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PARTE I: APRESENTAÇÃO DO MST E DA METODOLOGIA DA PESQUISA

CAPÍTULO 2 : O CAMPO E A METODOLOGIA DA PESQUISA

2.1. As escolas de agroecologia do MST no Paraná

princípios e os fundamentos da sua proposta pedagógica. O campo também é o encontro, o contato inicial, a relação transferencial em que os dados foram construídos. A metodologia foi a pesquisa-intervenção psicanalítica, que, além do levantamento e discussão dos dilemas do militante, também teve como objetivo proporcionar aos participantes um espaço de palavra e reflexão.

2.1- As escolas de agroecologia do MST no Paraná: formando o técnico militante

Inicialmente o MST lutava para que todos os agricultores tivessem acesso a toda a tecnologia disponível para a produção agrícola, como, por exemplo, maquinário e agrotóxicos; com o passar do tempo foi percebendo que esta não era a melhor forma de produzir nos assentamentos. Foi somente no seu IV Congresso Nacional, em 2000, que o movimento fez a opção pela agroecologia17. Como os técnicos já formados não eram, em sua maioria, capacitados para trabalhar com esta proposta, o MST e a Via Campesina assumiram para si o desafio de formar novos técnicos (TARDIN18, 2007).

No Paraná, o MST e a Via Campesina, em parceria com a UFPR, criaram quatro escolas técnicas de agroecologia. O primeiro centro de formação/escola criado no Paraná foi o Centro de Desenvolvimento Sustentável Agropecuário de Educação e Capacitação em Agroecologia e Meio Ambiente (CEAGRO), que começou a funcionar em 1993 na região central do Estado, inicialmente em barracos de lona. Em 2000, na região do Oeste do Paraná, o Instituto Técnico de Educação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA) iniciou suas atividades transformando a antiga sede de uma fazenda desapropriada em um centro de formação e na Escola Agrotécnica José Gomes da Silva. Em 2002, no Norte do Paraná, tiveram início as atividades da Escola Milton Santos. Em 2005 começou a funcionar, na Região Metropolitana de Curitiba, a Escola Latino- Americana de Agroecologia (ELAA). O CEAGRO, a Escola Agrotécnica José Gomes da Silva e a Escola Milton Santos, a partir do convênio estabelecido com a UFPR, em 2002, passaram a oferecer o curso Técnico em Agropecuária com Ênfase em

17 Borges (2007) analisa esta questão em sua dissertação de mestrado A transição do MST para a

agroecologia.

18 Anotações pessoais da Reunião do projeto de ensino: “Políticas públicas e gestão: a educação do e no

Agroecologia, em nível pós-médio e médio19, e a ELAA, o curso de graduação

Tecnologia em Agroecologia, em 2005. (MST, s/d)

As escolas de agroecologia do MST visam à formação do técnico militante, combinando a escolarização com a formação política. O técnico militante é aquele que, além do domínio da técnica necessária para o exercício de sua função (no caso, a produção agroecológica), tem clareza de que o domínio da técnica não é suficiente para resolver os problemas e dificuldades com os quais ele irá se deparar em sua prática profissional e que para tanto é necessário o “comprometimento com as lutas sociais e vínculo organizativo com os movimentos” . (MST, s/d)

Para formar este técnico em agroecologia o MST utiliza como metodologia o sistema de alternância. A pedagogia da alternância foi uma proposta pedagógica que surgiu na França, em 1935, com a Maison Familiale Rurale. Seu objetivo é integrar escola, trabalho e família e permitir que a família possa contar com o trabalho do estudante em determinados períodos, já que há alternância de períodos na escola e na família. Esta proposta rapidamente se expandiu para outros países, chegando ao Brasil em 1968. Atualmente, existem cerca de 200 escolas Famílias Agrícolas no Brasil. Nelas os estudantes têm a educação formal aliada à formação específica para o trabalho no campo. (UNEFAB, 2009)

As escolas de agroecologia do MST não estão vinculadas às Escolas Famílias Agrícolas e adotam o sistema de alternância à sua maneira. Segundo Guhur (2010), os estudantes passam, em média, cerca de 45 a 70 dias na escola (tempo-escola) e 60 a 90 dias na comunidade (tempo-comunidade); a duração dos períodos varia de acordo com o andamento da turma, os períodos de safra, o calendário de lutas sociais e mesmo os atrasos no recebimento de recursos do Pronera.

No sistema de alternância das escolas de agroecologia do MST, o tempo escolar é organizado em tempos educativos: tempo-formatura (tempo diário destinado à motivação das atividades do dia, da mística20, do cultivo da identidade, conferência das presenças e informes), tempo-aula, tempo-trabalho, tempo-oficina, tempo-cultura, tempo-reflexão escrita (tempo pessoal para registro das reflexões do dia em caderno

19 O curso pós-médio é destinado aos alunos que já concluíram o ensino médio e tem duração

aproximada de dois anos. O curso de nível médio, também chamado de integrado, oferece simultaneamente a formação de ensino médio e a formação técnica, com duração aproximada de três anos e meio.

20 A mística é um ritual inspirado na liturgia que o MST utiliza para celebrar seus ideais e manter a

próprio), tempo-esporte e lazer, tempo-núcleo de base21, tempo-estudo, tempo-leitura e

tempo-seminário. Estes tempos podem mudar ou ser extintos e não são os mesmos todos os dias22. (GUHUR, 2010)

No tempo-comunidade, de acordo com relatos dos próprios estudantes, eles se integram aos acampamentos e assentamentos de origem e trabalham junto às suas famílias e comunidades; alguns deles fazem estágio em cooperativas do MST ou trabalham “por dia” para conseguir o dinheiro necessário para ir para a escola. Todos levam tarefas da escola para realizar no tempo-comunidade, tais como leituras, pesquisas de campo, registros, experimentações e o “Diálogo de Saberes”.

Segundo Guhur (2010), os cursos técnicos de agroecologia do MST no Paraná, assim como os demais cursos formais do MST, visam construir uma “escola diferente”; têm como modelo a experiência acumulada pela primeira escola formal do MST, a Escola Josué de Castro, do ITERRA23 (Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária) e seguem os seguintes princípios filosóficos e pedagógicos:

Princípios filosóficos: 1) educação para a transformação social; 2) educação para o trabalho e a cooperação; 3) educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; 4) educação com/para valores humanistas e socialistas; e 5) educação como um processo permanente de formação/transformação humana. Princípios pedagógicos: 1) relação entre prática e teoria; 2) combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação; 3) a realidade como base da produção do conhecimento; 4) conteúdos formativos socialmente úteis; 5) educação para o trabalho e pelo trabalho; 6) vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; 7) vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos; 8) vínculo orgânico entre educação e cultura; 9) gestão democrática; 10) auto- organização dos/das educandos; 11) criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/das educadoras; 12) atitude e habilidades de pesquisa; e 13) combinação entre processos

21 Os núcleos de base (NBs) são pequenos grupos nos quais os estudantes se organizam para realizar as

tarefas diárias. Além das atividades relacionadas ao estudo, os estudantes também são responsáveis pela manutenção e funcionamento da escola, tais como: fazer a limpeza e cozinhar.

22 Guhur (2010) dá um exemplo de organização cronológica dos tempos educativos:

“7:15 – 8:00 h Tempo Leitura Quatro vezes por semana Tempo Notícias Duas vezes por semana

8:00 – 8:20 h Tempo Formatura Diariamente 8:20 – 12:00 h Tempo Aula De segunda a sábado Tempo Trabalho 14:00 – 17:00 h Duas vezes por semana Tempo Aula Três vezes por semana

17:00 – 18:00 h Tempo Educação Física Duas vezes por semana 20: 00 – 21:40 h Tempo Oficina Três vezes por semana

Tempo Núcleo de Base Uma vez por semana

21:40 – 22:00 h Tempo Reflexão Escrita De segunda a sábado”(p.158-159)

pedagógicos coletivos e individuais (MST, 1997, citado por GUHUR, 2010, p.89).

Estes princípios são contemplados na grade curricular do curso de técnico em agroecologia, que oferece, além das disciplinas técnicas, também disciplinas que visam à formação humana e política; porém, mais do que na grade curricular, estes princípios são contemplados na metodologia da alternância, na valorização do trabalho e na organização e diversificação das atividades desenvolvidas, entre elas o “Diálogo de Saberes”.

O “Diálogo de Saberes” é base para a elaboração do trabalho de conclusão de curso que os alunos dos cursos médio e pós-médio de agroecologia têm que apresentar e obter a aprovação de uma banca no final do curso. O “Diálogo de Saberes” implica que os estudantes acompanhem algumas famílias assentadas que se disponham a participar do trabalho ao longo de todo o curso, com o objetivo, segundo Tardin (2007), de conhecer a história de vida, captar a visão de mundo, os valores, os sonhos e as frustrações, e auxiliar as famílias na reconstrução de sua prática agrícola.

Os fundamentos teóricos do “Diálogo de Saberes” são: a pedagogia freireana, a agroecologia e o materialismo histórico-dialético. O método busca a interlocução entre conhecimentos populares e científicos e tem como base experiências de educação popular desenvolvidas na América Latina, principalmente o método Campesino a

Campesino24. Sua utilização exige conhecimento da pedagogia freireana, agroecologia,

história da agricultura e do mundo camponês (TARDIN, 2006, citado por GUHUR, 2010).

Para realizar o trabalho seguindo a proposta do “Diálogo de Saberes”, os estudantes seguem alguns passos. Primeiro, eles devem partir da história de vida daqueles junto aos quais realizam sua intervenção. A pergunta inicial proposta ao interlocutor é: “Do que você se lembra desde que se conhece por gente?”. A partir desta virão outras, e a ideia é que o estudante possa estabelecer relações entre a história do seu interlocutor e da agricultura, da luta pela terra, etc. O segundo passo é “o reconhecimento conjunto do ambiente/espaço”, através do levantamento de dados como infraestrutura, paisagem, biodiversidade, produção, organização e trabalho; o terceiro é

24 “Esse método se funda na experiência da Unión Nacional de Agricultores y Ganaderos-UNAG, da

Nicarágua, criada em 1981, aglutinando camponeses e produtores de médio porte que colaboravam com as guerrilhas sandinistas”. (TARDIN, 2006, citado por GUHUR, 2010, p.177)

a sistematização e análise dos dados; e o quarto passo é a intervenção a partir da “síntese cultural” (TARDIN, 2006, citado por GUHUR, 2010).

A “síntese cultural” é um conceito de Paulo Freire que se opõe à noção de “invasão cultural”. Para Freire (1979), o técnico que faz sua intervenção desconsiderando o saber do camponês e tentando persuadi-lo a usar novas técnicas, impondo seus valores e sua visão de mundo, age como um invasor cultural. Em oposição a este tipo de atuação, Freire propõe que o técnico seja também um educador que problematize com os camponeses sua realidade, ajudando-os a entendê-la criticamente e a atuar sobre ela. O saber do camponês não é desconsiderado, ele é também sujeito e a intervenção será construída a partir do saber de ambos – o camponês e o técnico. Para tanto, é fundamental o diálogo, que deve ter como objeto a vida diária do camponês, e não as técnicas.