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Uma nova abordagem sobre a condição das pessoas com deficiência: do à inclusão ao mercado de trabalho

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO CURSO DE DIREITO

HENRIQUE FREITAS DE LIMA

UMA NOVA ABORDAGEM SOBRE A CONDIÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: DO ASSISTENCIALISMO À INCLUSÃO AO MERCADO DE

TRABALHO

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HENRIQUE FREITAS DE LIMA

UMA NOVA ABORDAGEM SOBRE A CONDIÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: DO ASSISTENCIALISMO À INCLUSÃO AO MERCADO DE

TRABALHO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará – UFC, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Drª. Beatriz Rêgo Xavier.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

L733n Lima, Henrique Freitas de.

Uma nova abordagem sobre a condição das pessoas com deficiência: do assistencialismo à inclusão ao mercado de trabalho / Henrique Freitas de Lima. – 2015.

54 f. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2015.

Área de Concentração: Direito do Trabalho. Orientação: Profa. Dra. Beatriz Rêgo Xavier.

1. Pessoas Portadoras de Deficiência. 2. Igualdade - Brasil. 3. Mercado de trabalho – Brasil. 4. Integração social. 5. Deficientes – Brasil. I. Xavier, Beatriz Rêgo (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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HENRIQUE FREITAS DE LIMA

UMA NOVA ABORDAGEM SOBRE A CONDIÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: DO ASSISTENCIALISMO À INCLUSÃO AO MERCADO DE

TRABALHO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará – UFC, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Aprovado em 17/04/2015.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________ Profª. Drª. Beatriz Rêgo Xavier (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

____________________________________________________________

Profª. Drª. Theresa Rachel Couto Correia Universidade Federal do Ceará (UFC)

_____________________________________________________________ Profª. Ms. Camilla Araújo Colares de Freitas

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Aos meus pais, Meire e João, pelo inesgotável amor e apoio, não somente durante a graduação, mas em todos os momentos de minha vida.

À minha esposa, Carine, pela infindável compreensão e por transparecer a certeza de que estará ao meu lado independentemente das pedras em nosso caminho.

Às pessoas com deficiência e às demais minorias, por lutarem por uma sociedade mais justa, igualitária, solidária e inclusiva.

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AGRADECIMENTOS

Ao GRUPE (Grupo de Estudos e Defesa do Direito do Trabalho e do Processo Trabalhista), projeto de extensão da Universidade Federal do Ceará que promoveu um seminário sobre Direito e Processo do Trabalho quando eu ainda estava me encontrando na Faculdade de Direito (3º semestre). Desde a minha participação no referido evento, percebi que tinha grande interesse pela matéria e que tais disciplinas seriam recorrentes em meu percurso de graduando, pensamento este que se concretizou com o referido tema desta monografia.

À professora Beatriz Rêgo Xavier, por ter me orientado no período em que fui monitor da disciplina de Direito do Trabalho I e por ser minha orientadora nesta monografia.

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Não devemos pedir a Deus fardos mais leves, mas ombros mais fortes” (Santo Agostinho).

“A satisfação está no esforço e não apenas na realização final.” (Mahatma Gandhi)

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RESUMO

Objetiva-se neste Trabalho de Conclusão de Curso analisar, sob diversas perspectivas, o tratamento destinado às pessoas com deficiência, destacando principalmente como se dá a relação entre tais indivíduos e o mercado de trabalho. Ressalte-se que, durante o transcurso da história, a deficiência foi tratada de diferentes maneiras: desde um castigo divino, até um sinal de desenvolvimento espiritual. Verificar-se-ão os mecanismos utilizados para promover o empoderamento das pessoas com deficiência. O referido trabalho acadêmico foi realizado por intermédio de pesquisa da legislação nacional e internacional, da jurisprudência, de livros doutrinários, de monografias e de dissertações referentes ao assunto em apreço. Observe-se que, inicialmente, tais pessoas eram vistas, via de regra, como grandes fardos, sendo, portanto, destinatárias de benefícios assistencialistas ofertados pelo governo; ao passo que, hodiernamente, procura-se integrar as pessoas com deficiência ao mercado de trabalho, para que elas possam efetivamente conquistar os respectivos espaços na sociedade. Neste contexto, faz-se necessário estudar também as ações afirmativas, políticas públicas bastante evidenciadas na atualidade, visto que são instrumentos utilizados para beneficiar as populações que, historicamente, foram vítimas de marginalização. Defende-se nesta monografia a tese de que as pessoas com deficiência, desde que efetivadas as devidas adaptações, são plenamente capazes de exercer funções compatíveis com suas habilidades laborais, de forma que o assistencialismo deve ser utilizado apenas em última instância, priorizando-se as práticas que promovam a efetiva inclusão ao mercado de trabalho e à vida em sociedade.

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ABSTRACT

Objective in this work Completion of course analyze, from different perspectives, treatment for persons with disabilities, especially standing out how is the relationship between these individuals and the labor market. It should be noted that during the course of history, the deficiency was treated in different ways: from a divine punishment, even a spiritual sign of development. Will occur the mechanisms used for the empowerment of people with disabilities. That academic work was carried out through research of legislation, jurisprudence, doctrinal books and monographs on the topic at hand. Note that, initially, such people were seen, as a rule, such as large bales, and are therefore addressees of welfare benefits offered by the government; whereas, in our times, we seek to integrate people with disabilities into the labor market, so they can effectively conquer their spaces in society. In this context, it is also necessary to study the affirmative action policies quite evident today, as they are instruments used to benefit the populations that historically have suffered marginalization. It is argued in this monograph the argument that people with disabilities, provided that the necessary adaptations implemented, are fully able to exercise functions compatible with their labor skills, so that the welfare should be used only as a last resort, if prioritizing them practices that promote the effective inclusion to the labor market and society.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...10

2 HISTÓRICO DO TRATAMENTO DESTINADO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ...12

3 A RELAÇÃO ENTRE A FORMA DE ATUAÇÃO DO ESTADO MODERNO E O TRATAMENTO DESTINADO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA...16

4 A MUDANÇA DE PARADIGMA EM RELAÇÃO AO TRATAMENTO DESTINADO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA...24

4.1Terminologia adequada para referir-se às pessoas com deficiência...24

4.2 Modelos de tratamento das incapacidades...27

4.3 Legislação referente à inclusão das pessoas com deficiência...32

4.4 Motivos pelos quais se deve conceder oportunidades de trabalho às pessoas com deficiência...41

4.5 Motivos que dificultam a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho...42

4.6 Da efetividade da aplicação da política de cotas para o trabalho das pessoas Com deficiência...44

4.7 Habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho...45

4.8 Decisões dos tribunais acerca das relações de trabalho das pessoas com Deficiência...47

5 CONCLUSÃO...50

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1 INTRODUÇÃO

Um assunto bastante em pauta atualmente é o que versa sobre o tratamento legal destinado aos grupos sociais desfavorecidos historicamente, dentre os quais podemos destacar as pessoas com deficiência; indivíduos que, em virtude de alguma diferença física ou psicológica, sempre foram postos à margem da sociedade.

Por intermédio de uma digressão histórica, é possível constatar que, principalmente nas últimas décadas, houve uma significativa mudança de paradigma no tocante ao tratamento destinado às pessoas com deficiência. No modelo de tratamento antigo, tais sujeitos eram quase sempre vistos apenas como destinatários de benefícios assistencialistas, consistindo em um ônus para o Estado e/ou família, visto que praticamente não havia políticas efetivas de integração de tais indivíduos ao mercado de trabalho e à vida em comunidade como um todo; ao passo que, conforme o paradigma contemporâneo, devem-se utilizar ações afirmativas para asdevem-segurar que as pessoas com deficiência tenham acesso, ainda que parcialmente, às vagas do mercado de trabalho, visto que esta é uma das maneiras mais eficientes e significativas de contribuição para a modificação do imaginário social em relação a tais cidadãos.

Para subsidiar a análise da mudança no tratamento destinado às pessoas com deficiência, fez-se uma análise bibliográfico-documental da legislação nacional e internacional, da doutrina, da jurisprudência, de monografias e dissertações pertinentes ao tema e de livros que versam sobre o objeto de estudo deste Trabalho de Conclusão de Curso.

Serão estudados diversos instrumentos normativos referentes às pessoas com deficiência, incluindo-se, desde a legislação que tem como fito a inclusão de tais indivíduos ao mercado de trabalho até os dispositivos legais que destinam tratamento assistencialista ao grupo social em análise.

(12)

Analisar-se-á também, no bojo deste trabalho, questões atinentes à efetividade da legislação referente à inclusão dos referidos indivíduos ao mercado de trabalho. No transcorrer deste trabalho, verificar-se-ão ainda os fatores sociais que dificultam a plena participação das pessoas com deficiência nas atividades sociais.

(13)

2 HISTÓRICO DO TRATAMENTO DESTINADO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Os Hebreus acreditavam que qualquer má-formação física ou psicológica resultava de um castigo de Deus, de forma que as pessoas com deficiência não podiam ocupar os postos sociais mais privilegiados, sendo na maioria das vezes postos à margem do convívio em sociedade. Na Roma Antiga, a Lei das XII tábuas permitia que os chefes da família matassem os indivíduos com qualquer tipo de deficiência, fato este também ocorrido em Esparta, Cidade-Estado grega onde os bebês “imperfeitos” eram jogados do alto do monte Taigeto. Já o povo hindu, cujo padrão de comportamento destoava do apresentado até agora, costumava destinar os cargos religiosos aos deficientes visuais, visto que se acreditava que tais pessoas eram portadoras de uma sensibilidade espiritual incomum.

O que se pode constatar, com base na análise da história da humanidade, é que, via de regra, as pessoas com deficiência foram tratadas com base em estigmas relacionados à incapacidade, sendo que, em muitas situações, foram executadas até mesmo práticas eugênicas para com as pessoas com qualquer tipo de diferença física ou psicológica. Tal ponto de vista começa a ser modificado paulatina e lentamente a partir das ideias cristãs, tendo em vista que estas estão baseadas na igualdade entre os homens, independentemente de quaisquer circunstâncias.

Todavia, o paradigma adotado pela Igreja Católica não se pautou na plena inclusão social, mas sim no assistencialismo, de forma tal que os indivíduos com deficiência passaram a ser beneficiados por ações caridosas que basicamente garantiam o suprimento de necessidades básicas como a alimentação e o vestuário.

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decorrentes das situações extremas a que forem expostas. Mais tarde, surgiria a concepção de que as pessoas com deficiência eram merecedoras de proteção e de igualdade de oportunidades, ao invés da exclusão.

Marcos históricos importantes para a mudança de paradigma em relação às pessoas com deficiência foram justamente as Guerras Mundiais, visto que inúmeros soldados, considerados grandes heróis nacionais por muitos compatriotas, não raro voltavam dos campos de batalha sem algum membro ou com qualquer outro tipo de deficiência. Diante de tais situações, tornava-se patente a necessidade de assegurar aos combatentes e aos demais indivíduos com deficiência garantias para uma vida plena e integrada à sociedade, atitude esta, entretanto, que exigiria dar um passo adiante em relação ao mero assistencialismo.

Não se pode olvidar a importância da fundação e do funcionamento da Organização das Nações Unidas (ONU)1 para a efetivação dos direitos humanos, dentre os quais se podem destacar os direitos das pessoas com deficiência. A instituição da referida Pessoa Jurídica de Direito Internacional Privado, em 1945, embasou o processo de inclusão social de diversos grupos sociais historicamente desfavorecidos. Em dezembro de 1948, foi adotada e proclamada pela Assembleia Geral da ONU a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento que estabelece no seu art. 23 o trabalho como direito humano fundamental: Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego (ONU, 1948).

Este documento é considerado um marco na história do reconhecimento dos direitos de todas as pessoas. A partir de 1980, os movimentos mundiais de luta pelos direitos

1Organização das Nações Unidas (ONU), ou simplesmente Nações Unidas (NU), é uma organização

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humanos se intensificaram, adotando como bandeira a garantia de direitos plenos a todos os cidadãos, independente de raça, religião, sexo ou deficiência.

O ano de 1981 foi declarado pela ONU o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, cujo lema foi “Participação Plena e Igualdade”. As repercussões foram tantas que o período de 1983 a 1992 foi dedicado a este importante segmento da população.

Deve-se destacar também como momento histórico fundamental a data de 13 de dezembro de 2006, pois no referido dia foi promulgada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Conventionon the Rights of Persons with Disabilities), primeiro tratado internacional de direitos humanos do século XXI, assinada pelo Brasil em 30 de março de 2007 e recepcionada em nosso ordenamento com status de emenda constitucional pelo Decreto Legislativo nº. 186/2008. A Convenção aborda os direitos e garantias das pessoas com deficiência em relação, dentre outros assuntos, à acessibilidade, à educação, à saúde, à participação política, à igualdade de oportunidades e ao trabalho.

Após a promulgação da referida convenção, tornou-se palpável a mudança de paradigma em relação às pessoas com deficiência. Deve-se ressaltar que esta mudança de concepção já era anseio de muitos pensadores antigos, tais como o filósofo grego Aristóteles, consoante o qual: “é mais fácil ensinar um portador de deficiência a desempenhar um trabalho útil do que sustentá-lo como indigente” oração esta contida inclusive na Cartilha do Ministério Público do Trabalho.

No Brasil, inicialmente, disseminou-se a prática do assistencialismo. As pessoas com deficiência eram reconhecidas como seres marcados pelos estigmas da dificuldade e da incapacidade. Foi-lhes concedido o direito a vários serviços de reabilitação, de educação e de trabalho, sempre em ambientes protegidos e feitos especialmente para elas. As palavras de

ordem eram “proteção” e “piedade” em relação aos indivíduos com qualquer tipo de

limitação.

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ambiente de trabalho. Em suma; somente as pessoas aptas ao trabalho e à adaptação ao meio ambiente (incluindo todas as barreiras atitudinais e arquitetônicas) já estabelecido seriam destinatárias de práticas integrativas, destinando-se a todas as demais o mero assistencialismo. Em 1979, emergiram diversos movimentos sociais no Brasil e no mundo em prol dos direitos das pessoas com deficiência. Surgiu, como decorrência das referidas manifestações, o conceito de equiparação de oportunidades. Essa definição foi elaborada, disseminada e defendida amplamente pelos participantes dos referidos movimentos. A equiparação de oportunidades significa tornar acessíveis para qualquer pessoa todos os sistemas gerais da sociedade, em contraposição à prática de construir subsistemas separados para os indivíduos com necessidades especiais.2

Na década de 1990, surgiu o modelo da inclusão. Esta concepção inspirou a sociedade a efetuar modificações estruturais e conjunturais que precisavam ser efetuadas nos diversos sistemas sociais, a fim de que qualquer pessoa, com deficiência ou não, pudesse exercer seus direitos e deveres dentro da comunidade que vai tornando-se acessível: sem barreiras atitudinais, arquitetônicas, comunicacionais, metodológicas, instrumentais ou programáticas; passando a ser o termo acessibilidade cada vez mais presentes nos discursos e práticas sociais.

Apesar de todos os avanços elencados, é patente a necessidade de avanços nas políticas públicas voltadas para a garantia da igualdade de oportunidades e da efetiva inclusão das pessoas com deficiência na vida social como um todo.

2

(17)

3 A RELAÇÃO ENTRE A FORMA DE ATUAÇÃO DO ESTADO MODERNO E O TRATAMENTO DESTINADO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Deve-se levar em consideração o fato de que nem sempre coube ao ente soberano a árdua tarefa de promover a igualdade de oportunidades entre os cidadãos. Ao se observar o desenvolvimento do Estado Moderno, constata-se que inicialmente ao ente soberano não cabia a ação, mas sim a inação.

Àquela época, a mera existência de dispositivos legais aptos a proteger os cidadãos contra as arbitrariedades estatais já se constituía em um grande triunfo. Neste contexto, é que surgem os denominados direitos de primeira dimensão, os quais eram dotados basicamente de cunho político e civil, visto que se buscava basicamente resguardar os direitos mais elementares, tais como o direito à vida, à propriedade e à liberdade.

Paulo Bonavides3, dissertando sobre os direitos de primeira dimensão, assim aduz:

[...] são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem de instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, [...] têm, por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é o seu traço mais marcante; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.

Destaque-se, contudo, que tal concepção da atividade estatal aceitou e promoveu diversas injustiças, acentuando as desigualdades socioeconômicas entre os diversos grupos de seres humanos. Elucidando o assunto, Ricardo Tadeu Marques de Fonseca4, assim dissertou:

A afirmação da igualdade formal, política e civil, a da fruição e a da sujeição de todos à primazia da lei, sedimenta um dos alicerces imprescindíveis da unidade dos direitos fundamentais, mas a insuficiência dessa afirmação desvelou-se poucas décadas depois da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Impôs-se a meritocracia burguesa e, com ela, todos os seus valores estéticos, morais e éticos. A iniquidade em face da maioria perdurou, apesar de se afirmar que a lei geral e abstrata revelava a vontade dessa maioria ou, pelo menos, deveria fazê-lo.

Confirmando o exposto acima, Cármem Lúcia Antunes Rocha5 assim assevera:

Em nenhum Estado Democrático até a década de 60 e em quase nenhum até esta última década do século XX se cuidou de promover a igualação e vencerem-se os preconceitos por comportamentos estatais e particulares obrigatórios pelos quais se superassem todas as formas de desigualação injusta. Os negros, os pobres, os marginalizados pela raça, pelo sexo, por opção religiosa, por condições econômicas inferiores, por deficiências físicas ou psíquicas, por idade etc. continuam em estado de desalento jurídico em grande parte no mundo. Inobstante a garantia constitucional

3

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2008. 563 p

.

4FONSECA, Ricardo Tadeu Marques de. O trabalho da pessoa com deficiência e a lapidação dos direitos

humanos: o direito do trabalho, uma ação afirmativa. São Paulo: LTr , 2006. 133 p.

5ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica.

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da dignidade humana igual para todos, não são poucos os homens e mulheres que continuam sem ter acesso às iguais oportunidades de trabalho, de participação política, de cidadania criativa e comprometida, deixados que são à margem da convivência social, da experiência democrática na sociedade política.

Todavia, com o passar do tempo, percebeu-se que o ente soberano deveria ser incumbido da obrigação de cumprir funções de forma ativa, devendo prestar serviços e bens aos cidadãos, concepção esta que suplantou o modelo abstencionista. Em virtude desta mudança de paradigma, formulou-se a Teoria do Estado Social de Direito, de forma que o ente político passou a ser responsável por garantir, pelo menos, os direitos básicos aos cidadãos.

Versando sobre o Estado Social de Direito, Paulo Bonavides6 assim disserta:

O Estado Social nasceu de uma inspiração de justiça, igualdade e liberdade; é a criação mais sugestiva do século constitucional, o princípio governativo mais rico em gestação no Universo político do Ocidente. Ao empregar meios intervencionistas para estabelecer o equilíbrio na repartição dos bens sociais, instituiu ele ao mesmo passo um regime de garantias concretas e objetivas, que tendem a fazer vitoriosa uma concepção democrática de poder vinculada primacialmente com a função e fruição dos direitos fundamentais, concebidos doravante em dimensão por inteiro distinta daquela peculiar ao feroz individualismo das teses liberais e subjetivistas do passado.

Sobre o mesmo tema, Ingo Wolfgang Sarlet7, por sua vez, assim disserta:

[...] a respeito da terminologia "Estado Social de Direito", que aqui utilizaremos ao invés de outras expressões, tais como "Estado-Providência", "Estado de Bem-Estar Social", "Estado Social", "Estado Social e Democrático de Direito", "Estado de Bem Estar" ("Welfare State"). [...] Todas, porém, apresentam, como pontos em comum, as noções de certo grau de intervenção estatal na atividade econômica, tendo por objetivo assegurar aos particulares um mínimo de igualdade material e liberdade real na vida em sociedade, bem como a garantia de condições materiais mínimas para uma existência digna. Neste contexto, para justificarmos a nossa opção dentre as variantes apontadas, entendemos que o assim denominado "Estado Social de Direito" constitui um Estado Social que se realiza mediante os procedimentos, a forma e os limites inerentes ao Estado de Direito, na medida em que, por outro lado, se trata de um Estado de Direito voltado à consecução da justiça social.

Por fim, Daniel Sarmento8 assim assevera:

A democratização política rompera a hegemonia absoluta da burguesia no Parlamento, abrindo caminho, no plano político, para a afirmação das necessidades dos extratos mais desfavorecidos da população. Surge então, na virada para o século XX, o Estado de Bem Estar Social, e com ele a consagração constitucional de uma nova constelação de direitos, que demandam prestações estatais destinadas à garantia de condições mínimas de vida para a população (direito à saúde, às

6BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1996. 11 p.

7SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais na Constituição de 1988. Revista Dialogo Jurídico. Ano

I, Volume I, nº I, abr. 2001. 3 p.

8SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e relações privadas. 2ª Ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2008.

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previdências, à educação, etc.) Estes novos direitos penetram nas constituições a partir da Carta mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar de 1919.

É importante observar que, de acordo com o modelo do Bem-Estar Social, o indivíduo tem direito de reivindicar a prestação de bens e serviços pelo Estado, originando os chamados direitos sociais, dentre os quais podemos destacar o direito ao trabalho. Note que o ente político passa a ter a incumbência de, por intermédio de políticas públicas e parcerias com o setor privado, contribuir para a geração de vagas de emprego capazes de suprir as necessidades dos respectivos cidadãos.

Nas palavras de Arnaldo Sussekind9:

[...] o trabalho não seria apenas um meio de impedir que o ócio criasse campo propício para os vícios. Ele mostraria que todo trabalho é útil, que não se deve cingir no mínimo necessário para manter a vida e que mesmo a acumulação de bens não é um mal; o mal estaria na aplicação desses bens em finalidades contrárias aos preceitos divinos. O erro decorreria, segundo São Cipriano, da acumulação de riqueza sem a prática da esmola.

José Afonso da Silva assim elucida o que são os direitos sociais10:

os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.

Note-se ainda que, principalmente após as atrocidades da segunda guerra mundial, as instituições internacionais e os entes soberanos despertaram para o fato de que há grupos sociais que historicamente foram marginalizados, motivo pelo qual, caso não sejam destinatários de um tratamento específico, jamais serão capazes de competir com os demais setores da sociedade, evidenciando, portanto, a desigualdade de oportunidades.

A partir de tal constatação, surge nos Estados Unidos da América a teoria das ações afirmativas, a qual busca a garantia da igualdade material (efetiva), isto é, aquela que se averigua não apenas no campo jurídico, mas principalmente na realidade dos fatos sociais.

Dentre os diversos grupos marginalizados, podem-se destacar as pessoas com deficiência, visto que, como já fora mencionado, eram e ainda são considerados em parte inválidos, isto é, destituídos de valor.

9SÜSSEKIND, Arnaldo et alli. Instituições de direito do trabalho. Vol. 1. 22 ed. São Paulo: LTr, 2005. 82 p. 10SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

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É importante destacar que o modelo do Welfare State exige prestações efetivas por parte do Estado, de forma que são necessárias grandes quantias de recursos e um gerenciamento efetivo de tais valores. Não é difícil inferir que inicialmente as normas assecuratórias dos direitos sociais eram praticamente inaplicáveis.

Para os mais entusiasmados, tais normas eram programáticas, ou seja, não vinculavam o Estado naquele momento, mas apenas serviam de norte para as futuras ações e políticas públicas estatais. Hodiernamente, tal discussão já não tem mais razão de existir, visto que a Constituição Cidadã explicitou claramente que os direitos e garantias fundamentais são normas de aplicabilidade imediata. Não se pode deixar de asseverar, entretanto, que ainda hoje muitos direitos sociais não são efetivamente assegurados.

Assevere-se que a similitude de oportunidades é talvez a mais difícil de ser conquistada, uma vez que os indivíduos, apesar da igualdade decorrente da dignidade que lhes é inerente, nascem e vivem em situações socioeconômicas bastante díspares, ocasionando muitas vezes uma falsa concepção de competição, visto que apenas uma minoria dispõe dos instrumentos necessários para a vitória.

Ressalte-se que, por se estar inserido em um sistema capitalista de produção, segundo o qual todos os bens e serviços são fabricados e vendidos com base nas “leis que

regulam o mercado”, a desigualdade mais impactante é a econômica, uma vez que, não

havendo meios para a apropriação dos bens, dificilmente se alcançarão os resultados.

Neste ponto, deve-se destacar a atuação efetiva do governo brasileiro no sentido de garantir, por exemplo, determinado percentual de vagas nas universidades públicas aos estudantes de escolas públicas, pessoas de baixa renda que, desde o início, estavam em condições desiguais de competição em relação aos mais potentados da sociedade.

Espera-se, no entanto, que tais ações afirmativas não perdurem indefinidamente e que se chegue o dia em que as diferenças, apesar de existentes, não sejam acentuadas ao ponto de impossibilitar uma real competição.

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qual se deve buscar a equiparação entre as pessoas não apenas perante a lei, mas principalmente no campo dos fatos sociais).

Joaquim Benedito Barbosa Gomes 11, analisando a distinção entre a igualdade material e a formal, assim dissertou:

Da transição da ultrapassada noção de igualdade “estática” ou “formal” ao novo conceito de igualdade “substancial” surge a ideia de “igualdade de oportunidades”,

noção justificadora de diversos experimentos constitucionais pautados na necessidade de se extinguir ou de pelo menos mitigar o peso das desigualdades econômicas e sociais e, consequentemente, de promover a justiça social.

Continuando sua dissertação sobre a distinção entre a igualdade material e a formal, Joaquim Barbosa12 assim aduz:

Como se vê, em lugar da concepção “estática” da igualdade extraída das revoluções

francesa e americana, cuida-se nos dias atuais de se consolidar a noção de igualdade material ou substancial que, longe de se apegar ao formalismo e à abstração da concepção igualitária do pensamento liberal oitocentista, recomenda, inversamente,

uma noção “dinâmica”, “militante” de igualdade, na qual necessariamente são devidamente pesadas e avaliadas as desigualdades concretas existentes na sociedade, de sorte que as situações desiguais sejam tratadas de maneira dessemelhante, evitando-se assim o aprofundamento e a perpetuação de desigualdades engendradas pela própria sociedade. Produto do Estado Social de Direito, a igualdade substancial ou material propugna redobrada atenção por parte do legislador e dos aplicadores do Direito à variedade das situações individuais e de grupo, de modo a impedir que o dogma liberal da igualdade formal impeça ou dificulte a proteção e a defesa dos interesses das pessoas socialmente fragilizadas e desfavorecidas.

Explicando a igualdade material (substancial), José Joaquim Gomes Canotilho13 assevera que:

[...] o princípio da igualdade pode e deve considerar-se um princípio de justiça social. Assume relevo enquanto princípio de igualdade de oportunidades (Equality of opportunity) e de condições reais de vida. [...] Esta igualdade conexiona-se, por um lado, com uma política de “justiça social” e com a concretização de imposições

constitucionais tendentes à efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais. Por outro, é inerente à própria ideia de igual dignidade social (e de igual dignidade da pessoa humana) consagrada no artigo 13°∕2 [da Constituição Portuguesa] que,

deste modo, funciona não apenas como fundamento antropológico-axiológico contra discriminações, objectivas ou subjectivas, mas também como princípio jurídico-constitucional impositivo de compensação de desigualdade de oportunidades e como princípio sancionador da violação da igualdade por comportamento omissivos (inconstitucionalidade por omissão).

Já Norberto Bobbio14, por sua vez, elenca o seguinte comentário sobre a igualdade material:

11GOMES, Joaquim B. Barbosa; SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. As ações afirmativas e os

processos de promoção da igualdade efetiva. p 4. Disponível em: http://daleth.cjf.jus.br/revista/SerieCadernos/Vol24/artigo04.pdf. Acesso em 08/11/2014.

12 GOMES. Joaquim B. Barbosa; SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. Op. Cit., p 5.

13CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra:

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O princípio da igualdade de oportunidades, quando elevado a princípio geral, tem como objetivo colocar todos os membros daquela determinada sociedade na condição de participar da competição pela vida, ou pela conquista do que é vitalmente significativo, a partir de posições iguais.

Doutro giro, a mudança do paradigma da igualdade meramente formal para a igualdade material encontra-se amplamente destacado nas palavras de Celso Ribeiro Bastos 15, consoante o qual se pode afirmar que:

sem receio de equívoco, que se passou de uma igualização estática, meramente negativa, no que se proíbe a discriminação, para uma igualdade eficaz, dinâmica, já

que os verbos “construir”, “garantir”, “erradicar” e “promover” implicam, em si, mudança de ótica, ao denotar “ação”. Não basta não discriminar. É preciso viabilizar

– e encontrar, na Carta da República, base para fazê-lo - as mesmas oportunidades. Há de ter-se como página virada o sistema simplesmente principiológico. A postura deve ser, acima de tudo, afirmativa. E é necessário que esta seja a posição adotada pelos legisladores. [...]. é preciso buscar a ação afirmativa. A neutralidade estatal mostrou-se nesses anos um grande fracasso; é necessário fomentar-se o acesso à educação [...]. deve-se reafirmar: toda e qualquer lei que tenha por objetivo a concretude da Constituição Federal não se pode ser acusada de inconstitucionalidade.

Na mesma toada, Joaquim Barbosa16 estabelece uma estreita relação entre a utilização das ações afirmativas e a promoção da igualdade material, conforme se observa na seguinte definição: “A essas políticas sociais, que nada mais são do que tentativas de concretização da igualdade substancial ou material, dá-se a denominação de “ação afirmativa” ou, na terminologia do Direito europeu, de “discriminação positiva” ou “ação positiva”.”

Ainda segundo o escólio de Joaquim Barbosa Gomes 17 os objetivos das ações afirmativas são:

induzir transformações de ordem cultural, pedagógica e psicológica, visando a tirar do imaginário coletivo a ideia de supremacia racial versus subordinação racial e/ou de gênero; coibir a discriminação do presente; eliminar os efeitos persistentes (psicológicos, culturais e comportamentais) da discriminação do passado, que tendem a se perpetuar e que se revelam na discriminação estrutural; implantar a diversidade e ampliar a representatividade dos grupos minoritários nos diversos setores; criar as chamadas personalidades emblemáticas, para servirem de exemplo às gerações mais jovens e mostrar a elas que podem investir em educação, porque teriam espaço.

Atualmente, a maioria das ações afirmativas estão sendo executadas por intermédio de políticas públicas baseadas na destinação de um percentual específico de vagas, sejam em universidades ou em postos de trabalho, para os grupos sociais que historicamente foram vítimas de discriminação.

14 BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. 4. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. 31 p.

15 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. 37 p. 16 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade: o direito como

instrumento de transformação social.Rio de Janeiro: Renovar. 2001. 5 p.

(23)

Ressalte-se que as normas de proteção ao trabalho da pessoa com deficiência são dispositivos que efetivem direitos sociais, motivo pelo qual não podem ser objeto de retrocesso, sob pena de ferimento de morte à Constituição. Os estudiosos contrários à política das ações afirmativas poderiam alegar o princípio da reserva do possível, todavia tal norma somente se aplica aos assuntos de natureza econômica, tais como as políticas públicas que ensejam o gasto de vultosos recursos do erário, fato que não ocorre nas políticas voltadas à inclusão das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho, visto que estas contribuem para com o desenvolvimento das instituições em que laboram.

Ingo Sarlet18, asseverando sobre as restrições advindas da teoria da reserva do possível, aduz:

Neste contexto, poder-se-ia indagar, por exemplo, a respeito da possibilidade de desmontar-se, parcial ou totalmente (e mesmo com efeitos prospectivos) o sistema de seguridade social (incluindo os parcos benefícios no âmbito da assistência social e os serviços e prestações assegurados no âmbito do nosso precário Sistema Único de Saúde), o acesso ao ensino público e gratuito, a flexibilização dos direitos e garantias dos trabalhadores, entre tantas outras hipóteses [...].

[...], o legislador não pode simplesmente eliminar as normas (legais) concretizadoras de direitos sociais, pois isto equivaleria a subtrair às normas constitucionais a sua eficácia jurídica, já que o cumprimento de um comando constitucional acaba por converter-se em uma proibição de destruir a situação instaurada pelo legislador. Além disso, mediante a supressão pura e simples do próprio núcleo essencial legislativamente concretizado de determinado direito social (especialmente dos direitos sociais vinculados ao mínimo existencial), estará sendo afetada, em muitos casos, a própria dignidade da pessoa, que desde logo se revela inadmissível, ainda mais em se considerando que na seara as prestações mínimas (que constituem o núcleo essencial mínimo judicialmente exigível dos direitos a prestações) para uma vida condigna não poderá prevalecer, em princípio, até mesmo a objeção da reserva do possível e a correlata alegação de uma eventual ofensa ao princípio democrático e da separação dos poderes.

[...] Assim, a proibição de retrocesso assume (como parece ter sido suficientemente fundamentado) feições de verdadeiro princípio constitucional implícito, que pode ser reconduzido tanto ao princípio do Estado de Direito (no âmbito da proteção da confiança e da estabilidade das relações jurídicas inerentes à segurança jurídica), quanto ao princípio do Estado Social, na condição de garantia da manutenção dos graus mínimos de segurança social alcançados, sendo, de resto, corolário da máxima eficácia e efetividade das normas de direitos fundamentais sociais e do direito à segurança jurídica, bem como da própria dignidade da pessoa humana.

Pode-se ainda destacar como fundamento para a existência e efetivação das ações afirmativas, dentre as quais podemos destacar o incentivo à inclusão das pessoas ao mercado de trabalho, o princípio da solidariedade, o qual se encontra insculpido no capítulo referente à Seguridade Social de nossa Constituição Cidadã, sendo inclusive um dos objetivos

18 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal

(24)

fundamentais da República Federativa do Brasil, consoante o disposto no Art. 3º, inciso I da CF/1988.

Nas palavras de Patrícia Marla Farias Lima19, o princípio da solidariedade deve ser entendido da seguinte maneira:

[...] não se limita a atuação do princípio unicamente aos casos de intervenção estatal. O princípio da solidariedade tem também o papel de exigir a função social às atividades promovidas por particulares. Recai, portanto, sobre a autonomia das vontades, sobre a liberdade de transigir, dentre outros aspectos jurídicos próprios dessas atividades e negociações. Quer dizer, atua no âmbito do direito privado. Mas essa característica já estaria exposta pela solidariedade ainda enquanto norma moral. Por isso, também, sua eficácia não atinge a todos – claro, nem todos tomam os padrões médios de moral de um homem civilizado. Acontece que, no ordenamento jurídico brasileiro de 1988, por estar positivada constitucionalmente, a solidariedade se impõe com todas as suas características. Logo, é dever de toda a sociedade observar, seja enquanto se relaciona com o Estado ou mesmo enquanto os indivíduos se relacionam uns com os ouros; seja para exigir direitos, sejam para executar deveres, ambos oriundos da solidariedade norma jurídica constitucional.

Em virtude do exposto, resta comprovada a relação existente entre o desenvolvimento do Estado Moderno e a mudança de paradigma em relação ao tratamento destinado às pessoas com deficiência. Observe-se ainda que princípios como o da igualdade, o da solidariedade e o da vedação ao retrocesso são de fundamental importância para a garantia de direitos não só às pessoas com deficiência, mas aos diversos grupos sociais historicamente desfavorecidos.

19 MACHADO, Patrícia Marla Farias Lima. A solidariedade e o estado: do valor à norma jurídica. 2007. 218 p.

(25)

4 A MUDANÇA DE PARADIGMA EM RELAÇÃO AO TRATAMENTO DESTINADO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Como já fora abordado na introdução, o objetivo geral desta monografia é analisar a mudança de paradigma referente ao modelo de tratamento destinado às pessoas com deficiência, tarefa esta que será executada nos pontos a seguir expostos.

4.1 TERMINOLOGIA ADEQUADA PARA REFERIR-SE ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Ao se fazer uma abordagem sobre deficiências, sejam elas físicas ou psicológicas, depara-se com um problema que até hoje ainda carece de resolução definitiva: que termos linguísticos devem ser utilizados para referir-se às pessoas com deficiência? Ressalte-se que a nomenclatura é assunto de grande relevância, pois as palavras, se mal colocadas, podem denotar ou ser interpretadas como menosprezo ou discriminação, causando grande sofrimento psíquico aos que são incorretamente identificados20.

Ao longo da história, diversos termos inadequados foram utilizados para referir-se às pessoas com deficiência, dentre os quais se podem destacar inválidos, deficientes, portador de defeitos, deficitário e excepcional. Percebe-se que tais nomenclaturas evidenciam, sobretudo, a falta de capacidade ou desigualdade em relação aos demais indivíduos, motivo pelo qual devem ser evitados, visto que ninguém quer ser identificado por uma incapacidade. Talvez a mais pejorativa e discriminatória tenha sido a denominação de inválido, visto que se refere à ausência de valor da pessoa, principalmente no tocante à capacidade laborativa. Com o passar do tempo e devido à criação de diversas organizações de apoio às pessoas com deficiência, percebeu-se que tal termo acentuava ainda mais a desigualdade entre as pessoas com e sem deficiência.

20É importante destacar também que o conceito de pessoa com deficiência é de extrema importância, uma vez

(26)

Outro termo bastante indevido é o de deficiente, uma vez que a deficiência deve ser tratada como um adjetivo que atribui uma característica específica a um determinado ser humano, e não como a identificação do próprio indivíduo, ou seja, como um substantivo.

Atualmente, três termos costumam ser encontrados na doutrina, nas legislações internas ou internacionais e nos trabalhos acadêmicos que versam sobre o referido tema, quais sejam pessoas portadoras de deficiência, pessoas portadoras de necessidades especiais e pessoas com deficiência.

No tocante ao termo pessoas portadoras de deficiência, afirma-se que é incorreto pelo fato de que, ao se falar em portar, dá-se a impressão de que a deficiência é algo que pode ser abandonado a qualquer momento, tal qual um objeto, o que não é verdade. Já ao falarmos de pessoas portadoras de necessidades especiais, observa-se que há grande alusão à incapacidade da pessoa, motivo pelo qual ela teria as necessidades especiais. Por fim, o termo pessoas com deficiência parece ser o mais adequado, pois primeiro se fala na pessoa humana, de forma que a característica deficiente é apenas um atributo distintivo como qualquer outro.

O termo pessoas portadoras de deficiência é largamente encontrado na legislação brasileira, inclusive na Carta Magna. Já a nomenclatura pessoas com deficiência é utilizada em documentos internacionais, tais como a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em New York, em 30 de março de 2007.

Apesar da indefinição quanto à nomenclatura adotada, provavelmente o termo pessoas com deficiência prevalecerá, uma vez que a Convenção acima referida foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por intermédio do Decreto nº 6.949/2009 com

status de Emenda Constitucional 21, além de ter sido adotada por vários países signatários. Tal

21Dentre os diversos fatores elencados para a escolha do termo pessoa com deficiência, podem-se destacar os

seguintes:

1. Não esconder ou camuflar a deficiência;

2. Não aceitar o consolo da falsa ideia de que todo mundo tem deficiência; 3. Mostrar com dignidade a realidade da deficiência;

4. Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência;

5. Combater neologismos que tentam diluir as diferenças, tais como “pessoas com capacidades especiais”, “pessoas com eficiências diferentes”, “pessoas com habilidades diferenciadas”, “pessoas deficientes”, “pessoas especiais”, “é desnecessário discutir a questão das deficiências porque todos nós somos imperfeitos”, “não se preocupem, agiremos como avestruzes com a cabeça dentro da areia”, “aceitaremos vocês sem olhar para as suas deficiências”);

(27)

conceito ressalta uma grande mudança de paradigma em relação à palavra deficiência, pois deixou de ser considerado como algo pejorativo para ser apenas uma característica de um ser humano.

No Brasil, o termo pessoa com deficiência só foi oficializado em 03 de novembro de 2010 pela Portaria nº 2.344, que publicou a Resolução nº 1, de 15 de outubro de 2010, do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE), a qual altera os dispositivos da Resolução nº 35, de 6 de julho de 2005, que dispõe sobre seu Regimento Interno:

Art.1º - Esta portaria dá publicidade às alterações promovidas pela Resolução nº 1, de 15 de outubro de 2010, do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE) em seu Regimento Interno.

Art. 2º - Atualiza a nomenclatura do Regimento Interno do CONADE, aprovado pela Resolução nº 35, de 6 de julho de 2005, nas seguintes hipóteses:

I - Onde se lê "Pessoas Portadoras de Deficiência", leia-se "Pessoas com Deficiência"; (grifo nosso)

II – Onde se lê "Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República", leia-se "Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República"; III – Onde se lê "Secretário de Direitos Humanos", leia-se "Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República";

IV - Onde se lê "Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência", leia-se "Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência";

V - Onde se lê "Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência", leia-se "Política Nacional para Inclusão da Pessoa com Deficiência";

O Decreto nº 3.298, de 20/12/99, por sua vez, no seu artigo 3º, especifica o que é deficiência, conforme se observará abaixo:

I - deficiência - toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II – deficiência permanente - aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III - incapacidade - uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

De acordo com o Decreto 5.296, artigo 4º, de 02/12/04, as deficiências são as seguintes:

7. Identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a partir daí encontrar medidas específicas

para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de participação” (dificuldades ou

(28)

I - deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;

II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;

III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º, ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; IV- deficiência mental - funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a) comunicação; b) cuidado pessoal; c) habilidades sociais;

d) utilização dos recursos da comunidade; e) saúde e segurança;

f) habilidades acadêmicas; g) lazer;

h) trabalho; e

V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

Em suma; as pessoas com deficiência não querem esconder da sociedade o fato de que possuem limitações, desejam apenas ser consideradas como iguais a qualquer outro indivíduo e exercer plenamente a cidadania.

4.2 MODELOS DE TRATAMENTO DAS INCAPACIDADES

Antes de falar especificamente acerca dos modelos de tratamento das incapacidades previstos pelos diversos ordenamentos jurídicos, faz-se necessário abordar ligeiramente o modelo de prescindência. Segundo tal concepção, as limitações físicas ou psicológicas são oriundas de causas religiosas, constituindo-se em verdadeiros “castigos

divinos”. É notável o desprezo destinado às pessoas com deficiência por meio desta visão, pois tal modelo culpa a própria pessoa pela deficiência que tem.

(29)

constata a utilização de práticas eugênicas como as que ocorriam em Esparta22 e em diversos outros locais.

O paradigma de tratamento das incapacidades mais conhecido e praticado até o século passado e infelizmente ainda bastante vigente na prática é o modelo médico ou reabilitador.

A própria nomenclatura já evidencia a distinção entre a pessoa com qualquer tipo de deficiência e “os normais”. A palavra médico, em si, ressalta a ocorrência de algum tipo de deformidade ou anomalia a ser tratada por especialistas. Já o termo reabilitador menciona

alguém que precisa ser “curado” ou novamente “adequado/reinserido” ao “padrão de normalidade” então vigente.

Observe-se que não há uma preocupação para com os direitos fundamentais das pessoas com deficiência, mas tão somente um interesse em reintegrar tais indivíduos ao

“padrão de normalidade” socialmente construído. Em suma, todo o tratamento era voltado para a correção/adaptação dos indivíduos com qualquer tipo de incapacidade, visto que não se podia aceitar qualquer tipo de distinção, uma vez que a limitação física ou psíquica ainda estava diretamente relacionada à ideia de inferioridade.

Cabe neste ponto uma análise geral sobre a sociedade ocidental, pois ainda hoje as diferenças não são aceitas com facilidade. Há sempre um padrão de comportamento, um modelo de conduta, um estilo de roupa, uma religião, uma conduta sexual e um padrão de consumo a ser seguido, de tal forma que os divergentes são muitas vezes considerados indesejáveis.

Note-se que tal modelo acentua a discriminação e o desrespeito aos direitos das pessoas com qualquer tipo de incapacidade, uma vez que o indivíduo não é visto como uma pessoa plenamente apta ao exercício de determinadas prerrogativas, mas sim como alguém

que deveria passar por um processo de “normalização”, pois, somente após a efetiva

“reintegração à sociedade”, poder-se-ia tratar tais pessoas como iguais em direitos e deveres.

22

A sociedade espartana era reconhecida pelo seu poder militar e bélico, motivo pelo qual os cidadãos espartanos precisavam da plenitude de suas potencialidades físicas. Diante do exposto, aos bebês com deficiência era

(30)

Ilustrando tal forma de concepção e tratamento, (Diogo da Silva Portela, 2013

apud Patrícia Cuenca Gómez, 2011, p.3) transcreveu-se abaixo a reflexão de Patrícia Cuenca Gómez23:

Finalmente, el modelo médico se fija precisamente en aquello que las personas con discapacidad no pueden hacer, infravalora las capacidades y aptitudes de las

personas con “deficiencias”, refuerza el estereotipo de las personas con

discapacidad como personas dependientes y genera sobreprotección, permitiendo que otros – padres, familiares, tutores, médicos asistentes – decidan sobre los aspectos esenciales de su vida e, por tanto, sobre sus derechos, Así, desde estos parámetros, la persona con discapacidad se configura como un sujeto pasivo en relación con sus derechos.

Finalmente, o modelo médico se baseia precisamente naquilo que as pessoas com incapacidade não podem fazer, subvaloriza as capacidades e aptidões das pessoas

com “deficiências”, reforça o estereótipo das pessoas com incapacidade como

pessoas dependentes e gera superproteção, permitindo que outros – pais, familiares, tutores, médicos assistentes – decidam sobre os aspectos essenciais de suas vidas e, portanto, sobre seus direitos. Assim, nesses parâmetros, a pessoa com incapacidade se configura como um sujeito passivo na relação com seus direitos. (Tradução livre).

Nesta perspectiva do modelo médico legal, o qual muitas vezes trata a pessoa com deficiência como alguém incapaz de tomar decisões por si própria, é relevante mencionar um trecho da dissertação de mestrado de Rafael Barreto Souza, cujo tema é aplicação do instituto da curatela em relação às pessoas com deficiência 24:

À primeira vista, a dinâmica processual do Novo Código Civil parece razoável, provendo algumas salvaguardas para os curatelados. Contudo, a perfunctoriedade analítica não deve prevalecer. A lógica que subjaz a curatela é da substituição, da transferência e, em última instância, da completa exclusão da pessoa com deficiência da vida civil. Uma vez instaurada a curatela, a vontade do curatelado deixa de importar, tornando-o – como bem expressa a nomenclatura legal – um incapaz. A curatela não preza pelo apoio e pelo suporte à expressão de vontade da pessoa com deficiência. O curador não presta qualquer compromisso com os anseios, desejos ou recusas da pessoa com deficiência interditada. O que a sociedade e as condições físicas marcam como deficiência, a legislação civilista agrava e termina por extinguir. Elimina-se a autonomia.

Ainda consoante as palavras de Rafael Barreto Souza25:

A curatela, ao declarar a incapacidade civil, igualmente impede o exercício dos direitos políticos celebrados no art. 15, II da Constituição Federal. Transversalmente, a curatela abre portas para diversas violações de direitos humanos, uma vez que põe em risco o direito de acesso à justiça, direito de liberdade e segurança da pessoa, direito a uma vida independente e de inclusão na

23 CUENCA GÓMEZ, Patricia. Derechos Humanos y Modelos de Tratamiento de la Discapacidad. In:

Proyecto Consolider Ingenio 2010 “El tiempo de los derechos”, CSD2008-00007. Número 3. 2011. 3 p.

24

SOUZA, Rafael Barreto. Implementação no Brasil do artigo 12 da convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência: os impactos da constitucionalização do direito à plena capacidade jurídica. 2013. 17p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013.

25

(31)

comunidade, liberdade de expressão, respeito ao lar e à família, direito ao trabalho e emprego e participação na vida política e pública.

Por último, cabe destacar o modelo social. A característica marcante deste modelo de tratamento das incapacidades consiste no fato de o olhar ser voltado basicamente para a forma como a sociedade está estruturada ao invés de voltar-se para o indivíduo com a deficiência. Já não se busca mais um meio de “reintegrar” o indivíduo ao meio em que está situado por intermédio do processo de “normalização”, mas sim, analisar que fatores sociais promovem a exclusão dos indivíduos com qualquer tipo de deficiência.

Ressalte-se que o modelo supracitado demonstra que muitas vezes a dificuldade de inclusão do indivíduo ao mercado de trabalho e às atividades em comunidade como um todo não é decorrente prioritariamente da deficiência física ou psíquica vivenciada pelo indivíduo, sendo o real motivo a natureza excludente e pragmática da sociedade, a qual dificilmente consegue inserir pessoas que não estejam estritamente inseridas no “padrão de normalidade” socialmente estabelecido.

Nas palavras de Luciana Neves da Silva Bampi26:

A adoção do modelo social traz como consequência a compreensão de que as pesquisas e as políticas públicas, direcionadas à deficiência, não podem concentrar-se apenas nos aspectos corporais dos indivíduos para identificar a deficiência. Além disso, ao separar a deficiência de lesão, o modelo social abre espaço para mostrar que, a despeito da diversidade de lesões, há um fator que une as diferentes comunidades de deficientes em torno de um projeto político único: a experiência de exclusão. (Grifo nosso).

Observe-se que, conforme os ditames do modelo social de tratamento das incapacidades, a sociedade passa a ser o principal fator responsável pela existência das limitações, pois a incapacidade somente existe quando traçamos uma interdependência entre as pessoas e as tarefas a serem executas. Dito de outra forma, a incapacidade existe não em virtude da perda de um membro ou de uma funcionalidade em si, mas sim como decorrência das relações de poder, geralmente baseadas na dominação e na superioridade, presentes em nossa sociedade.

Consoante o escólio de Diogo da Silva Portela, 2013 apud Patrícia Cuenca Gómez, 2011, p.3, 27:

26

BAMPI, Luciana Neves da Silva; GUILHEM, Dirce; ALVES, Elioenai Dornelles. Modelo social: uma nova abordagem para o tema deficiência. In: Revista Latino-Americana de Enfermagem, jul-ago 2010. 3 f.

27 CUENCA GÓMEZ, Patricia. Derechos Humanos y Modelos de Tratamiento de la Discapacidad. In:

(32)

El modelo social rechaza frontalmente a ideología da la normalización, considerando que la ideia de normalidad no es neutra, sino que es algo impuesto por quienes responden “a los parámetros físicos y psíquicos del estereotipo culturalmente dominante” generando limitaciones para aquellos que no encajan en

el modelo estándar. Lo anterior conduce a redefinir el destinatario de la normalización y de la rehabilitación que no son tanto las personas, como la sociedad. (...) son los derechos que tienen de amoldarse a las personas y no las personas a los derechos.

O modelo social rechaça frontalmente a ideologia da normalização, considerando que a ideia de normalidade não é neutra, mas sim que é algo imposto por quem

corresponde “aos parâmetros físicos e psíquicos do estereótipo culturalmente dominante”, gerando limitações para aqueles que não se encaixam no modelo padrão. O exposto conduz a redefinir o destinatário da normalização e da reabilitação, que não são tanto as pessoas, mas sim a própria sociedade. (...) são os direitos que devem se amoldar às pessoas, e não as pessoas aos direitos. (Tradução livre).

Para que se compreendam melhor as bases sobre as quais está edificado o modelo social de tratamento das incapacidades, o estudante de Direito, Diogo da Silva Portela,28 listou os principais corolários, quais sejam:

a) A capacidade não seria algo natural, mas, em verdade, uma construção social, que, não poucas vezes, foi utilizada como sucedâneo de exclusão de certos grupos sociais ao longo da história;

b) Não se há como justificar que certas habilidades/capacidades valham mais que

outras, ou seja, não existe maneira “correta”, “acertada”, “ideal”, “padrão” de sentir, de se comunicar, de raciocinar, de tomar decisões, etc;

c) A ideia de normalidade nada mais é que um mito, tendo em vista que toda pessoa é inserida em um contexto social distinto, único;

d) A capacidade é um conceito “gradual” e “relativo”, ou, em outras palavras, o que se observa é a impossibilidade de se dividir a sociedade binomialmente (capazes x incapazes), uma vez que ela é formada de sujeitos com capacidades diversas; e) Os problemas relativos à incapacidade podem ter sua origem não tanto em características individuais, mas sim na forma como foi construído o contexto físico, comunicacional, intelectual, etc., no qual somos inseridos.

Destaque-se que, a partir da análise de tais modelos, é palpável a mudança de paradigma em relação às pessoas com deficiência, visto que, no modelo médico/reabilitador, o indivíduo é enxergado basicamente como um “doente” ou alguém “incapaz” pelo fato de “não

ser normal”, ou dito de outra maneira, pelo fato de não estar nos parâmetros desejáveis.

Ao se observar o modelo social, torna-se perceptível o fato de que o indivíduo com deficiência é antes de tudo alguém que sofre uma profunda exclusão social em todos os sentidos. As barreiras que tais pessoas enfrentam são as mais diversas possíveis, podendo-se destacar as atitudinais (relacionadas aos preconceitos e discriminações praticadas por outros

28PORTELA, Diogo da Silva. Análise do Instituto da Curatela à Luz da Convenção sobre os Direitos das

(33)

indivíduos) e as arquitetônicas - relacionados à acessibilidade e à dificuldade de locomoção - por exemplo.

Em suma; pode-se afirmar que o “problema” não é o indivíduo portador da deficiência, mas sim, a maneira como as relações sociais e consequentemente a sociedade estão constituídas. Não é o indivíduo que não consegue adaptar-se ao meio em que vive, mas o meio que não é apto à inclusão de tais pessoas.

Por fim, constata-se que a pessoa com deficiência não é incapaz em virtude de uma limitação física ou psíquica, pois na verdade a incapacidade ocorre pela inexistência/insuficiência/inefetividade de políticas públicas e pela falta de consciência dos membros da sociedade em relação à condição de tais pessoas. Desde que o ambiente esteja adaptado e que as oportunidades sejam concedidas, tais pessoas estão plenamente aptas ao exercício das diversas atividades laborais e ao pleno convívio em comunidade.

4.3 LEGISLAÇÃO REFERENTE À INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Para a tentativa de concretização do princípio da igualdade e da dignificação das pessoas com deficiência, fez-se necessária a adoção de uma série de medidas estatais, dentre as quais se pode destacar a elaboração de diversas leis e outros atos normativos, para a garantia da acessibilidade e principalmente para a inclusão de tais cidadãos ao mercado de trabalho.

Analisar-se-á tais dispositivos legais, os quais são compostos por tratados internacionais, legislação constitucional e infraconstitucional, decretos, emendas constitucionais, etc. Denote-se que ainda persistem em nosso ordenamento jurídico normas que tratam a pessoa com deficiência de forma assistencialista, situação esta que, em razão das causas expostas no decorrer deste trabalho, ainda se faz necessária, visto que infelizmente nem sempre é possível assegurar que tais pessoas possam manter-se por si sós.

(34)

O documento jurídico internacional mais relevante para a análise do tema abordado nesta monografia é a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 200729. Destaque-se que tal norma foi aprovada nos termos do § 3º do Art. 5º da CF; logo tem status

de Emenda Constitucional, motivo pelo qual não pode ser revogada, pois, versando sobre direitos fundamentais, está protegida pelo manto das cláusulas pétreas (Art. 60, § 4º, IV).

Apesar das divergências quanto à nomenclatura utilizada para referir-se às pessoas com deficiência, assunto este já abordado em capítulo anterior, o tratado internacional em epígrafe acolheu o termo pessoas com deficiência, chegando inclusive a definir em que consiste tal conceito, conforme o artigo abaixo destacado:

Art. 1 - Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. (grifo nosso).

Ressalte-se que tal conceito não destaca tão somente a deficiência em si, mas também as diversas barreiras presentes na sociedade, as quais são as principais responsáveis pela obstrução da plena participação social das pessoas com deficiência em condições de igualdade com as demais pessoas.

No art. 27 da Convenção de Nova York, o qual versa sobre o trabalho e emprego das pessoas com deficiência, está disposto o seguinte:

1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados Partes salvaguardarão e promoverão a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma

29A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência juntamente com o Protocolo Facultativo,

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