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O negócio jurídico processual de saneamento e organização do processo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

TACIANO DOMINGUES DA SILVA FILHO

O NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL DE SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO

Dissertação de Mestrado

Recife 2017

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TACIANO DOMINGUES DA SILVA FILHO

O NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL DE SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Teoria e Dogmática do Direito

Linha de pesquisa: Estado, Constitucionalização e Direitos Humanos

Orientador: Dr. Sérgio Torres Teixeira

Recife 2017

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Maria José de Carvalho CRB/4-1462 S586n Silva Filho, Taciano Domingues da

O negócio jurídico processual de saneamento e organização do processo. – Recife: O Autor, 2017.

159 f.

Orientador: Profº. Dr. Sérgio Torres Teixeira.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Programa de Pós-Graduação em Direito, Recife, 2017.

Inclui bibliografia.

1. Saneamento e organização do processo. 2. Negócio jurídico processual. 3. Código de Processo Civil brasileiro (2015). I. Teixeira, Sérgio Torres (Orientador). II. Título.

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TERMO DE APROVAÇÃO Taciano Domingues da Silva Filho

O NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL DE SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Área de concentração: Teoria e Dogmática do Direito. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Torres Teixeira.

A Banca Examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do primeiro, submeteu o candidato à defesa em nível de Mestrado e a julgou nos seguintes termos:

Professor Titular Dr. Ivo Dantas., Dr. UFPE

Julgamento: Aprovado Assinatura: _________________________ Professor Adjunto Dr. Leonardo José Ribeiro Coutinho Berardo Carneiro da Cunha, Dr. UFPE

Julgamento: Aprovado Assinatura:___________________________ Professor Adjunto Dr. Alexandre Pimentel, Dr. UFPE

Julgamento: Aprovado Assinatura: ________________________

MENÇÃO GERAL: APROVADO

Coordenadora do Curso: Prof. Dra. Juliana Teixeira

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo principal investigar a existência do negócio processual típico de saneamento e organização do processo no processo civil brasileiro. O estudo se justifica pela escassez de obras acadêmicas dedicadas ao tema, igualmente pela recente alteração legislativa que previu o negócio típico de saneamento e organização do processo no artigo 375, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015. Para atingir seu objetivo, parte-se do estudo da teoria do fato jurídico de Pontes de Miranda e Marcos Bernardes de Mello para investigar os fatos processuais e, consequentemente, a existência dos negócios jurídicos processuais no ordenamento brasileiro, bem como seus requisitos de validade e eficácia e regime jurídico aplicável. Da referida análise, conclui-se pela existência e de negócios jurídicos processuais típicos e atípicos com regime jurídico misto. Ainda no primeiro capítulo, investiga-se a importância dos negócios jurídicos processuais para a eficiência do processo e a participação do juiz nos negócios, que poderá ser requisito de validade ou eficácia do ato. No segundo capítulo, o trabalho trata do saneamento processual. Com um breve relato histórico, analisa-se a origem portuguesa do instituto, além de sua previsão nos Códigos de Processo Civil brasileiros de 1939 e de 1973, com enfoque, neste último, nas reformas legislativas levadas a cabo nos anos de 1994 e 2002, que alteraram a fase de saneamento do processo. Trabalha-se o objeto do saneamento, seu momento processual, a sua natureza jurídica, a incidência da preclusão, dentre outros aspectos. No terceiro capítulo, por fim, o estudo apresenta as mudanças legislativas que passaram a se referir ao “saneamento e organização do processo”, abarcando, assim, de maneira mais amplas as atividades que já eram realizadas nessa fase processual, como também o negócio de saneamento e organização do processo, expressamente previsto no artigo 357, § 2º, do CPC de 2015. Estuda-se, assim, o objeto do saneamento e organização consensual, como a redução e ampliação das questões apresentadas na petição inicial e na contestação, a delimitação objetiva da coisa julgada, os pressupostos de admissibilidade do processo e as nulidades processuais. Investiga-se, também o momento de apresentação desse negócio jurídico, bem como as impugnações à decisão que não o homologar, e, por fim, os reflexos do negócio na segunda instância e a possibilidade de nela se realizar.

Palavras-chave: saneamento e organização do processo. Negócio jurídico processual. Código de Processo Civil brasileiro de 2015.

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ABSTRACT

The present work has the main objective to investigate the existence of the typical procedural legal transaction of sanitation and organization of the process in brazilian civil process. The study is justified by the scarcity of academic works dedicated to the subject, also by the recent legislative amendment that predicted the typical procedural transaction of sanation and organization of the process in article 375, § 2, of the brazilian Civil Procedure Code of 2015. To reach its objective, the work begans by studing the theory of the juridical fact from Pontes de Miranda and Marcos Bernardes de Mello to investigate the procedural facts and, consequently, the existence of the procedural legal transaction in brazilian juridic order, as well as its requirements of validity and effectiveness and applicable legal regime. From this analysis, one can conclude that there are typical and atypical procedural transactions with mixed legal regime. Also in the first chapter, the study investigates the importance of procedural legal transactions for the efficiency of the process and for the participation of the judge in the act, which may be a requirement of validity or effectiveness. In the second chapter, the work deals specifically with procedural sanitation. With a brief historical account, the portuguese origin of the institute is analyzed, as well as its prediction in the brazilians Civil Procedure Codes of of 1939 and 1973, focusing, on the legislative reforms carried out in the years of 1994 and 2002, which altered the phase of reorganization of the process. The study investigates the purpose of the reorganization is to work, its procedural moment, its legal nature, the incidence of estoppel, among other aspects. Finally, in the third chapter, the study presents the legislative changes that have come to refer to the "sanation and organization of the process", encompassing more broadly the activities that were already carried out during this procedural phase, as well as the transaction of sanitation and organization of the process, expressly provided for in article 357, paragraph 2, of the CPC of 2015. The object of consensual sanitation is thus studied, such as the reduction and extension of the questions presented in the initial petition and in the contestation, the objective delimitation of the res judicata, the conditions for admissibility of the case and procedural nullities. It is also investigated the moment of presentation of this legal transaction, as well as the challenges to the decision that does not homologate it, and finally, the reflexes of the transation in the second instance and the possibility of doing in it.

Keywords: Sanitation and consensual organization of the process. Procedural legal transaction. Brazilian Civil Procedure Code of 2015.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1. NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS ... 13

1.1. MUNDO JURÍDICO ... 13

1.2. OS PLANOS DO MUNDO JURÍDICO ... 16

1.2.1. A incidência da norma jurídica na teoria de Pontes de Miranda ... 21

1.3. CLASSIFICAÇÃO OU SISTEMATIZAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS ... 25

1.4. FATOS JURÍDICOS PROCESSUAIS ... 32

1.4.1. Processo e norma processual ... 33

1.4.2. Da classificação dos fatos jurídicos como processuais ... 40

1.4.3. Da tipologia dos fatos jurídicos processuais ... 46

1.5. NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS ... 48

1.5.1. Da dicotomia entre Publicismo e Privatismo e a necessidade de adotar-se um modelo cooperativo de processo ... 53

1.5.2. Atos jurídicos stricto sensu x negócios jurídicos processuais ... 58

1.5.3. Regime jurídicos dos negócios jurídicos processuais ... 60

1.5.4. O juiz e o negócio jurídico processual ... 70

1.5.5. Negócio jurídico processual e adequação do procedimento ... 76

1.5.6. Classificação dos negócios jurídicos processuais ... 78

2. O SANEAMENTO NO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO ... 81

2.1. SANEAMENTO DO PROCESSO ... 81

2.2. NOTA HISTÓRICA SOBRE O SANEAMENTO ... 84

2.3. O SANEAMENTO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 ... 88

2.3.1. O saneamento na sistemática do CPC de 1973 pré-reforma de 1994 ... 88

2.3.2. O saneamento na sistemática do CPC de 1973 pós-reforma de 1994 ... 94

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2.3.3.1. Eficácia preclusiva do saneador e as “decisões implícitas” ... 100

3. O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 E O SANEAMENTO E

ORGANIZAÇÃO CONSENSUAL DO PROCESSO ... 105

3.1. O SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO CONSENSUAL DO PROCESSO ... 117

3.2. DO OBJETO DO SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO CONSENSUAL ... 120

3.2.1. Redução e ampliação das questões apresentadas na inicial e delimitação objetiva da coisa julgada ... 121 3.2.2. Requisitos de admissibilidade do processo ... 127 3.2.3. Supressão de nulidades ... 133

3.3. MOMENTO DE APRESENTAÇÃO DO NEGÓCIO DE SANEAMENTO E

ORGANIZAÇÃO CONSENSUAL DO PROCESSO ... 140 3.4. RECURSOS E IMPUGNAÇÕES ... 141

3.5. O NEGÓCIO DE SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO E O

DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ... 143 CONCLUSÃO ... 149 REFERÊNCIAS ... 152

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INTRODUÇÃO

Os negócios jurídicos processuais não são questão nova da doutrina brasileira. Contudo, o novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015 e suas previsões acerca do instituto seguramente foi responsável pelo despertar do assunto, fazendo surgir um repertório doutrinário sobre o tema que ainda não existia.

Em que pese o volume de obras que tratam da matéria, principalmente nos últimos anos, não é questão pacífica o conceito de negócio jurídico processual, seus elementos de validade, seus sujeitos, objeto, etc., até mesmo porque a prática processual não fez com que precedentes de relevância chegassem a tratar sobre o tema.

Por outro lado, o saneamento (e organização) do processo é instituto secular mesmo na doutrina brasileira. Inúmeros são os trabalhos que se dedicam a estudar o despacho saneador, sua importância e efeitos sobre o processo, a análise dos pressupostos de admissibilidade do processo, a correção de vícios, a preclusão sobre as matérias decididas naquele momento, dentre outros aspectos. A fase de saneamento esteve presente na legislação processual brasileira antes mesmo de sua unificação, que se deu no Código de Processo Civil de 1939, até o vigente Código de Processo Civil de 2015.

E foi justamente o Código de Civil de 2015 que inovou o ordenamento jurídico brasileiro trazendo a previsão do negócio jurídico processual típico de organização e saneamento do processo, conforme seu artigo 357, § 2º. É sobre esse negócio que se desdobra o presente. A problemática se impõe, assim, no desvendar do conteúdo, objeto e forma do saneamento do processo na atual sistemática processual, bem como no poder de ser ele objeto, ou não, de negócio jurídico processual.

No primeiro capítulo, o trabalho finca o seu marco teórico, construído sob a teoria dos fatos jurídicos de Pontes de Miranda, desenvolvida por Marcos Bernardes de Mello. Determinam-se os conceitos de existência, validade e eficácia dos fatos jurídicos, além de sua classificação em fatos jurídicos stricto sensu, atos-fatos jurídicos e atos jurídicos lato sensu, estes subdivididos em atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos.

Após, analisa-se a transposição da teoria dos fatos jurídicos para o direito processual e se estabelecem os conceitos adotados de processo e de norma processual. Segue-se com a caracterização dos fatos jurídicos processuais e sua tipologia, destacando-Segue-se os negócios jurídicos processuais e sua distinção em relação aos atos jurídicos processuais stricto sensu. Assume-se a existência de um modelo cooperativo de processo, no qual partes e juiz

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são responsáveis pelo seu gerenciamento capaz de fundamentar, também, a relevância dos negócios jurídicos processuais para o processo.

Admitindo-se os negócios jurídicos processuais, passa-se ao seu regime jurídico e aos seus elementos de existência, pressupostos de validade e seu conteúdo eficacial. São tratadas as fundamentais características dos negócios jurídicos processuais, como seu objeto, os sujeitos praticantes e os seus limites, os quais serão distintos em se tratando de negócio jurídico processual típico ou atípico. Destaca-se a discussão acerca da participação do juiz no negócio jurídico processual, cuja atuação representará pressuposto de validade ou somente condição de eficácia do negócio, ou mesmo será dispensada, a depender do caso. Também é analisado o papel do negócio jurídico processual na adaptação do procedimento como forma de presar pela eficiência processual. Por fim, o capítulo propõe uma classificação dos negócios jurídicos processuais a partir dos elementos analisados.

No segundo capítulo, trata-se do saneamento processual, definindo-o e averiguando o conteúdo do despacho saneador, questão bastante controversa na doutrina. Para melhor organizar o trabalho, inicia-se o capítulo estabelecendo o que se entende essencialmente por saneamento do processo. Após, há uma nota histórica sobre o instituto até o Código de Processo Civil de 1973.

Em seguida, trata-se o instituto detidamente no Código de Processo Civil de 1973, com destaque às reformas legislativas ocorridas nos anos de 1994 e 2002, que inseriram no procedimento ordinário a chamada audiência preliminar, com reflexos diretos na sistemática do saneamento processual.

O cotejo é realizado com a análise da doutrina da época, levando em consideração aspectos mais relevantes para os fins do estudo, e com a matéria envolvida no saneamento, a forma como seria realizado, os atos nele realizados e a preclusão, para as partes e para o juiz, em relação ao seu objeto. Assim, também se analisa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal em relação às problemáticas que envolvem o assunto.

O terceiro capítulo é dedicado ao negócio jurídico processual de saneamento e organização consensual do processo, previsto no art. 357, § 2º, Código de Processo Civil de 2015, como nota inicial sobre a sistemática inaugurada pela reforma legislativa.

Em relação ao saneamento e organização consensual do processo, demonstra-se a que tipo de negócio se refere, por quem pode ser celebrado, qual será seu objeto, os meios de impugnação da decisão do juiz que nega homologação ou participação, além dos reflexos e

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10

possibilidade de realização do negócio no segundo grau de jurisdição. Destaca-se o papel do juiz no saneamento e organização consensual, seja como responsável pela eficácia do negócio, ou mesmo como partícipe deste, nos casos em que sua presença seja necessária. Também se ressalta a diferença entre o saneamento e organização consensual e o saneamento dado de forma monocrática, bem como entre o saneamento e organização consensual e a audiência de saneamento do art. 357, § 3º, do CPC, a qual pode ser realizada em qualquer processo, em ambiente cooperativo.

Após, analisam-se matérias específicas que serão objeto do saneamento e organização consensual, como a delimitação ou ampliação das questões de fato do processo, a escolha da norma processual aplicável, a delimitação do objeto da demanda, assim como os negócios acerca dos requisitos de admissibilidade do processo e da supressão de nulidades. Para tanto, também será feita uma passagem pela teoria das nulidades dos atos processuais e dos requisitos de admissibilidade do processo e sua íntima relação com o saneamento do processo, embora se pretenda demonstrar que o saneamento do processo assume feições outras que não necessariamente ligadas à análise das nulidades, pressupostos processuais e condições da ação.

Por fim, trata-se dos momentos processuais para a apresentação do negócio de saneamento e organização consensual do processo, bem como das possibilidades de impugnação no caso de não homologação ou da negativa do juiz em sua participação no ato.

Da mesma forma, permeia-se o capítulo terceiro com a ideia de que negócios processuais outros, típicos ou atípicos, possam ser realizados no momento do saneamento, em conjunto com o negócio de saneamento e organização consensual do processo.

Também é assente a ideia de que a participação do magistrado no negócio jurídico de saneamento e organização consensual será definida a partir do objeto negociado e do momento de apresentação do negócio no processo. A sua participação, seja efetivamente como sujeito do negócio, ou mesmo homologando o saneamento e organização consensual apresentado pelas partes, sempre demandará decisão fundamentada, seja aceitando ou negando homologação ao negócio, seja participando ou recusando sua participação.

O objetivo fundamental do presente trabalho é caracterizar o negócio jurídico processual de saneamento e organização do processo, tratando dos seus elementos de existências, pressupostos de validade e suas consequências para o processo. A tarefa proposta se justifica por se tratar de um instituto novo, advindo da reforma legislativa que instituiu o

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Código de Processo Civil de 2015, sem que haja produção doutrinária suficiente ou mesmo repertório jurisprudencial acerca do tema, cuja norma que o previu já está vigente no ordenamento jurídico nacional.

Será utilizado o método hipotético-dedutivo no desenvolvimento do trabalho, colocando-se a hipótese em teste a todo o momento. As respostas aos problemas apresentados serão colocadas à prova e, dessa maneira, a partir de um raciocínio crítico, serão formuladas propostas para a solução dos problemas.

Em relação às fontes de pesquisa, como dito, escassos são precedentes judiciais acerca do negócio jurídico processual de saneamento e organização do processo e dos negócios jurídicos de maneira geral, o que dificultou a utilização dessa fonte no desenvolvimento do estudo. Por outro lado, no que se refere ao saneamento do processo, foram trabalhados precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Os escritos doutrinários, dessa maneira, foram a principal fonte de pesquisa utilizada. Para atingir os objetivos propostos, foi dada preferência às fontes nacionais, sem prejuízo de pequenas incursões em escritos do direito estrangeiro, mas sem a pretensão de realizar direito comparado.

O corte metodológico necessário para o desenvolvimento da pesquisa foi a limitação ao estudo de aspectos do negócio jurídico processual típico de saneamento e organização consensual do processo, em que pese a referência, em vários momentos, a outros negócios jurídicos processuais típicos ou atípicos. Não é objetivo do trabalho tratar dos elementos e pressupostos de cada um dos negócios processuais típicos ou atípicos, em que pese a referência a alguns, em determinados aspectos, facilite a exposição dos argumentos, sem haver, contudo, qualquer pretensão de exaustão do assunto.

Também foi objetivo do trabalho não se alongar no trato das teorias do processo, do ato processual, das normas jurídicas processuais e das nulidades processuais, fazendo-se apenas algumas referências para traçar os conceitos necessários ao desenvolvimento do estudo.

Há, ainda, alguns cortes epistemológicos, cujo conteúdo demandaria um alargamento demasiado do trabalho, impossibilitando uma conclusão satisfatória dentro dos limites que são propostos: não se pretende aprofundar o debate sobre cada um dos negócios processuais típicos, mas utilizar-se de alguns para fins de exemplificação das posições defendidas; delimitação de que a instrução processual e a matéria probatória são admitidas

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como objeto do saneamento e organização processual, sem aprofundar-se sobre o vasto campo do direito probatório; outro corte é feito ao enfrentar a legitimidade extraordinária de determinados entes para realizar o saneamento e organização consensual do processo, seja no primeiro ou segundo grau de jurisdição, que demandaria uma discussão aprofundada sobre direito coletivo e negócio jurídico processual coletivo.

A pesquisa e, consequentemente, o desenvolvimento do texto estão assim delimitados.

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1. NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS

1.1. MUNDO JURÍDICO

Com vistas a organizar-se em comunidade, o homem delimita e define os segmentos da vida e os classifica, a depender do campo científico pelo qual eles sejam analisados e observados. São os fatos que compõem o mundo, a realidade que os seres humanos conhecem, vivem e experimentam, e é através do domínio da ciência que o homem os estuda e trabalha. Há, então, os fatos físicos, fatos biológicos, fatos psíquicos, fatos químicos, etc.

Para o direito, visto como conjunto normativo criado para a pacificação e organização do homem em sociedade1, importam os fatos jurídicos, que compõem o mundo

jurídico.

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda2 partiu dos estudos da pandectista alemã

e consolidou um marco teórico para a difusão de uma teoria dos fatos jurídicos, no Brasil, a qual foi posteriormente desenvolvida por Marcos Bernardes de Mello3. Entendem-se, pois, os

conceitos de mundo jurídico e de fato jurídico a partir de sua teoria4.

O fato jurídico surge da incidência da norma jurídica sobre o fato do mundo real por ela elegido A partir da norma jurídica, há uma observação objetiva da relevância dos fatos do mundo para o ordenamento jurídico e, consequentemente, para a organização do homem em sociedade. Elegido o fato pela norma jurídica5, ocorrendo ele no mundo real, há

1 “Llamamos derecho (objetivo; ordenamiento jurídico) al conjunto de los mandatos jurídicos (preceptos

sancionados) que se constituyen para garantizar, dentro de un grupo social (Estado), la paz amenazada por los conflictos de interesses entre sus miembros. El derecho se constituye mediante la formulación de los preceptos y la imposición de las sanciones. Se observa mediante una conducta de los interesados conforme a los preceptos; se actúa mediante una fuerza que somete a las sanciones a los interesados rebeldes a su observancia” (CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del proceso civil. t. I. Traduccion de la quinta edicion italiana por Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1973, p. 21-22).

2 Assim, MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Parte Geral. Tomo I.

Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. 1ª edição. Campinas: Bookseller, 1999.

3 O autor desenvolveu o tema nas obras Teoria do Fato Jurídico, Teoria do Fato Jurídico: plano da existência,

Teoria do Fato Jurídico: plano da eficácia, citadas durante o estudo, dentre outras.

4 A distinção semântica de “fato jurídico”, contudo, não é questão pacífica na doutrinária. Betti, por exemplo,

trata fato jurídico como sinônimo de fattispecie (BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. Campinas: Servanda, 2008, p. 20), o que, para o presente estudo, estaria mais relacionado ao suporte fático hipotético do que ao próprio fato jurídico. Também Lehmann defende a definição funcional do fato jurídico (LEHMANN, Henrich. Tratado de derecho civil. v. I. Parte General. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1956, p. 195).

5 “A regra jurídica é norma com que o homem, ao querer subordinar os fatos a certa ordem e a certa

previsibilidade, procurou distribuir os bens da vida”, MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Parte Geral. Tomo I. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. 1ª edição. Campinas: Bookseller, 1999, p. 49.

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imediatamente seu ingresso no mundo jurídico a partir da incidência normativa, que é infalível, criando os efeitos jurídicos.

Qualquer fato pode ingressar no mundo jurídico, bastando estar previsto no suporte fático de uma norma jurídica. Para isso, necessário que esteja, de alguma forma, relacionado a algum indivíduo ou à sociedade como um todo, seja por lhe dizer respeito, seja por lhe atingir a esfera jurídica. É extremamente necessária essa referibilidade do fato ao homem, o que não se confunde com classificar os fatos em fatos naturais e fatos cujo agente causador seja o próprio homem: a referibilidade diz respeito à intersubjetividade entre o homem – do ponto de vista de ser social – e o próprio fato.

A norma jurídica delimita, de modo hipotético, o fato que, ocorrendo no mundo real, enseja sua incidência, produzindo efeitos. Daí falar-se na estruturação da norma jurídica em dois elementos principais: o suporte fático e a proposição6.

O termo suporte fático possui duas conotações, a saber: uma primeira referente à previsão do fato na norma, e a segunda relativa à efetiva ocorrência daquela previsão no mundo real.

No primeiro sentido, não significa nada mais do que a previsão do acontecimento de determinado fato no mundo real, que seria suficiente para a incidência da norma, transformando-o em fato jurídico, ou seja, a previsão em abstrato, não relacionada com a efetiva ocorrência do fato no mundo real. Para exemplificar, permite-se à norma adotar como suporte fático a não apresentação de defesa pelo réu em processo judicial, sem que se exija a ocorrência daquele fato no mundo real7.

A segunda acepção de suporte fático se remete ao fato mesmo ocorrido no mundo real, sobre o qual incide a norma jurídica, de maneira concreta. No exemplo citado acima, o suporte fático concreto existiria quando um sujeito de direito, em posição passiva no processo judicial, não apresentasse sua defesa dentro do prazo assinalado pela lei, de modo que ensejaria a concretude na previsão hipotética, aplicando-se o consequente previsto pelo ordenamento jurídico. Portanto, a primeira conotação designa o enunciado lógico da norma,

6 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva: 1988, p. 37.

7 Essa conotação foi desenvolvida por Pontes de Miranda a partir do conceito alemão de Tatbestand. Na

doutrina, encontram-se outras expressões sinônimas, a exemplo de fattispecie, supuesto de hecho, suposto, pressuposto de incidência, tipificação legal, tipo legal, hipótese de incidência, fato gerador..., conforme MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva: 1988, p. 54 e 55.

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na qual se representa a hipótese fática condicionante de sua incidência, e a segunda se refere ao fato materializado no mundo real8.

O suporte fático possui um núcleo, correspondente ao mínimo necessário para a existência do fato jurídico, pois muitas vezes ela depende de vários fatos do mundo real, os quais podem ocorrer simultaneamente ou não, como também serem praticados por apenas um ou vários sujeitos. Sempre haverá, contudo, um fato que determina a sua configuração final e fixa sua concreção, cuja presença é pressuposta em todas as normas que integrem a respectiva instituição jurídica. É a esse fato fundamental que se denomina cerne do suporte fático9.

Além do cerne, os elementos completantes integram o núcleo para constituir o próprio suporte do fático do fato, de forma que sua integral concreção no mundo é pressuposto de existência do fato jurídico. Por dizerem respeito à própria existência do fato jurídico, se ausentes o fato jurídico será inexistente.

Embora possa ser composto por vários fatos do mundo, o fato jurídico deve ser sempre visto conceptualmente como unidade. Esta unidade é a que deve existir, com a incidência da norma sobre o fato concreto10.

Continuando, os elementos complementares e integrativos também compõem o suporte fático da norma jurídica, mas não o seu núcleo. Os primeiros (complementares) se referem exclusivamente à perfeição dos elementos do suporte fático, repercutindo nos planos da validade e eficácia dos atos jurídicos fundados na vontade humana (atos jurídicos lato sensu, como se verá adiante)11. Já os elementos integrativos repercutem exclusivamente no

plano da eficácia, a fim de que se irradiem efeitos adicionais aos normais também em relação aos atos jurídicos lato sensu. Geralmente os elementos integrativos estão relacionas a atos praticados por terceiros12.

Analisado o suporte fático e seus elementos, passa-se à proposição, segundo elemento estruturante da norma jurídica.

8 “É essência; a todo estudo sério do direito considerar-se, em ordem, a) a elaboração da regra jurídica (fato

político), b) a regra jurídica (fato criador do mundo jurídico), c) o suporte fático (abstrato), a que ela se refere, d) a incidência quando o suporte fático (concreto) ocorre, e) o fato jurídico, que daí resulta, f) a eficácia do fato jurídico, isto é, as relações jurídicas e mais efeitos dos fatos jurídicos” (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Parte Geral. Tomo I. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. 1ª edição. Campinas: Bookseller, 1999, p. 50).

9 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva: 1988, p. 61. 10 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva: 1988, p. 61. 11 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva: 1988, p. 62.

12 ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. Negócios jurídicos materiais e processuais. Revista de Processo.

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Também denominado preceito, disposição, ou, ainda, consequência, é neste elemento que estão prescritos os efeitos atribuídos aos fatos jurídicos. Ele contém a disposição normativa acerca da eficácia jurídica13. Toda consequência jurídica que se atribua

a um fato constitui eficácia jurídica, e é, portanto, objeto de uma proposição.

Assim como no suporte fático, no preceito há dois sentidos a se considerar: um abstrato e um concreto. O primeiro se refere às consequências hipotéticas na ocorrência daquele fato, enquanto que o segundo corresponde à efetivação do preceito abstratamente previsto, com a imputação de efeitos ao fato jurídico ocorrido. Também é possível que o preceito concretizado (concreção esta que se dá no mundo jurídico, ressalte-se) não se realize, o que não afeta, em tese, a eficácia da norma jurídica. Caracteriza-se em desrespeito que não a torna inválida, nem a faz revogada14.

A norma jurídica não produz eficácia, a não ser a eficácia legal, que é a própria incidência da norma, que tem como consequência o fato jurídico. Do mesmo modo, o fato do mundo real não produz qualquer eficácia no mundo jurídico. Somente será possível falar em eficácia jurídica após a existência do fato jurídico, dado a partir da incidência da norma sobre o suporte fático em concreto.

A estrutura normativa que prescreve o conteúdo eficacial é o preceito da norma jurídica, e não o seu suporte fático. É assim que o direito regula o conteúdo eficacial de cada fato jurídico, regulamentando as categoriais eficaciais. E o ordenamento o faz de maneiras distintas, variando de intensidade desde uma regulamentação extensiva do conteúdo eficacial, até mesmo deixando à mercê de que o praticante ou os praticantes do ato determinem o seu próprio conteúdo eficacial. Ou seja, tudo depende de previsão normativa, a partir do que fora definido após o processo legislativo, exercido com liberdade de estabelecer o que deve ser a eficácia do fato jurídico.

Assim, previsto hipoteticamente o fato do mundo real pela norma jurídica, tão logo se concretize, há a incidência normativa, criando-se o fato jurídico com a consequente imputação dos efeitos jurídicos. A concreção, contudo, nem sempre implicará na atribuição de efeitos, posto necessário que o fato ultrapasse pelos três planos do mundo jurídico.

1.2.OS PLANOS DO MUNDO JURÍDICO

13 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva: 1988, p. 66. 14 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva: 1988, p. 68.

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Ao adentrar no mundo jurídico, o fato perpassa por três planos: da existência, da validade e da eficácia15.

Primeiramente, o fato precisa existir no mundo jurídico, o que decorre da necessidade de atravessar o plano da existência. Esse é o plano base dos quais dependem os demais planos: o plano da validade e o plano da eficácia. No plano da existência entram todos os fatos jurídicos, sejam eles lícitos ou ilícitos, válidos ou inválidos, eficazes ou ineficazes, não importa: apenas é relevante a realidade de sua existência, de seu ser.

Para existir o fato jurídico, importa saber se o seu suporte fático se compôs de maneira suficiente em relação ao elemento nuclear e aos elementos completantes, ensejando, assim, a incidência da norma e a entrada do fato no mundo jurídico16.

Uma vez inserido no mundo jurídico, o fato dali não pode ser retirado pela norma que o colocou. Com a perda da vigência da norma jurídica, o suporte fático deixa de ser suporte fático, mas o fato jurídico não deixa de existir, posto já atravessara o plano da existência, permanecendo no mundo jurídico. O fato jurídico só deixa de existir se for desconstituído por um novo fato jurídico17.

Após perpassar o plano da existência, o fato deve atravessar os planos da validade e da eficácia. Por serem independentes, é possível que alguns fatos jurídicos perpassem por um sem sequer entrar no outro, pelo que se concebe que um fato jurídico a) exista, seja válido e eficaz; b) exista, seja válido e ineficaz; c) exista, seja inválido e eficaz; d) exista, seja inválido e ineficaz; e) exista e seja eficaz; ou mesmo f) exista e seja ineficaz.

Ao entrar no plano da validade, o fato jurídico, que já é existente, será analisado a partir da concreção dos elementos complementares do suporte fático. Se presentes, o fato será válido; caso não satisfeitos, será caso de invalidade do fato jurídico. O plano da validade

15 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Parte Geral. Tomo I. Atualizado por

Vilson Rodrigues Alves. 1ª edição. Campinas: Bookseller, 1999, p. 26.

16 Paula Sarno Braga bem observa: “Em linhas gerais, no plano de existência, observam-se três diferentes

momentos: i) o momento abstrato, que se dá pela descrição da hipótese fática pela norma jurídica (definição hipotética do fato jurídico pela norma); ii) o momento de concreção, que se configura pela incidência da hipótese normativa sobre fato ou complexo de fatos da vida; ii) momentos estes que resultam no momento de nascimento do fato jurídico, no qual se verifica que, juridicizado o fato (ou complexo de fatos) pela prescrição normativa, passa ele a existir no mundo jurídico — ingressa no plano de existência do mundo do direito” (BRAGA, Paula Sarno. Primeiras reflexões sobre uma teoria do fato jurídico processual: plano de existência. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 32, n. 148, p. 293–320, junho, 2007, p. 310).

17 Por isso não se confunde ato inexistente e ato nulo. O ato nulo é, ele existe, ou seja, adentrou no mundo

jurídico, embora possua alguma invalidade. Já o ato inexistente sequer adentrou no mundo jurídico, pois não houve sequer concreção do seu suporte fático, de modo que não perpassou pelo plano da existência. Assim, COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. 3ª ed. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1958, p. 377.

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consiste numa atribuição feita pelo direito do que seria perfeito e o que estaria eivado de invalidade, por isso que somente o atravessarão os fatos jurídicos cuja vontade humana constituir elemento nuclear do suporte fático, que seria no caso dos atos jurídicos lato sensu18.

Por isso mesmo que os fatos jurídicos que não passam pelo plano da validade não estão sujeitos a termos, condições ou quaisquer determinações para que possam produzir eficácia. Ou seja, tão logo existam, produzem efeitos.

Por fim, o plano da eficácia representa a finalidade máxima do fato jurídico: a produção de efeitos. Se assim não fosse, os fatos somente iriam existir e serem válidos, não importando em qualquer consequência para a esfera jurídica de quaisquer sujeitos de direito.

Da mesma forma que é infinita a quantidade de fatos, é praticamente ilimitada a variedade dos efeitos que possam ser imputáveis aos fatos jurídicos, posto a imputação ser criação humana, “sujeita, apenas, aos modelos criados pela inteligência, estimulada e orientada pela experiência, com a finalidade de atender as necessidades da convivência social”19. Algumas categorias eficaciais, contudo, são universais, como os direitos, deveres,

pretensões, obrigações, ações e exceções, variando, apenas, o seu conteúdo, como a intensidade dos poderes, os ônus e penalidades atribuídos.

A partir dos efeitos dos fatos é que são criadas as situações jurídicas e as relações jurídicas, com todo o seu conteúdo eficacial (direitos e deveres, pretensões e obrigações, ações e exceções).

É verdade que a expressão situações jurídicas não é unívoca20, porém, adota-se

aqui a classificação proposta por Marcos Bernardes de Mello21, segundo a qual duas acepções

de situação jurídica são empregadas: situação jurídica lato sensu e situação jurídica stricto sensu. A primeira designa toda e qualquer consequência que se produz no mundo jurídico em decorrência de um fato jurídico, englobando todas as categorias eficaciais. Já a segunda acepção nomeia os casos de eficácia jurídica que não concretizam uma relação jurídica, ou que não implicam ônus e sujeição na posição passiva, uma vez que se limitam a somente uma

18 Não há como verificar a invalidade de atos ilícitos, de fatos jurídicos em sentido estrito e de atos-fatos

jurídicos. Nesses dois últimos casos, a realidade fática impede que se lhe negue validade. Nos fatos ilícitos, por sua vez, a sanção de nulidade seria um contrassenso, pois iria beneficiar quem praticou o ato viciado.

19 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva: 1988, p. 66.

20 Fazzalari, por exemplo, emprega duas concepções às situações jurídicas, abstratas e concretas. As primeiras,

por estarem determinadas na norma sem referência a um sujeito real; enquanto que as concretas se destinam a um sujeito determinado, ligando-o ao ato jurídico em concreto (FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito Processual. Tradução Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006, p. 83).

21 A exposição aprofundada das categorias eficaciais está exposta na obra Teoria do fato jurídico: plano da

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esfera jurídica22. Situação jurídica stricto sensu e relação jurídica são, pois, espécies diferentes

de situação jurídica lato sensu. Ou seja, a situação jurídica é gênero, que abarca todo tipo de eficácia jurídica, inclusive a relação jurídica, a mais importante das categorias eficaciais23.

Daí dividir-se em situações jurídicas relacionais e não-relacionais.

As situações jurídicas também podem ser classificadas a partir da intersubjetividade, ou seja, da relação entre sujeitos de direitos. Assim serão as situações jurídicas divididas em simples, ou unissubjetivas, e complexas, ou intersubjetivas. A questão é verificar se há ou não intersubjetividade na situação jurídica: se não, é simples; se sim, é complexa. Caracterizam-se como situações jurídicas unissubjetivas as espécies de eficácia jurídica que dizem respeito a uma única esfera jurídica, e cujo conteúdo se limita a atribuir ao seu titular, apenas, uma qualidade ou uma qualificação no mundo jurídico. Não importa que à base do efeito jurídico exista direito oponível a todos, somente se adota como critério para definir essas situações jurídicas a característica de sua referibilidade, direta e imediata, a uma única esfera jurídica.

A situação jurídica unissubjetiva se caracteriza pela qualidade imputada ao sujeito de direito, como ser pessoa, ser capaz, etc., e não pelo direito subjetivo que a assegura, sendo eficácia que de modo preponderante, mas não exclusivo, circunscreve-se a apenas uma esfera jurídica24.

São classificáveis nessa categoria, portanto, as qualidades de serem pessoas e de serem sujeitos de direito (ou seja, ter personalidade de direito e ter capacidade jurídica), e as qualificações, que se consubstanciam nos status individuais. Cada situação jurídica unissubjetiva tem seu conteúdo próprio com sua finalidade específica. Três são os elementos que as caracterizam: referibilidade a uma única esfera jurídica; oponibilidade erga omnes; e impositividade por via judicial25.

22 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. 1ª parte. 3ª ed. rev. São Paulo:

Saraiva: 2007, p. 79.

23 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva: 1988, p. XI, prefácio, e p.

81. No mesmo sentido, MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Parte Geral. Tomo I. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. 1ª edição. Campinas: Bookseller, 1999, p. XVI, prefácio; VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 5ª ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 238, e BRAGA, Paula Sarno. Primeiras reflexões sobre uma teoria do fato jurídico processual: plano de existência. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 32, n. 148, p. 293–320, junho, 2007, p. 310

24 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. 1ª parte. 3ª ed. rev. São Paulo:

Saraiva: 2007, p. 83.

25 Marcos Bernardes de Mello comenta crítica realizada por Torquato de Castro sobre o termo situação jurídica

unissubjetiva, que a considerava imprópria, posto a conduta, para ser considerada jurídica, não pode prescindir da posição do homem diante de outro homem ou da comunidade, eis que direito não existe onde não há interferência intersubjetiva de condutas. Argumentou Marcos que qualificava como unissubjetiva apenas “a

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Na maioria das vezes, do fato jurídico resulta o envolvimento de mais de uma esfera jurídica (de mais de um sujeito de direito), o que, em regra, gera uma relação jurídica que irradia direitos e deveres correspectivos. Esta correspectividade é elemento caracterizador e um dos princípios fundamentais da própria relação jurídica.

Fala-se das situações jurídicas intersubjetivas. Todavia deve-se perceber que há situações jurídicas complexas que, embora a intersubjetividade seja pressuposto necessário de sua própria existência, sua eficácia se limite exclusivamente a uma esfera jurídica. Esse cenário pode ser exemplificado por certos negócios jurídicos unilaterais. Daí ser possível identificar uma subespécie de situações jurídicas complexas ou intersubjetivas: as situações jurídicas complexas unilaterais, cujas características essenciais são a intersubjetividade necessária e a eficácia limitada a uma só esfera jurídica26.

Então, no caso das situações jurídicas complexas, duas situações podem ser verificadas: a) na primeira, apesar de haver intersubjetividade, apenas um dos figurantes é titular de uma posição jurídica, implicando unilateralidade dos seus efeitos, formando-se uma situação jurídica complexa unilateral27; b) na segunda situação, além da intersubjetividade, há

multilateralidade dos efeitos jurídicos, ligando mais de um sujeito correspectivamente, configurando-se uma situação jurídica complexa multilateral, que tipifica a relação jurídica. O fato jurídico, então, pode não apresentar sua eficácia completa, mas irradia, ao menos, uma situação jurídica com eficácia mínima.

Portanto, no mundo jurídico são identificáveis espécies que não geram, necessariamente reflexos relacionais. Há casos em que o fato jurídico pode gerar uma eficácia mínima, limitada, diferente daquela que lhe é própria e final. Outros fatos jurídicos, embora tenham sua eficácia destinada a gerar uma relação jurídica, não podem produzi-la de imediato, criando efeitos referentes a uma única esfera jurídica. Por fim, há outros fatos jurídicos cuja eficácia se refere de maneira exclusiva a apenas uma esfera jurídica, sem envolver, imediata e diretamente outra ou outras esferas jurídicas em vinculação de ônus e sujeição.

situação jurídica que define uma posição no mundo jurídico referente, exclusivamente, a um único sujeito de direito”, de modo que este sentido não nega, não conflita e nem considera a essencial intersubjetividade que fundamenta o fenômeno jurídico, “pois não diz respeito à conduta, em sim, mas, unicamente, aos limites da eficácia jurídica que, na espécie, pertine a uma só esfera jurídica” (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. 1ª parte. 3ª ed. rev. São Paulo: Saraiva: 2007, nota. 152, p. 90). Às situações Torquato de Castro deu a designação de uniposicionais (CASTRO, Torquato de. Teoria da situação jurídica em direito privado nacional: estrutura, causa e título legitimário do sujeito. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 32).

26 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. 1ª parte. 3ª ed. rev. São Paulo:

Saraiva: 2007, p. 165.

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A simples entrada do fato jurídico no mundo jurídico faz com que ocorra alteração no plano da existência e também no plano da eficácia, surgindo, ao menos, uma situação jurídica mínima. A essa espécie denomina-se situação jurídica básica28.

É possível que o fato jurídico exista e não produza efeitos, posto ineficaz, portanto, eficácia do fato jurídico não é unívoca e constante e pode não ocorrer. Poder-se-ia afirmar, daí, que a relação do fato jurídico e de sua eficácia seria de condicionalidade, de modo que a citada causalidade no mundo jurídico se restringiria ao princípio da causalidade normativa, que define a relação de determinação entre a norma jurídica e o fato jurídico, estando no campo da probabilidade a relação de determinação entre o fato jurídico e sua eficácia29.

A existência de uma situação jurídica básica, por si só, já impõe a causalidade também entre fato jurídico e seus efeitos. Ou seja, considerando-se, ao menos, um efeito mínimo, que é justamente a situação jurídica básica, tem-se que também essa causalidade é inexorável, sendo provável, por seu turno, somente a produção plena da eficácia do fato jurídico, haja vista que os efeitos da situação jurídica básica são limitados, apesar de típicos.

Apesar da eficácia do fato jurídico não ser unívoca e constante, ela pode não ocorrer em sua plenitude, de modo que, em alguns casos, somente irá produzir efeitos limitados que, quando correspondentes à situação jurídica básica, implicarão ineficácia do fato jurídico.

1.2.1. A incidência da norma jurídica na teoria de Pontes de Miranda

O mundo jurídico é fruto do intelecto humano: refere-se apenas à conduta do homem em sua interferência subjetiva. Não se desenvolve no campo da mera causalidade física, mas sim numa ordem de validade, no plano do dever-ser. O ser fato jurídico e produzir efeitos jurídicos são situações que se passam no mundo do pensamento e não impõem, necessariamente, transformações na ordem do ser30. O sistema jurídico prescreve a ocorrência

do fato, seus requisitos de validade e os efeitos de sua ocorrência no mundo jurídico.

28 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 176.

29 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria dos fatos jurídicos: plano da existência. 15ª edição. São Paulo: Saraiva,

2008, p. 27.

30 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 26. O sistema

jurídico, desse modo, não se sujeita à causalidade natural, como as leis físicas de causa e efeito. Em sendo uma ordem de validade, na formulação dos preceitos jurídicos os fatos da vida são tomados em um certo sentido que

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Segundo a teoria da incidência da norma jurídica de Pontes de Miranda, tão logo ocorra o fato no mundo jurídico, em havendo concreção do suporte fático, dar-se-á a incidência normativa, que se passa no plano do pensamento, sem que seja necessária a intervenção humana para tanto. Há o que se chama de infalibilidade da incidência da norma jurídica: com a concreção o suporte fático concreto, cria-se o fato jurídico, cujos efeitos são produzidos de imediato, na maioria dos casos, a não ser naqueles em que termos e/ou condições são impostos por lei ou pela vontade das partes.

Existe, portanto, um nexo causal entre a eficácia jurídica, o fato jurídico e a norma jurídica, o qual é denominado pela doutrina de princípio da causalidade jurídica, que define a relação de determinação entre o fato jurídico e sua eficácia31.

Não há probabilidade de incidência da norma quando ocorre o fato jurídico. Há, sim, uma causalidade em que a incidência da norma jurídica constitui a causa e o fato jurídico o efeito, numa relação de determinação unívoca e constante, por condição externa32.

Esse conceito de incidência exclui a relevância da argumentação na interpretação normativa. A infalibilidade retira da atividade do aplicador do direito a incidência, implicando na subsunção do fato a norma sem que haja margens para a interpretação.

Paulo de Barros Carvalho critica a doutrina de Pontes, negando que haja distinção entre incidência jurídica e atividade de aplicação do direito33. Sustenta o autor a necessidade

de intervenção humana, através da promoção da subsunção do fato à hipótese normativa, na interpretação do texto normativo a partir do fato analisado34. Para ele, “essa participação

humana no processo de positivação normativa se faz também com a linguagem, que certifica os acontecimentos factuais e expede novos comandos normativos sempre com a mesma

pode não ser o da natureza. Assim, MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 54 e 55.

31 Neste sentido, MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. 1ª parte. 3ª ed. rev.

São Paulo: Saraiva, 2007, p. 19 e 20; MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Parte Geral. Tomo I. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. 1ª edição. Campinas: Bookseller, 1999, p. 19; VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 112.

32 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. 1ª parte. 3ª ed. rev. São Paulo:

Saraiva, 2007, p. 19 e 20.

33 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 9. ed. rev. São Paulo:

Saraiva, 2012, p. 30.

34 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 9. ed. rev. São Paulo:

Saraiva, 2012, p. 11-12. Sua teoria é seguida por vários nomes da doutrina nacional, como Gabriel Ivo (IVO, Gabriel. A Produção Abstrata de Enunciados Prescritivos. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. (coord.) Curso de Especialização em Direito Tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 125) e Eurico Marcos Diniz Santi (SANTI, Eurico Marcos Diniz. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 58).

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compostura formal: um antecedente de cunho descritivo e uma consequente de teor prescritivo”35. O autor trabalha a linguagem tomando como princípio a autorreferência do

discurso, na linha das teorias retóricas, o que implica “ver a linguagem como não tendo outro fundamento além de si própria, não havendo elementos externos à linguagem (fatos, objetos, coisas relações) que possam garantir sua consistência e legitimá-la” 36.

Nesse sentido, Adrualdo de Lima Catão afirma que a existência de fatos jurídicos somente é possível a partir de uma construção e interpretação do ser cognoscente, não se podendo fazer qualquer distinção entre fatos jurídicos e fatos do mundo real, pois todos são considerados a partir da construção linguística do intelecto humano e do prisma criativo da norma jurídica, tendo valor apenas aqueles fatos considerados pela norma37.

Em contraponto, Adriano Soares da Costa teceu críticas à teoria carvalhiana. Para ele, a teoria de Pontes de Miranda talvez tenha deixado de aprofundar um conceito fundamental para sua compreensão: o de mundo do pensamento, no qual ocorreria a incidência38.

O autor critica Paulo de Barros Carvalho por identificar a incidência como sinônimo de aplicação da norma, além de colocar o elemento humano, revestido em autoridade, como essencial para a incidência da norma39. Para Adriano, “a norma jurídica que

incide infalivelmente é a norma que ganhou em densidade simbólica, como fato do mundo social, no seu subconjunto, o mundo do pensamento. Não se deve, desse modo, reduzir o mundo do pensamento ao mundo da psique, é dizer, da mente de um sujeito psicologizado”40.

35 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 9. ed. rev. São Paulo:

Saraiva, 2012, p. 34.

36 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 9. ed. rev. São Paulo:

Saraiva, 2012, p. 27.

37 CATÃO, Adrualdo de Lima. Uma visão pragmática da noção de fato no direito: o caráter interpretativo do fato

jurídico In: DIDIER JR., Fredie; EHRHARDT JR., Marcos. (Coord.) Revisitando A teoria do Fato Jurídico: estudos em homenagem a Marcos Bernardes de Mello, São Paulo: Saraiva, 2009.

38 “Todavia, na exposição do pensamento pontesiano, tanto pelos seus adeptos como pelos seus críticos, faltou

quem desse ênfase a alguns dos aspectos primordiais de sua concepção. Ora, todas as vezes que Pontes de Miranda define o que seja incidência sublinha ser ela fato do mundo do pensamento. A essa expressão, constante em suas diversas exposições sobre o tema, nunca foi dada a devida importância. Afinal, o que seria esse mundo do pensamento a que se referia Pontes de Miranda? Qual o sentido do seu emprego para explicar o significado e a operacionalidade do conceito de incidência?” (COSTA, Adriano Soares da. Teoria da incidência da norma jurídica: crítica o realismo-lingüístico de Paulo de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.16).

39 “A afirmação de que a norma jurídica é produto da interpretação individual de um sujeito psicologizado

conduz a um beco sem saída da finalidade social do Direito. Ela passa a ser um produto exclusivo do intérprete, cuja compreensão pode ser diversa de um outro sujeito, assim ao infinito” (COSTA, Adriano Soares da. Teoria da incidência da norma jurídica: crítica o realismo-lingüístico de Paulo de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 08-09).

40 COSTA, Adriano Soares da. Teoria da incidência da norma jurídica: crítica o realismo-lingüístico de Paulo

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O autor enaltece a teoria da incidência, fazendo um paralelo do mundo do pensamento de Pontes com a teoria dos mundos de Karl Popper, quem teria percebido a insuficiência da dualidade mundo material/mundo mental sobre a qual se ergue a filosofia, podendo-se falar, pois, em três mundos: o mundo material, o mundo mental e o mundo das ideias em sentido objetivo, ou o mundo dos pensamentos possíveis41. Assim conclui,

“O simbólico (a norma) é objetivação conceptual que qualifica o fático, por intermédio da causalidade da incidência e, cumprindo a sua função de processo de adaptação social, adquire forma de objetivação social pelos múltiplos processos de aplicação pelos seus destinatários, ou, na sua inobservância, pelos órgãos legitimados. É pela incidência, no mundo do pensamento, que se dá a objetivação conceptual, simbólica, do processo de juridicização; é pela aplicação da norma que incidiu, que se dá a sua objetivação social na concretude da vida” 42.

Um exemplo, extraído do próprio estudo, auxilia a compreensão:

“Se uma mulher ultrapassa o sinal vermelho, conduzindo seu veículo, e não é vista pelo agente de trânsito, nem tampouco fotografada pelo radar eletrônico, a norma incide infalivelmente, qualificando juridicamente o fático, nada obstante não venha possivelmente, ou mesmo nunca, a ser aplicada nessa situação concreta. A incidência nada tem com o conhecimento ou prova da ocorrência do fato jurídico. Ocorre no plano do pensamento, que não é o plano da psique da mulher infratora, que sabe ter vulnerado a norma de trânsito, no exemplo citado. Aliás, para a incidência da norma pouco importa a ignorância que a pessoa interessada venha a ter de sua existência ou extensão” 43

Assim, o mundo do pensamento seria uma realidade simbólica, que transcende à própria realidade do homem44. Nesse mundo ocorreria a incidência, cuja consequência no

mundo físico não seria necessária, mas possível.

O estudo de Costa ultrapassa sobremaneira o escopo do presente trabalho, não sendo sede apropriada para desenvolvê-lo de maneira pormenorizada. Por esta razão, limita-se à citação de alguns aspectos relevantes e suficientes à conclusão de que a incidência se dá no mundo do pensamento, não sendo imprescindível, para tanto, a aplicação, que é questão completamente diversa.

41 COSTA, Adriano Soares da. Teoria da incidência da norma jurídica: crítica o realismo-lingüístico de Paulo

de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 24. O autor trata de como é possível encontrar na teoria de conhecimento desenvolvido por Pontes um elo de ligação entre a teoria da incidência e a teoria dos mundos de Popper, segundo lição de Gaetano Carcaterra.

42 COSTA, Adriano Soares da. Teoria da incidência da norma jurídica: crítica o realismo-lingüístico de Paulo

de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 28.

43 COSTA, Adriano Soares da. Teoria da incidência da norma jurídica: crítica o realismo-lingüístico de Paulo

de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 20.

44 COSTA, Adriano Soares da. Teoria da incidência da norma jurídica: crítica o realismo-lingüístico de Paulo

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1.3. CLASSIFICAÇÃO OU SISTEMATIZAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS

Compreendido o mundo jurídico, a incidência normativa e criação dos fatos jurídicos, bem como os planos pelos quais perpassam ao adentrá-lo, mister se faz distinguir as espécies de fatos jurídicos e principais características de cada um.

Teixeira de Freitas elaborou no seu Esboço do Código Civil uma taxionomia exaustiva dos fatos jurídicos do que aquela adotada pela doutrina de sua época. Considerava que o fato geral compreendesse os fatos exteriores e os fatos humanos, por sua vez subdivididos em voluntários e involuntários45.

Tomando por base a classificação de Teixeira de Freitas e principalmente de Pontes de Miranda, Marcos Bernardes de Mello adota critério segundo o qual o fato jurídico será classificado a partir do elemento cerne do suporte fático. Como visto, os suportes fáticos são compostos por vários elementos, dentre os quais um elemento essencial que constitui o cerne do próprio fato jurídico. Este elemento nuclear é, portanto, quem define e caracteriza o fato jurídico como espécie46.

Podem-se identificar alguns cernes comuns a algumas espécies, porém que se caracterizam por elemento diferenciador de outras. Assim, identificam-se como cernes diferenciais: a) a conformidade ou não conformidade do fato jurídico com o direito; e b) a presença, ou não, do ato humano volitivo no suporte fático hipotético47.

Sendo os fatos jurídicos conformes ou não conformes ao direito, serão, respectivamente, lícitos ou ilícitos. O elemento cerne do suporte fático da ilicitude se consubstancia na contrariedade a direito e na imputabilidade. Por isso que há licitude se o ato é permitido pelo direito, mesmo que cause prejuízo ou até mesmo que obrigue a indenizar. Não há uma diferença ontológica entre ilícito civil, penal administrativo, posto todos

45 Para uma análise mais detida da classificação de Teixeira de Freitas, vide MELLO, Marcos Bernardes de.

Teoria do fato jurídico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p 112 a 114.

46 No mesmo sentido, COSTA, Adriano Soares da. Teoria da incidência da norma jurídica: crítica o

realismo-lingüístico de Paulo de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 35. Vicente Ráo, por sua vez, aponta que o conceito de fato jurídico compreende três categorias: “os fatos ou eventos exteriores que da vontade do sujeito independem; os fatos voluntários cuja disciplina e cujos efeitos são determinados exclusivamente por lei; os fatos voluntários (declaração de vontade) dirigidos à consecução dos efeitos ou resultados práticos que, de conformidade com o ordenamento jurídico, deles decorrem” (RÁO, Vicente. Ato jurídico: noção, pressupostos, elementos essenciais e acidentais. O problema do conflito entre os elementos volitivos e a declaração. 4. ed. anotada, rev. e atual. por Ovidio Rocha Barros Sandoval. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 28).

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possuírem o mesmo cerne. A distinção é puramente metodológica e se estabelece a partir da espécie da norma que incide sobre o suporte fático concreto.

O conceito de contrariedade a direito é mais amplo do que o conceito de ilicitude. Não são, pois, conceitos coextensivos. A ilicitude exige também como pressuposto essencial (elemento completante) que a contrariedade seja imputável a alguém, ou seja, que seja atribuída a quem tenha capacidade delitual. Por isso o absolutamente incapaz não comete ato ilícito, mesmo se age contrariamente a direito. Essa conclusão é suficiente para afirmar que tratar o ato como ilícito não implica qualquer consideração à vontade do agente em praticá-lo. A ilicitude do fato irá decorrer de uma ampla vinculação a alguém, a quem são atribuídos efeitos no campo de relacionamento humano. Portanto, a ilicitude é elemento nuclear do suporte fático de uma série de atos e fatos previstos em normas jurídicas.

O outro elemento diferenciador apto a classificar os fatos jurídicos seria a presença, ou não, de ato humano volitivo no suporte fático. Daí pode-se distinguir i) pelos fatos que prescindem de ato humano para existir, chamados de fatos jurídicos stricto sensu; ii) pelos fatos jurídicos cujo cerne do suporte fático seja um elemento humano, estando divididos em: a) atos-fatos jurídicos, quando o direito considera irrelevante a circunstância de ter ou não ter havido vontade de praticá-lo; b) atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos, casos nos quais a vontade é relevante, constituindo o próprio cerne do suporte fático.

Os fatos jurídicos stricto sensu correspondem aos fatos da natureza que o ordenamento jurídico elege como relevantes, como o caso, no direito civil, de algumas espécies de acessão natural, como a aluvião e a avulsão (artigo 1.248, incisos II e III, do Código Civil), casos em que há modificação do bem por acontecimento natural, como o acréscimo de terra às margens de um rio (aluvião) ou o repentino deslocamento de uma porção de terra por força violenta da maré (avulsão). Em ambos os casos, não há qualquer elemento humano no suporte fático da norma, o qual é composto, sim, por causas naturais. Em que pese, sempre haverá, como dito anteriormente, referibilidade ao homem, numa relação de intersubjetividade, posto ser própria de todos os fatos jurídicos.

Já os atos-fatos jurídicos são aqueles cuja vontade humana é desprezada para verificação de sua ocorrência. Nas palavras de Marcos Bernardes de Mello, “como o ato que está à base do fato é da substância do fato jurídico, a norma jurídica o recebe como avolitivo, abstraindo dele qualquer elemento volitivo que, porventura, possa existir em sua origem; não

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importa, assim, se houve, ou não, vontade em praticá-lo” 48. O autor destaca a particularidade

de que é o fato resultante que importa para a configuração do ato-fato, e não o ato humano como elemento volativo, ou seja, interessa o resultado que se obteve, independente da vontade humana49.

Alguns doutrinadores ignoram a categoria dos atos-fatos50. A crítica reside

justamente na impossibilidade de que a vontade humana fosse relevante para a prática de qualquer ato, ensejando na confusão entre vontade e intenção, o que não seria suficiente para afirmar a existência de uma categoria de fatos jurídicos. Nesse sentido e já no âmbito do direito processual, mas referindo-se à doutrina civilista, Antonio do Passo Cabral aduz:

“Trata-se de uma categoria doutrinária estranha, com nomenclatura confusa, e que parte de premissas, com a devida vênia, antiquadas. De um lado, parece esquecer que a vontade é um elemento presente nos atos jurídicos em geral e também nos atos processuais. Como poderíamos desconsiderá-la simplesmente? Além disso, o conceito de ato-fato confunde vontade e intenção” 51.

Entende-se, em contrapartida, que a vontade é irrelevante para a configuração dos atos-fatos e que esta sequer será considerada, justamente porque o ato-fato independe da vontade. Não se verifica se a vontade foi ou não relevante, uma vez que o ato-fato já esteja previsto no suporte fático e ele simplesmente desconsidera a vontade. A verificação de sua relevância é posterior à ocorrência do ato-fato.

A presença do ato humano volitivo, na verdade, não está no suporte fático concreto, mas no hipotético. Não se analisa a ausência de vontade no ato-fato, por exemplo, a partir do ato próprio do agente, ou seja, no suporte fático concreto; a presença ou não da vontade deve ser analisada a partir da própria norma, em sua estrutura, em relação ao seu suporte fático hipotético, individualizando-se o seu elemento cerne.

A vontade não produz efeitos, mas constitui o suporte fático hipotéico da norma, previsão esta cuja realização depende da concreção do próprio suporte fático. A vontade, de

48 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria dos fatos jurídicos: plano da existência. 15ª edição. São Paulo: Saraiva,

p. 136.

49 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria dos fatos jurídicos: plano da existência. 15ª edição. São Paulo: Saraiva,

p. 137.

50 Marcos Bernardes de Mello cita a doutrina francesa, que só considera duas espécies de fatos jurídicos: os fatos

jurídicos (englobando os fatos jurídicos stricto sensu, os atos-fatos jurídicos e os ilícitos) e os atos jurídicos (exclusivamente aqueles cujos efeitos jurídicos são volativos). Também trata das doutrinas alemã e italiana que consideram o ato-fato como uma espécie de ato jurídico (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria dos fatos jurídicos: plano da existência. 15ª edição. São Paulo: Saraiva). Também negando os atos-fatos, GOMES, Orlando. Introdução ao estudo do direito civil. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 253 e ss.

51 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções Processuais: entre publicismo e privatismo. Tese de livre docência.

Referências

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