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Importância e urgência de uma revisão na

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Academic year: 2022

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Universidade Presbiteriana Mackenzie

Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura

Importância e urgência de uma revisão na

abordagem geracional na atualidade: uma proposta

Marcos Procopio Calliari

São Paulo 2018

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Marcos Procopio Calliari

Importância e urgência de uma revisão na abordagem geracional na atualidade: uma proposta

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie para obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura

Orientadora: Profa. Dra. Ingrid H. Ambrogi

São Paulo

2018

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C158r Calliari, Marcos Procópio.

Importância e urgência de uma revisão na abordagem geracional na atualidade: uma proposta /

Marcos Procópio Calliari.

100 f.: il. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2018.

Orientadora: Ingrid Hötte Ambrogi.

Bibliografia: f. 92-100.

1. Gerações. 2. Abordagem geracional. 3. Escola dos Annales.

4. História da cultura. I. Ambrogi, Ingrid Hötte, orientadora.

II. Título.

CDD 907

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BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________

Profa. Dra. Ingrid H. Ambrogi - Orientadora Universidade Presbiteriana Mackenzie

_____________________________________________________________

Profa. Dra. Maria da Graça Mizukami - Examinadora Interna Universidade Presbiteriana Mackenzie

______________________________________________________________

Prof. Dr. Marcelo Coutinho - Examinador Externo Fundação Getúlio Vargas

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À minha mãe, Lila (in memoriam)

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Agradecimentos

À minha orientadora, Profa. Ingrid Ambrogi, pelo envolvimento no tema, profundidade nas discussões, incentivo contínuo, compreensão e paciência.

Aos Profs. Maria da Graça Mizukami e Marcelo Coutinho, pelas provocações que mostraram novos caminhos e que de fato tornaram esse trabalho melhor.

Aos colegas do curso, pela solidariedade, suporte e colaboração incondicionais.

Aos amigos que de diversas maneiras demonstraram interesse nas discussões e possibilitaram sua conclusão: Diego Pagura, Leciane Amadio, Paulo Eduardo Seixas, Paulo Magalhães, José Kozel, Tiago Limongi, André Nogueira, Carlos Caldeira e Paolo Malfatti. E ao parceiro Alfredo Motta, por ter iniciado o fascínio pelo tema.

À minha família, Darcy, Glycia, Mauro, Claudia, Julieta, Alex, Eduardo, Lucilene, Paula, Marcelo e Alexandre pelos ouvidos atentos e vozes admiráveis sempre disponíveis, motivação e desafio muito mais importantes do que aparentam ser.

À Sabrina e Clara, por darem significado a tudo no apaixonante exercício diário de proximidade, compreensão, cumplicidade e dedicação.

E, em especial, à Ana Paula, companheira nas atribulações insones, por cuidar das escoriações e me mostrar saída para todos os becos. Não existiria esse trabalho – nem muitas outras coisas - sem você.

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People try to put us down Just because we get around Things they do look awful cold Yeah, I hope I die before I get old This is my generation

My Generation (The Who)

As pessoas tentam nos rebaixar Só porque a gente se vira

As coisas que eles fazem parecem horrivelmente frias

É, tomara que eu morra antes de envelhecer Essa é a minha geração

Minha Geração (The Who, tradução nossa)

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Resumo

A pesquisa procura analisar a abordagem geracional na atualidade e propor o resgate de sua relevância como ferramenta analítica, através de uma discussão conceitual teórica, observação de sua utilização no país e proposta de inovações metodológicas para futuros estudos. Para isso, faz uma análise histórica do tema iniciando pela perspectiva de Julian Marías (1949), para abordar alguns dos principais autores que aprofundaram os conceitos, como Mentré (1920), Ortega y Gasset (1966), e, em particular, Mannheim (1952), até atingir autores mais recentes, como Abrams (1982) e Strauss e Howe (1991). Ressalta que o que se utiliza da abordagem na atualidade não respeita a robustez conceitual, provocando uma subutilização do conceito geracional e de seu potencial social. Em seguida, o trabalho apresenta três exemplos distintos de estudos brasileiros recentes com aspectos geracionais, e discute avanços e limitações por eles apresentados. Considerando o cenário identificado, apresenta então uma proposta conceitual para inovações metodológicas, baseadas nos preceitos da Escola dos Annales, que possam, resgatando a profundidade analítica do arcabouço conceitual, servir de base para estudos e pesquisas futuras. Ao rever uma ferramenta com alto interesse público sob várias perspectivas e apresentar novas possibilidades de abordagem, busca revigorar o campo de estudo com múltiplos potencias de utilização.

Palavras-chave

Gerações. Abordagem Geracional. Escola de Annales. Gerações no Brasil. História da Cultura.

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Abstract

This paper intends to carry out an analysis of the generational approach in the present time and to offer a proposal to reinforce its importance as an analytical tool. For that, its structure comprises a theoretical conceptual discussion and analysis of examples of recent studies in the country, identifying gaps and opportunities, and a recommendation of methodological innovations that could increase its relevance and usage to its full potential. It takes a historical perspective on the subject starting from the analysis of Julian Marias (1949) to address some of the main authors who have deepened the concepts, such as Mentré (1920), Ortega y Gasset (1966), and in particular Mannheim (1952), to more recent authors such as Abrams (1982) and Strauss and Howe (1991). It notes that the current application of the generation approach does not respect the conceptual robustness, causing an underutilization of the approach and its social potential. The paper then presents three distinct examples of recent Brazilian studies with generational ambitions, and discusses the advances and limitations introduced by them. Considering the context identified, it then presents a proposal for methodological innovations, based on the precepts of the École des Annales, which can, by rescuing the analytical depth of the conceptual framework, serve as a stepping stone for future studies and research. While reviewing a tool with high public interest from various perspectives and presenting new possibilities of approach, it seeks to reinvigorate the field of study and its multiple uses.

Keywords

Generations. Generational Approach. Annales School. Brazilian Generations. History of Culture.

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Lista de Imagens

Figura 1: Exemplos do uso midiático da abordagem geracional ... 38 Figura 2: Exemplos de momentos de Definições Globais (em ordem cronológica) ... 39 Figura 3: Gerações conforme Strauss e Howe ... 40 Figura 3: Gráfico descritivo no verbete “Geração, com datas diversas de início e término de diversas gerações. ... 42 Figura 4: Coortes Brasileiras. ... 44 Figura 5: Coortes do Brasil ... 48 Figura 6: Gráfico com a proporção de cada Segmento Atitudinal entre os universitários brasileiros ... 59 Figura 7: Concordância em cada atributo, por segmento atitudinal (Parte 1) ... 61 Figura 8: Concordância em cada atributo, por segmento atitudinal (Parte 2) ... 62 Lista de Tabelas

Tabela 1: Exposição aos meios de comunicação, de acordo com a faixa etária, ao longo dos anos. ... 51 Tabela 2: Exposição aos meios de internet e redes sociais, de acordo com a faixa etária, ao longo dos anos. ... 52 Tabela 3: Sobre a Internet, de acordo com a faixa etária, ao longo dos anos. ... 53 Tabela 4: Pesquisa Atitudinal em relação a marcas, de acordo com a faixa etária, ao longo dos anos. ... 54 Tabela 5: Pesquisa atitudinal em relação a cuidados com a saúde e bem-estar, de acordo com a faixa etária, ao longo dos anos. ... 55 Tabela 6: Pesquisa atitudinal em relação ao empreendedorismo, de acordo com a faixa etária, ao longo dos anos. ... 55 Tabela 7: Pesquisa atitudinal em relação ao futuro, de acordo com a faixa etária, ao longo dos anos. ... 55

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SUMÁRIO

1.Introdução ... 13

2. ‘Gerações’ como objeto científico ... 15

2.1. Relevância recente da abordagem geracional ... 18

2.2. O conceito de Geração e seus Múltiplos Significados ... 20

3. A evolução do conceito de Gerações ... 23

3.1. As Origens: Gerações como passagem do tempo ... 23

3.2. Positivismo: gerações como renovação da sociedade ... 24

3.3. A visão historicista: a realidade das influências das gerações ... 26

3.4. Aplicações: as gerações como fenômeno nacionalista ... 27

3.5. Filosofia e metafísica: as gerações como um reflexo da necessidade espiritual universal de mudança ... 29

3.6. A perspectiva sociológica: gerações como reflexo da situação ... 32

3.7. Generalizações: gerações como abordagem ubíqua e popular na atualidade ... 34

4. Utilização atual da abordagem geracional e suas limitações ... 37

5. Estudos sobre gerações no Brasil ... 47

5.1. Proposta de definição de coortes brasileiras ... 47

5.1.1. Avanços e Limitações ... 49

5.2. Pesquisas contínuas: Estudo Geral de Meios ... 50

5.2.1. Análise ... 50

5.2.2. Avanços e Limitações ... 56

5.3. Estudo de Perfil do Universitário Brasileiro (Pesquisa Quantitativa com Segmentação Atitudinal) ... 56

5.3.1. Caracterização e detalhamento de grupos geracionais ... 56

5.3.2. Segmentação (identificação de Tribos) ... 58

5.3.3. Os Segmentos de jovens universitários no Brasil ... 59

i. Caseiros ... 62

ii. Antenados ... 64

iii. Bon Vivants ... 65

iv. Engajados ... 66

v. Esforçados ... 68

vi. Incertos ... 70

5.3.4. Avanços e Limitações ... 71

6. Novos desafios para uma nova abordagem geracional ... 72

i. Sobre o tempo ... 73

ii. Sobre a atuação ... 76

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iii. Sobre os agentes ... 78

iv. Sobre a consciência ... 81

6.2. Requisitos para uma nova perspectiva ... 82

7. Uma proposta de evolução para a abordagem geracional: a Escola dos Annales ... 84

7.1. Interdisciplinaridade ... 85

7.2. Utilização de novas fontes ... 85

7.3. Séries Históricas ... 86

7.4. História Comparativa ... 87

7.5. Manifestações culturais ... 88

7.6. Preceitos da Escola dos Annales como enriquecedores da abordagem geracional: obstáculos a superar ... 89

Considerações Finais ... 91

Referências Bibliográficas ... 93

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13 1.Introdução

Atualmente, abrir um jornal ou um site de notícias e se deparar com matérias que se refiram a uma Geração como personagem supostamente familiar, é algo recorrente.

Em junho de 2017, uma busca simples na área de Notícias do Google pelo termo

‘geração’ encontrou praticamente 900 mil menções (GOOGLE NOTÍCIAS, 2017). Em muitos desses casos, atribui-se a esse personagem um sobrenome (Baby Boomer, X, Net, Y, Millenials, ou qualquer outro cuja origem ou explicação muitas vezes sequer se menciona), e faz-se referências a ele como sujeito conhecido do grande público, e cujas características são claras e inquestionáveis. Essa utilização é um sinal claro do apelo popular e midiático desse conceito, mas ao mesmo tempo, pouco profunda, e dilui sua acuracidade, importância e energia como conceito embasador de novos olhares com que deveria ser encarado.

Por outro lado, a comunidade científica tem adotado o tema como base para pesquisas em diferentes áreas do conhecimento. No passado recente, produções que têm como ponto de partida a abordagem geracional buscam aplicá-la para disciplinas tão diversas como Educação (BARNES et al., 2007;TWENGE, 2009), Recursos Humanos (MACKY et al., 2008; MUNRO, 2009), Marketing (WILLIAMS, PAGE, 2011;

CUI et al., 2003), Cultura (STACK, BURTON, 1994) e até Políticas Públicas (ELLIOT, REYNOLDS III, 2014; FRIESTAD, WRIGHT, 2005) ampliando em muito sua utilização desde sua origem sociológica (KERTZER, 1983; PILCHER, 1994). As novas pesquisas, entretanto, ainda que popularizem o tema e sejam uma demonstração clara do potencial a atratividade do conceito, não contribuem particularmente para o aumento da profundidade do tema. São muitos os trabalhos que, assim como a grande mídia, assimilam e utilizam os conceitos, mas poucos os que tentam aprimorá-lo para um cenário contextual que a cada dia, ou região considerada, altera as bases de sua criação. Aparentemente, há um hiato importante que pode ser preenchido com o aprofundamento da compreensão do conceito de geração, bem como sua utilização.

Compreender as peculiaridades dos valores, motivações e comportamentos das gerações pode ser conhecimento essencial para praticamente todos os campos das ciências humanas (SMOLA, SUTTON, 2002).

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A origem da palavra geração é eminentemente biológica, sua utilização atual, entretanto, em muito se amplia por analogia conceitual para diversos outros sentidos, como grupos de indivíduos próximos em nascimento e experiências, que além da mera contemporaneidade, apresentam traços comportamentais cuja compreensão possa permitir maior consciência das dinâmicas sociais (MCCRINDLE, 2003). É dessa última interpretação que nos ocuparemos nessa pesquisa.

A proposta da pesquisa busca a renovação na abordagem geracional como é desenvolvida atualmente. Assim, utilizar-se-á metodologias diferentes com objetivos de materializar um novo olhar para a identificação das gerações. Para isso, dividiremos a pesquisa nas seguintes etapas, com diferentes objetivos:

Relevância do tema e embasamento conceitual das teorias geracionais. Nesta etapa, serão utilizadas análises bibliográficas, através de regate teórico dos principais autores que abordaram o tema. Assim, serão utilizadas obras disponíveis desses autores, estudos acadêmicos e artigos sobre esses trabalhos.

Compreensão de como as teorias geracionais vêm sendo aplicadas atualmente.

Aqui, será analisada a aplicação das teorias revistas, quais são suas limitações e que novos desafios sua utilização deveria considerar;

Análise de estudos com caráter geracional realizados no Brasil, onde faremos uma revisão de 3 pesquisas realizadas no país para entender os avanços e limitações representados por elas e oportunidades de evolução metodológica;

Proposta de renovação conceitual à abordagem geracional, através de inovações metodológicas, baseadas nos preceitos da Escola dos Annales, que possam, resgatando a profundidade analítica do arcabouço conceitual, servir de base para estudos e pesquisas futuras.

Assim, é nosso objetivo conseguir apresentar novas possibilidades de abordagem, revigorando o campo de estudo e possibilitando maior relevância em seus múltiplos potencias de utilização.

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2. ‘Gerações’ como objeto científico

A ideia de geração, possui longa história em relação à experiência da vida humana, mas é relativamente curta, do ponto de vista científico. Segundo Marías (1949), autor de um dos mais completos compêndios sobre o estudo geracional, a ideia de geração somente é revista a partir do séc XIX, e mesmo assim, passam-se outros tantos anos para que adquira maior abrangência como objeto de análise científica para o conhecimento – especificamente no início do séc XX. Pela primeira vez em sua história, os homens do nosso tempo precisam saber o que caracteriza uma geração e a que geração pertencemos (MARÍAS, 1949).

Pela definição de Mannheim (1949), autor que é reconhecido como o primeiro teórico a abordar o tema geracional de maneira estruturada, "jovens que experienciam os mesmos problemas históricos concretos, pode-se dizer, fazem parte da mesma geração". A importância de seu olhar, depreende-se, é que essa contemporaneidade aos estímulos faz com que as gerações apresentam influências similares.

A realidade do tempo no momento desapareceu. Ocorreu no curto tempo da nossa vida (...) uma nova situação - tanto que apenas em determinados momentos da história, há muito poucos tem sido dado algo similar. A história sempre traz a novidade essencial, mas uma curiosa "modéstia histórica" faz com que seja difícil para nós acreditar que surgiu diante de nossos olhos algo realmente novo e que não havia antes. Nesta situção, alcançamos a muitas vezes chamada

"consciência histórica" (MARÍAS, 1949).

As razões para esse estado de ânimo, ainda segundo Marías (1949), são complexas e não devemos entrar em uma análise detalhada; mas vale citar dois fatores: em primeiro lugar, a presença na mente do homem de um longo passado histórico; a segunda, a aceleração do ritmo histórico, de sua progressão. Uma das causas dessa aceleração, é o enorme aumento do "impactos" positivos ou negativos, que o homem recebe. Coisas que vêm, lhes passam, ou simplesmente a eles são contadas.

Aqui, provavelmente temos a mais fascinante percepção histórica de Marías: em 1949, ele alega que, até pouco tempo antes, a lentidão e a raridade de comunicação faziam com que apenas eventos muito próximos existissem para um homem; a notícia do que aconteceu longe não chegava ou era atenuada e esvaziada pelo atraso, o que tirava sua “força viva”. Apenas uma pequena porção das ocorrências atuava sobre os indivíduos, e neles deixavam sua marca. Impressionantemente, Marías (1949) cita a

‘modernidade’ da mídia da década de 40 como grandes catalizadores desse processo:

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os eventos mais distantes são praticamente ‘assistidos’ pelos jornais e rádios. A vida parece, portanto, como “chicoteada por ondas incessantes”. Ora, esses mesmos argumentos explodiram em relevância, o que ressalta a importância geracional como estudo, em função dos desenvolvimentos tecnológicos, notadamente àquelas de comunicação. O estudo das gerações, nesse momento, parece imperativo (MARÍAS, 1947).

Entretanto, Marías vai mais além: não é apenas o acesso e impacto que causam a aceleração dos impactos. Por algum tempo, os homens ocidentais haviam percebido a transitoriedade e velocidade da vida histórica. E esta percepção funciona como um ingrediente novo em nossas vidas, como fator de aceleração. Porque a aceleração do tempo histórico não é o mesmo que a percepção da aceleração. Esta traz um alerta para a mudança que se espera, que por sua vez antecipa a própria mudança. Nesse sentido, a rapidez da mudança provoca uma angustia provavelmente não sentida em épocas anteriores: “a arqueologia é feita com as nossas próprias vidas” (MARÍAS, 1949).

Outro ponto atualmente relevante na argumentação de Marías (1949) é o tema de sobreposição de gerações como fator de necessidade de aprofundamento.

Nesse contexto, a civilização estaria inevitavelmente ‘historicizada’.

Temos de encontrar o presente, que nos escapa. Um exemplo típico se refere a linguagem: com frequência dizemos “no nosso tempo”. Ou ainda, pessoas mais velhas usam “no meu tempo”, para se referir a outra época anterior àquele em que se vive e em que se fala. De quem seria o tempo atual, portanto? A que parte do passado se sente ligado?

Que parte ou área de sua vida coincidem? (MARÍAS, 1949).

Em um momento em que mudanças demográficas e mesmo avanços médicos fazem com que a vida, cronológica e ativa, atinja níveis inéditos, a compreensão das relações entre as diferentes gerações, especialmente da co-existência entre múltiplas gerações com mesmos propósitos (famílias ou corporações, por exemplo), faz-se particularmente relevante (ABOIM; VASCONCELOS, 2014). Outra questão subordinada ao trecho supracitado digna de abordagem na pesquisa é o período relevante de formação das gerações. Se a percepção formativa muda de acordo com a idade biológica, as influências geracionais são mais intensas em determinados períodos. Deve-se, portanto, atentar para as variáveis relevantes de influência especificamente para cada período da vida dos sujeitos (ABOIM; VASCONCELOS, 2014).

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Assim, para a construção desse objeto, é importante compreender como e quando os grupos a que são submetidos são impactados. Para Meredith et al.(2002),

(...) memórias coletivas adquirem um significado geracional, principalmente porque características em comum traduzem-se em valores que são fixados na mente de cada indivíduo. À medida que esses valores permanecem de forma intensa na memória de cada indivíduo pelo resto de sua vida, eles passam a determinar a existência de um período na vida de cada um em que as preferências se desenvolvem. (...) Esse período encontra-se entre o fim da adolescência e o início da fase adulta, quando as experiências compartilhadas levam à fixação dos valores para os membros (...).

Essa constatação aprofunda o objeto da pesquisa um passo além do que sinalizou Marías (1949): não apenas os estímulos com potencial de impacto ocorrem mais frequentemente, mas eles têm particular influência sob uma faixa de idade específica.

Nesse contexto, as memórias coletivas adicionam um grau de complexidade ao conceito de gerações como grupo bem definido.

Também parece relevante introduzir aqui o conceito de coortes, como subgrupo geracional. Rogler (2002) propõe a distinção entre a noção de coortes (ou geração histórica), e o que popularmente se chama de geração (pessoas que têm aproximadamente a mesma idade características a elas atribuídas que são consideradas prevalecentes em seu tempo). Para o aparecimento de uma geração histórica há três condições necessárias: seus marcos iniciais se dão através de eventos formativos (cataclísmicos, revitalizatórios, ou mudanças abruptas). As influências desses eventos afetam fundamentalmente as instituições sociais em seu formato e dinâmica vigente, caracterizando uma perturbação no curso natural de vida como ele a conheceu. As reações dos jovens aos eventos podem variar, mas estabilizam-se em orientações estáveis, na medida em que são refletidas na experiência do sujeito com esses eventos. Como corroborado por alguns autores que abordaremos, Rogler (2002) afirma que a simplificação de tratamento das gerações históricas pelo simples agrupamento de pessoas por ano de nascimento fomenta controvérsias, já que nem todas as pessoas são parte de gerações históricas.

Analogamente a Marías (1949), apesar da facilidade com que quaisquer ocorrências possam ter dimensões globais, não se pode assumir que serão traduzidas da mesma forma para cada região.

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Por fim, o último ponto a ser discutido nessa seção, é o reconhecimento da energia ou força desses eventos, ou momentos sociais, que terão diferentes significados pelas várias gerações que os experimentam. Assim, os momentos sociais produzem as gerações, mas simultaneamente as gerações produzem os momentos sociais.

Mannheim (1952) distingue dois tipos de memórias: a adquirida pessoalmente e a apropriada, que apresentam características consideravelmente distintas: a experiência pessoal aos momentos sociais tem maior poder de influência e fixação.

Similarmente, Schuman e Rodgers (2004) apontam que a educação é a principal fonte de conhecimentos acerca de eventos para aqueles que eram muito jovens ou sequer tinham nascido quando eles ocorreram. Quanto a eventos ocorridos depois do começo da vida adulta, estes dificilmente terão a mesma impressão de exclusividade e ineditismo que eventos que ocorrem no início da idade adulta.

Um novo olhar sobre o tema parece necessário, seguindo Marías (1949) - o autor propõe o olhar matemático como referência. Para ele, maior precisão ainda é necessária: “o olhar do historiador. E, se isso surpreende, é porque muitos historiadores ainda não são tão bons historiadores como os matemáticos são bons matemáticos”. Mesmo considerando o exagero retórico aqui descrito, a busca por maior compreensão do contexto geracional, através de tantas variáveis quanto forem julgadas relevantes, só podem aumentar a relevância de sua aplicação.

2.1. Relevância recente da abordagem geracional

Segundo Corsten (1999), o tema da geração experimentou um renascimento nos últimos cinco a dez anos anteriores a seu texto. O motivo mais importante para este desenvolvimento, segundo ele, seria a crise de identidades coletivas, o que se deve a uma série de circunstâncias e condições. O primeiro destes processos é a

"individualização" (BECK, 1997) em sociedades desenvolvidas, caracterizados pela sua "modernização reflexiva" (BECK et al., 1994). Isto é, o processo em que categorias como a origem social tornaram-se menos relevantes na explicação das identidades coletivas e movimentos sociais. Segundo Beck (1997), a pós- modernidade provoca a sensação de localização entre um ciclo que se encerrou e outro que ainda parece incerto, o que contribui com a percepção de interrupção e lapso temporal característico da descontinuidade geracional. O segundo motivo é o

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desaparecimento dos conflitos sociais centrais que dividiram sociedades em estratos antagonistas, isto é, classes. Uma terceira razão relacionada é o fim do socialismo como modelo alternativo para a modernização, com reivindicações anexas sobre o

"fim da ideologia" ou o "fim da história". Então, se o coletivo "antigo" das identidades desapareceu, novas alternativas deveriam poder substituir os antigos. Neste contexto, as gerações e a idade parecem ser novos marcadores de classificação. A idade é, de qualquer forma, um importante conceito de estruturação para vida individual e história de vida. Com efeito, isso significa que, assumindo cursos de vida padronizados, as coortes de nascimento são agregadas a coletivos de histórias de vida estruturadas.

Além disso, a idade pode servir como marcador de diferenciação social, e, assim, de conflitos sociais - o novo "conflito geracional" em uma "sociedade envelhecida”. No entanto, é importante lembrar que o "hiato da geração" tem uma longa tradição nas ciências sociais e filosofia, e que também é usado com uma ampla gama de significados na vida cotidiana.

Há outros dois fatores sociais, esses mais recentes e pragmáticos, que também apresentam potencial disruptivo sensível, e que devem ser plenamente compreendidos. O primeiro trata de uma evolução demográfica, verificada através de duas métricas; taxa de fecundidade (definida pela Organização Mundial de Saúde como crianças nascidas vivas por mulher adulta) e expectativa de vida (definida, pela mesma fonte, como anos de vida esperados com base no respectivo ano de nascimento). Em um período de 1960 a 2015, a taxa de fecundidade caiu de 5,1 para 2,4 crianças/mulher adulta. De acordo com Schultz (2015), os efeitos dessa queda são sentidos em diversos campos, desde segurança psicológica das crianças, que recebem mais atenção; a dedicação dos pais, que alteram suas prioridades para incluir as crianças no centro de suas vidas, entre outros. Sua conclusão é que esses fatores proporcionam uma mudança de ordem geracional profunda, e que ajuda a alimentar a abordagem geracional como fonte de compreensão social. Outra métrica demográfica importante é a expectativa de vida, que em apenas 50 anos (1965 a 2015) evolui de 62 a 71 anos. Segundo o estudo do Governo do Reino Unido (GOVERNMENT OFFICE FOR SCIENCE, 2016), o processo de envelhecimento da população evidencia a coexistência de pessoas com idades e percepções de mundo muito diversas, dadas pelas distintas gerações.

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O outro fator social a ser considerado é a prevalência da tecnologia. A melhor definição sobre seus impactos é dada por Prensky (2001):

Os alunos de hoje não mudaram apenas em termos de avanço em relação aos do passado, nem simplesmente mudaram suas gírias, roupas, enfeites corporais, ou estilos, como aconteceu entre as gerações anteriores. Aconteceu uma grande descontinuidade. Alguém pode até chamá-la de apenas uma “singularidade” – um evento no qual as coisas são tão mudadas que não há volta. Esta chamada

“singularidade” é a chegada e a rápida difusão da tecnologia digital nas últimas décadas do século XX.

Os alunos de hoje – do maternal à faculdade – representam as primeiras gerações que cresceram com esta nova tecnologia. Eles passaram a vida inteira cercados e usando computadores, vídeo games, tocadores de música digitais, câmeras de vídeo, telefones celulares, e todos os outros brinquedos e ferramentas da era digital.

Em média, um aluno graduado atual passou menos de 5.000 horas de sua vida lendo, mas acima de 10.000 horas jogando vídeo games (sem contar as 20.000 horas assistindo à televisão). Os jogos de computadores, e-mail, a Internet, os telefones celulares e as mensagens instantâneas são partes integrais de suas vidas.

Agora fica claro que como resultado deste ambiente onipresente e o grande volume de interação com a tecnologia, os alunos de hoje pensam e processam as informações bem diferentes das gerações anteriores. Estas diferenças vão mais longe e mais intensamente do que muitos educadores suspeitam ou percebem. “Tipos distintos de experiências levam à distintas estruturas de pensamento,” diz Dr.

Bruce D. Barry da Faculdade de Medicina Baylor. Como veremos posteriormente, é bem provável que as mentes de nossos alunos tenham mudado fisicamente – e sejam diferentes das nossas – sendo resultado de como eles cresceram. Mas se isso é realmente verdade ou não, nós podemos afirmar apenas com certeza que os modelos de pensamento mudaram. (PRENSKY, 2001)

Esses fatores compõem um pano de fundo em que a compreensão das gerações e o que as influencia aparece com uma urgência inédita e essencial para compor ferramental pragmático e útil para a compreensão da realidade e da modernidade.

2.2. O conceito de Geração e seus Múltiplos Significados

A importante massa de trabalho sociológico sobre o tema da geração é difícil de pesquisar. Seguem abordagens teóricas diferentes e abrangem uma ampla gama de assuntos e áreas - da antropologia à sociologia familiar, política e cultural, para estudos de desigualdade social, por exemplo. Vale a pena expor as definições, como

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descritas por Corsten (1998), para que o significado seja compreendido em toda a sua amplitude e a escolha deste trabalho fique clara.

Primeiro, as concepções de gerações em termos de sucessão voltam para a origem em latim da palavra que significava "paternidade". Etimologicamente, ele deriva da Palavra grega 'genesis'. Refere-se a genealogias como linhas de descida. A sequência das gerações é, portanto, baseada no fato biológico do nascimento e da morte. Isto é ligado ao problema da reprodução social e cultural (RYDER, 1980). Nesta perspectiva, a socialização também pode ser vista como uma questão de patrimônio social - como a entrega de normas e valores de pais para filhos, mesmo negativamente (ZURAVIN et al., 1996). Esses campos podem ser investigados em ambas as dimensões: o processo de reprodução estrutural de substituição de uma posição social e cultural, e o processo de reprodução como a entrega e ou modificação de normas e valores.

Em segundo lugar, a existência simultânea de diferentes gerações (grupos etários) em uma sociedade implica em relações intergeracionais contemporâneas. Isso levanta dois outros problemas. Um é a questão das interdependências entre os grupos etários, relacionada a questões de troca e contrato entre gerações (KOHLI, 1996). O outro é o de diferentes perspectivas na vida social e no tempo, dependendo dos diferentes pontos da história da vida, diferentes das estruturas tradicionais (VAN WEL, 1994).

Terceiro, falando de sucessões e relacionamentos entre gerações, implica que as gerações existem como identidades coletivas específicas. Se este não fosse o caso, seria possível substituir o termo "geração" por "grupo etário" ou alguma coisa similar.

Podemos, portanto, retornar à questão de como é possível para definir as gerações como coletivos no processo da história, ou colocá-la de outra maneira, as gerações históricas. Como as pessoas que nasceram e foram criadas no mesmo período de tempo chegaram a um entendimento comum de sua experiência? Segundo Corsten,

“este problema foi (...) examinado sob a rubrica da "memória coletiva" (BODNAR, 1996; BRAUNGART; BRAUNGART,1986; LANG et al., 1993; SCHUMAN; SCOTT, 1989) e a persistência de convicções coletivas políticas ou ideológicas (ALWIN et al., 1991; Schuman et al., 1997). Portanto, o conceito de gerações históricas refere-se ao

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tempo social. As gerações compartilham uma imagem de "seu tempo" ou um roteiro do drama de seu desenvolvimento coletivo no decorrer da "sua fase histórica””.

Gerações históricas podem ser examinadas de duas maneiras. O conceito concebe as gerações principalmente como um termo técnico, para investigações empíricas.

Para este fim, é definido em um sentido reduzido (“minimalista”), excluindo os pressupostos que devem ser comprovados ao longo das investigações. Nesse sentido, o conceito de "coorte" (RYDER, 1965) é usado frequentemente para substituir a categoria de geração. No conceito de coorte, as unidades dos grupos do ano de nascimento são investigadas em relação às características que eles têm em comum.

Essas qualidades podem ser indicadores sociais objetivos, como o nível de educação, posição profissional, estado civil ou renda. Mas características subjetivas como atitudes, convicções de valor, preferências ou motivos podem ser incluídos da mesma forma para as coortes de nascimento. Isso permite a comparação entre diferentes coortes de nascimento ao mesmo tempo em suas vidas, bem como entre as características no curso de vida coletivo. Portanto, o conceito de coorte é usado por alguns autores como um substituto para o conceito de geração, uma vez que oferece uma visão mais clara delimitada das várias implicações do último termo (RYDER, 1965; KERTZER, 1983). Sob a perspectiva dessa pesquisa, adotamos a visão de Aboim e Vasconcelos (2013), que interpretam que o termo “coorte” é mais árido e resultante meramente do tempo externo, portanto, menos profundo na compreensão de valores, atitudes e comportamentos – como discutiremos a seguir.

De modo mais ambicioso, adotamos então a noção de Geração sugerida por Corsten (1998):

O objetivo de tal teorização é reconstruir o senso de circunstância social como encontra-se nos fenômenos da cultura cotidiana. Segundo essa abordagem, os membros de uma geração não são simplesmente definidos de forma sociológica revelada. A sua suposição coletivamente compartilhada de uma vida comum a experiência, e de um período de tempo comum, se transforma em um fato social de si mesmo.

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3. A evolução do conceito de Gerações

Dependendo da perspectiva, o tema gerações pode ser muito antigo ou muito novo.

Trata-se de um tema permanente, praticamente milenar considerando sua relação com a experiência de vida, mas relativamente jovem como tema científico. É abordado por inúmeros filósofos e autores, de diversas épocas e correntes de pensamentos, mas o pensamento estruturado sobre o tema é recente. Para embasar nossa proposta revisional de abordagem às gerações, foram selecionados alguns autores que introduzem noções e visões que não apenas reflitam bem o caminho de evolução das teorias geracionais, mas que apresentem conceitos que serão de alguma forma ou de outra, utilizados em nossa proposta.

3.1. As Origens: Gerações como passagem do tempo

Na história judaico-cristã, a ideia de geração aparece com frequência. No Velho Testamento, por exemplo, o termo é encontrado em Êxodo, como sinal do rigor de Deus, que puniria os pecados dos pais “até a terceira e quarta gerações” (ÊXODO 20,5). No Novo Testamento, sua utilização é ainda mais frequente. Mateus descreve a genealogia de Jesus Cristo no início de seu evangelho abordando as diferentes gerações antepassadas, "Genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão:

Abraão gerou Isaque, Isaque, Jacó, Jacó de Judá e seus irmãos(...)” (MATEUS 1,1- 2), e conclui: " para as gerações, desde Abraão até Davi, são catorze, quatorze de Davi até o cativeiro babilônico e quatorze do cativeiro babilônico a Cristo "(MATEUS 1, 17). O uso genealógico, nesse contexto, representa uma medida da realidade histórica. Mesmo por Jesus o tema aparece: "em verdade vos digo, esta geração não passará sem que todas essas coisas se cumpram e tudo isso acontecer"(MATEUS 24,34), entre outros exemplos.

No mundo helênico aparecem a noção de experiência geracional como motor social.

Homero vê a história humana como uma sucessão de gerações:

As gerações dos mortais assemelham-se às folhas das árvores que, umas, os ventos atiram no solo sem vida; outras, brotam na Primavera de novo por toda a floresta viçosa. Desaparecem ou nascem os homens da mesma maneira (HOMERO, 1850, apud Marías, 1949, p.11).

O texto mais conhecido sobre a ideia de geração, aparece na Grécia, através de Herodoto (1850, apud MARÍAS, 1949), e aborda o uso de gerações humanas pelos

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egípcios, como uma unidade de cronologia histórica e determinada, com superestimada precisão:

Diziam-me os egípcios (...) que contando desde o primeiro rei até o sacerdote Vulcano, o último que lá reinou, haviam passado 341 gerações de homens, em cujo percurso se sucedram no Egito outros tantos sumos sacerdotes e igual numero de reis. Contando, pois, cem manos para cada 3 gerações, as 300 referidas somam 10.000 anos, e as 41 que ainda restam, compõem 11.340 (HERÓDOTO, 1850, apud Marías, 1949, p. 11).

Esta duração da geração genealógica, como a distância média entre pais e filhos, aceitas nesses registros, tornam-se naturalmente tópico universal. Segundo levantamento de Marías (1949), “para Hecateu de Mileto, a geração dura quarenta anos; para Hellanicus, apenas trinta; Ephorus adere ao cálculo de Heródoto”. Os números nesta ordem de grandeza são repetidos sempre que as gerações são interpretadas do ponto de vista genealógico, natural, e só será alterado quando adotada outras perspectivas.

3.2. Positivismo: gerações como renovação da sociedade

Augusto Comte (1798-1857) é quem primeiro inaugura o estudo científico das gerações, segundo Marías (1949). Não admira que Comte seja pioneiro na disciplina, já que além de capacidade e percepção para os temas humanos, inicia o ideário sobre a sociedade, e apenas em seus trabalhos encontramos pressupostos necessários para que a ideia de geração passe de sua forma vaga pré-científica para um primeiro ensaio de conceitualização.

Alinhada a visão científica e estruturada do positivismo, Comte (1998) introduz uma concepção mecanizada da evolução do tempo. Sempre em consideração ao postulado caro à escola entre progresso e tempo, Comte (1998) propõe uma percepção do tempo que seja quantitativa e mensurável como base do progresso da sociedade, que se daria através da sucessão natural dos sujeitos na medida em que nasciam e morriam para a vida pública e/ou social – aproximadamente 30 anos, segundo estimou. Nesse contexto, esse seria o tempo de uma geração, e que se torna o motor da evolução social: a substituição das gerações. O equilíbrio entre as mudanças trazidas pelas novas gerações e a estabilidade mantida pelas gerações mais velhas é chave para desejada continuidade para a objetividade histórica, segundo suas ideias (COMTE, 1998).

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De modo análogo a um organismo vivo, o organismo social seria submetido ao desgaste do tempo, e a solução para ele seria a substituição das partes desgastadas através do surgimento contínuo das novas gerações. Nesse contexto, o tempo social é biologizado. Já aparece o conceito de conflito geracional, que seria resultado do surgimento ativo e prematuro de uma nova geração ou, mais preocupantemente, o prolongamento das gerações anteriores pela vida humana, tornando-a excessivamente longa (COMTE, 1998).

Eu devo indicar (...) a duração da vida humana como algo que talvez influencie [a sociedade] mais profundamente (...). Em princípio, o nosso progresso social é essencialmente baseado na morte; ou seja, as etapas sucessivas da humanidade envolvem necessariamente renovação contínua, rápidas o suficiente, dos agentes do movimento geral que, geralmente pouvo perceptível no curso da vida de cada indivíduo, não é verdadeiramente pronunciado sem que ela passe uma geração a outra. O organismo social é submetido a este efeito, e de maneira muito similar, à mesma condição fundamental que o corpo do indivíduo, em que, após um tempo especificado, os vários elementos que formam inevitavelmente convertido, por causa os mesmos fenômenos da vida, e impróprios para cooperar na sua composição devem ser gradualmente substituídos por novos elementos. Para apreciar devidamente tal necessidade social, seria supérfluo recorrer a suposições quiméricas de um período indefinido da vida humana, o que obviamente traria a supressão quase completa do movimento progressivo. O progresso, assim, seria consequência da luta indispensável e permanente que é espontaneamente estabelecida entre o instinto de conservação social, a natureza habitual de envelhecimento, e o instinto de inovação, atributo comum de juventude. Mas se, por um lado, ninguém poderia duvidar de que a vida humana muito longa tenderia necessariamente a atrasar a nossa evolução social, não é menos indiscutível que, por outro lado, a existência demasiadamente efêmera seria um obstáculo não menos essencial para a progressão geral, atribuindo vez ao império de um instinto exagerado para a inovação. Nossa evolução social seria, portanto, por natureza igualmente inconsistente, embora por motivos opostos, com uma renovação muito lenta ou muito rápida de várias gerações humanas - em qualquer caso, um equilíbrio insuficiente entre o que o homem pode conceber e convenientemente executar (COMTE, 1998).

Assim, nas palavras dos pesquisadores europeus Feixa e Leccardi (2010),

através de sua reflexão sobre gerações, Comte propôs uma lei geral sobre o ritmo da história. Leis biológicas, relacionadas com a duração média da vida e da sucessão das gerações, seriam a base da objetividade do ritmo do progresso.

Essa abordagem de Comte (1998), como muitos de seus outros postulados, aparece em diversos outros pensadores que abordam o tema das gerações, notadamente

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John Stuart Mill (1806-1873), que não busca definir o que é uma geração, ou quanto tempo dura, ou suas fronteiras, mas ressalta a importância metodológica da ideia de geração para a marcha da história (MILL, 1964).

Outro autor influenciado por Comte é Littré (1801-1881), que considera a divisão de quatro gerações por século - vinte e cinco anos cada -, e acrescenta um importante conceito de sobreposição, quando argumenta que permanentemente há a convivência de três gerações distintas, jovens, adultos e idosos (MARÍAS, 1949).

Durkheim (1858-1917), que segundo Marías (1949) “ao final torna-se um representante da sociologia positivista ", introduz de modo ainda tímido e pouco perceptível, um conceito que ganhará corpo nas análises futuras, através do qual as gerações são influenciadas pelo ambiente em que vivem (MARÍAS, 1949). Ainda apegada à temática da evolução e desenvolvimento social, a influência é analisada apenas como alavanca para essa evolução - a mudança social é pequena e lenta quando uma geração está fortemente sob a influência da tradição e dos anciãos, mas acelerado quando os grupos são mais velhos e os homens conseguem mais destaque. Isto aconteceria especialmente nas grandes cidades, onde grande parte da população é composta de homens jovens e de meia-idade, de outros lugares, que foram separadas de sua tradição imediata, daí a mobilidade e futurismo dos grandes centros urbanos (MARÍAS, 1949).

3.3. A visão historicista: a realidade das influências das gerações

Para Mannheim (1952), a visão positivista, matemática e quantitativa do tempo das gerações, é recusada pelas proposições historicistas-românticas. Por esta perspectiva, a sucessão das gerações não é um fator preponderante, já que elas são definidas em termos de relações de contemporaneidade e consistem num conjunto de pessoas sujeitas em seus anos de maleabilidade máxima a influências históricas comuns (intelectuais, sociais e políticas). O importante, portanto, é partilhar do mesmo repertório de experiências, o mesmo “tempo qualitativo”.

Por esta ótica, a qualidade dos vínculos que os sujeitos das gerações compartilham é muito mais relevante. O mais expressivo autor dessa visão é o filosofo alemão Dilthey (1989), que ressalta que a problemática da abordagem geracional exige a análise do tempo da experiência, medido exclusivamente em termos qualitativos. Ele opôs o

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tempo humano - concreto e contínuo - ao tempo abstrato e descontínuo da natureza.

Na análise de Feixa e Leccardi (2010), “a conexão entre o tempo humano e o tempo histórico provém principalmente da capacidade de moldar, uniformizar o tempo pessoal e interpretá-lo num todo significativo”. É a história que possibilita de fato à mente humana emancipar-se da tradição da natureza.

Ainda segundo Dilthey (1989), a continuidade do padrão de progresso provém da capacidade da mente humana - ao contrário da qualidade do tempo que a natureza possui - de transcender o tempo percorrido e construir acontecimentos individuais dentro de um todo homogêneo e coerente. Essa visão se apresenta no espectro analítico diametralmente oposta a visão positivista, com o resgate de uma clássica dualidade entre olhar quantitativo e natural vs qualitativo e social.

3.4. Aplicações: as gerações como fenômeno nacionalista

François Mentré (1853-1911) é considerado autor chave nos estudos geracionais por duas razões: foi, possivelmente, um dos autores que mais se aprofundou na temática, e compôs um completo estudo quase inteiramente dedicado a oferecer uma história intelectual do conceito de geração, aprofundando o tratamento atribuído à importância social de idade e gerações, de autores de Platão a Cournot.

Na obra, Mentré (1920) fornece uma série de definições úteis que avançam na visão vigente, formalizando o conceito das diferenças entre gerações não apenas como reflexos biológicos, mas como grupo sujeito a diferentes comportamentos:

A geração não pode ser definida em termos de crenças e desejos em termos psicológicos e morais. Este não é um dispositivo para cortar o tempo, mas para gerar unidade espiritual, um estado coletivo de espírito que envolve uma filosofia de vida contemporânea, não uma filosofia abstrata, mas um projeto latente que justifica atos e impregna hábitos.

A geração é, portanto, uma nova maneira de sentir e compreender a vida que fica em oposição a anterior, ou, pelo menos, diferente dela.

O homem é baseado no sentimento e ação, em vez de razão: homens de ação levam a história, enquanto os intelectuais estão se preparando. Uma geração é menos uma direção do que uma nuance e sensibilidade; é uma atitude em frente vida: otimista ou pessimista, grave ou frívolo, solto ou viril, sereno ou desiludido, covarde ou heroico (MENTRÉ, 1920).

Mentré também é reconhecido pela introdução do conceito de nacionalismo na abordagem geracional, tema relativamente inédito até então. Quando busca definir as

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diferenças entre as gerações, materializa as abstrações descritas nos trechos acima, e, ao fazê-lo, encontra frontalmente o tema do nacionalismo:

Nós não formamos um homem abstrato: formamos, por exemplo, um jovem francês específico. Todo homem pertence a várias organizações sociais sobrepostos ou justapostos: uma família, uma empresa, uma cidade. E, acima de todas as organizações sociais, há a pátria, realidade terrena suprema. Acima do país, existe, pode-se argumentar, a humanidade. Eu não sei se é ou se ele nunca será, mas noto que cada homem é parte de uma nação, seus interesses essenciais estão em solidariedade com aqueles de sua nação e ele se torna consciente de seu papel como um homem (ricos ou pobres, trabalhadores manuais ou trabalhadores do conhecimento) em e através de seu povo (MENTRÉ, 1920).

Para Mentré (1920), portanto, os limites da relevância do conceito de geração são traçados pelo Estado-Nação. Não é surpresa que parte importante de seu trabalho se dedica a uma tentativa pioneira de traçar e identificar os membros das gerações da história francesa: a força motriz da história é o espírito nacional e seu curso pode ser transferido para a circulação de uma geração para a seguinte, a idéia de história como manifestação do espírito das diferentes civilizações nacionais.

Em um nível menos abstrato, a mudança geracional se manifesta em Mentré (1920) através de dois fenômenos, que muito nos interessam para nossas análises posteriores: o conceito de instituições e séries.

As instituições são estruturas de papéis sociais estabelecidos. O termo, utilizado de modo generalizado, pode ser materializado no uso de expressões como instituições políticas (Presidência, Parlamento, etc.), instituições econômicas (bancos, bolsa de valores, etc.), etc. Mas há aspectos importantes dos campos políticos, econômicos, artísticos, por exemplo, que não são institucionais: são os fenômenos tais como cultura política ou ideologia, que deslocam os movimentos políticos e instituições clássicas do papel de principais influenciadores (MENTRÉ, 1920). Para todas as áreas da vida social, há o lado institucional fixo e outros de matéria mais dinâmica e móvel, a que Mentré (1920) se refere como ‘séries’. É sob esse conceito que Mentré introduz o tema de mudança geracional. As séries não são, em si mesmas, as variáveis causais ou independentes. A força causal é fornecida pelo ‘espírito nacional’. Mas se a série não orienta a evolução social, ela a traduz em termos a nós compreensíveis. Assim, elas são a única ligação compreensível que podemos ter com o espírito.

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Para compreender a mudança das gerações, Mentré (1920) busca identificar séries que possam ser preditivas de alterações. Para isso, elege a linguagem como chave para compreender as gerações e história. Alega que as séries que chama de

‘estéticas’ geralmente mostram o caminho que será percorrido pelas demais variáveis, e que, entre as séries estéticas, a literatura é especialmente expressiva. Segundo ele, é claro que a mudança artística pode seguir a mudança política, mas isso geralmente não é o caso. Além disso, a religião, moralidade, tecnologia, política, direito, etc.

convergem para a série literária e são representados sob a forma de linguagem.

Interessantemente, Mentré (1920) se recusa completamente a dar importância à séries científicas. Ele dá duas razões para esta rejeição. Primeiro, invenções e descobertas são muito numerosas para cada um deles marcar o início uma geração.

Aqui, evidentemente Mentré (1920) generaliza descobertas que só têm importância técnica e aquelas envolvendo novas direções teóricas ou mesmo o início de novos paradigmas com transformador impacto cultural. Indo além, Mentré (1920) nega explicitamente a importância da série científica porque é internacional. As gerações são, por sua definição, de agrupamentos nacionais. A teoria das gerações em Mentré (1920) é completamente determinada e limitada pelo seu nacionalismo.

Mentré (1920) também adverte contra a tentativa de definir os limites dessas gerações pelos acontecimentos. Diz que há um modelo de consistência certificada para cada século, e os grandes acontecimentos disruptivos são puramente acidentais: "não são os eventos que emolduram as gerações, mas as gerações que enquadram os eventos. As gerações são cortes naturais história" (MENTRÉ, 1920). Dentro destas interrupções naturais, os atores criam eventos com diferentes graus de consciência e os próprios eventos são o sentido causal em termos de atitude ou mudança estrutural para a geração em questão.

3.5. Filosofia e metafísica: as gerações como um reflexo da necessidade espiritual universal de mudança

Com o aprofundamento dos conceitos, teorias geracionais de maior profundidade tem arcabouço para se desenvolver. Partindo de definições simples, José Ortega y Gasset (1883-1955) trabalhou no conceito de geração por mais de uma década, e é considerado por muitos, como Marías (1947) como a primeira teoria estruturada de evolução geracional. Ortega y Gasset primeiro abordou o tema em sua obra The

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Modern Theme (1933). Sua posição mais desenvolvida sobre o conceito aparece em Man and Crisis (1958). Neles, Ortega y Gasset (1933,1958) busca estabelecer a correlação entre indivíduo e sociedade utilizando-se do conceito de geração, trabalhando em dois níveis que Carvalho (2009) chamou de micro e macro. No nível micro, as palavras-chave são "idade" e "fase de vida", aplicáveis ao nível dos indivíduos. No nível macro, os termos-chave são “zona de datas”, " histórica ”e “estado vital” (CARVALHO, 2009).

Aqui, geração é definida como "o grupo dos contemporâneos reunidos no círculo da vida moderna (...). O conceito de geração não implica basicamente, muito mais do que essas duas coisas: ter a mesma idade e alguma forma de contato vital" (ORTEGA Y GASSET,1958). Pessoas separadas no espaço, que não se comunicam diretamente, não podem ser considerados partes da mesma geração, mesmo se tiverem a mesma idade.

Idade não está vinculado a um tempo exato, mas a uma "zona de datas", termo eficaz de Ortega y Gasset (1966) para a geração. Em qualquer ponto do tempo, a nossa

"zona de datas" determina uma "fase de vida". Ao contrário de Mentré (1920) e a tradição alemã do séc XIX, para o qual o tempo de geração era de trinta anos, Ortega y Gasset opta por quinze anos. Há cinco fatias de quinze anos pelas quais passamos todos, juntamente com os demais que ocupam a mesma "zona de datas". Ainda assim, podem estar passando por diversos estágios da vida. Os cinco estágios são infância, juventude, iniciação, dominância e velhice. A infância (zero a 15 anos) e jovens (15 a 30 anos) são, segundo Ortega y Gasset (1966), fases em que vivemos para nós mesmos, independentemente da vida coletiva. Há a percepção de participação, mas os mais velhos é que contribuíram com a vida em comunidade.

A fase de iniciação é de 30 a 45 anos, quando os sujeitos encontram-se com suas idéias, pelo menos nos primeiros princípios da ideologia (MENTRÉ, 1920). Durante a fase de posição dominante, de 45 a 60 anos, nos dedicamos ao desenvolvimento integral das inspirações que tivemos entre 30 e 45 anos. Na fase de dominância, também se mantém e protege o que era aprendido nos campos da arte, política, etc.

na etapa precedente, a iniciação. Diz Ortega y Gasset (1966) que a controvérsia é inevitável entre aqueles que atravessam estas duas fases da vida – e isto não é necessariamente negativo. O curso da história não é geralmente uma geração que

Referências

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