

A casa é indispensável à sobrevivência do ser humano. No entanto, é de difícil acesso à população mais pobre, pois a sua produção e comercialização fazem sobressair o valor de troca dessa mercadoria com características distintas das demais. O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), criado em 2009, objetiva facilitar o acesso à moradia por meio da promoção da casa própria para as famílias com renda de até dez salários mínimos (SM). O programa é dividido em três faixas, sendo a faixa 1 dirigida às famílias com renda entre zero a R$ 1800,00. Nessa faixa, os imóveis recebem subsídios diretos de até 95% do seu preço e são financiados sem juros no prazo de 120 meses. No período do financiamento os imóveis devem ser utilizados exclusivamente à moradia das famílias contempladas. Na Região Metropolitana de Natal (RMN) o programa atuou em nove de seus quatorze municípios, com 26 empreendimentos em 21 localidades, totalizando 11.276 unidades habitacionais. Em menos de dez anos do PMCMV, identifica-se negociações de venda, de aluguel e de troca dos imóveis na faixa 1 do programa – que a rigor não devem ser comercializados nos primeiros dez anos da contemplação. O objetivo dessa pesquisa é analisar as ocorrências dessas negociações, identificando onde, como e por que ocorrem as vendas, as trocas e as locações de imóveis, nos 26 empreendimentos faixa 1 do PMCMV na RM de Natal, entregues até o ano de 2016. A coleta de dados e informações iniciou com o monitoramento dos classificados online, que durou 27 meses. Concomitante foram realizados trabalhos de campo, na fase I em todos os empreendimentos do PMCMV faixa 1 na RM de Natal; na segunda fase, foram visitados os empreendimentos com maior ocorrência de negociações – nos classificados e na fase I. A pesquisa constatou que a má localização, a não adaptação à tipologia apartamento, a possibilidade de morar em outro lugar ou de adquirir outro bem (em destaque o carro), somados à vulnerabilidade financeira são os motivos que impulsionam os moradores de disporem de seus imóveis à negociação.

Palavras-chave: Programa Minha Casa Minha Vida. Venda. Aluguel. Casa própria.

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ABSTRACT

The house is indispensable to the survival of the human being. However, it is not easily accessable to the poorest population, because its production and commercialization highlight the exchange value of this good with characteristics different from the others. The “Programa Minha Casa Minha Vida” (PMCMV), created in 2009, aims to facilitate access to housing by promoting home ownership for families with incomes of up to ten minimum wages. The program is divided into three categories, with category 1 directed to families with income between zero and R $ 1800.00. In this category, properties receive direct subsidies of up to 95% of their price and are financed interest-free within 120 months. During the financing period, the properties should be used exclusively for the housing of the families contemplated. In the Metropolitan Region of Natal (RMN) the program worked in nine of its fourteen municipalities, with 26 developments in 21 locations, totaling 11,276 housing units. In less than ten years of the PMCMV, negotiations are identified for sale, rental and exchange of real estate in the category 1 of the program - which should not be sold in the first ten years of contemplation. The objective of this research is to analyze the occurrences of these negotiations, identifying where, how and why sales, exchanges and leases of real estate occur, in the 26 developments PMCMV category 1 in the RMN, delivered until 2016. The data collection and information began with the monitoring of online classified, which lasted 27 months. Concomitant field work was carried out, in phase I, in all the PMCMV projects category 1 in the RMN; in the second phase, the enterprises with the highest occurrence of negotiations - classified and in phase I - were visited. The research shows that the poor location, the non-adaptation to the apartment typology, the possibility to live elsewhere or to acquire another good (highlighting the car), added to the financial vulnerability are the motives that encourage the residents to dispose of their real estate to the negotiation.

Key Words: “Programa Minha Casa Minha Vida”. Sale. Rent. Home Ownership.

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SUMÁRIO

Introdução ... 16

Capítulo 1 - A Casa e o Morar: aspectos determinantes da questão

habitacional ... 20

1.1 A Moradia: Aspectos simbólicos, Produção e Consumo ... 21

1.2 A ideologia da casa própria e a provisão de moradias ... 30

1.3 Moradia e segurança de posse ... 34

1.4 Ilegalidade e irregularidade ... 40

Capítulo 2 – O Programa Minha Casa Minha Vida: da informalidade

à formalidade e o seu caminho inverso ... 46

2.1 Minha Casa Minha Vida: entre o regular e o irregular... 46

2.2 Lei e Regulamentação do PMCMV para a Faixa 1 ... 51

2.3 A alienação fiduciária e o contrato de gaveta ... 56

2.4 A Periferia ontem e hoje: o impacto do PMCMV nas cidades brasileiras ... 60

2.5 As vendas e aluguéis do PMCMV no Brasil ... 65

Capítulo 3

– Vendo, troco ou alugo um sonho: negociações dos

imóveis do PMCMV, faixa 1, na RMNatal ... 69

3.1 Satisfação versus negociação ... 75

3.2 Imóveis à venda em classificado online ... 99

3.3 - A casa e a oportunidade: os impasses da localização e da tipologia ... 116

Conclusão ... 129

REFERÊNCIAS ... 136

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 16

Introdução

A casa é indispensável na sobrevivência de cada família e sua utilidade é indiscutível. No entanto, a casa também é uma mercadoria e, uma vez colocada no mercado, o seu valor de troca suprime o valor de uso, fazendo com que esteja disponível àqueles que possam pagar por ela. No Brasil, as políticas habitacionais desde os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), Fundação da Casa Própria (FCP) e o Banco Nacional de Habitação, colocam a casa própria como solução do déficit habitacional.

No ano de 2009 foi criado o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Para além dos objetivos econômicos, o programa proporciona que famílias com baixo rendimento acessem a moradia. Foi dividido inicialmente em três faixas de renda e a Faixa 1 abrange famílias com rendimentos mensais que variam entre R$ 0,00 a R$1.800,00. Por meio de sorteio realizado pelas prefeituras de cada município, as famílias contempladas recebem o imóvel com subsídios de até 95% e, assinam contrato de alienação fiduciária, com uma das cláusulas especificando a permanência no imóvel por, no mínimo, 10 anos.

Com o Programa Minha Casa Minha Vida, a casa própria, mais uma vez, é propagada como solução de moradia, assim como uma conquista e segurança dos mais pobres. Esse trabalho analisa o Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Natal, detendo-se nos processos de aluguel e venda de imóveis Faixa 1 entregues até o ano de 2016. O objetivo é entender como, onde e o por quê ocorre a comercialização dessas moradias. Assim, serão verificados quais são as estratégias de comercialização dos beneficiários, bem como mapeará quais são os empreendimentos que mais possuem observações de que essas práticas ocorrem e serão examinados os motivos impulsionadores para que o imóvel, recebido como um direito garantido torne-se um bem no mercado imobiliário. Ressalta-se que em nenhum momento esse trabalho teve a intenção de ser um documento de denúncia, mas uma pesquisa que busca refletir sobre as potencialidades e desafios das políticas habitacionais voltadas para a população de baixa renda.

O trabalho de pesquisa contou com um esforço conjunto do Grupo de Pesquisa Cidades Contemporâneas, com uma pesquisa mais ampla “Que Periferia é

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 17 esta? A localização e inserção urbana dos Conjuntos Minha Casa Minha Vida faixa 1, na Região Metropolitana de Natal/RN”, coordenada pela professora Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros e pelo professor Márcio Moraes Valença. Além dessa Dissertação, são frutos da pesquisa mais ampla os trabalhos de Luís Renato Nogueira da Rocha (2018) – “Como o poder público resolve a questão da moradia: a urbanização, a remoção e o reassentamento de favelas em Natal/RN (2001 a 2017) ” – e de Diana Araújo Rodrigues (2018) – “Casa Nova, vida nova? Mobilidade urbana nos empreendimentos minha casa minha vida (faixa 1) na região metropolitana de Natal” - e Beatriz Medeiros Fontenele, também em fase de finalização de pesquisa de dissertação que avalia a casa como ativo nos empreendimentos Faixa 1 da RM de Natal.

A pesquisa de campo foi composta por dois momentos. A fase I da pesquisa de campo foi realizada nos 26 empreendimentos, por meio de questionário aplicados junto aos moradores. O número amostral, calculado pelo Laboratório de Estatística da UFRN, considerou todas as 11.276 unidades entregues até o ano de 2016 na Região Metropolitana de Natal. O tamanho da amostra foi de 905 questionários e na pesquisa de campo foi possível realizar 882 (97,45%) entrevistas por questionário, não sendo possível completar o número calculado apenas para o empreendimento Vivendas do Planalto em Natal, por procedimentos de segurança da equipe. As residências entrevistadas foram selecionadas utilizando a função de geração de números aleatórios do Excel, e distribuído no partido urbanístico do empreendimento. A segunda fase da pesquisa de campo foi realizada nos empreendimentos com maior ocorrência de aluguel e de vendas de imóveis, os Residenciais Nelson Monteiro, Waldemar Rolim, Terras do Engenho I e Terras do Engenho II, todos eles situados no município de Parnamirim. Nessa fase a equipe teve dificuldades em acessar o Residencial Waldemar Rolim e não foi possível completar o número total de questionários. O receio dos moradores em responder a pesquisa ocorreu em virtude de correspondência emitida pela CEF solicitando o comparecimento dos moradores na agência, portando comprovantes de que os beneficiários sorteados eram os moradores das residências.

Outra parte da pesquisa foi o monitoramento, durante 27 meses, no portal OLX, dos anúncios de venda ou aluguel de imóveis pertencentes a Faixa 1 da Região Metropolitana de Natal. Foram coletados 170 anúncios, sendo 167 referentes

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 18 a apartamentos. Através dos anúncios foi possível conhecer causas e necessidades dos moradores ao dispor de seus imóveis para a venda e locação, assim como verificar que o valor de troca do bem moradia sobrepuja sobre a utilidade que a moradia proporciona.

A primeira fase da pesquisa de campo possibilitou o conhecimento de quais eram os residenciais onde mais ocorre a comercialização dos imóveis. Esses resultados puderam ser confirmados pela pesquisa com anúncios de classificados online. A segunda fase da pesquisa de campo, juntamente com a análise das descrições dos anúncios nos classificados online, fez compreender os motivos que incentivam os beneficiários a abrirem mão de sua moradia e disponibiliza-la como mercadoria.

O capítulo 1 conta com a discussão teórica sobre a casa, os seus valores físicos e simbólicos na vida de cada indivíduo e está estruturado em quatro tópicos. A simbologia da casa será discutida com o auxílio de DaMatta (1997), Jorge (2005) e Bourdieu (2013). As peculiaridades da casa são apresentadas por Valença (2003) e Harvey (1980) e mais adiante apresentadas a produção e consumo do bem casa, com a dualidade do valor de troca e valor de uso que são inerentes a todas as mercadorias a partir dos conceitos apresentados por Marx (2013). No segundo tópico será discutido a ideologia da casa própria e como essa ideia permanece como aspiração da população brasileira desde as políticas habitacionais do BNH até os dias atuais. As discussões estão ancoradas em Arantes e Fix (2009), Bolaffi (1982) e as discussões de Valença (2014) mostram as alternativas de moradias estatais que não estão vinculadas à propriedade privada individual. Em seguida, as discussões de Fernandes (2008) e Marcuse (2008) demonstram que a segurança de moradia não está somente na propriedade privada do imóvel, mas que o próprio título de propriedade privada individual pode desviar do objetivo de providenciar moradia aos mais pobres e servir ao interesse do mercado imobiliário. Finalizando o capítulo, as formas irregulares e informais presentes nos modos de habitação são discutidos pelos autores Telles (2010), Panizzi (1990) e Valladares (2000).

O capítulo 2 apresenta o Programa Minha Casa Minha Vida e as regras que regulamentam o programa com as discussões de Bonduki (2009), Arantes e Fix (2009), Cardoso e Aragão (2013) e a Lei 11.977/2009. A seguir, a alienação

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 19 fiduciária, presente no contrato de financiamento dos beneficiários será aprofundado pelos autores Rabelo e Viegas (2011), Freitas (2015), Nunes (2016), Chalhub (2017) e Ruzyk e Frank (2011), assim como o contrato de gaveta, o meio encontrado pelos beneficiários de firmar o contrato de maneira informal. Desse modo, a finalização do segundo capítulo mostra a localização de moradia dos mais pobres e o PMCMV no Brasil, seus impactos na vida da população e as práticas de comercialização realizadas pelos beneficiários, com autores que estudam o programa no Brasil, como Bonduki (2009), Rufino (2015), Pequeno e Rosa (2015), Margutti (2013) e Morato et al. (2015).

O último capítulo apresenta os dados da pesquisa de campo, mostrando quais são os residenciais que mais possuem características de vendas ou aluguéis na Região Metropolitana de Natal. Por meio de perguntas que averiguam a propriedade do imóvel, tempo de moradia, contratos realizados e o conhecimento da população local sobre imóveis colocados à venda ou à locação, mapeou esses empreendimentos. Segue analisando os anúncios de classificados online, que reforça as localizações em que mais possuem as comercializações e instiga a conhecer os motivos que induzem o processo de comercialização. A última parte do capítulo mostra os resultados da segunda etapa da pesquisa de campo, que relacionam a comercialização com tipologias de apartamentos e às localidades onde se situam esses empreendimentos.

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 20

Capítulo 1 - A Casa e o Morar: aspectos determinantes da questão

habitacional

A moradia humana é um dos itens básicos para a sobrevivência do indivíduo. É nela que cada um pode gozar de descanso, estabelecer as suas relações familiares e ter a sua privacidade. Por esses motivos, a casa é dotada de significados para os seus moradores, porém, assim como para os habitantes da moradia, ela também reflete símbolos e imagens externas dentro de uma estrutura social. É, portanto, nesse contexto que a casa deixa de ser apenas a moradia humana e exerce o papel de mercadoria, sendo um produto que detém alto valor agregado.

Por essa razão, a mercadoria casa se torna inacessível à população mais pobre por meio do mercado imobiliário formal, que procura outras formas possíveis de habitar, seja em lugares mais afastados ou mesmo de formas ilegais ou irregulares.

Neste capítulo, serão discutidas, em um primeiro momento, as questões simbólicas que abrangem a casa, tanto para o seu morador quanto para o exterior; a seguir, será feita uma análise da casa como mercadoria e como se dá o seu consumo, especialmente para a população mais pobre que encontra dificuldades em acessar um imóvel pelo mercado formal. Na sequência, será feita uma retrospectiva sobre como se desenvolveu, no Brasil, a ideologia da casa própria e como essa se acentuou com a criação do Banco Nacional da Habitação (BNH), perpetuando-se até hoje no PMCMV, com a oferta a moradia por meio do título de propriedade. Apresentam-se a seguir as possíveis alternativas para a questão da moradia e da segurança de posse. Por fim, o último tópico tratará das legislações e das formas ilegais e irregulares de habitação, sendo elas muitas vezes o resultado da insuficiência de moradia.

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 21 1.1 A Moradia: Aspectos simbólicos, Produção e Consumo

A casa é, para cada indivíduo ou família, muito mais do que um bem material, pois ela é dotada de valores simbólicos que acompanham o ser humano em toda a sua história. É na casa que os indivíduos podem usufruir de sua privacidade, descanso, conforto, dentre outras necessidades de seu cotidiano. Assim, a relação das pessoas com a moradia ultrapassa aspectos ligados à estrutura física, tamanho e ornamentos, pois o lar se desloca do campo físico e possui representações simbólicas nas vidas das pessoas.

Não obstante, mesmo sendo a casa um item indispensável à sobrevivência humana, ao se inserir no mercado imobiliário, torna-se indisponível à população mais pobre. As mercadorias inseridas no mercado para compra e venda possuem um preço, porém, esse não está atrelado ao valor de uso do bem, mas muito mais ao valor de troca, pois vários fatores impactam o preço com que os produtos serão comercializados. A casa, mais do que a maioria das outras mercadorias, possui um conjunto de atribuições, como o seu alto valor agregado, o tempo de produção, assim como o local em que é produzida, dentre outras “peculiaridades”, que fazem com que ela seja distinta (HARVEY, 1980; VALENÇA, 2003; ABRAMO, 2007). Este tópico tratará das questões simbólicas da casa e da sua representação na vida dos indivíduos que a usufruem. Também será abordada a imagem que o próprio morador faz de si mesmo, assim como aquela que deseja que seja vista pelos outros. Para essa discussão, serão utilizados os conceitos de casa como morada humana, desenvolvidos por Jorge (2005), sendo esta mais do que o abrigo que protege o homem dos adventos climáticos; passará pelo conceito de diferenciação entre a casa e a rua, como formulado por DaMatta (1997); e, por fim, discutirá os conceitos de Bourdieu (2013) sobre como o lugar de moradia faz parte de uma estrutura social que é símbolo de poder, mas também pode designar estigmas, isto é, o local de residência retrata a imagem sobre a posição social.

A seguir, a produção e o consumo da casa serão abordados, primeiramente trazendo a discussão de Marx (2013) sobre o valor de uso e valor de troca das mercadorias e a sua relação com o consumo e com a produção. A seguir, a casa como mercadoria é apresentada, de acordo com Harvey (1980), Valença (2003) e Abramo (2007), ressaltando as características que a tornam especial. Assim, com

(24)

Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 22 base nas definições da casa como uma mercadoria diferenciada, a discussão segue com as argumentações de Maricato (1987), demonstrando que, embora o consumo de diversos bens tenha incluído os mais pobres no grupo de consumidores, a habitação continua a ser um bem que não está disponível aos trabalhadores, devido ao seu alto preço e aos baixos salários recebidos por eles. A discussão encaminha-se com as contribuições de Maricato (1987; 2003), Rolnik (1999) e Alvarez (2015) quando enfatizam que a ilegalidade e a irregularidade nas formas de habitação são as soluções encontradas pelos mais pobres diante do elevado preço das moradias, destacando que o Estado se torna condescendente com essa situação. Este tópico se encerra com as análises críticas de Pequeno e Rosa (2015), Doerr (2017), Cardoso e Aragão (2013) e Amore, Shimbo e Rufino (2015), ao demonstrarem que o PMCMV tem cooperado para a segregação e afastamento das populações mais pobres e que isso é resultado da prevalência da abordagem da casa como mercadoria também nas políticas públicas.

A casa é, segundo Jorge (2005, p.243), muito mais do que um abrigo onde nos podemos refugiar do vento, sol, chuva, dentre outros; é a morada humana, “onde o em casa se realiza”. A casa é muito mais do que um mero objeto, pois cada moradia representa a história e a identidade de seus ocupantes, definindo diversas ações e maneiras do ser que a ocupa1.

Um aspecto fundamental na análise da questão simbólica da casa é a localização. A habitação estabelece uma importante posição diária, pois será sempre o local de partida e de chegada, com um reflexo direto na rotina dos moradores (JORGE, 2005). Assim, o trabalho, a escola, os equipamentos de assistência à saúde e a área comercial estarão perto ou longe, considerando o local onde a casa se situa e as dinâmicas de mobilidade dos moradores. Nesse aspecto, pode-se considerar que a localização das moradias exerce influência positiva ou negativa no cotidiano de seus ocupantes, dado que a imobilidade da moradia torna

1 Em seu livro “A poética do espaço”, Gaston Bachelard (2008) define a casa como um local de íntima relação com o indivíduo. Nesse sentido, os espaços e divisões da casa demonstram fases ou emoções da vida cotidiana de seus habitantes. Assim como o porão escuro pode representar um estado de espírito de angústia, o sol, ventilação e a claridade que envolvem o sótão demonstra a alegria e sentimento de vitória.

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 23 esse um fator fixo, não passível de ser mudado como outros objetos, ou seja, uma vez construída, permanecerá sempre naquele local.

Considerando outros aspectos da casa, Jorge (2005) ainda reflete sobre dois fatores contraditórios: o primeiro é que ela é reconhecida por sua domesticidade, podendo consequentemente abrigar e manter a privacidade. Nesse sentido, DaMatta (1997, p. 53) argumenta que a privacidade é um fator que diferencia o espaço que se tem dentro do domicílio do espaço que se usufrui na rua. Enquanto a rua é tida como o local onde se encontra todo tipo de perigo, a casa, de modo contrário, tem o aspecto acolhedor e de separação da rua. Nas palavras do autor, a residência é um “espaço de calma, repouso, recuperação e hospitalidade, enfim, de tudo aquilo que define a nossa ideia de „amor‟, „carinho‟ e „calor humano‟, a rua é um espaço definido precisamente ao inverso” (DAMATTA, 1997, p. 57)2

.

Porém, antagonicamente, ao mesmo tempo em que a casa é um lugar de privacidade, ela também representa a imagem e identidade pública do (s) morador (es) para o exterior. Essa representação pública do indivíduo, segundo o lugar que habita, pode assim ser favorável, ou não. Nesse mesmo sentido, Bourdieu (2013) defende que os lugares estão dispostos segundo uma estrutura social, sendo assim, bairros e habitações tendem a estar localizados de acordo com uma hierarquia social. Portanto, para Bourdieu (2013), cada indivíduo será caracterizado pelo endereço de sua residência, ou seja, dependendo do bairro em que se localiza a sua residência são traçados/idealizados perfis de renda e de possíveis ocupações e modos de vida.

Para além das questões simbólicas sobre a casa, e tudo o que ela representa na história e vivência de cada pessoa, a moradia é um dos itens básicos para a sobrevivência humana, não sendo possível viver sem ela (HARVEY, 1980). Assim, a casa é caracterizada como uma necessidade para a sobrevivência do ser humano, onde pode gozar de abrigo, intimidade e ter ali condições básicas para viver. A casa,

2 DaMatta (1997) escreve em seu livro “A casa & a rua: Espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil” e nele analisa a sociedade brasileira com base na antropologia. Porém, para esse trabalho utilizou-se somente a definição em que autor descreve a casa para os seus moradores em uma perspectiva de lugar onde se encontra a segurança, e a rua, como sendo o lugar da insegurança e a ausência de privacidade. O autor recorre a essas categorias para fazer analogias à sociedade brasileira, o que não é o foco desse trabalho.

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 24 dessa maneira, se apresenta como valor de uso. Porém, uma habitação não possui apenas o valor de uso, mas também é um importante valor de troca, dadas as especificidades dessa especial mercadoria (HARVEY, 1980; VALENÇA, 2003). Dentro de uma lógica capitalista, o valor de uso é suprimido pelo valor de troca.

Ao possuir valor de troca, a casa está inserida como uma mercadoria no processo de produção e consumo. Por isso, se torna necessária a análise de como se dá a sua fabricação e comercialização, tendo em conta os fatores específicos que qualificam esse bem.

Marx (2013) inicia o primeiro capítulo do livro “O Capital” apresentando a noção de mercadoria e os valores (valor de uso e valor de troca) que essas podem incorporar. Segundo ele, no modo de produção capitalista, a riqueza é o conjunto de mercadorias e esta, por sua vez, é apresentada como “um objeto” que por meio de “suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de um tipo qualquer”. Assim, Marx define que “o produto não é mais uma mesa, uma casa, um fio ou qualquer outra coisa útil. Todas as suas qualidades sensíveis foram apagadas [...] sendo todos reduzidos a trabalho humano igual, a trabalho humano abstrato” (MARX, 2013, p.157).

Muito mais do que procurar as equivalências de medidas para as trocas de mercadorias, Marx (2013) vai demonstrar que o valor incorporado em uma mercadoria no momento em que é inserida no mercado de troca é diferente da utilidade que ela representa no contexto em que é produzida para o próprio consumo. Quando qualquer objeto é produzido para o próprio consumo ou subsistência, ele não se torna uma mercadoria. Uma mercadoria precisa ter um valor de uso para alguém, mas não necessariamente para o seu proprietário. Assim, o autor argumenta que o valor de troca está desconectado do valor de uso, pois o valor de comercialização da mercadoria terá incorporado um valor adicional, o que chamamos de lucro. Nas palavras de Marx (2013, p.164), “para se tornar mercadoria, é preciso que o produto, por meio da troca, seja transferido a outrem, a quem vai servir como valor de uso”.

A casa, então, ao ser produzida e comercializada no mercado imobiliário, assume também as características de uma mercadoria, pois é reduzida ao seu valor

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 25 de troca, com vistas a suprir o valor de uso de outros indivíduos. Contudo, a casa é uma mercadoria que não está acessível a toda a população.

A partir dos anos 1970, com um forte processo de liberalização econômica que ocorre no mundo, a mercadoria casa passa a reunir elementos que se deslocam do campo local. Assim, a habitação não é só mais uma mercadoria ou produto que circula no mercado, mas é produzida a partir de capitais financeiros que circulam em todo o mundo. Por esses motivos, a produção da habitação é regida pela força dos capitais, nacionais e internacionais, que determinam quando, onde e como esta será produzida. No Brasil, a liberalização financeira se inicia nos anos 1980 e é fortemente implementada no governo de Fernando Collor de Mello, início dos anos 1990 (HERMANN, 2010).

Das Neves Alvarenga e Reschilian (2018, p.476) argumentam que com a abertura comercial e a financeirização ocorrida no país, o processo produtivo da habitação congrega “proprietários de terras, construtoras subcontratadas, investidores internacionais e agentes financeiros”, o que eleva a moradia a uma mercadoria inserida no mercado mundial. Os autores ainda destacam o envolvimento de incorporadoras com a bolsa de valores, sobretudo no ano de 2006, que segundo eles, mostram “o poder crescente das finanças”.

Segundo Harvey (2017), a casa se tornou “objeto de especulação” e isso ultrapassa os agentes de financiamento e produção e resulta em comportamentos dos próprios proprietários/moradores, que utilizam em variados momentos a casa como ativo de especulação financeira. Isso demonstra, que dado o nível de globalização financeira, o valor de troca da casa está inserido no cenário financeiro mundial e sobrepuja o valor de uso da moradia.

Ao se analisar a casa como mercadoria, é necessária atenção, pois como define Valença (2003), trata-se de uma “mercadoria peculiar”:

Habitação é, antes de mais nada, coisa, objeto, produto, bem durável, mercadoria, ou seja, algo que se compra e vende no mercado imobiliário. Porém, a habitação não é uma mercadoria qualquer, como ventilador ou sapatos: a habitação não é como as demais mercadorias. É uma mercadoria com características especiais, peculiares e complexas, que têm implicações diversas e profundas sobre a forma como ocorrem a sua produção e o seu consumo [...] (VALENÇA, 2003, p.166, grifos do autor).

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 26 Assim, a habitação possui atributos diversos que a distingue das demais mercadorias. Primeiramente, a necessidade de se habitar abrange a todos. Harvey (1980) argumenta que é impossível viver sem que se ocupe um espaço, sem se ter uma moradia. No mesmo sentido, Valença (2003) refere que a habitação é uma necessidade básica. Independentemente de ser rico ou pobre, todo indivíduo precisa de uma moradia, pois é nela que se dará o consumo de outras mercadorias e a vivência da vida privada, assim como a convivência com familiares e amigos.

O modo em que a habitação é produzida também é ressaltado por Valença (2003), o qual explica que a produção da casa não é um processo fácil, devido a diversos fatores. A princípio, porque a mercadoria casa é um bem de alto valor agregado e nem todos conseguem obtê-la. Abramo (2007, p.44) destaca que com o alto valor que a mercadoria casa possui, a sua aquisição implica em “um comprometimento dos rendimentos familiares futuros, pois a aquisição do bem imóvel, em geral, envolve uma decisão de endividamento familiar”. Além do alto valor agregado da casa, a sua produção também envolve um longo tempo de execução, o que torna o produto inelástico no mercado e, dado o seu alto valor, com uma baixa liquidez. Suas diversas etapas de produção e comercialização envolvem variados profissionais e agentes.

Valença (2003) destaca que o consumo do “bem casa” não se pode dar de maneira dividida, em partes. Destaca também o aspecto da fixidez geográfica. Diferente de outras produções, a confecção da casa leva a fábrica até o local em que será edificada e consumida. Concluída a sua construção, a casa não poderá se deslocar, o que ressalta a importância da localização e o que está em seu entorno. Portanto, a localização exerce um papel fundamental na construção da moradia, dado que esse aspecto é perene e a influência desse fator está intimamente ligada à rotina dos indivíduos, pois como já citado anteriormente, a casa é sempre o ponto de partida e de retorno da população. Por fim, para que possa haver a sua construção, é necessário possuir um pedaço de solo, o que está intimamente ligado com o mercado de terras, assim o monopólio de terras interfere diretamente na produção de moradias.

A maioria das mercadorias se torna mais acessível aos trabalhadores à medida que o modo de produção capitalista aumenta a produtividade do trabalho e

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 27 as torna mais baratas. Porém, com a casa, essa lógica de aumento da produtividade não se estabelece da mesma forma. Maricato (1987) defende que o padrão de consumo dos trabalhadores se eleva com a inclusão deles no grupo de consumidores de diversos bens duráveis. Enquanto a maioria dos produtos tem a sua produtividade aumentada, o bem habitação continua sendo um grande dispêndio, mantendo-se inacessível à classe trabalhadora, em particular aos mais pobres. Por ser um importante item da cesta de consumo dos trabalhadores, tanto a autoconstrução como a aquisição de terrenos em áreas mais periféricas, muitas vezes de forma irregular, se dão como único meio de acesso à moradia.

Em muitos casos, além do alto valor para se habitar na cidade, a própria legislação também provoca o afastamento da população mais carente para as periferias. Rolnik (1999), ao analisar as leis implementadas na cidade de São Paulo, destaca que a legislação tem servido para criar limites, atuando “como linha demarcatória, estabelecendo fronteiras de poder”, sendo assim “uma teia invisível e silenciosa” que “se estende sobre o território da cidade”. Alvarez (2015) reflete sobre a produção da cidade como um negócio, em que a propriedade da terra está incluída no circuito de reprodução do capital, e declara que:

No que se refere à preocupação com o saneamento e às condições de saúde pública, fica evidente a determinação em expulsar das cidades os pobres e demolir as habitações operárias. [...] a preocupação não estava em proteger e/ou garantir moradia à população de menor renda, mas simplesmente afastá-la para longe das cidades, junto às fábricas poluentes, matadouros e hospícios (ALVAREZ, 2015, p. 69).

Maricato (2003) argumenta que a própria segregação e exclusão sócio territorial estão relacionadas com a aplicabilidade da lei. Em muitos casos, a lei frequentemente é utilizada quando é favorável a uma parcela pequena da sociedade, que dispõe de mais recursos econômicos. Assim, a busca por moradias em periferias, seja em favelas e/ou em localidades com construções irregulares e ilegais não é uma opção, mas o resultado da exclusão do acesso ao “bem casa”, que atende aos propósitos de um mercado voltado ao capital. Rolnik (1999) também reitera que as leis vão além dos propósitos descritos nos documentos, mas que possuem a intenção de apartar para longe os indesejados:

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 28

A estas leis, definindo a especificidade do modo de construir nos bairros de elite, corresponde uma característica absolutamente marcante na construção da legalidade urbana [...] a lei como garantia de perenidade do espaço das elites [...] A lei, ao definir que ali só pode ocorrer certo padrão, opera o milagre de desenhar uma muralha invisível e, ao mesmo tempo, criar uma mercadoria exclusiva no mercado de terras e imóveis (ROLNIK, 1999, p.3).

Assim, a informalidade, a irregularidade e a ilegalidade são características da exclusão social. Segundo Maricato (2003, p.154), o mercado habitacional privado legal no Brasil não abrangeu toda a população, ficando restrito a poucos, sendo “a maior parte da produção habitacional no Brasil” feita “à margem da lei, sem financiamento público e sem o concurso de profissionais arquitetos e engenheiros”. Conforme defende a autora (MARICATO, 2003, p.159) as formas ilegais ou irregulares de habitação para a população de renda mais baixa se tornam a regra e não a exceção.

A ilegalidade, porém, é utilizada pelo Estado conforme lhe é útil. Quando populações ocupam áreas restritas, que colocam em risco até mesmo a própria segurança, o Estado é condescendente. Contudo, a mesma ilegalidade tolerada pelo Estado serve de justificativa para a negligência no fornecimento de infraestrutura e serviços que estão sob sua responsabilidade, assim, “a legislação pode servir para justificar tanto uma ação como uma inação” (MARICATO, 2003, p.155). Nestas ações, fica nítido que tanto a utilização das leis quanto o intencional consentimento para o descumprimento dela por parte do Estado fazem parte da exploração de uma massa populacional pobre, que busca, pelas vias da informalidade ou ilegalidade, o único meio de subsistência.

Com o Programa Minha Casa Minha Vida (que será detalhado no capítulo 2), o Estado fornece habitação para a população de baixa renda pelo mercado formal. No que concerne principalmente à Faixa 1, as pesquisas de âmbito nacional têm demonstrado que, de modo geral, os novos residenciais se encontram em localidades periféricas3 e, em muitos casos, inseridos em grandes vazios urbanos,

3 Pesquisas publicadas nas coletâneas de Cardoso e Aragão (2013) e Amore, Shimbo e Rufino (2015); ressaltam as localidades distantes que os empreendimentos destinados à Faixa 1 têm sido construídos em diversas regiões brasileiras. Os resultados dessas pesquisas sustentam a hipótese de que a casa no mercado imobiliário será produzida de maneira que se possa obter maior lucro de produção. Porém, como analisado por Rodrigues

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 29 que excluem a população beneficiária do programa do acesso a uma série de serviços e infraestruturas urbanas. A escolha por áreas afastadas se dá pelo baixo valor dos terrenos nessas localidades. Segundo Pequeno e Rosa (2015), o afastamento dos conjuntos Faixa 1 para regiões desconectadas da malha urbana reforça processos de segregação e sustenta a valorização de terrenos com localizações privilegiadas afastando os mais pobres.

A importância da localização da moradia já foi destacada em páginas anteriores, quando se argumenta que a casa é o ponto de partida e de retorno diário das pessoas, assim como acentuando que o lugar da moradia é fixo, sendo todo o consumo da casa e na casa atrelado à mesma localidade (JORGE, 2005; VALENÇA; 2003; ABRAMO, 2007). Portanto, os problemas da construção de conjuntos em áreas com ausência ou precária infraestrutura e acessibilidade se refletem na vida dos moradores, com a falta de serviços e aumento dos custos de locomoções diárias (AMORE, SHIMBO e RUFINO, 2015; CARDOSO e ARAGÃO, 2013). Para Doerr (2017, p.175), as péssimas condições de localização desses empreendimentos são frutos de uma “lógica onde a moradia se constitui como uma mercadoria”, ou seja, para as construtoras privadas que constroem habitações populares, os maiores lucros estão na aquisição de terrenos mais baratos.

Foi demonstrado que os caminhos alternativos de acesso à casa ocorrem de diversas formas e, em variadas situações, com o apoio implícito do Estado, seja por meio de sua atuação ou mesmo pela não atuação. Através do PMCMV, a ação do Estado em fornecer moradia à população de baixa renda tem sido pela via legal e regularizada, porém com a atuação direta do mercado. Esse fato tem gerado discussões no que concerne à localização dos empreendimentos, pois os construtores, para obterem maiores lucros, optam pelas construções onde as terras são mais baratas e assim, uma vez mais, deslocam populações de menores rendimentos para lugares mais afastados e carentes de infraestrutura e serviços. Porém, para a população beneficiária, essas dificuldades são ofuscadas pela conquista da casa própria. O tópico a seguir tratará da ideologia da casa própria e a produção de moradia para a população mais pobre no Brasil.

(2018), na Região Metropolitana de Natal a maioria dos empreendimentos Faixa 1 não estão localizados em áreas afastadas dos centros urbanos ou de uma rede de serviços e infraestrutura urbana.

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 30 1.2 A ideologia da casa própria e a provisão de moradias

A ideia da casa própria tal como ela se apresenta na atualidade, como o principal e mais importante meio de acesso à moradia, é uma construção histórica que visa atender a interesses específicos em dados períodos do tempo. O objetivo da discussão a seguir é demonstrar como a ideia da propriedade individual da moradia permanece como aspiração da população brasileira. Apresentam-se ainda alternativas de provisão de habitação pela discussão desenvolvida por Valença (2014). Por fim, em trabalhos contidos na coletânea de Amore, Shimbo e Rufino (2015) e de Cardoso e Aragão (2013), destaca-se que, para uma parcela da população, a casa própria pode-se tornar muito mais um entrave do que um sonho a ser realizado.

De acordo com O‟Connor (1977, p.19), o Estado precisa desempenhar duas funções distintas: em primeiro lugar, é necessário haver o incentivo à acumulação capitalista, fazendo com que seja possível haver uma lucrativa acumulação do capital e, em segundo, a legitimação do Estado, para manter a paz social. Segundo o autor “um Estado capitalista que empregue abertamente sua força de coação para ajudar uma classe a acumular capital à custa de outras classes perde sua legitimidade e, portanto, abala a base de sua lealdade e apoios”. O‟Connor (1977) explica que as despesas do Estado estão divididas em capital social e despesas sociais. As despesas sociais, como os gastos em habitação popular, educação, previdência social, dentre outros, é que exercem o papel legitimador do Estado

No Brasil, segundo Arantes e Fix (2009, p.5), durante a ditadura militar, houve a necessidade de legitimação do governo. Para os autores, a criação do Banco Nacional da Habitação (BNH) foi a estratégia adotada pelo governo para esse fim, em que a ideologia da casa própria “foi estrategicamente difundida”. Para Arantes e Fix (2009, p.5), a ideia da casa própria foi um meio para o “apaziguamento das lutas sociais e de conformismo em relação às estruturas do sistema” e reforçam que “a casa talvez seja o marco mais poderoso da chamada integração social”.

No mesmo sentido, Bolaffi (1982) acentua que a ideologia que se estabelece com a propagação da casa própria no período da criação do BNH constitui um falso problema com base em uma demanda real, ou seja, o problema existe, mas é tratado de uma forma diferente, e a resolução proposta é introduzida na mentalidade

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 31 popular como única e exclusiva. Esse artifício é necessário para que pareça que a vontade da população é o foco indutor de determinadas políticas públicas. Conforme Bolaffi (1982, p.40):

Em síntese, é este o processo pelo qual a ideologia mascara os problemas do real e os substitui pelos falsos problemas. Isto é, formulam-se problemas que não se pretende, não se espera e nem seria possível resolver, para legitimar o poder e para justificar medidas destinadas a satisfazer outros propósitos.

O Programa Minha Casa Minha Vida, em 2009, chega reforçando a ideia de que é com a propriedade do imóvel que se resolve a questão habitacional no Brasil, pois, nas três faixas, o acesso ao imóvel se dá como propriedade. Entretanto, na trajetória da provisão pública de habitação, desde as produções através dos IAPs, da Fundação da Casa Popular, do BNH e do PMCMV, houve um programa em que o fornecimento da casa se deu de outra forma. O Programa de Arrendamento Residencial (PAR), criado no fim da década de 1990, visava a locação do imóvel ao morador com a possibilidade do inquilino se tornar proprietário ao final de 15 anos (VALENÇA, 2014). Segundo Valença (2014, p.13), o PAR acabou de forma extraoficial sendo, em 2009, “engolido pelo Programa Minha Casa, Minha Vida”. Porém, as experiências nessa modalidade, assim como modelos de locação social em outros países, podem ser úteis para a reflexão de que a propriedade privada não é o melhor e único meio de solucionar a questão habitacional.

A discussão acerca de um modelo alternativo de provisão pública de habitação para locação social no Brasil sugere considerar algumas questões, incluindo aquela sobre o papel econômico, político, social e simbólico dos conjuntos, condomínios e/ou vilas no desenvolvimento urbano e aquela sobre o papel ideológico da “casa própria” [...] Talvez, após décadas de promoção da casa própria, o maior desafio seja convencer os políticos, os técnicos do governo, os acadêmicos e a população em geral que, em muitas situações, a locação social é um bom “negócio” (VALENÇA, 2017, p. 21).

A casa própria, portanto, é em todos os estratos de renda a mercadoria mais desejada da população brasileira, sendo acesso a ela uma forma de ascensão social (ARANTES e FIX, 2009, p.5). Porém, os autores argumentam que, para a classe mais pobre, a casa própria vai além dos conceitos ideológicos e de integração social, sendo um meio de sobrevivência, cooperando com as despesas familiares e

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 32 servindo como uma garantia de teto na ausência de rendimentos suficientes para cobrir despesas relacionadas ao aluguel. Segundo Arantes e Fix (2009, p.5), “a casa própria cumpre um papel de amortecedor diante da incompletude dos sistemas de proteção social e da ausência de uma industrialização com pleno emprego e é, por isso, o sonho número um dos brasileiros”.

Em comparação com os programas de provisão habitacional governamentais anteriores, o PMCMV se destaca por ter efetivamente atingido a população mais pobre da faixa 1, mesmo que em proporção menor em relação ao déficit para essa faixa de renda quando comparada às faixas 2 e 3 do programa (CAMPOS e MENDONÇA, 2013; AMORE, SHIMBO e RUFINO, 2015; CARDOSO, QUEIROZ e MELLO e JAENISCH, 2015). Em trabalhos que avaliam os resultados do PMCMV em variados estados do Brasil, o requisito da casa própria aparece sempre como o fator motivador de satisfação dos moradores, fazendo com outros aspectos negativos sejam minimizados frente à conquista do imóvel (ROLNIK et al, 2015, p.405). Pequeno e Rosa (2015, p.158), ao analisarem o PMCMV em Fortaleza–CE, evidenciam que “as más condições de inserção urbana parecem num primeiro momento ser suplantadas pelo sonho da casa própria”. Nascimento et al. (2015, p.226) também destacam a satisfação dos beneficiários do programa faixa 1 na região metropolitana de Belo Horizonte, em paralelo com o desconforto de ter que conviver com a insegurança que dominou a área comum dos próprios empreendimentos.

Alguns autores (ANDRADE, 2015; AMORE, SHIMBO e RUFINO, 2015; ROLNIK et al, 2015), no entanto, chamam a atenção para a questão da propriedade do imóvel como um embaraço para a população mais pobre, que outrora não tinha responsabilidades com diversos custos que a propriedade privada ocasiona. Andrade (2015, p.190) salienta que a propriedade do imóvel não pode ser o único meio para se ter o “direito à moradia”. Amore, Shimbo e Rufino (2015, p.419-420), ao concluírem o livro “Minha Casa... E a Cidade” com base em pesquisas realizadas em seis estados brasileiros, também ressaltam a importância de que a política habitacional no Brasil seja refletida no sentido de se pensar outras possibilidades além da “transferência de propriedade de novas unidades habitacionais”. Assim, os autores defendem, dentre outras alternativas, “um programa de locação social para

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 33 as famílias de menor renda, que não têm condição de arcar com os custos decorrentes da propriedade individual”.

Rolnik et al. (2015, p.406) destacam que, “no caso dos beneficiários da Faixa 1, a utilização dessa forma de titulação pode mesmo tornar mais insegura a situação das famílias”, pois “a segurança da posse nesses imóveis está condicionada não só ao pagamento das prestações do imóvel, mas também das taxas condominiais”. A reflexão dos autores em relação ao nível de satisfação dos moradores e o acesso à moradia pelo caminho da propriedade privada levam ainda a uma discussão mais profunda sobre os meios garantidores de habitação para a população de baixa renda:

A percepção positiva das famílias em relação à segurança oferecida pelo PMCMV está diretamente relacionada, portanto, ao enfraquecimento de outras formas de promoção da segurança da posse, tais como o direito a usucapião, a concessão especial de uso para fins de moradia etc., tratadas como formas inferiores à propriedade privada individual registrada em cartório. A hegemonia dessa forma de posse é parte importante da construção do papel ideológico da moradia (RONALD, 2008) no imaginário popular através do “sonho da casa própria”. Encobre-se, assim o fato de que a propriedade privada individual não é a única e, em diversas situações, não é a melhor forma de se dar segurança à posse (ROLNIK et al., 2015, p. 406).

A discussão desse tópico buscou apresentar a ideologia da casa própria e como ela se tornou um “sonho de consumo” da população brasileira nos diversos extratos de renda. A conquista do imóvel representa para a população uma inserção social, que pode exercer poderes de coerção e atingir objetivos de cunho eleitoral. Essa ideologia, portanto, como descreve Bolaffi (1982), é marcada pela eleição de um problema nacional como sendo o problema prioritário, sendo apresentada uma única solução diante da população.

O PMCMV beneficia um expressivo número de famílias de baixa renda com a mesma alternativa de acesso por meio do título de propriedade. Porém, conforme mostram as pesquisas já realizadas nos empreendimentos destinados à Faixa 1 do programa, o título de propriedade privada não é o único e nem o melhor meio de se prover moradia para essa população, pois existem outras possibilidades que melhor resguardam o morador e ampliam o acesso da população às políticas habitacionais.

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 34 No próximo tópico, serão discutidos os meios alternativos de se oferecer habitação para a população mais pobre, além da casa própria.

1.3 Moradia e segurança de posse

A discussão anterior demonstrou que a propriedade da casa exerce na população mais pobre dois efeitos contraditórios. A casa própria pode ser uma segurança e um minimizador dos custos mensais, que elimina do orçamento familiar a despesa com o aluguel. Contudo, a propriedade privada, principalmente no formato de condomínios – em que muitos empreendimentos do PMCMV têm se consolidados – pode gerar uma ambiguidade na ideia de segurança associada ao conceito de propriedade privada, já que, além do financiamento, as famílias têm custos relacionados ao fornecimento de serviços como água, esgoto, energia elétrica e até mesmo as taxas de condomínio as quais, a depender da moradia anterior, se efetivam como um custo adicional.

As linhas a seguir tratam da segurança de posse que outras alternativas podem fornecer à população em suas formas de habitar, além da propriedade privada da mercadoria casa, com base nas discussões promovidas por Engels (ANO), Harvey (1982), Marcuse (2008) e Fernandes (2008). Porém, antes será explanado brevemente o conceito de posse e as suas distinções em relação à propriedade no que diz respeito ao Código Civil Brasileiro.

A discussão sobre propriedade privada da habitação não é recente. A problemática sobre as responsabilidades, custos e a liberdade de mobilidade que um imóvel próprio pode ter na vida de um indivíduo já foi abordada por Engels (1873) no século XIX. Na ocasião, Engels contraria as teorias de Proudhon sobre a habitação para a classe trabalhadora, quando este defende a propriedade privada das casas. Para Engels (1973), dar o título de proprietário ao trabalhador faz com que ele e sua família se fixem em determinado lugar, o que atrapalha a busca por emprego em outras localidades, ou seja, a propriedade da casa pode servir como mais um meio de repressão e ordem social do que um modo de amparar a população mais pobre. Para o autor, o aluguel é um sistema capaz de prover moradia para a população de baixa renda melhor do que a propriedade privada.

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Quanto vale a minha casa? CHAVES, Carina Aparecida Barbosa Mendes 35 No campo do direito, os conceitos de propriedade privada e posse podem até ser confundidos como termos análogos, porém são distintos. No Brasil, é o Código Civil de 2002 que estabelece o Direito das Coisas (BRASIL, 2002), o qual explicita o que é posse e os elementos da propriedade privada.

O Art. 1.228 dispõe que ao proprietário é possível usar, gozar, dispor e reaver a coisa. Nesse sentido, o proprietário também pode ser o possuidor daquilo de que também é o proprietário, porém esse possui o título de proprietário.

Os artigos de número 1.228 até o 1.232 seguem com as características da propriedade, bem como os direitos e deveres a ela relacionada. Sobre a posse, os artigos de número 1.196 até o 1.224 são os que definem o que se entende pelo termo e quais são os direitos que a ela cabem. Assim diz o Art. 1.196 sobre a posse: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. Assim, a lei brasileira demonstra que existe uma distinção entre ter a posse e/ou ter a propriedade. Sobre esse assunto Venosa (2007, p.35) explica que

Como a posse é considerada um poder de fato juridicamente protegido sobre a coisa, distingue-se do caráter da propriedade, que é direito, somente se adquirindo por título justo e de acordo com as formas instituídas no ordenamento. Podemos afirmar que a posse constitui aspecto de propriedade do qual foram suprimidas alguma ou algumas de suas características.

Venosa (2007) explica que a defesa de posse, nas concepções da lei brasileira, se explica pelo fato do bem ter alguma utilidade econômica para quem o possui, porém é necessário se considerar a situação específica do possuidor. Assim, como argumenta o autor, “a posse é, enfim, a visibilidade da propriedade. Quem de fora divisa o possuidor, não o distingue do proprietário. A exterioridade revela a

posse, embora no íntimo o possuidor possa ser também proprietário” (VENOSA,

2007, p.47, grifos nossos).

A partir do entendimento das distinções entre propriedade privada e posse, é possível discutir sobre maneiras alternativas de se ter a posse, que não seja exclusivamente por meio da propriedade privada do imóvel. Peter Marcuse (2008, p.10), ao tratar dos direitos de propriedade e das maneiras encontradas pelos mais pobres de garantirem a segurança de posse, defende a ideia de que a propriedade

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