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O saneamento na sistemática do CPC de 1973 pós-reforma de 2002

2. O SANEAMENTO NO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO

2.3. O SANEAMENTO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973

2.3.3. O saneamento na sistemática do CPC de 1973 pós-reforma de 2002

A Lei nº 10.222 de 2002 alterou a redação do caput do art. 331 e incluiu o § 3º ao mesmo artigo. Esse último se destacou pela permissão de sanear o processo mediante conclusão dos autos e sem realização da audiência preliminar, nos casos indicados pelo dispositivo. No caput, tornou explícita a necessidade de intimar a parte a comparecer à audiência preliminar e autorizou a sua representação na audiência através de preposto.

317 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 3ª ed. rev. ampl. e atual. São

Paulo: Malheiros, 1996, p. 133. Ressalte-se que o autor exclui do objeto do saneador a fixação dos pontos controvertidos.

318 GRECO, Leonardo. O saneamento do processo e o projeto do novo Código de Processo Civil. Revista

Eletrônica de Direito Processual. v. VIII, p. 568-601, 2011, p. 579.

319 MAIA FILHO, Napoleão Nunes. A audiência preliminar e a sequência do processo. Revista do Tribunal

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Como visto, muitos doutrinadores já defendiam a desnecessidade da audiência preliminar, inclusive sendo este o entendimento adotado pelo STJ. Nessa linha, Gilberto Gomes Bruschi julgou acertada a dispensa legislativa nos casos em que se verificasse a impossibilidade de êxito na conciliação. Mesmo nos demais casos, entendia que o juiz poderia proferir o despacho saneador de seu gabinete, posto seria a audiência inócua, bastando indagar às partes se teriam provas a produzir e se teriam interesse na conciliação320.

Barbosa Moreira também tratou do procedimento alternativo da técnica escrita na parte final do §3º do art. 331, de modo que ressaltava não ser dado ao juiz, salvo quando expressamente permitido por lei, diferir para outra oportunidade o exame das questões que integram o objeto do despacho saneador, sob pena de afronta ao princípio da economia processual321.

Como dito, a reforma de 2002 trouxe a possibilidade explícita de dispensa da agora chamada “audiência preliminar” quando fosse verificado pelo juiz uma das situações a saber: a) o direito em litígio não admitir transação; ou b) se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção. Vê-se, na verdade, que o legislador se utilizou de conceitos jurídicos indeterminados (direito em litígio que não admita transação e improbabilidade de transição evidenciada pelas circunstâncias da causa), o que trouxe maior margem de interpretação ao juiz, de modo que efetivamente seria mais simples de afastar a realização da audiência. Em casos de dispensa, portanto, o saneamento seria feito por escrito, no regime semelhante ao pré-reforma de 1994322.

320 BRUSCHI, Gilberto Gomes. Breves considerações sobre a audiência preliminar e o saneamento do processo.

Revista dialética de direito processual. São Paulo: Oliveira Rocha, nº 76, jul/2009, p. 40-47, p. 44. Ainda FERREIRA, William Santos. Aspectos polêmicos e práticos da nova reforma processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 233: “Caso não haja a necessidade de audiência preliminar, segundo o § 3° tratado, o juiz não precisará designar a audiência e deverá, em decisão interlocutória, da qual as partes serão apenas intimadas (como qualquer outra decisão): a) sanear o processo, decidindo questões processuais pendentes; b) fixar os pontos controvertidos (...) Justamente diante dos pontos controvertidos é que a prova deverá ser realizada”.

321 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Vicissitudes da audiência preliminar. Revista dialética de direito

processual. São Paulo: Oliveira Rocha, n. 16, p. 74–81, jul., 2004, p. 76. Para ele, o juiz tem que decidir sobre as questões, mas não está obrigado a realizar a audiência do art. 331.

322 Dinamarco, quem entendia pela obrigatoriedade da audiência, lamentou a mudança legislativa: “De minha

parte, continuo entendendo que a limitação decorrente da inviabilidade de conciliar não tem razão de ser no novo sistema e sua aceitação é fruto da má compreensão dos objetivos da audiência preliminar instituída no Código Modelo e em boa hora trazida ao Código de Processo Civil brasileiro pela primeira Reforma. Mesmo que a causa verse sobre direitos indisponíveis, não sendo admissível a conciliação, a audiência preliminar teria muita utilizada, em razão das atividades descritas no §2º do art. 331 (essa não é uma simples audiência de conciliação). Mas agora, com esse retrocesso, que é uma vitória dos misoneístas e de sua má-vontade em aprimorar o sistema processual, legem habemus e não há mais o discutir: a audiência só se realiza se a matéria litigiosa comportar transação e se não houver sinais claros de uma indisposição das partes à conciliação” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 109).

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A alteração de 2002 já encontrava, na doutrina processual, bases do modelo de processo cooperativo323. Assim, muitos processualistas apontaram a importância de uma

releitura da forma como deveria ser feito o saneamento do processo. Daniel Mitidiero, por exemplo, já defendia como ideal para o processo cooperativo que o saneamento se desse em audiência, o que não impedia a organização por escrito324. Nessa toada, tratava do ônus da

prova a partir de sua dinamização, repartindo-se o encargo probatório, velando pela efetiva igualdade das partes no processo325. Em obra escrita com Luiz Guilhemer Marinoni e já

analisando o projeto de lei que culminaria no novo CPC, o mesmo Mitidiero apontava a necessidade da realização do saneamento em ambiente cooperativo326.

Wambier tratou da audiência preliminar como um momento para se realizar o que chama de “saneamento compartilhado” 327, apontando um equívoco do legislador ao retirar a

denominação da seção de “Do saneamento do processo” para “Da audiência preliminar”, uma vez que essa atividade organizadora do processo não teria sido eliminada328.

Do mesmo modo, Paulo Hoffman defendeu que o saneamento compartilhado somente poderia ocorrer na audiência preliminar, e após o juiz ter tomado o depoimento pessoal das partes329.

Essas manifestações doutrinárias tiveram influência definitiva o saneamento do processo, desde sua aplicação através de um saneamento compartilhado, realizado em

323 COSTA JR., Emanuel de Oliveira. O princípio processual da cooperação. Justilex. v. 6, n. 72, p. 30–33, dez.,

2007; DIDIER JR., Fredie. O princípio da cooperação. Revista de processo. São Paulo: RT, v. 30, n. 127, p. 75– 79, set., 2005; DIDIER JR., Fredie. Os três modelos de direito processual. Revista de processo. São Paulo: RT, v. 36, n. 198, p. 213–225, ago., 2011; PAIVA, Thiago Cordeiro Gondim de. Aspectos do princípio da cooperação sob a perspectiva democrático-processual do formalismo-valorativo. Themis: revista da Esmec. v. 6, n. 1, p. 53–70, jan./jun., 2008; SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Princípios fundamentais e regras gerais da cooperação interjurisdicional consagrados na proposta de Código modelo para Ibero-América. Revista forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 102, n. 388, p. 477–482, dez., 2006; THEODORO JR., Humberto. Juiz e partes dentro de um processo fundado no princípio da cooperação. Revista dialética de direito processual: RDDP. n. 102, p. 62–74, set., 2011.

324 O autor enxerga na atividade de saneamento terreno fértil para a aplicação da ideia de um modelo de processo

civil cooperativo, principalmente na disciplina das invalidades processuais (MITIDIERO, Daniel. Bases para Construção de um Processo Civil. Tese de Doutorado. Porto Alegre: UFRS, 2007, p. 88). Também SILVA, Paula Costa e. Saneamento e condensação no novo processo civil: a fase da audiência preliminar, aspectos do novo processo civil. Lisboa: Lex, 1997, p. 236.

325 MITIDIERO, Daniel. Bases para Construção de um Processo Civil. Tese de Doutorado. Porto Alegre: UFRS,

2007, p. 89.

326 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC: crítica e propostas. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 121

327 WAMBIER, Luiz Rodrigues. A audiência preliminar como fator de otimização do processo. Revista da

Escola Nacional de Magistratura. Associação dos Magistrados Brasileiros. Brasília: Escola Nacional da Magistratura, ano I, n. 2, p. 100-106, outubro, 2006, p. 103.

328 WAMBIER, Luiz Rodrigues. A audiência preliminar como fator de otimização do processo. Revista da

Escola Nacional de Magistratura. Associação dos Magistrados Brasileiros. Brasília: Escola Nacional da Magistratura, ano I, n. 2, p. 100-106, outubro, 2006, p. 105.

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audiência, ainda sob o sistema processual do CPC de 1973, como também na profunda alteração legislativa levada a cabo pelo Código de Processo Civil de 2015, que adota, de maneira explícita, em seu artigo 6º, um modelo de processo cooperativo, e prevê, também de forma explícita, a possibilidade de que haja uma audiência com fins exclusivos para o saneamento e organização do processo.

2.3.3.1. Eficácia preclusiva do saneador e as “decisões implícitas”

Houve muita polêmica durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973 em relação à eficácia preclusiva do despacho saneador e da existência da solução de questões pelo juiz de maneira “implícita”. Na sistemática do CPC de 1973, essa questão ensejava profundas divergências, fosse em relação à possibilidade de o órgão judicial apreciar ou não quaisquer questões objeto do saneamento a qualquer tempo, fossem elas suscitadas ou não pelas partes.

Para Moniz de Aragão, não haveria preclusão para o juiz decidir em outro momento questões que deveriam ser decididas no saneamento 330. Por sua vez, Barbosa

Moreira entendia que o simples fato de ser proferido o despacho saneador significava que o juiz, independentemente de menção expressa, descartara a hipótese de extinção do processo, com ou sem julgamento de mérito, havendo eficácia preclusiva, se não agravada, inclusive se essas questões fossem omissas, ou quando suscitadas não fossem resolvidas. Para o autor, não seria um caso necessariamente de decisão implícita, mas de impossibilidade de que fossem decididas em momento posterior331.

Certo é que, a depender do seu conteúdo, o saneamento teria efeitos distintos, podendo, até mesmo, revestir-se sob a imutabilidade da coisa julgada. Galeno Lacerda, por exemplo, classificava o despacho saneador em ordinatório ou decisório, diferenciando-se as espécies pelo fato de o despacho saneador ordinatório conter uma decisão implícita, não se produzindo, contudo, nenhum efeito sobre a questão, e sim sobre a marcha do processo, seguindo a regra de que as interlocutórias irrecorríveis podem ser reconsideradas pelo seu prolator, a fim de retificar error in procedendo. Por sua vez, os despachos saneadores

330 ARAGÃO, E. D. Moniz de. Preclusão. In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (org.). Saneamento do

Processo: Estudos em Homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre, S. A. Fabris Editor, 1989, p. 175.

331 No mesmo sentido, TUCCI, Rogério Lauria. Do julgamento conforme o estado do processo. São Paulo:

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decisórios provocam duas categorias de efeitos, uns sobre a questão decidida e outro sobre o próprio processo332.

Afirma Adriana de Albuquerque Holanda que os efeitos do saneador dependem da natureza da decisão, que pode ser interlocutória ou até mesmo sentença de mérito. Será sentença terminativa quando reconhecer vício insanável nos pressupostos processuais e condições da ação; se promover a conciliação, haverá resolução de mérito333.

As divergências seriam sobre os efeitos preclusivos da decisão de saneamento para as partes e para o juiz. Tudo dependeria de se tratar: 1) de questões que podiam ser conhecidas de ofício; 2) de questões trazidas pelas partes; 3) de haver ou não análise do mérito; 4) de tratar os pressupostos de admissibilidade do processo.

O Supremo Tribunal Federal, ainda em 1964, portanto sob a égide do Código de Processo Civil de 1939, aprovou em sessão plenária a súmula de nº 424 de ser Repertório de Jurisprudência, conforme publicado no Diário de Justiça de 06 de julho de 1964, p. 2183. O verbete trata do trânsito em julgado do despacho saneador: “Transita em julgado o despacho saneador de que não houve recurso, excluídas as questões deixadas, explícita ou implicitamente, para a sentença”. Nos precedentes que deram origem à sumula, entendeu-se que houve trânsito em julgado da decisão do despacho saneador, pois não fora impugnada, não podendo o tribunal, ao apreciar a apelação contra a sentença, julgar de maneira contrária ao que fora ali decidido334. O teor da súmula em questão exclui a possibilidade de decisões

implícitas, eis que, expressamente, exclui do âmbito da coisa julgada as questões que foram deixadas pela sentença, mesmo de maneira implícita.

Analisando a matéria contida na súmula, o Superior Tribunal de Justiça possui precedentes, pós-Constituição Federal de 1988, nos quais admite o trânsito em julgado das questões explicitamente decididas no despacho saneador, ressalvando, porém, a matéria dos incisos IV, V e VI do art. 267 do CPC de 1973, que seriam, respectivamente, quando se verificarem a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; quando o juiz acolhesse a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada; e quando não concorresse qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual.

332 LACERDA, Galeno. Despacho saneador. 2ª ed. Porto Alegre: S. A. Fabris Editor, 1985, p. 158.

333 HOLANDA, Adriana de Albuquerque. Despacho Saneador. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a.

33, n. 130, p. 231-243, abril/jun. 1996, p. 241.

334 Nesse sentido são os seguintes julgados: RE 50346, com publicações no DJ de 14/06/1963 e RTJ 27/65; RE

50301, com publicações no DJ de 02/05/1963 e RTJ 27/65; AI 28207, com publicações no DJ de 27/12/1962 e RTJ 24/296.

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O fundamento do STJ seria pela impossibilidade de o juiz decidir novamente sobre questões já decididas, a teor do art. 473 do CPC de 1973, com a ressalva das matérias examináveis de ofício e em qualquer grau de jurisdição, conforme previa explicitamente o § 3º do art. 267, segundo o qual “o juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e Vl (...)”. Esse foi o entendimento exposto pelo STJ nos seguintes jugados: REsp 5.027, Rel. Min. Cláudio Santos, DJ de 26/11/1990; REsp 8.214, Rel. Min Dias Trindade, DJ de 24/04/1991, REsp 23.583/RJ, Rel. Min. Nilson Naves, DJ de 03/11/1992. Inclusive na ocasião do julgamento deste último, o tribunal apreciou caso em que o juiz de primeiro grau teria sentenciado no sentido de que as preliminares levantadas na contestação haviam sido implicitamente decididas no saneador, que “tacitamente, repeliu-as ao declarar saneado o processo”, entendimento esse que foi mantido pelo TJRJ.

O Superior Tribunal de Justiça, contudo, adotou o entendimento da Súmula 424 em relação ao transito em julgado das questões efetivamente analisadas no saneador, no caso, relativa ao deferimento de realização de prova pericial. A teor do tema, porém sem referência ao verbete sumular em questão, o STJ se manifestou por mais de uma vez sobre a possibilidade de apreciação das matérias relacionadas com os pressupostos e as condições da ação que pudessem ser examinadas em apelação, eis que sem força preclusiva a decisão sobre elas na fase de saneamento do processo335. Também decidiu o tribunal pela possibilidade de

rediscussão acerca da decadência, inclusive se já decidida no saneador, por entender se tratar de matéria de ordem pública336.

O STF, por sua vez, possui decisões admitindo até mesmo a nova determinação de prova pelo juiz, quando anteriormente o havia indeferido, sendo categórico em afirmar que “A preclusão é instituto processual que importa em sanção à parte, não alcançando o magistrado”,

335 Assim, REsp 11105/AL, Relatoria do Min. Dias Trindade, julgado pela Terceira Turma do STJ em 30 de

setembro de 1991, com acórdão publicado no Diário de Justiça de 04/11/1991; REsp 8214, Relatoria do Min. Dias Trindade, julgado pela Terceira Turma do STJ em 07 de maio de 1991, com acórdão publicado no Diário de Justiça de 24/06/1991; REsp 7.759/SP, Relatoria do Min. Barros Monteiro, julgado pela Quarta Turma do STJ em 05 de novembro de 1991, com acórdão publicado no Diário de Justiça de 09/12/1991; REsp 332.188/RJ, Relatoria da Min. Nancy Andrighi, julgado pela Terceira Turma do STJ em 22 de maio de 2001, com acórdão publicado no Diário de Justiça em 25/06/2001.

336 Assim decidiu a Quinta Turma no REsp 326.292/SP, de Relatoria do Min. Edson Vidigal, julgado em 02 de

agosto de 2001, com acórdão publicado no Diário de Justiça em 03/09/2001: “Quanto a decadência, por se tratar de questão de ordem pública e que poderia em tese ser reconhecida de ofício pelo órgão julgador, não vejo como o seu reconhecimento após o despacho saneador que a afastou possa ser causa de contrariedade à sistemática adotada pelo nosso CPC, e em particular, aos seus arts. 471, 522 e 523, §2°. Pela mesma razão, entendo inviáveis os argumentos da recorrente para modificar as conclusões do aresto recorrido pelo fato da decretação da decadência ter ocorrido por meio de um pedido de reconsideração, quando, segundo ainda a recorrente, o correto seria a interposição de Agravo”.

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conforme AR 1538 MG - Rel. Min. Maurício Corrêa, data de julgamento 04/10/2001, DJ de 08/02/2002. No julgamento em questão, o relator faz análise dos precedentes judiciais que formaram a súmula 424, avaliando que eles examinaram o tema da preclusão consumativa somente para as partes e não para o juiz, que poderia, a qualquer momento e sempre que entender necessário, determinar de ofício a produção de provas para o seu livre convencimento, uma vez que lhe cabe a direção, intervindo de modo que o processo alcance sua máxima eficiência. Invocando o julgado em questão, porém limitando à apreciação dos pressupostos processuais e condições da ação, RE 632.409 RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, data de julgamento 05/08/2014, Segunda Turma, data de publicação 15/08/2014; RE 608.731 PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, data de julgamento 19/08/2014, Segunda Turma, data de publicação 25/09/2014.

A verdade é que o enunciado 424 da súmula do STF fora construído ainda sob a vigência do Código de Processo Civil de 1939, quando não havia as ressalvas existentes na sistemática de 1973. Também não se baseou o STF na preclusão das partes ou do juiz, e sim na imutabilidade das questões decididas no despacho saneador pela coisa julgada formal. Em que pese a grande celeuma instalada, grande parte dessa divergência hoje pode ser tida como pacificada, principalmente diante do § 1º do art. 1.009 do Código de Processo Civil de 2015 que prevê o não acobertamento pela preclusão das decisões não agraváveis, o que põe em cheque, inclusive, o já tão defasado – do ponto de vista deste trabalho – enunciado nº424 do Repertório da Jurisprudência do STF.

Sobre a existência de uma decisão implícita no despacho saneador, também é lugar comum a sua impossibilidade em razão da previsão constitucional de obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais, sob pena de nulidade (art. 93, inciso IX, da Constituição Federal).

A decisão implícita não é fundamentada. Seria, sim, uma decisão omissa. Não haveria possibilidade de se exercer seu controle por total desconhecimento dos seus termos. Mesmo se admitindo que o juiz deveria ter decidido determinada questão naquele momento, a não decisão não permite concluir pela rejeição. Talvez fosse ainda necessária a instrução para resolução da questão; ou ainda que fossem requisitadas informações a determinado órgão ou pessoas, necessários para resolver a questão; ou mesmo que houvesse um lapso, naquele momento; enfim, as possibilidades são infinitas. E se o juiz não se manifestar, está se afastando do exercício da jurisdição, o que também é vedado pelo princípio constitucional da inafastabilidade (art. 5º, inciso XXV, da CF). Entende-se pela nulidade de quaisquer decisões

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implícitas, principalmente em questões relativas ao saneamento do processo, uma vez que ferem o devido processo legal e os princípios norteadores do processo civil337.

No que concerne aos atos que preparam o julgamento, inerentes à instrução da causa, entendia-se que a preclusão incidiria para as partes, mas não para o juiz, pois ele exercia poderes ordinatórios instrumentais, empregados com o fim de melhor esclarecer os fatos necessários à prolação da sentença338. Esse entendimento, contudo, é visto com

ressalvas, pois é fruto de uma visão do processo como instrumento à serviço da jurisdição, teoria que em muito influenciou a doutrina e a própria elaboração legislativas no final do século XX no Brasil, como já tratado no capítulo anterior.

337 No mesmo sentido, Eduardo Talamini, para quem “A idéia de decisão implícita é incompatível com a garantia

constitucional de fundamentação das decisões (art. 93, IX)” (TALAMINI, Eduardo. O conteúdo do saneamento do processo em Portugal e no direito brasileiro anterior e vigente. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 34 n. 134, p. 137-164, abr./jun. 1997, p. 154) que também lembra que a nulidade absoluta de decisão não fundamentada não se convalida pela falta de recurso. Em sentido oposto, observa Leonardo Greco, fazendo referência à legislação portuguesa: “Parece-me que se o réu expressamente arguiu a questão na contestação e o juiz declarou saneado o processo, deve reputar-se rejeitada a preliminar por tal decisão. A possibilidade de reexame posterior dessa decisão dependerá, para o próprio juiz, de tratar-se de matéria de ordem pública. Se não houve arguição de qualquer das partes, ainda que se trate de matéria de ordem pública, que incumbia ao juiz examinar de ofício, não se pode ver caracterizado o indeferimento implícito pela simples omissão. É a solução do código português no art. 510º, já citado” (GRECO, Leonardo. O saneamento do processo e o projeto do novo Código de Processo Civil. Revista Eletrônica de Direito Processual. v. VIII, p. 568-601, 2011, p. 591). Também Alcântara: “marcada a audiência para os fins do artigo 331 do Código de Processo Civil, sugere-se que as preliminares foram afastadas, bem como não aceito o julgamento antecipado da lide, mesmo que não enfrentadas expressamente” (ALCÂNTARA, André Antonio da Silveira. Saneamento do processo: saneamento e efetividade