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Networking (Redes de Colaboração) e

Comu-nidades de Prática*

Chris Collinson Geoff Parcell

O dia era três de fevereiro. Em algum lugar na sala de controle de uma refinaria na Austrália, John – um dos inspetores da instalação – estava planejando a escala de inspeções para a semana seguinte. Ele enviou um e-mail pedindo uma orien-tação à sua rede de colaboração (network) sobre a inspeção das lâminas das ventoinhas e dos eixos das unidades de res-friamento. Às 11 horas da manhã seguinte, Steve, um inspetor da Refinaria de Salt Lake City, havia respondido ao pedido enviando um relatório sobre as repetidas falhas dos eixos constatadas em 1985, 1989 e, mais uma vez, em 1997. A con-clusão do relatório chamava a atenção aos parafusos usados para prender as lâminas ao eixo, que normalmente não eram adequadamente colocados. Após discussões com o fabricante, o manual de procedimentos foi aperfeiçoado e passou a reco-mendar a instalação de uma guarda de proteção e a realização de manutenção preventiva em intervalos de 6 a 12 meses. No dia 7 de fevereiro, um membro da rede de colaboração repassou essa recomendação para uma rede mais abrangente relativa às áreas de exploração e produção do ramo. Um mem-bro desta outra rede, por sua vez, passou a recomendação para mais cem pessoas que, na sua opinião, teriam interesse na informação. Uma dessas pessoas repassou a orientação à sua equipe local de vinte engenheiros, e daí em diante. John, o inspetor australiano, deu a devida atenção às recomen-dações, e ele não foi o único. No dia 30 de março, a refinaria de gás de Hemphill, no Texas, como conseqüência do alerta, havia inspecionado dezesseis ventoinhas de sua instalação, apesar de elas terem sido produzidas por outro fabricante. Os inspetores encontraram diversas porcas que não haviam sido colocadas de acordo com as especificações, e quatro lâminas tão gastas que não havia como consertá-las. Eles divulgaram as fotografias dos danos através de e-mail. Como resultado da inspeção, reexaminaram seus procedimentos de manutenção. A equipe de Hemphill recebeu nada menos do que três comu-nicados da direção parabenizando-a por ter posto em prática as informações que haviam obtido.

No dia 4 de abril, Steve – o inspetor de Salt Lake City que enviou o relatório inicial – recebeu toda a seqüência de men-sagens posteriores e pôde ver os benefícios maiores das suas recomendações, incentivando assim a boa ação.

Por que as pessoas encontram tempo para ajudar outras

A reestruturação e a simplificação de organizações como a British Petroleum (BP) criaram empresas mais horizontais, mais

orientadas aos negócios. Realiza-se mais com menos pesso-al. Os especialistas ocupam posições centrais em equipes ou companhias individuais e se dedicam a alcançar os objetivos da equipe ou da companhia. Nenhuma equipe dispõe do luxo de ter um especialista para cada coisa que precisa conhecer. Então, como podemos ter acesso a informações de outros de-partamentos da organização? Nós estudamos anteriormente como identificar os indivíduos que possuem as informações necessárias. Mas como podemos obter sua cooperação, e por que eles deveriam cooperar?

Na história contada no começo do capítulo, o requerimento e a solução foram divulgados de forma rápida, eficaz, e não ficaram restritos a um círculo específico ou a um especialista em parti-cular, e sim percorreram uma série de redes de colaboração in-terconectadas preexistentes. Imagine conhecer 50 pessoas que podem ajudar no seu trabalho. Se cada uma delas conhecer outras 50 pessoas (e se apenas metade dessas 50 pertencer aos dois grupos), você logo terá acesso a um enorme número de pessoas e uma imensa quantidade de conhecimento. Dentro da BP existem mais de 250 redes de colaboração. Nin-guém sabe exatamente quantas são, pois o número muda cons-tantemente. Algumas são formais e têm objetivos definidos, ou-tras são bem informais e ajudam na capacitação dos indivíduos. Freqüentemente, o conhecimento de que precisamos para re-alizar nosso trabalho já existe em algum lugar da organização mas não está distribuído de modo uniforme. Às vezes, não temos ciência daquilo que não sabemos.

A BP conquistou um grande valor ao compartilhar daquilo que sabia e ao importar práticas externas benéficas. Esse valor foi agregado com a aplicação de procedimentos prioritários em um pequeno número de empresas.

Nós constatamos que se obtém muito mais valor com a iden-tificação de uma prática benéfica e sua rápida aplicação em um grande número de equipes e empresas para fazer cada uma delas atender a um alto padrão de desempenho. Imagine então se alguém descobre uma maneira de aumentar a pro-dutividade de um determinado processo e, assim, economizar dez mil reais. Se esse procedimento for aplicado 50 vezes, a empresa vai poupar 500 mil reais. Não somos nós que impo-mos a mudança. Em vez disso, é a rede de colaboradores que constata o motivo de se fazer uma mudança que vai aprimo-rar seu próprio desempenho. Seria burrice não adotar o novo procedimento. A empresa ficaria em desvantagem em relação à concorrência.

Enquanto todos deveriam estar tentando inovar e criar novos e mais elevados padrões de desempenho, os ganhos mais ime-diatos vêm mais provavelmente da decisão de compartilhar o conhecimento que já temos e que está armazenado em algum lugar da nossa organização.

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“Nenhuma estrutura corporativa tradicional, independentemen-te de quanto independentemen-tenha sido simplificada e reduzida, pode dispor de bastante velocidade, flexibilidade e concentração para atender às demandas de hoje em dia. As redes de colaboração são mais velozes, mais inteligentes e mais flexíveis...” – Charan, 1991. Levamos muito tempo para compreender como fazer isso.

Definindo redes e comunidades

Nós gostaríamos agora de apresentar algumas definições e fazer algumas distinções. É comum nós mesmos ficarmos con-fusos quando usamos as mesmas palavras para nos referir a coisas diferentes.

Reserve alguns minutos para pensar sobre uma ocasião em que você tenha participado de uma rede colaborativa den-tro ou fora da organização em que trabalha. Quais foram as causas de seu êxito? Qual foi a sensação de se sentir um membro da rede? Como você interagia com os outros membros?

Para começar, não vamos tratar aqui dos cabos que interco-nectam os nossos computadores! Quando falamos de rede (ounetworking), estamos nos referindo a grupos de indiví-duos que se comunicam porque têm interesses comuns por, por exemplo, motocicletas; ou à interdependência criada entre aqueles que vivem em uma ilha remota; ou mesmo a um for-migueiro que trabalha em conjunto para alimentar e proteger a sua comunidade.

Redes de colaboração entre seres humanos tomam muitas for-mas, e nós damos a elas uma imensidão de nomes diferentes. As comunidades funcionam com base no benefício mútuo, em todas as estruturas organizacionais normais. Num nível mais simples, as necessidades são poucas: um sentimento de obje-tivo comum, um meio de comunicação, um bom coordenador e a autonomia de gerir a si própria.

Uma classificação que nós achamos útil se divide em comu-nidades de interesse, comucomu-nidades de prática e comucomu-nidades de compromisso.

•Comunidades de interesse são grupos de indivíduos com um interesse comum em um determinado assunto, normalmente não relacionado a trabalho, como por exemplo clubes esporti-vos, grupos de praticantes de um mesmo hobby, organizações de caridade etc.

•Comunidades de prática (ou redes de capacitação) com-põem e aplicam os mesmos procedimentos, discutem quais métodos são mais eficazes e quando eles são mais úteis. São as guardiãs da competência de determinada prática dentro da empresa. Seus membros colaboram para desenvolver a competência da contribuição individual dentro das unidades da empresa.

•Comunidades de compromisso (ou redes de realização) têm uma postura muito mais direcionada. Suas metas empresariais são bem claras e toda a rede é responsável coletivamente pela realização dessas metas. Freqüentemente, essas redes são subgrupos de comunidades de prática e têm uma existência limitada, até a obtenção da meta estipulada.

Dentro da BP, nós nos dedicamos ao segundo e ao terceiro tipos de redes de colaboração, e nos referimos a eles como “redes de capacitação” e “redes de realização”. Esses dois tipos de redes são semelhantes em muitos aspectos, mas di-ferem quanto ao valor mensurável que fornecem ao negócio e quanto à formalidade da estrutura. Redes de realização têm um alto grau de estruturação para garantir a captura do valor mensurável.

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Realização...

A razão de ser de uma rede de realização é alcançar um ob-jetivo comum reunindo conhecimento e transformando-o em ações que aprimorem os resultados das transações. A BP esta-beleceu algumas metas claras relativas à redução da emissão de gases causadores do efeito estufa, por exemplo. A rede de colaboração Green Operations (Operações Verdes) comparti-lha informações através de toda a empresa para que cada de-partamento alcance as metas de redução. Todos os membros da rede atuam numa colaboração interdepartamental. É o que chamamos de uma rede de realização.

A BP cria redes de realização quando verificamos uma diferen-ça significativa entre o valor da prática corrente e o valor de uma prática benéfica reconhecida. A obtenção do valor total de uma rede normalmente exige o cruzamento de fronteiras organizacionais, disciplinares ou geográficas.

O primeiro passo é encontrar um coordenador que efetiva-mente conduza o grupo à realização do objetivo empresarial. A rede tem um cliente representante e um mentor para dar segurança e orientação.

A rede tem um contrato de desempenho com o patrocinador empresarial que pode representar diversos outros empreendi-mentos. Os membros de uma rede de realização são nomea-dos para garantir a inclusão do conhecimento específico e da representação adequada.

...e capacitação

Redes de capacitação, por outro lado, aprimoram o desempe-nho dos indivíduos participantes ao compartilhar conhecimen-to e práticas internas e externas. Isso lhes dá a possibilidade de modificar seu desempenho empresarial. As redes de capaci-tação são definidas com base na disciplina de que tratam, com base no conhecimento e não na tarefa. A ênfase recai sobre a capacitação relativa àquela disciplina específica dentro da empresa. Favorecer a formação de redes de capacitação pode

A Rede Green Operations

A meta da rede Green Operations é identificar, criar e im-plementar novas idéias para reduzir os danos causados ao meio ambiente por nossas operações. Ela permite a co-municação de toda a empresa com os gerenciadores e os engenheiros. Atualmente, conta com 575 membros, alguns dos quais são apenas observadores passivos enquanto outros formam um grupo central que debate ativamente questões específicas e participa do diálogo em um fórum eletrônico de discussões. São cerca de 10 a 15 perguntas por mês, com uma média de seis respostas para cada uma. Um facilitador garante em tempo integral que as respostas sejam respondidas e que seu know-how seja preservado. A rede se baseia em seu próprio site na intranet da empresa, que enfatiza para os membros o objetivo, as metas, a partici-pação e o conhecimento essencial. Ela também é orientada por um grupo de liderança empresarial, que estabelece os desafios e as prioridades. O website mantém a comunidade informada sobre as questões correntes e os principais proje-tos. A transferência de conhecimento também é amparada por equipes de especialistas, oficinas, newsletters, vídeos, transmissões via Internet, relatórios, relações com institui-ções acadêmicas e empresas de tecnologia.

A Rede 3D Mod

A 3D Mod é uma rede de praticantes de diversas disciplinas, em que todos buscam compreender o desempenho de um reservatório de óleo subterrâneo. A criação de modelos tridi-mensionais do reservatório de óleo é uma técnica usada para aumentar o nível de detalhe da descrição do reservatório, uma vez que isso proporciona um melhor gerenciamento. A rede já existe há vários anos, e Ray King, o coordenador, de-dica seu tempo livre a mantê-la ativa. Ele trabalha em tempo integral em uma das unidades empresariais. Os membros da rede quase nunca se encontram, mas ajudam uns aos outros a desenvolver sua capacidade de atingir metas, dentro do ramo de atuação de cada um dentro da empresa. Eles fazem isso compartilhando aquilo que sabem e tentando superar coletivamente os limites da disciplina que é comum a todos. A maior parte desse compartilhamento acontece através de um grupo de discussão que usa um programa de comunicação via computador chamado Exchange, produzido pela Microsoft. ter uma importância igual ou superior à formação de redes de realização. Contudo, é ainda mais difícil mensurar esse valor. Freqüentemente constatamos que a tentativa de formalizar ou mensurar os benefícios é uma ameaça à existência da rede. A rede de modelos tridimensionais é um bom exemplo de uma rede de capacitação.

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As redes de capacitação tendem a ser formadas por especia-listas, sendo criadas para atender a uma necessidade quando o grupo central não está fisicamente próximo o bastante para sustentar conjuntamente aquela disciplina.

É mais vantajoso às redes de capacitação ter um documento básico de orientação, como por exemplo um termo de refe-rência que inclua metas e objetivos, uma declaração do valor estratégico e de seu modo de funcionamento.

Participando da comunidade

E o que significa participar de uma rede de colaboração? Quando alguém me pede um conselho, eu me sinto valorizado e confiante. Quando peço a ajuda de outras pessoas e recebo O grupo de discussão é uma lista de distribuição e uma pasta de acesso público no Exchange. O material postado na pasta – ou diretório – é automaticamente enviado para as pesso-as que constam na lista de distribuição. Além disso, a ppesso-asta está disponível a qualquer um que tenha acesso via Exchan-ge (todos os funcionários, além de diversos prestadores de serviços), mesmo àqueles que não participam da lista. Dessa forma, cada um pode escolher se quer ser avisado quando aparecer uma informação nova ou, se preferir, verificar de vez em quando o conteúdo da pasta.

“Eu queria aproveitar um hábito que todos têm em sua rotina diária: o uso do e-mail”, diz Ray. “As pessoas podem participar da discussão ou podem ver o que foi discutido no fórum sem precisar participar da lista.”

As mensagens que os participantes enviam à pasta tratam de diversos assuntos, de questões técnicas a reparos de pe-quenos defeitos, de pedidos de ajuda a debates sobre os procedimentos mais vantajosos. A pasta recebe cerca de 30 mensagens por dia. Ray é o moderador, mantendo viva a discussão e incentivando o debate.

Atualmente, a rede conta com 99 participantes e, a não ser pelo aumento esperado após a fusão BP-Amoco, essa quantidade permanece estável há seis anos. A rotativida-de dos membros é granrotativida-de. As pessoas participam da rerotativida-de quando lhes é útil e interrompem sua participação quan-do deixa de ser. Durante um períoquan-do de quan-dois anos, apenas metade do quadro de membros permaneceu inalterada. Após os dois primeiros anos, mais de 800 mensagens ainda estavam armazenadas na pasta, todas misturadas. Estava difícil encontrar as informações desejadas, e a repetição das mesmas questões era muito grande. A rede de colaboração resumiu e validou o conteúdo das mensagens em um site da Internet em que os participantes podem consultar as perguntas feitas com mais freqüência antes de especificar as suas próprias dúvidas. Isso permitiu que as informações fossem reutilizadas com maior facilidade.

diversas respostas imediatas, eu me sinto parte de algo muito maior do que a equipe que está mais próxima de mim. Eu gos-to do relacionamengos-to que tenho com os outros participantes da comunidade. As pessoas que eu encontro são apaixonadas pelo que fazem e por aquilo que sabem. Eu confio na experi-ência que me é transmitida porque eu conheci meus interlo-cutores num workshop realizado no ano passado, ou porque conheço alguém que conhece essas pessoas. Eu acredito na pessoa que me faz uma oferta de auxílio e confio que ela fará o que prometeu fazer.

Eu sinto que fiz um avanço real porque conquistei algo na minha profissão que, sozinho, não conseguiria conquistar. E eu poupei tempo ao fazer isso; um tempo que posso usar para fazer alguma outra coisa. Em resumo, eu me sinto valorizado como membro dessa comunidade.

Rede de Colaboração GC – (gerenciamento do conhe-cimento) – termos de referência

Ameta da comunidade GC é agregar valor à empresa aumen-tando a eficácia dos participantes da rede. Os objetivos da comunidade GC são:

• criar valor instaurando na empresa práticas, processos e comportamentos de GC;

• oferecer vias de comunicação e facilitar o relacionamento entre participantes de todo o grupo, aumentando dessa forma a eficácia coletiva;

• criar e manter um mecanismo para que as pessoas busquem e troquem informações operacionais sobre a aplicação de GC em benefício da empresa;

• facilitar a autoridade, a proteção e a liderança relativas aos princípios de GC e à sua aplicação dentro do grupo.

Princípios

A comunidade de GC funcionará com um mínimo de forma-lidade. Ela será operacionalmente focalizada, facilitada e a participação é voluntária. Sempre que possível, participantes da comunidade estarão disponíveis e abertos com suas per-guntas e respostas, compartilhando-as através do fórum da comunidade.

Processo

A comunidade de GC contará com: • uma lista de membros;

• um fórum de discussões unido por e-mail;

• um site na Internet representando o estado atual do conhe-cimento da rede;

• um facilitador que convocará reuniões, gerenciará as discus-sões e fará a manutenção do site.

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Membros de redes de colaboração costumam ser reconhe-cidos por seus colegas e participar ativamente. Eles se co-municam com facilidade e são ouvintes ativos. Estão com-prometidos com o aperfeiçoamento do desempenho de toda a organização, não apenas da equipe imediatamente mais próxima.

Criando uma comunidade

Imagine que você identificou uma área do seu ramo de atu-ação em que o conhecimento não está uniformemente distri-buído. Digamos que você trabalha em uma universidade que engloba cinco campi, cerca de 7 quilômetros distantes uns dos outros. Você conhece superficialmente o pessoal dos outros campi, que já encontrou em algumas reuniões ocasionais. E chega aquela época do ano em que a universidade precisa matricular os alunos nos cursos que serão oferecidos no perí-odo seguinte.

Jill é a responsável pelas matrículas. A universidade tem metas bem claras em relação ao número de matrículas, pois precisa receber as taxas correspondentes para pagar funcionários e cobrir os custos operacionais. Jill reserva um dia inteiro para realizar uma reunião com todos os interessados nas matrícu-las, inclusive os administradores das matrícumatrícu-las, os gerencia-dores do programa escolar, um representante de cada área disciplinar e a equipe de marketing.

Ao planejar a reunião, Jill considera as seguintes questões: 1. Com que intimidade as pessoas se conhecem?

2. Quão firmemente estão estabelecidos os atuais processos, linguagem e práticas benéficas?

3. As pessoas se sentem à vontade ao trabalhar compartilhan-do compartilhan-documentos de outros locais?

Jill decide se concentrar em questões básicas, tais como os números objetivados, número de cursos oferecidos e quais campi oferecerão quais cursos. Esse foco vai render resulta-dos rápiresulta-dos e criar um impulso inicial. Ela permite interrupções durante as reuniões para que os participantes possam fazer contatos sustentáveis a distância. Ela se concentra na busca colaborativa por soluções em vez de no compartilhamento de práticas vantajosas. Ela constata que, assim, consegue promo-ver um maior envolvimento e as práticas benéficas são com-partilhadas por conseqüência.

Notas do coordenador:

•Uma regra básica é promover um encontro pessoal, cara a cara, pelo menos uma vez por ano, para estabelecer e susten-tar os relacionamentos. A comunicação pode ser mantida ele-tronicamente, mas o relacionamento vai perdendo força aos poucos. Encontros e reuniões reavivam os relacionamentos. •Reserve bastante tempo livre durante esses encontros. Não lote a agenda.

•É muito mais fácil estabelecer comunicação e colaboração com alguém que você conhece. Comunidades dispersas de-pendem de um grupo central cujos membros se reúnem pes-soalmente pelo menos uma vez por ano e mantêm um contato regular entre si.

Os participantes concordam com as principais tarefas a serem cumpridas dentro do prazo especificado e com quem serão os escolhidos para realizar cada uma delas. Após o workshop, Jill vai estabelecer uma freqüência de conferências telefônicas se-manais e um fórum de discussão via e-mail à lista de distribuição para dar continuidade ao diálogo iniciado na reunião. Ela indica alguém para coordenar a coleta e o compartilhamento de todas as informações. Durante todo o ano, as pessoas se sentirão à vontade para pegar o telefone e ligar pedindo ajuda para pesso-as de outros campi. Elpesso-as vão saber com quem precisam falar.

Notas do coordenador:

•Providencie a criação de um site na Internet e o comparti-lhamento de documentos, tais como os dados para contatos dos participantes. É uma medida essencial para formar o sen-timento de comunidade.

•Convenções comuns (ou seja, padrões, os princípios que se-guimos, modelo e procedimentos comuns) têm um papel fun-damental. O processo de criá-los e as conversações realizadas para sua aprovação são mais importantes do que as próprias convenções.

•Introduza o aprendizado sistemático nos processos da rede de colaboração. Ou seja, aprenda antes, durante e depois. Ninguém têm dúvidas sobre o processo de matrícula ou so-bre o papel que cabe a cada um. Todos se sentem bem em relação ao êxito do programa de matrículas. No ano seguin-te, eles se reúnem novamente e trabalham para aprimorar os processos. Eles provam ser mais rápidos e mais eficazes em sua implementação.

Redes de colaboração são auto-sustentáveis em sua maioria, mas também podem receber assistência e recursos. Inicialmen-te, a BP tinha uma equipe central de gestão de informações. Em parte, sua função era encorajar o desenvolvimento e o aprimoramento das redes. A equipe providenciava orientação e recursos quando fosse necessário e auxiliava as comunida-des a relacionar sua programação às estratégias comerciais. A equipe de GC incentivava e propunha desafios às redes, ga-rantindo a inclusão das pessoas certas e seu relacionamento com outras redes semelhantes.

Sustentando a rede de colaboração

As melhores redes de colaboração da BP têm alguém coor-denando o processo, um único ponto de imputabilidade que mantém a comunidade ativa e administra a informação com-partilhada. É importante que o coordenador da rede seja res-peitado pelos participantes da rede de colaboração, tenha um

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conhecimento razoável da disciplina e, de preferência, não seja um especialista. Sua função é ajudar os outros a compartilhar aquilo que sabem, é ser um facilitador da colaboração em rede e não a fonte de todo o conhecimento. Coordenadores que são escolhidos para o cargo pela direção da empresa são freqüen-temente vistos com desconfiança. É melhor que os membros da rede de colaboração escolham o coordenador e que ele ou ela trabalhe com clareza na defesa dos interesses dos participantes.

Notas do coordenador:

•Comunique os resultados e comemore os êxitos.

•Identifique e atualize a lista de participantes. As pessoas deixam e entram na rede de acordo com suas necessidades, que podem mudar. Envie mensagens de boas-vindas persona-lizadas para os novos membros.

•Garanta que todo conhecimento será registrado, destilado, validado, compartilhado e aplicado para o aprimoramento dos resultados empresariais.

•Promova discussões entusiasmadas nos fóruns identificando as melhores pessoas para responder as perguntas, interconec-tando diversos aspectos da discussão e atendendo a todas as questões levantadas.

O coordenador da rede de colaboração pode se dedicar a essa função em tempo integral ou pode combiná-la ao exercício da sua profissão. Em qualquer caso, garanta que a sua organi-zação reconheça o posto como uma atividade legítima, uma contribuição essencial à eficácia da empresa.

Membros

Em grandes organizações, é bem provável que nem todos os membros de uma rede se conheçam. Nós usamos nossa pá-gina de Contatos (ver capítulo anterior) para manter todos os participantes informados sobre os membros da rede. Podemos listar todos os membros, enviar-lhes e-mails e até ver a foto de cada um, já que normalmente é mais fácil se lembrar de um rosto do que de um nome.

Às vezes nos perguntam sobre recompensas e reconhecimento para membros das redes de colaboração. A BP oferece recom-pensas financeiras pelo compartilhamento de informações? A resposta é “não”. Na BP, os funcionários são incentivados a participar de uma rede quando isso ajuda a realização comer-cial. Os coordenadores das redes têm sua contribuição clara-mente examinada durante sua avaliação anual.

A recompensa pela participação vem do reconhecimento dos colegas. Aqueles que compartilham conhecimento acreditam que é um mecanismo poderoso para o aprimoramento do de-sempenho comercial – que é, sim, recompensado.

Compromisso de liderança

As redes de realização tendem a prosperar com o suporte dos níveis mais altos da diretoria, que possibilita que a rede supere

as divisões internas da organização. Um modelo que funciona dentro da nossa empresa estabelece uma rede de colaboração mantida com o suporte de um patrocinador e um mentor, for-mando uma boa estrutura tripla de apoio.

O patrocinador, que é um dos usuários principais dos resul-tados produzidos pela rede, é o responsável pela orientação empresarial. Ele formula uma série de objetivos com o coorde-nador da rede e faz lobby para a obtenção de recursos quando for necessário.

O mentor, que normalmente é o chefe de uma função ou dis-ciplina específica, fornece garantias de desempenho da rede para o patrocinador e assistência ou recursos para a rede. Os membros da rede precisam de tempo para participar das atividades da rede, em um ambiente em que seja reconhecido o valor agregado pelas comunidades.

Ferramentas para a colaboração

A maioria das atividades numa rede de colaboração ocor-re em interações entocor-re duas pessoas. Quando os indivíduos não estão no mesmo local, é possível usar uma variedade de instrumentos de colaboração para transpor a distância. As ferramentas mais simples são o telefone e o correio eletrôni-co, ou e-mail. Cada vez mais, empresas e indivíduos utilizam a chamada “vídeo-conferência” e diversos instrumentos de colaboração como o NetMeeting, através da Internet, para trabalharem conjuntamente em um documento ou um dia-grama. Se você, como a British Petroleum, quiser conectar pessoas que trabalham em diferentes fusos horários, provi-dencie um espaço comum e tempo suficiente para que as pessoas tenham chance de contribuir na feitura de um mes-mo documento.

Pense em como você pode trabalhar com outra pessoa num mesmo documento em vez de criar um esboço e apresentá-lo para comentários.

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Comunidades como guardiãs do conhecimento geral da empresa

Onde está armazenado o conhecimento da sua organiza-ção? Nós falamos de como as informações ficam guardadas em “estoques de conhecimento” – como, por exemplo, do-cumentos eletrônicos ou em papel, ou mesmo fitas de áudio e vídeo. Uma quantidade muito maior de conhecimento fica armazenada na cabeça das pessoas que trabalham na orga-nização. As redes de colaboração são a melhor maneira de ter acesso, de sustentar e de atualizar esse conhecimento. Elas são essenciais para a validação e objetivação da experiência na sua área de atuação. Conhecimento não é uma coisa es-tática. Não devemos guardar um documento numa prateleira e deixá-lo lá, acumulando poeira. A comunidade tem o papel de complementar, utilizar, descartar o documento quando for necessário, objetivar o conteúdo e aplicá-lo no processo em-presarial. Através do compartilhamento de idéias, dicas, pro-blemas e soluções, os membros da comunidade têm acesso ao conhecimento de toda a comunidade, fazendo com que cada indivíduo possa operar com maior eficiência.

Ninguém é indispensável. E isso só será verdade se a rede com-partilhar seu conhecimento e não houver ninguém que detenha algum conhecimento exclusivo. Muitas redes nossas mantêm páginas na Internet em que apresentam a visão mais recen-te sobre o conhecimento daquela disciplina. Nós recen-temos um grande número de bancos de dados sobre práticas benéficas. Atualmente, esses sites na Internet e esses bancos de dados são extintos quando o “dono” é transferido para outra área. Se a comunidade e não o indivíduo assumir a guarda sobre o conhecimento codificado, evitamos criar uma dependência do conhecimento da organização em relação a um só indivíduo. Neste capítulo, discutimos por que as pessoas estão aptas a encontrar tempo para ajudar outras. Buscamos nas comunida-des um meio de distribuir mais uniformemente o conhecimen-to da empresa. Nós discutimos também o que é preciso para criar e manter essas comunidades e, finalmente, examinamos seu papel como guardiãs do conhecimento da empresa. Nós acreditamos que as redes de colaboração são essenciais, em uma organização horizontal, para compartilhar da forma mais abrangente possível o know-how da empresa. As redes mais eficazes dentro da BP têm todas as seguintes características: • Têm autonomia, são pró-ativas, agregam valor e poupam tempo.

• Reúnem-se pessoalmente para criar um relacionamento en-tre os membros.

• Contam com mecanismos claros para sustentar as intera-ções, com métodos como páginas da comunidade na intranet, fóruns de discussão eletrônicos, instrumentos e recursos. • São claras em relação ao objetivo de desenvolver a capaci-dade e a competência da organização ou promover a realiza-ção de algo que tenha um valor mensurável.

• Contam com um documento básico de orientação, claro e simples – ou um contrato de desempenho para uma rede de realização ou os termos de referência para uma rede de capacitação.

• Elegem um coordenador que gerencia os processos da rede e estabelece o ritmo das interações.

• Contam com um patrocinador que é claro quanto às necessi-dades empresariais, que levanta os recursos necessários e que fala com autoridade sobre o objetivo da rede.

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Promoção da Saúde e Prevenção do HIV/Aids

no Município do Rio de Janeiro: Uma

Meto-dologia de Avaliação para Políticas Públicas

e Estratégias de Comunicação*

Inesita Soares de Araújo (organização e texto final)

Na produção deste relatório foram incorporados trechos e enfoques, adaptados ou não, de outros trabalhos científicos das pesquisadoras, todos diretamente relacionados ao tema da pesquisa. Alguns foram produzidos durante e sobre a pes-quisa, uns estão na sua origem e outros formam a base teórica e metodológica do estudo. São eles:

• Texto original do projeto da pesquisa.

• Relatórios parciais e outros textos internos do projeto. • “Mercado simbólico: interlocução, luta, poder. Um modelo de comunicação para políticas públicas”. Tese de doutorado de Inesita Araújo.

• Comunicação, saúde e discurso preventivo: as campanhas sobre Aids na TV. Dissertação de mestrado de Janine Miranda Cardoso.

• “A reconversão do olhar. Prático-discursiva e produção de sentido na intervenção social”. Livro de Inesita Araújo. • “Redes discursivas em movimento”. Artigo de Ana Paula Brandão, Inesita Araújo e Janine Cardoso.

• “Razão Polifônica”. Artigo de Inesita Araújo.

“Mas como a gente pode discutir sobre Aids sem falar sobre os outros problemas da vida da gente?” (adolescente em Curi-cica, respondendo à agente do PSF que tentou orientar sua fala apenas ao tema específico da Aids)

“Olha, eu senti, assim, legal esse fato de vocês estarem junto a nós, junto à comunidade, porque as pessoas fazem um tra-balho muito separado, sabe? Eles lá com a visão deles, dizen-do o que deve estar aqui. Não é assim! É o que vocês estão fazendo, esse é que é o trabalho, né? Vocês estão aqui com o adolescente. entendeu? Eu acho que isso está faltando no Brasil inteiro, entendeu? Se houvesse mais esses trabalhos, as coisas não estavam como estão. (...) É esse trabalho aí: olhar com olhar: é você escutar eles; porque as pessoas, quando pegam uma posição lá, elas são absolutas, né? Não, eu mando fulano ir lá porque fulano ouve e traz pra mim. Então, pra mim, esse trabalho de você é essencial, é o que estava faltando na comunidade. Talvez se tire até 100%, assim, de proveito com tudo que o Ministério da Saúde já gastou de divulgação de AIDS, vai tirar mais proveito desse trabalho de vocês... catando

entre os adolescentes o que eles pensam, o que eles criariam.” (Graça, agente de saúde do PSF de Curicica)

1. PRIMEIRAS PALAVRAS

Este relatório apresenta e analisa os resultados da pesquisa “Promoção da saúde e prevenção do HIV/Aids no Município do Rio de Janeiro: uma metodologia de avaliação para políticas pú-blicas e estratégias de comunicação”, realizada entre fevereiro de 2002 e julho de 2003. Compreende uma parte descritiva e uma analítica. A primeira apresenta o projeto e os contextos que levaram a sua elaboração e justificaram as escolhas teóricas e metodológicas: a segunda analisa os resultados, apresenta as conclusões e oferece algumas recomendações aos formuladores e gestores de políticas de comunicação para prevenção. Em função das características e das vulnerabilidades eviden-ciadas pela epidemia da Aids, assim como sua interação com outros agravos, significativos esforços para controlar a epi-demia têm-se voltado para estimular a adoção de medidas preventivas, notadamente o uso da camisinha, materializadas em atividades de educação e comunicação, como campanhas publicitárias de alcance nacional, ações locais e mobilização comunitária, em parceria com um conjunto crescente de orga-nizações da sociedade civil.

Simultaneamente, crescem as evidências e o reconhecimen-to, por parte dos diversos setores e grupos envolvidos com a epidemia, de que é bastante considerável o conhecimento da população em relação às medidas preventivas, mas que isso não garante sua adoção, por diversas razões.

Estas formulações confirmam o pensamento teórico da comu-nicação no campo da intervenção social, que nega a relação causal necessária entre “boa comunicação e “mudança de comportamento”, enfatizando mais a importância dos proces-sos de circulação e apropriação das políticas públicas do que a qualidade e a pertinência das campanhas e outras ações comunicativas. Nesta perspectiva, adquirem relevo os múlti-plos fatores de mediação que se verificam entre as ações de intervenção e os resultados que podem obter (Orozco, 1993 e Araújo, 2000).

Não obstante, o pensamento comunicacional moldado pela perspectiva desenvolvimentista, introduzida no Brasil nos anos 50 e consolidada nos anos 70, ainda é dominante nos pro-cessos de intervenção social no campo da saúde coletiva. Tal enfoque acredita que comportamentos são passíveis de se-rem moldados mediante uma comunicação bem estruturada e veiculada em canais adequados. Daí decorrem os grandes investimentos em campanhas educativas, cuja principal estra-tégia é o uso dos meios coletivos de comunicação, impressos ou audiovisuais.

* FIOCRUZ-CICT-DCS/UFRJ-ECO-NUPEC/SMS. Rio de Janeiro, 2003. Revisão geral e de conteúdo: Janine Miranda Cardoso e Kátia Lerner. Contribuíram com textos: Ana Maria Monteiro de Castro e Marly Marques da Cruz.

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Esta visão tem dificultado o desenvolvimento de metodolo-gias capazes de apreender qualitativamente os processos de construção e disputa de sentidos que atravessam as práticas humanas e sociais e que estão presentes, de maneira muito singular, nas estratégias de promoção da saúde e prevenção do HIV/Aids. A avaliação das práticas comunicativas na pre-venção da Aids – como de resto em toda saúde coletiva – tem sido conduzida, habitualmente, de forma quase mecânica, reproduzindo-se métodos que reduzem a complexidade dos fenômenos e as possibilidades de conhecimento. Predominam as avaliações quantitativas de compreensão e retenção na memória das mensagens circulantes (recall), que dão conta de uma pequena fração do que se necessita saber: os méto-dos convencionais apenas nos informam o quanto as pessoas compreenderam ou se recordam das mensagens veiculadas, não trazendo à cena o modo como elas articulam essas men-sagens com seu acervo pessoal e social de conhecimentos, in-formações e opiniões; ou seja, não possibilitam apreender os sentidos sociais que são produzidos quando uma mensagem veiculada pelas instituições entra em circulação no espaço dis-cursivo de um dado segmento social.

Por outro lado, até o momento, a epidemia de HIV/Aids não apresentou uma forma efetiva de prevenção e controle, eviden-ciando, mais claramente do que os outros agravos, a necessida-de necessida-de se ampliar a interlocução com os diversos atores envolvi-dos, muito especialmente os segmentos da população com os quais profissionais e instâncias gestoras buscam interagir. Ainda por outro lado, acreditamos que a população tem seus próprios modos de enfrentar os problemas que vive, principal-mente os de saúde, e que estes modos devem ser considera-dos nas estratégias de prevenção e de promoção da saúde. O método avaliado buscou articular estes fatores, resultando na proposta metodológica que possibilita aos pesquisadores uma escuta efetiva da população, a partir de um processo am-pliado de interlocução, associado a instrumentos de análise que permitam avançar para além das constatações habituais quanto à possibilidade de compreensão e aceitação das men-sagens. Em outros termos, uma metodologia que considere e se aproxime da dinâmica das redes sociais analisadas, perce-bendo melhor o que faz com que alguns sentidos sejam produ-zidos, outros recusados, outros hibridizados e porque algumas comunidades discursivas têm maior legitimidade perante a po-pulação, enquanto outras não a conquistam, por melhor que seja a qualidade técnica de seus produtos comunicacionais. O projeto, selecionado no Edital de Pesquisa/2001 e finan-ciado pela Coordenação Nacional de DST/Aids e UNESCO, foi coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz – Departamento de Comunicação e Saúde/CICT, e teve como parceiros a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, através da Superinten-dência de Saúde Coletiva e do Programa Municipal de DST e Aids e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, através do NUPEC – Núcleo de Estudos em Estratégias de Comunicação, do Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação.

A pesquisa foi desenvolvida com adolescentes e jovens em situação de pobreza da população do Município do Rio de Ja-neiro, segmento populacional que vem apresentando alta vul-nerabilidade no contexto atual da epidemia. Acreditamos que esses grupos devam ser tomados como prioritários, tanto nas intervenções propostas pelas instâncias gestoras e serviços, como em linhas de pesquisa capazes de trazer subsídios que qualifiquem as próprias metodologias de intervenção, como a que aqui apresentamos.

Outro componente fundamental deste projeto foi sua interação com a rede de saúde já instituída, através dos diversos disposi-tivos de atenção à saúde, incluindo os módulos do Programa de Saúde da Família, considerados como pólos de inovação tecno-lógica da rede. Por fim, alimentamos a esperança de contribuir para a articulação intersetorial, assim como para a necessária integração das ações e projetos no campo da saúde.

Ao Iniciarmos essa pesquisa, tínhamos uma noção bastante clara das dificuldades que encontraríamos e de certa forma elas foram mapeadas no projeto original. Pensávamos se o projeto seria capaz de atrair os profissionais de saúde e os ado-lescentes e jovens das áreas delimitadas; no desafio que seria, para nossas instituições, apoiar adequadamente as estratégias propostas pelos produtores locais, e no quanto a garantia dos recursos humanos, equipamentos e materiais necessários seria capital para a mobilização e para uma relação de maior con-fiança entre pesquisadores, serviços de saúde e a população. Também temíamos as precárias condições de segurança nas áreas de atuação do projeto e as dificuldades operacionais que poderiam provocar e, ainda, se conseguiríamos obter a articulação intersetorial desenhada originalmente. Sabíamos que, embora este aspecto seja cada vez mais destacado nos projetos e políticas, a cultura institucional e a resistência da tradição centralizadora são obstáculos significativos a serem enfrentados. Mas, a realidade nos surpreendeu e fomos con-frontados com uma sucessão de situações que demandaram contínuos reajustes em relação à proposta original. Porém, se isto tornou mais difícil a tarefa e fez com que alguns dos objetivos não pudessem ser cumpridos a contento, foi tam-bém um dos fatores que fizeram com que o projeto se con-figurasse como uma grande oportunidade de aprendizagem, para todos os envolvidos. Aprendizagem não apenas sobre o método, objeto principal da investigação, mas também sobre as instituições e sobre as pessoas, em seus vários lugares de interlocução com o Estado e na sua relação com a temática da saúde e da Aids.

2. O PROJETO DE PESQUISA

O projeto “Promoção da saúde e prevenção do HIV/Aids no Município do Rio de Janeiro: uma metodologia de avaliação para políticas públicas e estratégias de comunicação” buscou pôr em foco as estratégias de comunicação em curso na saú-de, mais especificamente as de prevenção e controle da Aids. Seu objetivo principal foi desenvolver uma metodologia de

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avaliação da comunicação em processos de intervenção social que pudesse ser incorporada na dinâmica dos serviços e insti-tuições de saúde; uma metodologia que também fosse capaz de estimular e apoiar a população a produzir suas próprias estratégias de proteção frente à epidemia, ao mesmo tempo em que avaliasse os modos pelos quais a população atribui sentidos, faz circular e converte em prática as informações e orientações recebidas das organizações públicas e privadas. Os pesquisadores tomaram como ponto de partida uma pro-posta elaborada originalmente no âmbito de outra equipe de trabalho e de outro projeto (FIOCRUZ-DCS/UFRJ-NUPEC, 1999), que estava voltado para a prevenção e controle da dengue no Estado de São Paulo. O projeto não chegou a ser implantado e, diante de uma nova oportunidade, representada pelo edital de concorrência pública para seleção de pesquisas sobre Aids, foram feitas algumas alterações, necessárias às novas circuns-tâncias institucionais, epidêmicas e geográficas, mantendo-se, porém, os princípios teóricos e a estruturação metodológica. O projeto se caracterizou desde o princípio como interinsti-tucional e interdisciplinar, articulando diversas instâncias de produção e socialização de saberes e práticas. Tendo sido uma Iniciativa da Fundação Oswaldo Cruz, através do seu Centro de Informação Científica e Tecnológica, especificado no De-partamento de Comunicação e Saúde – Núcleo de Ensino e Pesquisa, contou com a parceria da Escola de Comunicação da UFRJ, através do NUPEC – Núcleo de Pesquisas em Estratégias de Comunicação e da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro – Superintendência de Saúde Coletiva/Programa de DST e Aids. Nesta, foi articulado um Comitê Técnico Executivo, formado por setores cuja atividade estava diretamente corre-lacionada com o tema ou o segmento da população envolvida. A equipe dos serviços de saúde, nas áreas escolhidas, também foi considerada participante da pesquisa, recebendo o papel de coordenação local. A relação completa da equipe de traba-lho encontra-se em anexo.

O projeto teve início oficialmente no dia 01 de fevereiro de 2002. A data prevista para conclusão foi janeiro de 2003, mas houve necessidade de ampliação desse prazo, tendo sido efe-tivamente encerrado em julho de 2003.

Coube à SMS/RJ indicar, em função das especificidades da epidemia e da rede pública de serviços, tanto o segmento populacional a ser privilegiado como as áreas e, nestas, os serviços que deveriam acolher o projeto. Foram priorizados os adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade, priori-tariamente na faixa de 13 a 24 anos, residentes nos bairros de Curicica e Lins de Vasconcelos (Complexo do Lins); o pri-meiro, na Zona Oeste, Área de Planejamento 4, com 681 mil habitantes, e o segundo na Zona Norte da cidade, Área de Planejamento 3.2, com aproximadamente 586 mil habitantes (ver mapa em anexo). A escolha deveu-se à conjugação de alguns fatores. Por um lado, o avanço da Aids para bairros e áreas programáticas consideradas como áreas de expansão da cidade, apontam para a difusão espacial da epidemia, que

marca um deslocamento de maior concentração de incidência de Aids na região do Centro e Zona Sul para a região da Zona Norte e Zona Oeste (Cruz, 1999). Vale destacar que, embora o número absoluto de casos de Aids das Áreas de Planejamento 4 e 5 não seja tão expressivo quanto nas áreas mais centrais, a incidência acumulada vem aumentando significativamente, principalmente quando comparada com outros municípios do Estado do Rio ou de outros estados.

Outros aspectos relevantes que elucidaram as mudanças de tendências da epidemia no Município do Rio de Janeiro têm sido a participação crescente das mulheres entre os novos casos de Aids notificados, assim como a preponderância do padrão de transmissão heterossexual (relação de 2 homens para 1 mulher com Aids) que, conseqüentemente, aumenta o risco de transmissão mãe-filho (SMS, 2000). Isto, associado ao crescimento vertiginoso da gravidez entre adolescentes, torna os jovens ainda mais dignos de atenção de qualquer programa preventivo ou projeto de pesquisa relacionado à prevenção. Acrescente-se que no Lins, particularmente, verifica-se uma alta incidência de gravidez precoce entre as adolescentes. Entre os adolescentes (13 a 19 anos), o número de casos noti-ficados até 2002 chegava a 493. Destes, 315 eram homens e 178 mulheres, sendo que em 269 casos a transmissão foi por via sexual (51 por transfusão de sangue, inclusive hemofílicos, 14 por drogas injetáveis e 159 por motivo ignorado). Na in-vestigação de gestantes portadoras do HIV, realizada a partir de 1997 no município, encontravam-se 8% de adolescentes entre as gestantes HIV+. Nas campanhas realizadas com vis-tas à mobilização para a eliminação da sífilis congênita, nos anos de 1999 a 2000, um terço das gestantes testadas en-contravam-se abaixo dos 20 anos. É relevante lembrar que, embora as ações para detecção do HIV nas gestantes e as ações de eliminação da sífilis congênita estejam em andamen-to no Município do Rio de Janeiro, a vulnerabilidade social e programática deste segmento populacional, pode impedir o acesso deste aos serviços de saúde, assim como às ações de prevenção (Ayres, 1996).

As mudanças assinaladas apontam para um cenário da epide-mia onde se evidencia a necessidade de considerar a diversi-dade de determinantes biológicos, socioeconômicos, culturais e políticos que vêm interferindo no processo de disseminação do HIV/Aids. Da mesma forma, torna urgente a busca por es-tratégias mais efetivas de prevenção e controle da epidemia, em particular no grupo de adolescentes e jovens. As ações de prevenção às DST/Aids dirigidas a este segmento já são prioritárias no Município do Rio, tanto nas unidades de saúde – através do projeto “Vista essa camisinha” (60%) – como nos diversificados projetos das OSC (35%).

A escolha de duas áreas deveu-se ao interesse em se proceder a uma análise comparativa de situações diferenciadas. Lins e Curicica apresentavam algumas distinções relevantes, sendo a principal delas a natureza do serviço local de saúde: Curicica contava com um Programa de Saúde da Família, sediado no Hospital Raphael de Paula Souza, correspondendo a propostas

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de mudanças no modelo assistencial e a principal unidade no Lins era o Posto de Saúde Carlos Gentile de Mello, nos moldes mais convencionais da rede pública assistencial. Na verdade, as diferenças – que dizem respeito ao grau e tipo de organiza-ção comunitária do bairro, à natureza da relaorganiza-ção entre serviço e comunidade e a presença da estrutura de poder das organi-zações do tráfico de drogas – mostraram-se muito maiores no decorrer da pesquisa e, de fato, condicionaram radicalmente o desenvolvimento do projeto e os resultados obtidos.

O projeto estabeleceu os seguintes objetivos:

Objetivo geral

• Contribuir para o aprimoramento das intervenções públicas que visam a mobilização de redes sociais para a prevenção e controle do HIV/Aids, no contexto mais amplo de fortaleci-mento do SUS e das estratégias de Promoção à Saúde.

Objetivos específicos

• Desenvolver uma metodologia de avaliação da comunicação em processos de intervenção social, compatível e capaz de ser incorporada na dinâmica dos serviços e instituições de saúde. • Conhecer e tornar mais visível o modo como jovens e ado-lescente em situação de vulnerabilidade nas regiões de Curici-ca e Complexo do Lins lidam com a epidemia de Aids, como se apropriam e fazem circular a comunicação que é veiculada por instituições públicas e privadas.

• Capacitar profissionais de saúde nesta metodologia de ava-liação, no próprio curso da pesquisa e através de oficinas e seminários que socializem e problematizem seus resultados. • Analisar a incorporação das estratégias de comunicação e de mobilização social nos posto de saúde e módulos de saúde da família, na área delimitada por esta pesquisa.

• Oferecer aos planejadores e gestores da saúde coletiva subsí-dios que permitam aprimorar suas estratégias de comunicação para o enfrentamento da Aids e outros agravos previsíveis. Para dar conta de tais objetivos, foi concebida uma metodolo-gia baseada em dois componentes principais: um processo de mobilização e a análise dos discursos, que assumiram concre-tude em alguns passos metodológicos:

1) Mapeamento das redes de produção de sentido. 2) Montagem de um plano de mobilização social.

3) Mobilização – formação dos grupos de produtores sociais. 4) Apoio e acompanhamento das estratégias produzidas. 5) Conversão das estratégias em textos analisáveis. 6) Análise discursiva.

Foram previstas, também, atividades de discussão e socialização dos resultados da pesquisa, como seminários e publicações. Três características centrais desta proposta merecem destaque, pois sintetizam os próprios objetivos da pesquisa. A primeira é que a metodologia deveria ser compatível com a dinâmica dos serviços e Instituições, permitindo sua incorporação pelos profissionais de saúde e atendendo tanto à necessidade de

uma ação qualificada como aquelas exigências mais específi-cas do processo de descentralização. A segunda característica, de capital importância, é que a metodologia proposta tem a pretensão de, ao mesmo tempo em que avalia, incentivar a or-ganização da população em torno do enfrentamento da Aids, valendo-se de métodos e processos específicos de mobilização social e de análise dos discursos sociais. Por fim, a metodolo-gia buscou incorporar, orgânica e simultaneamente, tanto os objetivos indicados pela leitura dos dados epidemiológicos como os conhecimentos, experiências e estratégias desenvol-vidas pela população face à epidemia, isto porque, além do compromisso com as diretrizes democráticas, universalizantes do Sistema Único de Saúde (SUS) e com a maior interação en-tre serviços e população, este projeto partiu do pressuposto de que o modo como os indivíduos e grupos sociais interpretam a doença e as situações de risco interfere de forma significati-va no modo como se apropriam das soluções de prevenção e controle oferecidas pelos órgãos de saúde pública. Em conse-qüência, interferem concretamente na efetividade das políti-cas e estratégias em curso. Considera, portanto, que soluções encontradas pela própria população, integradas a sua cultura e cotidiano, apresentam potencialmente melhores condições de aceitação e disseminação.

O modo como estes passos foram implementados e as cons-tatações acerca de sua viabilidade, assim como estas caracte-rísticas puderam ser evidenciadas ou assumidas face às situ-ações concretas experienciadas, serão relatados nos itens 4 e 5 deste relatório.

3. CONTEXTOS

A realidade estudada é formada por vários contextos, que se apresentam de forma articulada na prática social. Isto é, sejam quais forem seus âmbitos e natureza, são todos permeados pela dimensão relacional. Em seu conjunto, eles constituem as condições de possibilidade das cenas social e discursiva, das relações de poder, das estratégias de mudança ou manuten-ção dessas cenas e dessas relações. Mas, também formam as condições recíprocas de produção. Então, são também interna-cionais. Neste relatório, privilegiamos 5 deles que, uma vez ex-plicitados, permitirão compreender melhor a complexidade do cenário que não só possibilitou, mas condicionou o desenvol-vimento da pesquisa e seus resultados. São eles o contexto

da saúde coletiva, que caracteriza o cenário e as principais

idéias que norteiam as atividades nesse campo; o contexto

da prevenção da Aids, que aponta as estratégias

atualmen-te desenvolvidas, incluindo um panorama sobre os discursos da prevenção que mais freqüentemente circulam a partir das instituições; o contexto teórico da Comunicação e

Saú-de, que mapeia as principais teorias mobilizadas na análise,

planejamento estratégico e avaliação da comunicação, quan-do aplicada ao campo da saúde coletiva; o contexto das

áreas estudadas, que busca trazer dados sobre os bairros

onde a pesquisa desenvolveu seu estudo empírico; finalmente,

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dos participantes, como pessoas no mundo e seus lugares de interlocução, que é o lugar que cada um ocupa na topografia social, no momento do ato interlocutivo, lugar que define em certa medida o que ele fala e como fala.

Contexto é um conceito vital no planejamento das ações de saúde, porque uma estratégia de intervenção que não consi-dere os contextos em sua gama de possibilidades pode pro-duzir efeitos de sentido até mesmo opostos à intenção dos planejadores. Contextos trazem à cena vozes e histórias que podem ser dissonantes, muitas vezes antagônicas. Tomado em sua inteireza e complexidade, é um conceito importantíssimo para a comunicação na intervenção social.

3.1 Contexto da saúde coletiva

No Brasil e no mundo, as últimas décadas do século XX fo-ram marcadas por importantes movimentos para mudança do conceito, campo, práticas e sistemas de saúde. Tais movimen-tos, embora heterogêneos e com distintas motivações e in-teresses, inseriam-se num quadro internacional de profundas mudanças, onde podemos destacar o esgotamento do pacto social estruturado no pós-guerra, as limitações das políticas e dos sistemas de proteção social então vigentes, a intensa globalização dos fluxos financeiros, a redefinição de fronteiras geopolíticas, a crescente deterioração das condições de vida e saúde de grande parte da população mundial, a emergência de novas redes e formas de organização social.

No Brasil, o processo de redemocratização, na década de 80, impulsionou não só a luta pela melhoria e reorganização dos serviços, mas também a revisão e ampliação do próprio con-ceito de saúde, propondo sua desmedicalização e vinculação às condições de vida. Forjava-se uma concepção que buscava superar a visão biológica, individual e vinculada à ausência de doença. Afirmava-se saúde como efeito real de um conjunto de condições coletivas de existência, como expressão ativa – e participativa – do exercício de direitos de cidadania, entre os quais o direito ao trabalho, ao salário justo, à participação nas decisões e gestão de políticas institucionais. Assim, a socieda-de teve a possibilidasocieda-de socieda-de superar politicamente a compreen-são, até então vigente ou socialmente dominante, da saúde como um estado biológico abstrato de normalidade (ou de ausência de patologias) (Luz, 1994:136-137).

Afirmar saúde como resultado da qualidade de vida implicava a ampliação das questões incluídas na pauta da saúde para muito além da perspectiva biológica e curativa. Saúde passa a ser definida quase como um direito-síntese, índice do acesso da população a tantos outros, como o direito ao emprego e salário digno, moradia, transporte, lazer, educação; o direito de estar informado e de expressar suas opiniões, de participar da vida política e da definição das políticas públicas – um dos muitos caminhos por onde é possível aproximar-se ou afastar-se de condições de vida mais saudáveis.

Contrariando a histórica centralização na administração públi-ca brasileira, a descentralização polítipúbli-ca e administrativa dos

serviços e ações de saúde era outro componente importante da proposta de reforma sanitária brasileira. Uma visão radical desse fundamento não se limitava ao rearranjo administrativo – de forma a equilibrar a relação e a divisão de responsabili-dades entre os governos federal, estaduais, municipais – nem a dotar os serviços de maior racionalidade e cobertura. Ainda que essas dimensões, complexas e necessárias, devessem estar contempladas, a descentralização acolhia a busca de transfor-mação mais substantiva: um processo de real desconcentração do poder decisório, com diferentes forças sociais participando da definição de prioridades, formulação, gestão e avaliação de políticas, serviços e ações de saúde. Para tanto, propunha-se a criação de conselhos de saúde e redefinição das conferências de saúde, instâncias que passaram a ter composição paritária e serem organizadas em cada nível de governo, sendo proje-tadas, na nova arquitetura do setor saúde, como espaços pri-vilegiados de negociação e construção coletiva dos rumos da saúde. Reservando-se aos conselhos papel deliberativo, busca-va-se superar a visão de uma participação comunitária restrita e regulada, característica do período desenvolvimentista. Contando com a aliança que desde a década de 70 uniu seg-mentos de profissionais de saúde, academia, lideranças sindi-cais, comunitárias e religiosas, o movimento de Reforma Sani-tária conseguiu incluir na Constituição de 1988 os princípios pactuados na 8° Conferência Nacional de Saúde.

Nestes últimos 15 anos, significativos avanços foram conquis-tados, o que não significa desconhecer as iniqüidades que marcam o sistema de saúde brasileiro. Das diversas leituras e explicações, vale destacar a contradição central entre os preceitos legais que regem o sistema público de saúde e a hegemonia do projeto neoliberal. Assim, enquanto as diretri-zes do SUS indicam claramente a necessidade de ampliar a ação estatal, qualitativa e quantitativa, durante a década de 90 o governo adotou o receituário do Estado mínimo e suas estratégias de privatização e contenção dos gastos públicos, por meio de medidas de controle fiscal e/ou de “seletividade” de suas ações (Campos, 1997; Mendes, 1994). Desta forma, os planos privados de saúde foram expandidos, canalizando as demandas da classe média, e passaram a ser reivindicados também pelo movimento sindical, mesmo por suas vertentes mais combativas, ampliando o risco de isolamento do SUS para os setores mais marginalizados e com mais dificuldade na or-ganização de suas demandas e pressão por seus direitos. Nesse cenário, solidificou-se uma permanente associação da saúde com o consumo privado e individual de serviços, tec-nologias e medicamentos. Esse trabalho, que tem na mídia um agente e locus privilegiados, não só vem obscurecendo os vínculos entre saúde e as condições sociais de existência, como estimulando a crescente demanda de modernas técni-cas de diagnóstico e intervenção, favorecendo largamente os interesses das indústrias e serviços hospitalares e farmacêu-ticos. A mídia parece ter sofisticado e ampliado o papel que já desempenhava durante os governos militares, na década de 1960. Ajudando a viabilizar o modelo de desenvolvimento

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concentrador de renda e poder, a televisão principalmente en-carregou-se de uma vigorosa difusão de valores e de estímulo ao consumo, na qual está reservado para a saúde um lugar de destaque (Pitta, 1994).

Promoção da Saúde

A busca por redefinir a saúde, “desmedicalizando” o campo, as ações e o conceito, encontra um ponto forte nas formula-ções em torno da promoção da saúde, alicerçadas num con-junto de eventos significativos. A Conferência de Alma-Ata (URSS/1978), Conferência Internacional sobre Cuidados Pri-mários de Saúde, pode ser considerada o marco inicial, lan-çando o slogan “Saúde para todos no ano 2000”, acatado pelo projeto da saúde pública nas décadas seguintes. A Decla-ração de Alma-Ata coloca a saúde como um “direito humano fundamental”, reafirma seu conceito ampliado e registra uma convocação geral da Conferência aos governos e técnicos no sentido de promover a saúde das nações.

Na década seguinte, em 1986, na cidade de Ottawa, Canadá, é realizada a I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde. Seu documento-síntese, a Carta de Ottawa, assume a meta “Saúde para todos no ano 2000” e afirma que a promo-ção da saúde deve ser orientada para a conquista da eqüida-de, definindo-se por favorecer os meios necessários para que os povos possam melhorar suas condições de saúde e exercer maior controle sobre a mesma. Dessa forma, deixa claro que a promoção transcende o setor saúde e pressupõe interseto-rialidade, participação ativa da população na formulação e implementação de políticas públicas favoráveis.

Nas conferências e textos posteriores, os pontos destacados pela Carta de Ottawa passam a serem nomeados como es-tratégias de ação da promoção da saúde. Assim, a elaboração de uma política pública sadia, a criação de ambientes favo-ráveis, o reforço da ação comunitária, o desenvolvimento de aptidões pessoais e a reorganização dos serviços sanitários passam de enunciados à agenda política da saúde (Ministério da Saúde, 1999:37; Buss, 2000:170), “que implica uma base (comunicacional) sólida: acesso à informação, e aptidões e oportunidades que tornem possível fazer escolhas em termos de conquista de melhor qualidade de vida, ou seja, saúde” (Pitta, 2001:9).

Embora pareça haver um relativo consenso em relação a um conjunto de idéias básicas – saúde não se restringe à ausência de doença, transcende a prestação de ações assistenciais, sen-do preciso agir sobre seu determinantes sociais, o que exige um conjunto extremamente diversificado de políticas públicas, infra-estrutura, ações intersetoriais, com decisiva participação social –, há divergências significativas, diferentes olhares e cli-vagens sobre o tema. A já abundante literatura sobre o tema estabelece distintas cronologias, ora enfatizando linhas de continuidade ou de ruptura com diferentes linhas filosóficas e com paradigmas que estruturam modelos e práticas sanitárias, inclusive com as proposições da reforma sanitária brasileira.

Uma linha divisória sempre destacada refere-se à ênfase em fatores gerais ou específicos de determinação da saúde. Ou seja, para muitos, entre os quais os defensores da nova pro-moção de saúde, durante a década de 70, privilegiaram-se os fatores específicos: determinantes biológicos, ambientais e aqueles relacionados aos estilos de vida, priorizando me-didas preventivas e programas educativos que trabalhassem mudanças comportamentais. O foco restrito na modificação de hábitos, estilos de vida e comportamentos individuais não sau-dáveis – entre os quais o fumo, a obesidade, a promiscuidade sexual e o abuso de substâncias psicoativas –, além de repro-duzir a agenda dos países desenvolvidos, não trazia mudanças substantivas que diferenciassem as práticas de promoção das de prevenção. A preocupação central era com a contenção de gastos médicos, a responsabilização individual, para o que se investiam recursos elevados em campanhas massivas. Desta forma, mantinha-se o distanciamento das macrodeterminações sociopolíticas e econômicas e a conseqüente desresponsabiliza-ção dos governos e formuladores (Sicoli e Nascimento, 2003). Tais práticas, longe de uma ruptura, seriam coerentes com o modelo da História Natural da Doença, apresentado na pri-meira edição do Textbook of Preventive Medicine de Leavell & Clarck (1953). No capítulo sobre os níveis de prevenção, a promoção da saúde é discutida como um primeiro nível de in-tervenção, anterior a medidas preventivas específicas a serem adotadas diante de cada doença.

A edição brasileira (Leavell & Clarck, 1976) apresenta a sis-tematização da História Natural da Doença, como um mode-lo teórico fundante para a compreensão do processo saúde – doença que procura construir uma explicação técnico-cientí-fica para a doença e caracteriza os níveis de intervenção para evitá-la. É ainda esse modelo explicativo que consegue reunir, aglutinar a força da tradição da prevenção, cuja construção se inicia a partir de meados do século XIX, com as descobertas de Pasteur e Koch. É um momento privilegiado de organização conceitual, que reflete a tradição das abordagens nosológicas anteriores e consolida os alicerces teóricos conceituais para a prevenção e para a promoção da saúde. É a partir deste mode-lo, que tem a doença como ponto de partida, que a promoção da saúde se expressa conceitualmente no século XX.

Neste modelo, a promoção constitui um nível de intervenção anterior à deflagração do processo de adoecimento, porém referido ainda à doença. Com essa leitura, identificamos o mesmo modelo conceitual, que parte da doença, para explicar os níveis de prevenção da doença e de promoção da saúde, ambas entendidas como níveis de intervenção para evitar pro-cesso de adoecimento.

Mesmo considerando formulações críticas a esse modelo, bem como nos limites intrínsecos a modelos explicativos ge-rais para a doença e seus níveis de intervenção, tal modelo vai influenciar a organização dos departamentos de medicina preventiva na área das ciências, bem como a organização dos serviços de saúde e suas linhas de intervenção. Esta tese é

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desenvolvida no trabalho de doutorado de Arouca (1975). O Dilema Preventivista: contribuição para a compreensão e críti-ca da medicina preventiva, onde, apoiado na arqueologia pro-posta por Foucault, o autor questiona e torna mais visíveis as estratégias de difusão do discurso preventivista – formulado nos Estados Unidos, em resposta às tentativas de organização de uma proposta pública da atenção médica – para países pe-riféricos ao capitalismo central. No Brasil, as escolas médicas são identificadas como seu principal foco de difusão, tendo a História Natural das Doenças como arcabouço teórico ca-paz de apoiar a estruturação dos departamentos de medicina preventiva e, através destes, legitimar o discurso preventivista na formação do médico. É, pois, a formação do médico, ago-ra dotado de uma atitude preventivista, o modo privilegiado de consolidação deste discurso na sociedade. A atuação do médico está vinculada aos serviços de saúde, e o aumento de cobertura dos serviços de saúde também está incluído na estratégia de difusão.

Já a ênfase nos determinantes globais busca maior radicalida-de na distinção entre prevenção (conduta e promoção radicalida-de há-bitos e comportamentos saudáveis) e promoção, relacionada a um conjunto de problemas socioambientais que afetam as condições de vida e saúde, cuja superação envolvem mudan-ças sociais, inserção da população e medidas políticas que não dependem somente dos profissionais de saúde.

“Inspirada por estas novas perspectivas, a promoção da saúde ampliou seu marco referencial e assumiu a saúde como pro-dução social, passando a valorizar mais intensamente deter-minantes socioeconômicos, a instigar o compromisso político e a fomentar as transformações sociais” (Sicoli e Nascimento, 2003:104).

Em síntese, na base da distinção está que a prevenção está diretamente relacionada a doenças e no âmbito do paradigma biomédico. Certamente, não se pode prescindir de políticas de prevenção e de cura que efetivamente contribuíram para a me-lhoria da saúde e da qualidade de vida, mas, ainda assim, “elas são determinantes deste estado de saúde e destes pa-drões de qualidade de vida. De outro lado (...) saúde e a sua promoção dependem de um largo espectro de campos do co-nhecimento para sua compreensão. Não sendo objeto mensu-rável pela estatística e pela epidemiologia, é essencialmente transdisciplinar em termos de reflexão acadêmica, intersetorial em termos de modelos de planejamento e gestão, e multipro-fissional em termos de execução de políticas e efetivação de ações de saúde” (Pitta, 2001:8).

Assim, na estruturação da promoção da saúde como propos-ta técnico-política, para além da sua leitura como nível de intervenção em saúde, a articulação intersetorial e o desen-volvimento de habilidades pessoais, entre outras estratégias, diminuem a importância da expansão dos serviços de saúde e reforçam a participação da comunidade. Assim, em contrapon-to ao discurso preventivista para a promoção da saúde, o mé-dico não é mais o único sujeito do discurso da promoção e o

serviço de saúde não é o único lugar social onde se realiza este discurso. É na sociedade que o discurso deve ser defendido e ser construído por diversos agentes sociais. Neste processo, os diversificados meios e espaços de comunicação assumem um caráter estratégico.

Este brevíssimo e sabidamente incompleto retrospecto visa apenas situar a pesquisa neste contexto. Do ponto de vista adotado aqui, percebe-se a promoção da saúde como prá-tica social, construída historicamente, implicando discursos diversos. De forma mais ampla, pressupõe-se a coexistência de diferentes – e por vezes antagônicos – paradigmas da saúde coletiva no universo atual dos saberes e práticas, que tensionam-se mutuamente. Em outras palavras, a promoção da saúde é também uma arena de disputa pela construção de sua significação, dialogando com um conjunto de discursos contemporâneos e outros não coetâneos.

As formulações mais consistentes acerca da promoção, que ampliam seu potencial transformador, mantêm muitos pontos de convergência com as propostas da reforma sanitária brasi-leira. Ainda que com componentes e trajetórias bastante espe-cíficos, esses dois movimentos enriquecem-se reciprocamente. No entanto, ainda há muito que avançar, pois ainda que a pro-moção da saúde esteja incorporada na Lei Orgânica de Saúde, conte com apoio de expressivos atores do campo da saúde, e seja tema de pesquisas e projetos de intervenção, ainda são incipientes seus resultados, permanecendo concepções que pouco diferenciam as chamadas práticas de promoção das tradicionais práticas de prevenção e educação para a saúde, reduzindo ou pouco explorando o potencial transformador da promoção (Mello, 2000). A busca e a construção de formas de gestão participativas, intersetoriais, capazes de impactar posi-tivamente os determinantes da saúde, enfrentam dificuldades de grande magnitude e de diferentes ordens. Ainda que haja crescente e diversificado espaço institucional para a partici-pação social, há limites culturais e interesses conflitantes que favorecem a manutenção de práticas e estruturas tradicionais. Como veremos, o próprio percurso desta pesquisa reúne vários elementos que atestam as dificuldades para avançar na lógica da promoção.

3.2 Contexto teórico da comunicação e saúde

Esta pesquisa adota a perspectiva da Semiologia dos Discursos Sociais, entendida como a ciência que estuda os fenômenos sociais como fenômenos de produção de sentidos. Isto é, per-cebe a significação como resultado de práticas e estratégias discursivas, realizadas a partir do lugar social dos sujeitos. A palavra-chave aqui é contexto. Discurso, então, é prática e prá-tica sempre desenvolvida no interior de um campo, seja para instituir esse campo ou designar o que esse campo enuncia. Podemos dizer, assim, que o discurso contribui para a consti-tuição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, moldam-no e o restringem: suas próprias normas e convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes” (Fairclough, 2001:92).

Referências

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