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ENTRE A UTOPIA E O MAL-ESTAR : REFLEXÕES PSICANALÍTICAS SOBRE OS MILITANTES DO MST E SEUS DILEMAS DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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Academic year: 2019

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PUC-SP

Eliane Domingues

ENTRE A UTOPIA E O MAL-ESTAR : REFLEXÕES PSICANALÍTICAS SOBRE OS MILITANTES DO MST E SEUS DILEMAS

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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PUC-SP

Eliane Domingues

ENTRE A UTOPIA E O MAL-ESTAR : REFLEXÕES PSICANALÍTICAS SOBRE OS MILITANTES DO MST E SEUS DILEMAS

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia Social sob orientação da Prof.ª Dr.ª Miriam Debieux Rosa

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Banca Examinadora

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À Profa. Dra. Miriam Debieux Rosa, pelo acolhimento, disponibilidade e orientação que foram fundamentais para elaboração desta tese.

Aos Profs. Dr. José Moura Gonçalves Filho e Dr. Salvador Meireles Sandoval, pelas sugestões e questões propostas por ocasião do exame de qualificação. À Dra. Maria Rita Bicalho Kehl pelos questionamentos feitos no exame de qualificação. Ao Prof. Dr. Edson André de Sousa pelos textos sugeridos e enviados.

Aos amigos que me apoiaram, compartilharam minhas angústias, leram partes do texto e deram valiosas sugestões. Especialmente a: Sandra Luzia Alencar, Glaucia Valéria de Brida, Viviane do Carmo Catroli, Maria Therezinha Loddi Liboni e Max Rogério Vicentin.

À todos estudantes que participaram desta pesquisa e à coordenação da escola de agroecologia do MST que tornaram a realização desta pesquisa possível.

Aos meus pais Adilson e Maria Dirce e irmãs Analígia e Analéia pelo apoio e compreensão.

Ao Prof. Dr. Patrick Guyomard que me recebeu na Université Paris 7 para o estágio de doutorado.

À Universidade Estadual de Maringá e ao Departamento de Psicologia pelo afastamento concedido para realização do doutorado.

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reflexões psicanalíticas sobre os militantes do MST e seus dilemas

RESUMO

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Psychoanalytical reflexions on MST1 militant and their dilemmas

ABSTRACT

MST was officially founded in 1984 and is nowadays present at 23 states and the federal district. It involves nearly 1.5 million people and about 400 thousand are at camps. Its main aims, since the foundation, are: “fighting for land, fighting for land reform, and fighting for a more fraternal and fair society” (MST, 2009). Having passed more than 25 years of existence, many conquered their land, but land reform and the desired social transformations, ideals that move militants, are still far from achievement. Before this context, this research has asked: how do militants experience the distance between current society and the society they fight for, which is equal and fraternal to all? How do they experience the tension between living in a capitalist society supporting socialist values and ideals? How is tension between demanding and charges from collective (MST) and the ideals (social and psychic ambits) present at militants‟ everyday life? These questions were formulated from what the MST militants themselves present as being the dilemmas they face and they constitute as object of research of this thesis. The theoretical reference adopted was psychoanalysis and research methodology psychoanalytical intervention research. It was built on Freud‟s idea (2007/1927) that some classes, groups, and subjects pay „more‟ sacrifice to live in the culture and developed the hypothesis that the militant, for not accepting this „more‟ of sacrifice imposed by his class, ends up paying „more‟ for his militant condition, what does not simply mean exchange this „more‟ sacrifice for other, as new sacrifices are paid with a social place inside MST and with the possibility of a subject narcissistic revitalization, that is, they are paid with „more‟ satisfaction enabled by ideals adhesion. In order to the ideals keep moving the subjects, it is necessary that between them and the current state – of the subject or society – always exist some distance. Something should always be missing so that the desire keeps flowing, but what misses to the subjects not be woeful, is to be based on a future project, some hope. This is what MST does: offer to subjects a future Project, a hope. Its militants afford the desire that moves them, but always bet on it, even if it costs them “a pound of flesh”.

Keywords: militant; MST; psychoanalysis, narcissism; sacrifice.

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reflexiones psicoanalíticas sobre los militantes de MST y sus dilemas

RESUMEN

El Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST) fue fundado oficialmente en 1984 y actualmente está presente en 23 estados y en el Distrito Federal. Tiene cerca de 1,5 millones de personas, de las cuales aproximadamente 400 mil están en campamentos. Sus principales objetivos, desde su fundación, son: “luchar por la tierra, luchar por la reforma agraria y luchar por una sociedad más justa y fraterna”. (MST, 2009). Pasados más de 25 años de existencia de MST, muchos conquistaron la tierra, pero la reforma agraria y las anheladas transformaciones sociales, ideales que mueven a los militantes, aún están lejos de la concretización. Delante de este contexto, en esta investigación se indagó: ¿cómo los militantes viven la distancia entre la sociedad actual y la sociedad por la cual ellos luchan, una sociedad justa y fraterna para todos? ¿Cómo los militantes viven la tensión existente entre vivir en una sociedad capitalista sosteniendo valores e ideales socialistas? ¿Cómo se hace presente en el cotidiano de los militantes la tensión existente entre las exigencias y cobro del colectivo (MST) y del propio sujeto (superyo) y los ideales (sociales e instancia psíquica)? Estas cuestiones fueron formuladas a partir de lo que los propios militantes de MST presentaron como siendo los dilemas que ellos enfrentan en su cotidiano y constituyen el objeto de investigación de esta tesis. El referencial teórico adoptado fue el psicoanálisis y la metodología de investigación la investigación-intervención psicoanalítica. Se partió de la idea de Freud (2007/1927) de que algunas clases, grupos y sujetos pagan un “a más” de sacrificio para vivir en la cultura y se desarrolló la hipótesis de que el militante, al no aceptar el “a más” de sacrificio impuesto para su clase, acaba pagando un “a más” por su condición de militante, lo que no significa apenas cambiar un “a más” de sacrificio por otro, pues los nuevos sacrificios son pagados con un lugar social dentro de MST y con la posibilidad de una revitalización narcísica de los sujetos, o sea, son pagados con un “a más” de satisfacción posibilitada por la adhesión a ideales. Para que los ideales continúen moviendo a los sujetos, es necesario que entre ellos y el estado actual − sea del sujeto sea de la sociedad – siempre debe existir una distancia. Algo siempre debe faltar para que el deseo siga su curso, pero lo que falta para que los sujetos no sean tirados a la angustia se debe basar en un proyecto de futuro, en una esperanza. Es esto que hace MST: ofrece a los sujetos, un proyecto de futuro, una esperanza. Sus militantes pagan el precio por el deseo que los mueve, pero ni por esto dejan de apostar en el deseo, mismo que les coste “una libra de carne”.

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INTRODUÇÃO...9

PARTE I: APRESENTAÇÃO DO MST E DA METODOLOGIA DA PESQUISA...14

CAPÍTULO 1 : ORIGEM E MODERNIDADE DO MST...15

1.1.A luta pela terra no Brasil e o surgimento do MST: violência e criminalização...15

1.2. A influência da Igreja e construção dos objetivos do MST...22

1.3. Educação e emancipação: a modernidade do MST...26

CAPÍTULO 2 : O CAMPO E A METODOLOGIA DA PESQUISA ...30

2.1. As escolas de agroecologia do MST no Paraná...31

2.2. O contato inicial com a escola...35

2.3. A pesquisa-intervenção...37

2.4.Por que pesquisa-intervenção psicanalítica?...43

PARTE II: UTOPIA E MILITÂNCIA...48

CAPÍTULO 1: UTOPIAS E/OU IDEAIS SOCIAIS...49

1.1.Utopias ...49

1.2.Utopia, sonho e desejo...58

1.3.Utopia e ideais sociais...62

CAPÍTULO 2: MILITÂNCIA E MST...70

2.1.Militância hoje...70

2.2.Militantes do MST...77

2.3.Militância e psicanálise ...81

PARTE III: OS “DILEMAS” DO MILITANTE DO MST PENSADOS A PARTIR DA PSICANÁLISE ...91

CAPÍTULO 1 : SACRIFÍCIO, MAL-ESTAR E MILITÂNCIA ...92

1.1O sacrifício de si...92

1.2O sacrifício pulsional...97

1.3O sacrifício na “pós-modernidade”...101

CAPÍTULO 2 : IDEAIS, EXIGÊNCIAS E IDENTIDADE SEM TERRA...106

2.1 O narcisismo e a constituição do eu ideal...107

2.2 Eu ideal e ideal do eu: algumas considerações pós-freudianas...110

2.3 A articulação aos ideais...112

2.4 As exigências internas e externas: o supereu entra em cena...114

2.5 Identidade e identificações...119

CAPÍTULO 3: A HUMILHAÇÃO SOCIAL E A LUTA POR RECONHECIMENTO...126

3.1. A humilhação social e a luta por reconhecimento...126

CONSIDERAÇÕES FINAIS...138

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...142

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INTRODUÇÃO

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi fundado oficialmente em 1984 e atualmente está presente em 23 estados e no Distrito Federal. Envolve cerca de 1,5 milhão de pessoas, das quais aproximadamente 400 mil estão em

acampamentos. Seus principais objetivos, desde sua fundação, são: “lutar pela terra, lutar pela reforma agrária e lutar por uma sociedade mais justa e fraterna”. (MST,

2009).

A conquista da terra, a reforma agrária e uma sociedade mais justa e fraterna para todos são os ideais que unem os integrantes no MST e os mobilizam a participar do movimento; porém nem todos os integrantes aderem da mesma forma a estes ideais. Enquanto os militantes lutam pela terra, pela reforma agrária e pela construção de uma nova sociedade, os integrantes que compõem a base lutam pela terra e não necessariamente aderem à luta pela reforma agrária e por uma sociedade mais igualitária. São diferentes ideais articulados que unem e mobilizam os integrantes do MST1.

Passados mais de 25 anos de existência do MST, muitos conquistaram a terra. Cerca de 350 mil famílias estão assentadas, distribuídas em áreas que, se somadas, chegam a 14 milhões de hectares (STÉDILE, 2008); mas a reforma agrária e as almejadas transformações sociais, ideais que movem os militantes, ainda estão longe da concretização.

Mesmo para aqueles que têm como ideal a conquista da terra e estão assentados, este fato não significa que eles tenham chegado ao “paraíso”, pois novos problemas

surgem e muitas das antigas dificuldades continuam, como o acesso à saúde, à educação e à moradia. A conquista da terra é importante, mas há sempre algo que falta e em muitos casos este algo é sempre muito. No que diz respeito aos militantes, a conquista da terra representa apenas um passo rumo a transformações mais amplas e estruturais: como eles vivenciam a distância entre a sociedade atual e a sociedade pela qual eles lutam, uma sociedade justa e fraternapara todos; como os militantes vivenciam a tensão existente entre viver em uma sociedade capitalista sustentando valores e ideais

socialistas; como eles são afetados pelos “ideais particularistas de consumo” vigentes na

sociedade na qual vivemos; e como se faz presente no cotidiano dos militantes a tensão

1 Esta foi uma das conclusões da dissertação de mestrado da autora:

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existente entre as exigências e cobranças do coletivo (MST) e do próprio sujeito (supereu) e os ideais (sociais e instância psíquica). Estas questões constituem o objetivo principal dessa pesquisa, que também buscou investigar como os militantes do MST vivenciam situações de violência e o dilema militância x família.

O interesse em investigar estas questões surgiu a partir da participação da autora no seminário Subjetividade e a questão da terra2, evento em que os militantes do MST expuseram quais são as tensões, desafios e conflitos que eles enfrentam na luta pela terra. Certamente a palavra “dilema” não dá conta de expressar tudo isto, mas foi

adotada nesta pesquisa porque era esta a palavra que os militantes muitas vezes empregavam para expressar o conjunto das tensões, dos desafios e dos conflitos que eles vivem em seu cotidiano.

Acreditando na fecundidade de uma leitura psicanalítica destas questões, essa pesquisa também visa trazer contribuições para o estudo da articulação entre o psíquico e o social, tendo como base a análise de um movimento social genuinamente brasileiro e focando especificamente seus militantes com seus dilemas. Não se trata, porém, de uma pesquisa de psicanálise aplicada, mas sim, de uma pesquisa de psicanálise implicada.

Isto quer dizer que se busca evitar o modo de fazer pesquisa que ficou conhecido como psicanálise aplicada3, no sentido que esta última adquiriu depois de Freud, de ser uma mera extensão dos conceitos psicanalíticos a outros campos supostamente estranhos à sua origem. Em Freud, segundo Plon (1999), temos a teoria psicanalítica e

as aplicações da psicanálise − que incluem a prática clínica e os estudos referentes a fenômenos sociais, à cultura e à arte −, que constituíram a base para construção da teoria psicanalítica. Depois de Freud, a teoria psicanalítica e a clínica passaram a ser

entendidas como a psicanálise “pura”, sem adjetivos, enquanto a psicanálise aplicada,

que diz respeito a estudos referentes a fenômenos sociais, à cultura e à arte, passou a ser entendida como lugar de mera demonstração do que supostamente a psicanálise já sabia. Por não se pretender fazer a demonstração dos conceitos psicanalíticos e para evitar toda a controvérsia que acompanha a denominação psicanálise aplicada, optou-se pela denominação psicanálise implicada; implicada tanto por levar em conta os modos singulares de formular a militância quanto por enfatizar o posicionamento ético-político

2 O seminário “Subjetividade e a questão da terra” foi realizado em 2004, fruto de uma parceria entre o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e o MST. Dele participaram pouco mais de 20 pessoas, entre psicólogos e militantes do MST e seu objetivo foi a aproximação dos psicólogos das demandas e propostas dos trabalhadores do campo, no caso daqueles que integravam o MST

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do pesquisador, que não é um observador externo ao objeto observado, mas é implicado e comprometido com os participantes da pesquisa, com a escolha do tema e da metodologia e com o recorte do objeto. Feitas estas considerações, apresentar-se-á na sequência a estrutura geral da pesquisa, que foi organizada em três partes.

A primeira parte tem como objetivo fazer uma breve apresentação do MST e da metodologia da pesquisa. No primeiro capítulo resgatam-se episódios das lutas camponesas no Brasil até chegar ao surgimento e constituição do MST. Destaca-se a criminalização e a violência de que foram vítimas aqueles camponeses que ousaram se mobilizar contra a exploração, a expropriação e expulsão do campo, assim como a modernidade do MST, suas conquistas e sua contribuição para a emancipação de milhares de camponeses. No segundo capítulo são descritos o campo da pesquisa e a metodologia adotada: a pesquisa-intervenção psicanalítica, uma das alternativas possíveis dentro do que se entende como psicanálise implicada. O campo foi uma escola de agroecologia do MST, e os participantes, militantes em formação que estudavam nesta escola. A proposta foi realizar um trabalho de pesquisa-intervenção/escuta que, além do levantamento e discussão dos dilemas do militante, também proporcionasse um espaço de palavra e reflexão, em que os sujeitos pudessem expressar suas singularidades, falar de si próprios e de sua percepção de mundo. A demanda de um trabalho deste tipo foi levantada no Seminário Subjetividade e a questão da terra e também se fez presente no grupo participante desta pesquisa. Assim, a pesquisa-intervenção psicanalítica teve como objetivo atender a uma demanda levantada pelos próprios militantes do MST, a da criação de um espaço de escuta para seus dilemas e ao mesmo tempo de um espaço que produzisse relatos que pudessem ser tematizados como objetos de pesquisa. Neste capítulo também se descreve como foi organizado este espaço, com encontros temáticos em pequenos grupos, e ao final do capítulo são apresentados os pressupostos orientadores da pesquisa-intervenção psicanalítica.

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filosófico até chegar ao campo da psicanálise, buscando-se a articulação entre o que é da ordem do social (utopias/ideais sociais) e que é da ordem do psíquico (sonho, desejo, ideal do eu e narcisismo). No final do primeiro capítulo buscou-se responder à questão que motivou a sua escrita. O segundo capítulo teve como objetivo apresentar uma caracterização do que é ser militante na atualidade, do que é ser militante do MST e trazer as contribuições da psicanálise para pensar a temática da militância. Em um contexto de declínio das grandes narrativas, em que os movimentos sociais privilegiam o agir no aqui e agora em detrimento do debate doutrinário e em que a militância é

associada à ideia de “livre serviço”, o MST parece “nadar contra a corrente” e mostra

que os ideais revolucionários ainda estão vivos, que é possível agir no aqui e agora sem deixar de lado o debate doutrinário, e que ainda existem militantes que se engajam de

“corpo e alma”. Tal engajamento não é sem consequências para ao militante do MST e

está profundamente relacionado à constituição dos dilemas que ele vivencia em seu cotidiano, tema abordado na terceira e última parte do trabalho.

O dilema traz a ideia de uma escolha que é sempre insatisfatória e difícil e que traz sempre sofrimento para aquele que deve escolher. Sempre há um preço a pagar pela escolha feita. Antes da possibilidade de qualquer escolha, no entanto, o sujeito humano paga um preço por viver na cultura, preço que, como diz Freud (1927), não é igual para todos, pois determinadas classes, grupos e sujeitos pagam um preço mais alto que outros e têm menos acesso aos benefícios. A partir desta ideia de Freud, entende-se nessa pesquisa que, para abordar os dilemas do militante do MST, deve-se considerar este contexto anterior no qual se constituem as possibilidades de escolha do militante, e que uma vez feita a escolha, tem-se uma nova conta a pagar, riscos e contradições a enfrentar. Vejamos como estas questões foram abordadas nos três capítulos que compõe a última parte da tese.

O primeiro capítulo da última parte, Sacrifício, mal-estar e militância, tem como objetivo apresentar este contexto em que se constituem os dilemas do militante do MST

e também discutir a ideia de que o “militante é aquele que se sacrifica por uma causa”. Neste sentido, foi proposta a questão: “O que o militante do MST sacrifica?”. Dois

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militante, ao não aceitar o “a mais” de sacrifício imposto para sua classe, acaba pagando

um “a mais” por sua condição de militante, porém isto não significa trocar um “a mais”

de sacrifício por outro, pois os novos sacrifícios são pagos com um lugar social dentro do movimento e com a possibilidade de uma revitalização narcísica dos sujeitos.

O segundo capítulo da última parte, Ideais, exigências e identidade, parte do conceito de narcisismo para pensar a militância do MST. A hipótese desenvolvida é que a militância no MST pode possibilitar certa revitalização narcísica ao militante, pela adesão aos ideais sociais sustentados pelo movimento; porém, se por um lado a adesão a ideiais sociais traz certa satisfação narcísica para o sujeito, por outro esses ideais vêm acompanhados de exigências, e no caso da adesão ao MST, da identidade de sem-terra.

Os ideais, como diz Bloch (2005), agem de “modo exigente”, sendo difícil separá-los

das exigências que os acompanham. Este lado exigente dos ideais Freud chamou de supereu. Esta tensão entre ideais e exigências e as implicações que a identidade de sem-terra traz para o sujeito são as questões abordadas nesse capítulo.

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CAPÍTULO 1 : ORIGEM E MODERNIDADE DO MST

A luta pela terra em um país como nosso - de dimensões continentais e fartura de terras agricultáveis - é um paradoxo bastante anterior ao surgimento do MST, assim como a criminalização daqueles que são vítimas. Resgatar, ainda que brevemente, um pouco desta história é o ponto de partida deste trabalho. Inicia-se o texto com a citação das guerras de Canudos e do Contestado, episódios que não são de luta pela terra ou reforma agrária, mas já mostram a insatisfação e revolta no campo daqueles que não têm direitos. Em seguida trata-se da “Guerra de Porecatu” e da revolta dos posseiros, em que a posse da terra passa a ser uma questão central, e das Ligas Camponesas, em que a reforma agrária se constitui como uma reivindicação dos camponeses, até chegar à constituição e às reivindicações do MST.

1.1- A luta pela terra no Brasil e o surgimento do MST: violência e criminalização

Não existem nações felizes. E não existem ilhas onde o sangue humano já

não volte a ser derramado. Mas é verdade que coisas novas e melhores são construídas. Ainda que tenham de nascer em dor como os homens. (JASTRUN, 1954 citado por SZACHI, 1972)

No final do século XIX e início do século XX as guerras de Canudos (1896-1897), na Bahia, e do Contestado (1912-1916), nos limites dos estados do Paraná e de Santa Catarina, representaram, de certa forma, movimentos de reação à República, embora não propriamente ao regime político republicano, mas ao significado que lhe foi atribuído pelo sertanejo: de uma nova ordem que favoreceu os poderosos e só instaurou mais opressão. Em contraposição à República, estes movimentos defendiam a ideia de Monarquia, que significava uma nova ordem sem opressão.

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características: 1) rejeição do mundo presente e uma nostalgia de um outro melhor; 2) uma ideologia padronizada do tipo quiliasta (tal como o messianismo judaico-cristão); e 3) uma incerteza fundamental no que diz respeito a como a nova sociedade será

moldada. Segundo Ianni (1972, p.191), movimentos deste tipo são “a primeira manifestação desesperada frente a uma situação de carência extrema” e expressam o

descontentamento com a situação vivida.

O fim destes movimentos, se eles se mantêm isolados, é a derrota (HOBSBAWAM, 1970). Foi assim que terminaram Canudos e o Contestado, com a derrota e o massacre dos sertanejos. Em Canudos, quatro expedições militares foram necessárias para destruí-los: 5.200 casas foram queimadas e os habitantes encontrados foram degolados (CUNHA, 1902). O Contestado, que chegou a contar 20.000 habitantes no auge do movimento, também teve como fim casas queimadas e prisioneiros degolados (QUEIROZ, 1977).

Nas décadas de 1940 e 1950 o Paraná foi palco de dois grandes conflitos: a Guerra de Porecatu (1947-1953), no Norte do Estado, e a Revolta dos Posseiros (1950-1957), no Sudoeste, ambos iniciados por causa de despejos violentos de posseiros por jagunços e pelas tropas do Estado.

O conflito de Porecatu teve início quando o então governador do Estado Moysés Lupion4 repassou terras a seus “apadrinhados”. Estas terras eram ocupadas por

posseiros, que foram expulsos de forma violenta, ação que ficou conhecida como

“limpeza de área”. Diante da violência sofrida, os posseiros procuraram apoio do

Partido Comunista Brasileiro (PCB) e denunciaram a situação; porém, como nada foi feito, partiram para a luta armada. Foi somente quando Bento Munhoz da Rocha assumiu o governo do Estado, em 1951, que a situação foi resolvida e os posseiros que resistiram foram contemplados com lotes (RODRIGUES, 2006).

Na Revolta dos Posseiros, novamente em cena o governador Moiysés Lupion. Desta vez, a concessão foi para mineradoras de carvão, serrarias e fábricas de papel. A transação ilícita feita pelo governador em 1950 foi anulada pela União em 1953, porém quando já estava instalado um clima de terror entre os posseiros da região. Da mesma

forma que na “Guerra de Porecatu”, as autoridades nada fizeram, e em 1957 os

posseiros partiram para a luta armada, decididos a expulsar as companhias colonizadoras. Diante de tal situação de levante popular, o Governo Federal ordenou o fechamento das colonizadoras, sob ameaça de intervenção no Estado. As colonizadoras

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foram fechadas, mas a situação só se resolveu em 1962, quando os camponeses e posseiros, finalmente, conseguiram do Estado e da União a propriedade da terra (RODRIGUES, 2006).

Nas décadas de 1950 e 1960 começou em Pernambuco o movimento das Ligas Camponesas, que depois se expandiu para os demais estados brasileiros. Foi a partir dele que a luta camponesa atingiu dimensão nacional, segundo Oliveira (1999). Inicialmente, as Ligas Camponesas eram compostas por foreiros – camponeses que trabalhavam em uma terra que não era sua, devendo pagar o foro ao proprietário. Diferente do posseiro, que se apossa de uma terra e lá trabalha sem dever nada para ninguém até ser expulso, o foreiro pagava valores exorbitantes para utilizar a terra. Assim, nem sempre o foreiro conseguia com seu trabalho o necessário para sobreviver com sua família e pagar o foro. Diante da expulsão iminente por não pagar o foro, um foreiro procura um membro do Partido Comunista, que, constatando a situação dos foreiros de uma forma geral, propõe a formação de uma sociedade para aquisição de um engenho. Percebendo nesta sociedade um foco de subversão, o dono das terras do engenho Galileia (alugadas aos foreiros que formavam a sociedade) tentou interditar a sociedade e expulsá-los. Os foreiros, então, procuram um advogado – Francisco Julião , que já havia defendido causas de camponeses e aceitou a causa do grupo. Iniciada em 1954, a luta judicial foi até 1959, quando o engenho Galileia foi desapropriado. No início da década de 1960 as Ligas passam a lutar por reforma agrária e agregar ao redor de si outros camponeses além dos foreiros. Com o golpe de 1964 elas foram extintas e tiveram muitos de seus dirigentes presos, torturados ou mortos (BASTOS, 1984)

No final da década de 1970 surge o MST, fruto da expulsão do campo e expropriação de inúmeros trabalhadores rurais. Segundo Stédile e Fernandes (1999), o aspecto socioeconômico foi o principal fator que contribuiu para o surgimento do movimento. Neste contexto, a década de 1970 pode ser apontada como um momento particularmente significativo, pela intensa mecanização da agricultura brasileira e a consequente expulsão do campo de milhões de trabalhadores rurais. Segundo Tarelho (1988),

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décadas [de 1950 a 1970] a distribuição da população, que era de 70% na zona rural e 30% na zona urbana, inverteu-se. (p.22)

No Estado do Paraná, estima-se que, em dez anos, 100 mil pequenos proprietários foram expulsos do campo, somando-se a eles parceiros, posseiros e arrendatários, que também já vinham sofrendo com a expulsão. Somente a construção da Hidrelétrica Binacional de Itaipu, entre 1975 e 1977, deixou aproximadamente 12.000 famílias sem terra e sem teto. As famílias desalojadas para a construção da hidrelétrica que possuíam o título de propriedade da terra deveriam receber indenizações, porém, após três anos da desapropriação, apenas algumas poucas famílias as haviam recebido, e ainda assim, em valores muito inferiores aos que de fato tinham as terras. Parte dos posseiros foi transferida para um projeto de colonização no Acre e lá foi abandonada. Apoiados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e por alguns sindicatos rurais, os camponeses que permaneceram na região se organizaram no Movimento Justiça e Terra para reivindicar aumento do valor das indenizações e assentamento para os sem terra. Acamparam no trevo da hidrelétrica e após dois meses conseguiram assentamentos na região. (MORISSAWA, 2001)

Em 1981 a CPT passou a cadastrar outras pessoas interessadas em assentamento e criou o Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná (MASTRO). Nos anos seguintes outros movimentos foram criados: Movimento dos Agricultores Sem Terra do Sudoeste do Paraná (MASTES), Movimento dos Agricultores Sem Terra do Norte do Paraná (MASTEN), Movimento dos Agricultores Sem Terra do Centro-Oeste do Paraná (MASTRECO) e o Movimento dos Agricultores Sem Terra do Litoral do Paraná (MASTEL). (MORISSAWA, 2001).

Enquanto tudo isso acontecia no Paraná, no Rio Grande do Sul, agricultores expulsos de uma reserva indígena no município de Nanoai recusaram-se a ser transferidos para projetos de colonização do Mato Grosso, acamparam próximo à reserva e conseguiram assentamento na região. Em 1979, outro grupo de agricultores sem terra ocupa a fazenda Macali, no município de Ronda Alta, ato considerado um dos marcos históricos do nascimento do MST. Em 1980, cerca de três mil pessoas acamparam na Encruzilhada Natalino5. No ano seguinte D. Pedro Casaldália rezou uma missa em solidariedade aos agricultores sem terra e o fato foi divulgado para todo o

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Brasil. Na mesma época, em Santa Catarina, no Mato Grosso do Sul e em São Paulo, os camponeses sem terra também se mobilizavam (MORISSAWA, 2001).

Da unificação de todas as lutas dos agricultores sem terra do Centro-Sul que recusaram a proletarização e a migração e reivindicavam terras em suas regiões de origem surgiu o MST. Cumpre observar que estes agricultores fundadores do MST correspondem a apenas uma parte dos expropriados e expulsos da terra, pois outra grande parte migrou para as cidades ou se deslocou em busca de novas terras em regiões de colonização em Rondônia, no Pará e no Mato Grosso (STÉDILE; FERNANDES, 1999). Muitos também foram para o Paraguai em busca de terras baratas e férteis, mas voltaram quando a modernização da agricultura de lá novamente os expulsou, sendo acolhidos pelo MST. (RODRIGUES, 2006)

Somando-se à violência da expulsão e da expropriação, o MST, tal como os movimentos que o antecederam, também enfrentou e enfrenta os assassinatos e a criminalização de seus integrantes. Em 1995 e 1996 os assassinatos de trabalhadores sem terra de Corumbiara - MT e de Eldorado dos Carajás - PA deixaram trinta mortos. Nos últimos dez anos, de 2001 a 2010, a CPT (2011a) registrou o assassinato de 360 pessoas relacionado a conflitos pela terra.

Rodrigues (2006), em sua dissertação de mestrado A violência institucional como método para lidar com a miséria social, relata a intensa violência que sofreu o MST no Paraná. Entre seus relatos está o do assassinato de “Teixeirinha”, em 1993, pela

polícia. Líder local do MST, Diniz Bento Teixeira da Silva foi preso e espancado, depois foi executado pela polícia com cinco tiros, durante o mandato do governador Roberto Requião. No entanto, foi durante os dois mandatos seguintes do governador Jaime Lerner que a violência no campo tornou-se sistemática, aproximando milícias armadas e o aparelho repressivo do Estado em ações violentas de despejo, com incêndios de barracos e agressões físicas aos camponeses. Vejamos um dos trechos dos relatos de violência apresentados na dissertação de Rodrigues (2006):

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Santos, de 54 anos, a amputar a perna esquerda em virtude de ferimentos à bala e espancamento.

O governo do Estado prometeu uma solução para aquelas famílias. Passados dois anos sem a prometida solução, 46 famílias reocuparam essa fazenda, em fevereiro de 1997. Em setembro do mesmo ano, cerca de 80 homens encapuzados e armados com fuzis, escopetas, metralhadoras e coletes à prova de bala, invadiram a fazenda, dizendo que estavam procurando as lideranças do MST. Queimaram todos os barracos, inclusive um carro que estava no local, espancaram as lideranças e atiraram aleatoriamente contra todo o acampamento. Posteriormente, os sem terra foram à delegacia para registrar a ocorrência. Entretanto, o delegado se recusou a registrá-la. Esta atitude revelava os primeiros indícios de uma posição política de intensificação do vínculo entre governo estadual e latifundiários, grande parte deles organizado na UDR. (p.105-106)

Estes fatos mostram que a violência no campo não é algo somente do passado, mas acompanha toda a nossa história e convive com o mito da não violência da sociedade brasileira. Diante desta contradição, Chauí (1998) questiona: como é possível que o mito da não violência ainda se sustente, mesmo com a grande divulgação da violência real pelos meios de comunicação? E esclarece:

Pois bem, é justamente na maneira de interpretar a violência que o mito encontra os mecanismos de conservação: graças a ele se pode admitir a existência empírica da violência e, de maneira simultânea, podem se fabricar explicações para negá-la no instante em que se produz. (p.36)6

Assim, “a violência aparece como um fato esporádico e superficial” (CHAUÍ,

1998, p.1). Fala-se em massacre em referência ao assassinato em massa de pessoas indefesas, não se distinguindo crime e ação policial. As vítimas da violência são postas no lugar de agentes da violência, invertendo-se o real.

Esta inversão do real, em que vítimas são postas no lugar de agentes de violência, é o que vem sendo feito pela mídia com o MST. Os sujeitos que compõem este movimento são postos na condição de criminosos e não são reconhecidos como vítimas de uma sociedade que exclui e expropria.

Das inúmeras reportagens sobre o MST divulgadas na mídia escolhi uma para ilustrar este ponto: a da revista Veja (10/05/2000). Nesta reportagem aparece a seguinte manchete: SEM TERRA E SEM LEI. Em seguida, a revista descreve uma ação do MST em que, com o objetivo de reivindicar mais recursos para reforma agrária, cerca de

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5.000 sem-terra ocuparam prédios públicos em catorze capitais. Entre as diversas fotos ilustrativas da reportagem há uma montagem da imagem de João Pedro Stédile, um dos líderes do movimento, sobre a imagem de James Bond segurando um revólver, e ao lado da montagem há a descrição de uma lista de crimes que, segundo a revista, o MST haveria cometido. O objetivo era destacar o caráter criminoso das ações do MST, como podemos ver no trecho abaixo:

Tal era o empenho do MST em enfatizar suas reivindicações que seus integrantes não hesitaram em violar o Código Penal em vários artigos. Invadiram repartições públicas, impedindo-as de funcionar, mantiveram funcionários do Estado em cárcere privado. Danificaram bens públicos e propriedades particulares. E tudo isso sem a menor sensação de que cometiam crimes. (p.45)

Sobre esta reportagem, Romão (2002) destaca que “o efeito de sentido

produzido naturaliza o Movimento como criminoso” (p.195), as ações positivas

realizadas pelo MST são desconsideradas e um único sentido é eleito: o de que o movimento é violador das leis e perigoso.

Ao revelar os crimes cometidos pelos militantes, o discurso silencia os crimes de que eles são vítimas. Colocando-os na posição de agentes criminosos, causas do mal, donos da agressão, apaga-se a violência que eles sofrem, encobre o sofrimento que lhes é imposto no cotidiano da miséria e da exclusão. (ROMÃO, 2002, p.196)

Assim, além de lidar com a violência da expropriação e com a exclusão, os camponeses sem terra que aderem ao MST ainda se deparam com a responsabilização pessoal por sua condição, ao serem chamados de criminosos e vagabundos. Suas manifestações e reivindicações são constantemente deslegitimadas pela mídia e eles são vistos como representantes de um passado arcaico7 do qual parte da sociedade brasileira quer se livrar.

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1.2- A influência da Igreja e construção dos objetivos do MST

Se, em certos casos (eu penso na Teologia da Libertação, na América do Sul), a religião pode levar os grupos sociais a se darem conta da situação de dominação na qual eles vivem, ela lhes permite tomar iniciativas, ter uma outra visão do mundo e conceber ações coletivas. Ela assume então o papel de desalienação, habitualmente reservado à Sociologia e à Filosofia. (ENRIQUEZ, 1994, p.82)

A expulsão do campo e a expropriação de inúmeros trabalhadores rurais vindas

com a “modernização” da agricultura brasileira foram o principal fator que contribuiu

para o surgimento do MST. Um segundo fator8 destacado por Stédile e Fernandes (1999) como fundamental para o surgimento do MST foi o trabalho realizado, principalmente, pelas igrejas Católica e Luterana, orientado pela Teologia da Libertação.

A Teologia da Libertação é um conjunto de escritos9 inspirados no marxismo que teve como base um vasto movimento social da Igreja que envolveu padres, bispos, ordens religiosas e movimentos laicos, a partir do início da década de 1960, na América Latina. Os teóricos da Teologia da Libertação tomaram do marxismo suas opções ético-políticas e a antecipação de uma utopia futura, mas também inovaram, a partir da sua

cultura religiosa e experiência social. Eles não usam, por exemplo, o termo “proletário”,

clássico do marxismo, usam em seu lugar o termo pobre. O cuidar dos pobres é uma tradição milenar da Igreja, mas na Teologia da Libertação os pobres devem ser senhores de sua própria emancipação, e não objeto de caridade. Assim como o marxismo, também criticam o capitalismo, mas de uma forma ainda mais radical: sua crítica é uma crítica moral10 (LÖWY, 2002).

Seguindo esta orientação, a partir da década de 1970 se multiplicaram no Brasil as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). As CEBs eram formadas por pequenos grupos de pessoas da periferia ou da zona rural, organizados por padres e leigos, em torno de uma paróquia (urbana) ou capela (rural). De acordo com Frei Beto (1981),

8 Um terceiro fator que também contribui para o surgimento do MST, apresentado por Stédile e Fernandes (1999), que não será discutido aqui, foi o processo de redemocratização pelo qual o país estava passando, no qual os movimentos sociais tiveram um papel fundamental

9 Os principais autores da Teologia da Libertação, no Brasil, de acordo com Löwy (2002) são: Rubem Alves, Hugo Assmann, Carlos Mesters, Leonardo e Claudio Boff.

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dois fatores correlatos marcam os membros das comunidades rurais e urbanas: a expropriação da terra e a exploração do trabalho. Migrantes e oprimidos, os membros das comunidades, se outrora buscavam na religião um sedativo para os sofrimentos, encontram agora um espaço de discernimento crítico frente à ideologia dominante e de organização popular capaz de resistir à opressão. (p.20)

Num momento em que a esquerda tinha sido desmobilizada pelo golpe de 64 e sofria com a repressão, as CEBs foram um espaço importante de escuta dos expropriados da terra e explorados do trabalho. Nela os camponeses encontraram um lugar para discutir seus problemas comuns e refletir sobre a ação que seria tomada para solucioná-los, tendo como base uma leitura político-religiosa da Bíblia. A leitura da Bíblia realizada nas CEBs consistia em relacionar o cotidiano dos camponeses aos textos bíblicos, enfatizando principalmente a relação entre a história de Moisés, dos hebreus e da terra prometida e as histórias pessoais daqueles indivíduos, o que os ajudou a reconhecer a comum situação de opressão e a se identificar como grupo (TARELHO,1988).

Além das CEBs, a Igreja passou a contar, a partir do ano de 1975, também com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) – criada com “(...) o objetivo de interligar ,

assessorar e dinamizar os que trabalhavam na pastoral popular junto aos camponeses”

(MOREIRA, 1994, p.21), sem intenção de substituir sindicatos, partidos políticos ou organizações camponesas. A CPT tornou-se importante espaço de denúncia e registro dos conflitos no campo: numa época em que as informações eram controladas, era ela que fornecia à imprensa dados sobre a violência no meio rural.

Para Stédile e Fernandes (1999), a prática da Teologia da Libertação (nos espaços das CEBs e na orientação da CPT) propiciou a mudança da perspectiva da espera da terra nos céus para a organização da luta pela terra e conscientização dos camponeses. Ao propor a terra como bem natural concedido a todos os homens, e não apenas a alguns, as CEBs e a CPT desempenharam um papel fundamental no questionamento da propriedade privada da terra e reivindicação do acesso a ela para aqueles que dela eram excluídos (TARELHO,1988).

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(Pastoral da Juventude ou CEBs), e alguns até mesmo deixaram a ordem religiosa para militar no movimento (LERRER, 2008).

Antes do nascimento do MST a CPT já estava presente em quase todas as lutas no campo e possuía uma organização nacional. Foi a CPT a principal articuladora da transformação das experiências localizadas de luta pela terra em um movimento nacional. No ano de 1982 a CPT realizou dois importantes encontros - um em Medianeira - PR e o outro em Goiânia – GO. Este último foi um encontro nacional. A partir desses encontros, as lideranças camponesas do Sul do País começaram a se reunir e a discutir a possibilidade da organização de um movimento mais amplo. Foi então proposta a realização do primeiro encontro nacional de sem-terras. (DOMINGUES, 2001)

O “I Encontro Nacional dos Sem Terra” foi realizado na cidade de Cascavel -

PR, em 1984. Nele foi fundado o MST e foram elaborados seus objetivos gerais:

1- Que a terra só esteja nas mãos de quem nela trabalha; 2- Lutar por uma sociedade sem exploradores e sem explorados; 3- Ser um movimento de massa autônomo dentro do movimento sindical para a conquista da reforma agrária; 4- Organizar os trabalhadores rurais na base; 5- Estimular a participação dos trabalhadores rurais no sindicato e no partido político; 6- Dedicar-se à formação de lideranças e construir uma direção política dos trabalhadores; 7- Articular-se com os trabalhadores da cidade e da América Latina. (MST, 2001, online)

Os objetivos elaborados neste encontro mostram que o MST, desde o início, insere sua bandeira de luta – a reforma agrária – num campo de reivindicações mais amplo, que é a luta por uma sociedade sem exploradores e sem explorados, envolvendo trabalhadores do campo e da cidade, para além das fronteiras do país. Embora ao longo do tempo tenham sido incorporadas novas bandeiras de luta (por exemplo, a agroecologia), a reforma agrária inserida no contexto da luta por uma sociedade igualitária permanecerá como centro de suas reivindicações.

Segundo Stédile e Fernandes (1999), este primeiro encontro foi fundamental, porque definiu como seria o MST: um movimento de massa, autônomo e independente

– não deveria ser do sindicato ou da Igreja. Aproximadamente 100 pessoas participaram deste encontro. No ano seguinte, o MST realizou-se o seu “I Congresso Nacional” em

Curitiba - PR, desta vez com aproximadamente 1.500 participantes e a com a palavra de

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As palavras de ordem empregadas pelo MST sintetizam o momento histórico que o movimento vivia e vive e sua relação com o contexto no qual ele está inserido. Oliveira (2007) as analisa e diz que este é um caminho para entender o MST. Vejamos o que ele diz:

Quando ocorreu a formação do MST, na década de 80, o lema era “Terra para quem nela trabalha”(1979/1983). Depois, quando começou a enfrentar resistência ao acesso à terra, o novo lema foi: “ Terra não se ganha, terra se conquista (1984). Quando o MST se fortaleceu e avançou, sobretudo no Governo Sarney, e quando percebeu que o Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária não estava sendo implementado, os lemas passaram a ser: “Sem Reforma Agrária não há democracia”(1985) e “Reforma Agrária já” (1985-6). Como a violência aumentou, violência que não atingiu apenas os trabalhadores, mas lideranças, advogados, políticos, religiosos, etc., o MST mudou suas palavras de ordem: “Ocupação é a única solução” (1986), “ Enquanto o latifúndio quer guerra, nós queremos terra” (1986-7) e por ocasião da Constituinte, “ Reforma Agrária: na lei ou na marra” (1988) e “ Ocupar, resistir e produzir” (1989), depois que os assentamentos começaram a ser conquistados. (OLIVEIRA, 2007, p.140)

“Ocupar, resistir e produzir” também foi a palavra de ordem empregada no II

Congresso Nacional do MST, realizado em 1990. Em 1995, a palavra de ordem do III

Congresso Nacional foi “Reforma agrária: uma luta de todos”. A qual reflete, segundo

Oliveira (2007), um momento político importante de tomada de consciência de que a reforma agrária só será possível com o envolvimento de toda sociedade. Nesse congresso também, o movimento reelaborou seus objetivos gerais, que passaram a ser:

1-Construir uma sociedade sem exploradores e onde o trabalho tem supremacia sobre o capital; 2- A terra é um bem de todos. E deve estar a serviço de toda sociedade; 3-Garantir trabalho a todos, com justa distribuição da terra, da renda e das riquezas; 4- Buscar permanentemente a justiça social e a igualdade de direitos econômicos, políticos, sociais e culturais; 5-Difundir os valores humanistas socialistas nas relações sociais; 6- Combater todas as formas de discriminação social e buscar a participação igualitária da mulher. (MST, 2001, online)

Com esta nova formulação, o MST reafirmou os objetivos e reivindicações anteriores e a luta pela construção de uma nova sociedade foi enfatizada, passando a ser

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trabalho tem supremacia sobre o capital”), enquanto anteriormente era a conquista da

terra (“Que a terra só esteja nas mãos de quem nela trabalha”).

Nos seus congressos nacionais realizados em 2000 e 2007 os objetivos definidos em 1995 foram reafirmados e ampliados. As palavras de ordem destes congressos

foram, respectivamente, “Reforma agrária: por um Brasil sem latifúndios” e “Reforma

agrária: por justiça social e soberania popular”. Ao final de seu último congresso

nacional, realizado em 2007, foi elaborada uma carta em que os envolvidos assumiram 18 compromissos de luta, entre os quais destaco a luta contra o neoliberalismo e contra a supremacia dos interesses do capital. Cito alguns trechos deste documento com os compromissos assumidos:

1- Articular com todos os setores sociais e sua formas de organização para construir um projeto popular que enfrente o neoliberalismo, o imperialismo e as causas estruturais dos problemas que afetam o povo brasileiro. (...) 3- Lutar contra as privatizações do patrimônio público (...). 4- Lutar para que todos os latifúndios sejam desapropriados e prioritariamente as propriedades do capital estrangeiro e dos bancos. (...) 6- Combater as empresas que querem controlar as sementes, a produção e o comércio agrícola brasileiro (...). (MST, 2009, online)

A carta termina convocando o povo brasileiro a se organizar e lutar por uma sociedade mais justa e igualitária, luta que acompanha o MST desde seus primórdios. O desejo da construção de uma sociedade igualitária e a adesão aos ideais de transformação social são o que move seus líderes e militantes e impulsiona suas lutas; no entanto, nem todos aqueles que aderem ao MST são movidos pelos mesmos ideais, pois existem aqueles que almejam apenas um pedaço de terra e a possibilidade de manter-se dignamente enquanto camponeses. Não obstante, de alguma maneira, a adesão ao MST transforma a vida de todos.

1.3- Educação e emancipação: a modernidade do MST

“A frente de batalha da educação é tão importante quanto a da ocupação de um latifúndio ou a de massas.

A nossa luta é para derrubar três cercas: a do latifúndio, a da ignorância e a do capital”.

(STÉDILE; FERNANDES, 1999, p.74)

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reivindicaram o direito ao acesso à escola para as crianças que iam para os acampamentos juntamente com suas famílias. Essas mães e professoras também foram as primeiras a realizar atividades educacionais com as crianças e a explicar a elas o que estavam fazendo ali e qual o sentido da luta pela terra. (CALDART, 2004)

Como reivindicar o acesso à escola, geralmente, não resolvia o problema, o MST logo passou à ação e começou a criar suas próprias escolas e em seguida lutar pela legalização delas (CALDART, 2004). A mesma metodologia que o MST emprega para reivindicar a terra passou a ser usada também em relação à educação: agir aqui e agora. Por isto, Caldart afirma que o MST ocupou também a escola não somente no sentido figurado, mas muitas vezes no sentido literal - por exemplo, quando seus integrantes acampam em frente a uma secretaria de educação para fazer alguma reivindicação.

A demanda das famílias pelo acesso à escola o MST assumiu para si como uma tarefa, e não sem reivindicar dos poderes públicos este direito, criou, em 1987, um setor específico para lidar com esta questão, o Setor de Educação, e realizou o I Encontro Nacional de Professoras de Assentamento. A escola foi incorporada em sua dinâmica e qualquer acampamento ou assentamento do MST deveria ter uma escola, que não

poderia ser uma escola qualquer. A escola para o MST “(...) deve ser vista não apenas

como um lugar de aprender a ler, a escrever e a contar, mas também de formação dos sem-terra como trabalhadores, como militantes, como cidadãos, como sujeitos”.

(CALDART, 2004, p.272)

Mesmo quando conquistada uma escola pública dentro de um assentamento, os problemas não terminavam, pois muitas vezes a professora enviada à escola pelo município não estava de acordo com a visão de escola do MST, nem com o movimento como um todo. O MST, por sua vez, reivindicava que os professores fossem do movimento, mas muitas vezes não tinham pessoas com a formação e titulação necessárias para realizar tal tarefa. Diante deste impasse, inicia-se no movimento uma discussão sobre a necessidade de formar os próprios professores e também de sistematizar sua proposta pedagógica para ser entendida por todos. (CALDART, 2004)

Em resposta à necessidade de formar seus professores, o MST, em parceria com a Fundação de Desenvolvimento, Educação e Pesquisa da Religião Celeiro (FUNDEP)11, iniciou uma primeira turma de Magistério no Rio Grande do Sul, em 1990, no município de Braga. No ano seguinte lançou um primeiro texto sobre sua

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proposta pedagógica, o Caderno de Formação n.º 18: “O que queremos com as escolas

dos assentamentos”, para servir de orientação àqueles que viriam trabalhar em suas

escolas. (CALDART, 2004)

Por outro lado, não eram somente as crianças em idade escolar que necessitavam de escolas e dos professores de formação. Muitos jovens e adultos eram analfabetos ou precisavam de condições que tornassem possíveis sua escolarização e formação para lidar com novos problemas que surgiam, relacionados à produção, gerenciamento de cooperativas, etc. As crianças menores (0 a 6 anos) precisavam de educação infantil. Os líderes e militantes necessitavam de uma formação adequada para exercerem suas funções. O MST buscou desenvolver iniciativas que atendessem a todas estas demandas.

Em 1995-96 o MST deu início ao Movimento Nacional de Educação de Jovens e Adultos. Antes disso, já existiam iniciativas de alfabetização de jovens e adultos nos estados. No caso da educação infantil, também desde o início do movimento existiam

iniciativas como o “rodízio de mães” e “creches improvisadas”; mas foi mais ou menos

na mesma época que começou o Movimento Nacional de Educação de Jovens e Adultos, que teve início com as cirandas infantis. Inspiradas nos círculos infantis existentes em Cuba, as cirandas são espaços educativos em que os pais podem deixar os filhos quando trabalham ou estudam. Elas podem ser permanentes (por exemplo: em um assentamento ou cooperativa) ou provisórias12 (por exemplo, em curso ou encontro de curta duração). (CALDART, 2004)

Segundo Lerrer (2008), a preocupação em formar seus líderes e militantes acompanha o MST desde seu início. Já em 1986, o Jornal Sem Terra anunciou a realização de diversos cursos, tais como: I Curso de Capacitação da Coordenação Nacional do MST e o Curso de Jovens Monitores do Movimento Sem Terra. Em 1993, segundo Caldart (2004), tiveram início também propostas de escolarização, combinadas com a formação de militantes, como o curso de Técnico de Administração de Cooperativas (curso de nível médio), através da FUNDEP, no Rio Grande do Sul.

Em 1998 o Governo Federal criou o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) para atender a reivindicação do MST e de outros

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movimentos sociais do campo pelo acesso a uma educação de qualidade em todos os níveis. Atualmente o MST, com recursos do PRONERA, investe em educação infantil, alfabetização de jovens e adultos, cursos técnicos e profissionalizantes, cursos de graduação e pós-graduação, realizados em parceria com diversas instituições de ensino. Segundo o Jornal Sem Terra (2009), o PRONERA:

De 1998 a 2002, foi responsável pela formação de 122.915 assentados. De 2003 a 2008, cerca de 400 mil jovens e adultos assentados já foram escolarizados através do programa, e atualmente 17.478 mil estão em processo de educação formal, pública e de qualidade, em 76 cursos pelo Brasil. (online)

Cerca de 300 mil pessoas estão atualmente estudando no MST, da educação infantil à universidade. São aproximadamente duas mil escolas públicas em assentamentos e acampamentos, nas quais trabalham dez mil professores, além de 250 cirandas infantis e 45 escolas itinerantes13. Mais de 50 mil pessoas já aprenderam a ler e escrever no MST. (JORNAL SEM TERRA, 2009)

O investimento que o MST vem fazendo na educação e na formação do ser humano e as consequências disso na emancipação de milhares de pessoas são a principal característica de sua modernidade14. Em discurso de comemoração dos 25 anos do MST, Stédile (2008) diz que ao longo de sua existência o MST “conquistou 14

milhões de hectares de terra do latifúndio (área maior que o Uruguai), porém sua maior conquista foi que o pobre deixou de andar com a cabeça baixa”. A emancipação das

pessoas é o mais importante e isso se faz, para o MST, não somente com acesso à terra e com as condições par tirar dela o sustento, mas também com educação.

Outros autores, como José de Souza Martins, Ariovaldo Umbelino de Oliveira e Débora Franco Lerrer, também defendem a ideia de que o MST representa o moderno no campo brasileiro, ideia que se contrapõe ao que aparece na mídia e ao que certa vez foi dito pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso: que o MST representa o arcaico em oposição ao moderno.

Para Martins (2008), a modernidade do MST está na “ressocialização modernizadora” que ele produz. Nos acampamentos, o convívio e a luta coletiva

13 Escolas que acompanham os acampamentos.

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promovem uma ressocialização que alarga os horizontes. Nos assentamentos, este alargamento dos horizontes leva à reinvenção de antigas formais de sociabilidade, próprias do camponês, as quais são revigoradas e enriquecidas. A modernidade do MST

também está na “reinvenção da sociedade”, na criatividade, na modernização

tecnológica e econômica que leva aos camponeses sem terra e na sua reação “(...) aos efeitos perversos do desenvolvimento excludente da modernidade”. (p.38) Para Martins,

o MST cumpre na sociedade brasileira o mesmo papel modernizador que as condutas corporativas e a tradição tiveram na Inglaterra no século XVIII, na conquista de direitos sociais e na tentativa de impor limites à prevalência do lucro em detrimento da pessoa humana.

Já para Oliveira (2007), é o agronegócio (monocultura de exportação) que representa o passado, e não o MST. Dizer que o agronegócio não representa a modernidade pode parecer absurdo se não consideramos, como diz Martins (2008), que

a modernidade só pode ser reconhecida enquanto tal se acompanhada da “consciência

crítica do moderno” 15. Neste sentido, são as ações políticas do MST que representam a

modernidade num sentido pleno, e não o agronegócio:

Ao contrário desse grupo, hoje associado ao termo “agronegócio”, o MST propõe uma modernidade emancipadora, calcada no investimento na instrução formal, na formação política e advoga um modelo agrícola desconcentrador de riqueza e ambientalmente responsável. (LERRER, 2008, p.12)

Lerrer (2008), por sua vez, considera que a formação e a educação constituem “o

aspecto emancipatório mais sólido” do MST. A luta do movimento poderia se restringir

ao acesso à terra, mas não o faz ao reivindicar o acesso de todos às conquistas da modernidade e ao lutar por uma sociedade igualitária.

CAPÍTULO 2 : O CAMPO E A METODOLOGIA DA PESQUISA

O presente capítulo tem como objetivo apresentar o campo e a metodologia da pesquisa. O campo é o local onde se realizou o encontro entre a pesquisadora e os participantes da pesquisa: uma escola de agroecologia16 do MST localizada no Estado

15 Para Martins (2008), no Brasil a “consciência crítica do moderno” se expressa muito mais no deboche, na resistência ao novo do que em ações políticas organizadas.

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do Paraná. Descreve-se brevemente como funcionam estas escolas e quais são os princípios e os fundamentos da sua proposta pedagógica. O campo também é o encontro, o contato inicial, a relação transferencial em que os dados foram construídos. A metodologia foi a pesquisa-intervenção psicanalítica, que, além do levantamento e discussão dos dilemas do militante, também teve como objetivo proporcionar aos participantes um espaço de palavra e reflexão.

2.1- As escolas de agroecologia do MST no Paraná: formando o técnico militante

Inicialmente o MST lutava para que todos os agricultores tivessem acesso a toda a tecnologia disponível para a produção agrícola, como, por exemplo, maquinário e agrotóxicos; com o passar do tempo foi percebendo que esta não era a melhor forma de produzir nos assentamentos. Foi somente no seu IV Congresso Nacional, em 2000, que o movimento fez a opção pela agroecologia17. Como os técnicos já formados não eram, em sua maioria, capacitados para trabalhar com esta proposta, o MST e a Via Campesina assumiram para si o desafio de formar novos técnicos (TARDIN18, 2007).

No Paraná, o MST e a Via Campesina, em parceria com a UFPR, criaram quatro escolas técnicas de agroecologia. O primeiro centro de formação/escola criado no Paraná foi o Centro de Desenvolvimento Sustentável Agropecuário de Educação e Capacitação em Agroecologia e Meio Ambiente (CEAGRO), que começou a funcionar em 1993 na região central do Estado, inicialmente em barracos de lona. Em 2000, na região do Oeste do Paraná, o Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA) iniciou suas atividades transformando a antiga sede de uma fazenda desapropriada em um centro de formação e na Escola Agrotécnica José Gomes da Silva. Em 2002, no Norte do Paraná, tiveram início as atividades da Escola Milton Santos. Em 2005 começou a funcionar, na Região Metropolitana de Curitiba, a Escola Latino-Americana de Agroecologia (ELAA). O CEAGRO, a Escola Agrotécnica José Gomes da Silva e a Escola Milton Santos, a partir do convênio estabelecido com a UFPR, em 2002, passaram a oferecer o curso Técnico em Agropecuária com Ênfase em

17 Borges (2007) analisa esta questão em sua dissertação de mestrado

A transição do MST para a agroecologia.

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Agroecologia, em nível pós-médio e médio19, e a ELAA, o curso de graduação Tecnologia em Agroecologia, em 2005. (MST, s/d)

As escolas de agroecologia do MST visam à formação do técnico militante, combinando a escolarização com a formação política. O técnico militante é aquele que, além do domínio da técnica necessária para o exercício de sua função (no caso, a produção agroecológica), tem clareza de que o domínio da técnica não é suficiente para resolver os problemas e dificuldades com os quais ele irá se deparar em sua prática

profissional e que para tanto é necessário o “comprometimento com as lutas sociais e

vínculo organizativo com os movimentos” . (MST, s/d)

Para formar este técnico em agroecologia o MST utiliza como metodologia o sistema de alternância. A pedagogia da alternância foi uma proposta pedagógica que surgiu na França, em 1935, com a Maison Familiale Rurale. Seu objetivo é integrar escola, trabalho e família e permitir que a família possa contar com o trabalho do estudante em determinados períodos, já que há alternância de períodos na escola e na família. Esta proposta rapidamente se expandiu para outros países, chegando ao Brasil em 1968. Atualmente, existem cerca de 200 escolas Famílias Agrícolas no Brasil. Nelas os estudantes têm a educação formal aliada à formação específica para o trabalho no campo. (UNEFAB, 2009)

As escolas de agroecologia do MST não estão vinculadas às Escolas Famílias Agrícolas e adotam o sistema de alternância à sua maneira. Segundo Guhur (2010), os estudantes passam, em média, cerca de 45 a 70 dias na escola (tempo-escola) e 60 a 90 dias na comunidade (tempo-comunidade); a duração dos períodos varia de acordo com o andamento da turma, os períodos de safra, o calendário de lutas sociais e mesmo os atrasos no recebimento de recursos do Pronera.

No sistema de alternância das escolas de agroecologia do MST, o tempo escolar é organizado em tempos educativos: tempo-formatura (tempo diário destinado à motivação das atividades do dia, da mística20, do cultivo da identidade, conferência das presenças e informes), tempo-aula, tempo-trabalho, tempo-oficina, tempo-cultura, tempo-reflexão escrita (tempo pessoal para registro das reflexões do dia em caderno

19 O curso

pós-médio é destinado aos alunos que já concluíram o ensino médio e tem duração aproximada de dois anos. O curso de nível médio, também chamado de integrado, oferece simultaneamente a formação de ensino médio e a formação técnica, com duração aproximada de três anos e meio.

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próprio), tempo-esporte e lazer, tempo-núcleo de base21, tempo-estudo, tempo-leitura e tempo-seminário. Estes tempos podem mudar ou ser extintos e não são os mesmos todos os dias22. (GUHUR, 2010)

No tempo-comunidade, de acordo com relatos dos próprios estudantes, eles se integram aos acampamentos e assentamentos de origem e trabalham junto às suas famílias e comunidades; alguns deles fazem estágio em cooperativas do MST ou

trabalham “por dia” para conseguir o dinheiro necessário para ir para a escola. Todos

levam tarefas da escola para realizar no tempo-comunidade, tais como leituras,

pesquisas de campo, registros, experimentações e o “Diálogo de Saberes”.

Segundo Guhur (2010), os cursos técnicos de agroecologia do MST no Paraná, assim como os demais cursos formais do MST, visam construir uma “escola diferente”;

têm como modelo a experiência acumulada pela primeira escola formal do MST, a Escola Josué de Castro, do ITERRA23 (Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária) e seguem os seguintes princípios filosóficos e pedagógicos:

Princípios filosóficos: 1) educação para a transformação social; 2) educação para o trabalho e a cooperação; 3) educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; 4) educação com/para valores humanistas e socialistas; e 5) educação como um processo permanente de formação/transformação humana. Princípios pedagógicos: 1) relação entre prática e teoria; 2) combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação; 3) a realidade como base da produção do conhecimento; 4) conteúdos formativos socialmente úteis; 5) educação para o trabalho e pelo trabalho; 6) vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; 7) vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos; 8) vínculo orgânico entre educação e cultura; 9) gestão democrática; 10) auto-organização dos/das educandos; 11) criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/das educadoras; 12) atitude e habilidades de pesquisa; e 13) combinação entre processos

21 Os núcleos de base (NBs) são pequenos grupos nos quais os estudantes se organizam para realizar as tarefas diárias. Além das atividades relacionadas ao estudo, os estudantes também são responsáveis pela manutenção e funcionamento da escola, tais como: fazer a limpeza e cozinhar.

22 Guhur (2010) dá um exemplo de organização cronológica dos tempos educativos: “7:15 – 8:00 h Tempo Leitura Quatro vezes por semana

Tempo Notícias Duas vezes por semana 8:00 – 8:20 h Tempo Formatura Diariamente 8:20 – 12:00 h Tempo Aula De segunda a sábado Tempo Trabalho 14:00 – 17:00 h Duas vezes por semana Tempo Aula Três vezes por semana

17:00 – 18:00 h Tempo Educação Física Duas vezes por semana 20: 00 – 21:40 h Tempo Oficina Três vezes por semana

Tempo Núcleo de Base Uma vez por semana

(35)

pedagógicos coletivos e individuais (MST, 1997, citado por GUHUR, 2010, p.89).

Estes princípios são contemplados na grade curricular do curso de técnico em agroecologia, que oferece, além das disciplinas técnicas, também disciplinas que visam à formação humana e política; porém, mais do que na grade curricular, estes princípios são contemplados na metodologia da alternância, na valorização do trabalho e na

organização e diversificação das atividades desenvolvidas, entre elas o “Diálogo de Saberes”.

O “Diálogo de Saberes” é base para a elaboração do trabalho de conclusão de

curso que os alunos dos cursos médio e pós-médio de agroecologia têm que apresentar e

obter a aprovação de uma banca no final do curso. O “Diálogo de Saberes” implica que

os estudantes acompanhem algumas famílias assentadas que se disponham a participar do trabalho ao longo de todo o curso, com o objetivo, segundo Tardin (2007), de conhecer a história de vida, captar a visão de mundo, os valores, os sonhos e as frustrações, e auxiliar as famílias na reconstrução de sua prática agrícola.

Os fundamentos teóricos do “Diálogo de Saberes” são: a pedagogia freireana, a

agroecologia e o materialismo histórico-dialético. O método busca a interlocução entre conhecimentos populares e científicos e tem como base experiências de educação popular desenvolvidas na América Latina, principalmente o método Campesino a Campesino24. Sua utilização exige conhecimento da pedagogia freireana, agroecologia, história da agricultura e do mundo camponês (TARDIN, 2006, citado por GUHUR, 2010).

Para realizar o trabalho seguindo a proposta do “Diálogo de Saberes”, os

estudantes seguem alguns passos. Primeiro, eles devem partir da história de vida daqueles junto aos quais realizam sua intervenção. A pergunta inicial proposta ao

interlocutor é: “Do que você se lembra desde que se conhece por gente?”. A partir desta

virão outras, e a ideia é que o estudante possa estabelecer relações entre a história do seu interlocutor e da agricultura, da luta pela terra, etc. O segundo passo é “o reconhecimento conjunto do ambiente/espaço”, através do levantamento de dados como

infraestrutura, paisagem, biodiversidade, produção, organização e trabalho; o terceiro é

24 “Esse método se funda na experiência da

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