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MEMÓRIA E REPRESENTAÇÃO: A IDENTIDADE FRONTEIRIÇA NAS ONDAS. DO RÁDIO 1 Vera Lucia Spacil Raddatz 2

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MEMÓRIA E REPRESENTAÇÃO: A IDENTIDADE FRONTEIRIÇA NAS ONDAS DO RÁDIO1

Vera Lucia Spacil Raddatz2 Deise Anelise Froelich3 Fernando Vieira Goettems4 Resumo

Este texto tem o objetivo de discutir a importância de resgatar a memória do rádio regional e sua influência na formação da cultura e da identidade na região da fronteira Brasil-Argentina, considerando diferenciações e aproximações pertinentes a distintos espaços de fronteiras nacionais do Brasil com o país vizinho. O rádio é um veículo formador de opinião, que acompanha o quotidiano e causa forte impacto na vida das comunidades. Por meio de entrevistas com locutores e diretores das emissoras e de uma busca nos arquivos existentes, procuramos nesta pesquisa fazer o registro dessa história, entender o processo de desenvolvimento da região e as práticas socioculturais estabelecidas entre argentinos e brasileiros. Na região de abrangência do Projeto de Pesquisa “Fronteiras: a identidade fronteiriça nas ondas do rádio”, que compreende a Fronteira Noroeste e Noroeste Colonial do Rio Grande do Sul, a programação das emissoras articula e evidencia elementos da cultura e da identidade fronteiriça, integrando povos e nações, e reconhecendo novas expressões das identidades que se manifestam pela linguagem, pela música e relações de vizinhança. Pela análise do material coletado constamos que o rádio local participa do processo de integração latino-americano e da construção simbólica do fenômeno fronteira e do ser fronteiriço.

Palavras-chave: Identidade. Memória. Rádio. Fronteira. Desenvolvimento

MEMORY AND REPRESENTATION: THE IDENTITY IN THE BORDER RADIO WAVES.

Abstract.

This paper aims to discuss the importance of rescuing the memory of the regional radio and its influence on the culture and identity in the border region between Brazil and Argentina, considering differences and relevant approaches to different areas of national borders of Brazil with this other country . The radio is an opinion leader vehicle that accompanies the daily and has a strong impact on the community lives. Through interviews with speakers and television stations directors and a search of existing files, this research sought to register the story, understanding the process of development of the region and cultural practices established between Argentines and Brazilians. In the region covered by the project Research Frontiers: a border identity in radio, covering the Northwest Frontier and Northwest Colonial of Rio Grande do Sul, the programming of broadcasters articulates and demonstrates elements of culture and border identity, integrating

1 Texto apresentado ao Simpósio Iberoamericano em Comércio Internacional, Desenvolvimento e Integração

Regional, Unijuí Campus Santa Rosa, 22 a 24 de outubro de 2009.

2 Doutora em Comunicação pela UFRGS; professora e pesquisadora do Curso de Comunicação Social da

UNIJUI; coordenadora do Projeto de Pesquisa “Fronteiras: a identidade fronteiriça nas ondas do rádio”; editora da Revista Formas e Linguagens e da Coleção Linguagens, da Editora UNIJUI. e-mail: verar@unijui.edu.br

3 Acadêmica do Curso de Comunicação Social – Hab. Jornalismo, da UNIJUÍ; bolsista PIBIC do Projeto de

Pesquisa “Fronteiras: a identidade fronteiriça nas ondas do rádio”. e-mail: deisefroelich@yahoo.com.br

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Acadêmico do Curso de Comunicação Social – Hab. Jornalismo, da UNIJUÍ; bolsita CNPQ do Projeto de Pesquisa “Fronteiras: a identidade fronteiriça nas ondas do rádio”. e-mail: fernando.goettems@unijui.edu.br

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peoples and nations, and recognizing new expressions of identities that are manifested through language, music and neighborly relations. For data analysis we have found that the local radio part of the integration process in Latin America and the symbolic construction of the phenomenon of the border and border being.

Keywords: Identity. Memory. Radio. Border. Development

Introdução

Numa sociedade em que as novas tecnologias de comunicação e informação impulsionam a interagir fora dos espaços físicos, antes limitados ao alcance das nossas mãos ou de nossos olhos, chegamos a um sentido muito mais presente de que é preciso superar idéias dicotômicas e abrir espaço para a pluralidade e o diálogo que se estabelece por meio de trocas e de práticas socioculturais. Hoje, esse processo, embora não desconsidere as relações econômicas, coloca no centro a cultura e a mídia e as relações que dela se desencadeiam.

A midiatização do mundo contemporâneo mostra que as experiências humanas e sociais, desde a vida cotidiana aos processos de produção e difusão de cultura e informação, passam de alguma forma pela mídia. E isso tem um significado importante para o processo de formação da sociedade, porque contribui para a representação da realidade e a interpretação do mundo. O modo como os sujeitos se comportam em relação a este aspecto, as mediações incluídas nesse processo e as formas de recepção também dizem respeito à temática, mas renderia outro estudo.

Aqui, interessa discutir especificamente a mídia radiofônica e o seu papel na formação das identidades da fronteira Brasil-Argentina, na região noroeste do Rio Grande do Sul, a partir dos indicativos que a pesquisa de campo do Projeto “Fronteiras: a identidade fronteiriça nas ondas do rádio” está mostrando. Acreditamos que os dados apurados até agora permitam traçar um panorama de como a identidade cultural dos povos fronteiriços está de alguma forma relacionada ao rádio.

Partindo do propósito de refletir especialmente sobre essas questões, chegamos a outra emergente, que trata da necessidade de resgatar a memória do rádio regional, diante do fato de que a história desse veículo tão importante para a formação dessas comunidades não está registrada em nenhum lugar, senão na memória dos ouvintes ou de quem fez ou faz rádio nessas regiões.

A região foco deste estudo apresenta uma característica diferenciada, pois se situa numa faixa de fronteira – Brasil-Argentina – o que por si só resulta numa maior complexidade, pois a pesquisa não se relaciona apenas a um território. Trata-se de dois povos

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e duas nações, com todos os seus traços e definições construídos pela história, pela colonização e lutas.

Identidade, memória e representação

Atualmente discute-se muito a crise de identidade, como parte de um processo de mudanças no mundo e, por conseguinte, nos sujeitos. Essa, assim chamada crise de identidade, refere-se ao fato de que, anteriormente, os sujeitos eram compostos por uma única e sólida identidade e, atualmente, os sujeitos se constituem não a partir de uma identidade única, mas de uma forma fragmentada, composta de diversas identidades, muitas vezes até contraditórias.

Isso ocorreu, principalmente, por cinco fatores. Primeiramente, é necessário refletir pela constituição histórica do homem, com os ideias do Iluminismo, de homem cartesiano. Esse homem corresponde a um sujeito único, dotado de razão, ou seja, um sujeito centrado. Com a complexidade nas relações humanas, com os estudos de Darwin, passou-se a ter uma noção de sujeito mais descentrada, em contraposição ao Iluminismo.

Um segundo movimento de descentralização, ocorreu através da teoria marxista do homem, cujo sujeito é histórico, recebendo a herança cultural, política e econômica das outras gerações. Pelo pensamento marxista, o sujeito responde as condições históricas que lhe foram dadas, desse modo, é impossível, nessa concepção, um sujeito centrado, racional, único.

O terceiro movimento crítico do ser humano cartesiano foi trabalhado pelo lingüista Ferdinand de Saussure, relacionando a língua que usamos e as relações que estabelecemos a partir dela. Assim, a língua é precedente aos sujeitos, desse modo, falar uma língua significa expressar, também, a diversidade de significados já embutidos em nosso idioma.

O quarto movimento foi teorizado por Focault e baseia-se em um novo tipo de poder: o poder disciplinar, contido nas mais diversas instituições modernas, como escola, quartéis empresas, hospitais, etc. Esse poder consiste em manter a vida dos indivíduos sob estrito controle.

E, por fim, movimentos como o feminismo, as revoltas juvenis - principalmente no fim dos anos 60 do século XX - influenciaram na concepção do sujeito contemporâneo.

Desse modo, podemos tratar o sujeito pós-moderno, após esses cinco movimentos, através de várias formas de identificação, como as culturas nacionais, a globalização e o fator local.

As culturas nacionais referem-se a um sistema de representação, não apenas político, mas um sistema de representação cultural, onde as pessoas participam de uma idéia de nação.

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Como explica Stuart Hall (20005, p. 49): “Uma nação é uma comunidade simbólica e é isso que explica seu poder para gerar um sentimento de identidade e lealdade”. O mesmo autor diz ainda: “Uma cultura nacional é um discurso (...). A identidade nacional é uma ‘comunidade imaginada” ( p. 51).

Isso ocorre através de formas narrativas, contidas na literatura, nas histórias populares, na mídia. Segundo Hall (2005, p.52), essas narrativas fornecem aos sujeitos “uma série de histórias, imagens, panoramas, cenários, eventos históricos, símbolos e rituais nacionais que representam ou simbolizam a nação”.

Já a globalização refere-se ao processo, em escala global, de integração de culturas, conexão e integração de comunidades, acarretando em novas lógicas sociais. O que, para HALL (2005), significa uma desconstrução da noção de espaço-tempo dos sujeitos. Os lugares permanecem fixos, é neles que temos raízes. Entretanto, o espaço pode ser cruzado num piscar de olhos. Isso é a destruição do espaço através do tempo.

Para o teórico, a globalização acarreta em mudanças significativas na vida do ser humano, quando se refere às interações através do “mercado global de estilos, lugares, pelas imagens da mídia, e pelos sistemas de comunicação” (HALL, 2005, p. 75). Essas características da globalização desvinculam a tradição a lugares específicos e flutua livremente pelo mundo, parafraseando Hall.

Após a globalização, fala-se em homogeneização das identidades. Porém, o que ocorre são novas identificações globais e locais. A identidade, segundo Hall, encontra-se entre o global e o local.

Quando se pensa sobre as identidades, pode-se refletir sobre a memória, já direcionando a reflexão à memória do rádio na região Noroeste Colonial e Fronteira Noroeste. Nas diversas comunidades que compõe as duas regiões, o rádio tem um poder de penetração valioso na constituição das identidades locais, principalmente por encontrar-se numa região de fronteira, sendo influenciado e influenciando as práticas socioculturais inclusive dos sujeitos de outro país, a Argentina.

Nas regiões Fronteira Noroeste e Noroeste Colonial do estado do Rio Grande do Sul, o rádio assume papel fundamental, à medida que ainda é muito valorizado e ouvido cotidianamente. E é justamente devido a esse aspecto que ele assume importância histórica e política nas comunidades onde está inserido. Desse modo, resgatar a memória do rádio é recuperar a trajetória dos povos e reconhecer a importância do veículo para a formação identitária.

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O resgate e preservação da memória do rádio ganham importância à medida que muito da história dessas emissoras está ligada ao desenvolvimento das comunidades, devido ao caráter de veículo formador e articulador de opiniões, além de disseminar as mais diversas manifestações culturais. Registrar sua história é regenerar a história da comunidade regional e respeitar as raízes do passado.

Atualmente, os historiadores têm demonstrado maior interesse pela relação entre história e memória, do que pela história contada pela domesticação do tempo natural, que é o calendário. Isto porque a memória coletiva e documentada além de ser um patrimônio documental, vem a ser um patrimônio histórico e cultural. É o legado para as comunidades presentes e futuras.

Buscar as fontes que presenciaram a evolução do rádio regional é um compromisso com o registro da evolução e das conquistas da sociedade. É a oportunidade de (re) conhecer um patrimônio histórico do rádio, até então não documentado e de uma identidade cultural arraigada aos povos fronteiriços. Será possível compreender uma trajetória que perpassa a imigração portuguesa e espanhola, guerrilhas, heranças indígenas, imigração européia, relação intensa entre ambos lados da fronteira, movimentos de contestação e produção cultural e de conhecimento.

A memória coletiva traz à tona a compreensão de nossas identidades e de nosso presente. Diante disso, Le Goff (2003) explica que a memória e o conhecimento podem ser considerados objetos de poder e uma preocupação constante das classes, dos grupos e dos indivíduos que de alguma forma dominaram ou dominam as sociedades históricas. Para o autor (2003, p.422), “os esquecimentos e o silêncio da história são reveladores deste mecanismo de manipulação da memória coletiva”. Logo, o estudo e a valorização da memória social são meios importantes para a compreensão dos problemas do tempo e da história, possibilitando apontamentos de melhores decisões futuras. A memória é um meio para o registro e perpetuação do passado histórico.

Enquanto a memória individual é formada pela bagagem de referências pessoais de cada indivíduo, a memória coletiva se apropria das narrativas individuais, e seleciona os fatos e aspectos considerados relevantes e que posteriormente serão guardados como memória oficial das sociedades. A partir dos processos de socialização, a memória individual se enraíza e se torna parte do social e do coletivo. Expressões como obras literárias, obras de arte, monumentos e arquivos de museus são frutos da formalização da memória coletiva. Pertencem, portanto, a todos.

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Ainda, sobre a importância da memória e do seu registro, Le Goff explica que a memória é um elemento fundamental para a construção da identidade individual e coletiva e para a evolução da sociedade:

A evolução das sociedades, na segunda metade do século XX, elucida a importância do papel que a memória coletiva desempenha. Exorbitando a história como ciência e como culto público, ao mesmo tempo a montante, enquanto reservatório (móvel) da história, rico em arquivos e em documentos/monumentos, e aval, eco sonoro (e vivo) do trabalho histórico, a memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das sociedades em via de desenvolvimento, das classes dominantes, lutando, todas, pelo poder, ou pela vida, pela sobrevivência e pela promoção. (LE GOFF, 2003, p. 469).

Assim, torna-se instigante o registro da memória do rádio regional. Muitas emissoras não costumam guardar registros e arquivos de material em áudio ou impresso que registrem sua história. É importante que as comunidades tenham acesso aos dados que ajudaram a construir seus hábitos e práticas culturais, enfim, parte de sua identidade.

Nesse contexto, as relações econômicas, culturais e políticas, não estão imunes à sua memória, ao que lhe antecedeu. Não podemos pensar nesses aspectos de forma seccionada. É a relação entre história e memória que nos permite identificar a cultura de um povo, o que irá influenciar diretamente na tessitura social e política. É o legado histórico que irá refletir sobre quem é, como age e quais as tendências para o futuro de uma sociedade.

A mídia cria representações sobre a realidade. De acordo com Moscovici ( 2003) as representações, não como conceito, mas como fenômeno, devem ser consideradas como meio de recriar a realidade. “[...] trata-se de algo re-feito, re-construído e não de algo recém-criado, pois, por um lado, a única realidade disponível é a que foi estruturada pelas gerações passadas” (Moscovici, 2003, p.90). Desse ponto de vista, toda a história que faz parte da constituição da região da fronteira é substancial para compreender o que hoje nela se desenvolve.

Hoje, as regiões de fronteira, como a que estudamos, são um lugar de entrecruzamento de linguagens e saberes, de construção e desconstrução contínuas da identidade. Num mundo em constante processo de desterritorialização, as fronteiras geopolíticas foram suplantadas pelas fronteiras culturais e as linhas demarcatórias praticamente desaparecem frente às práticas cotidianas. A integração comercial e social é fruto dessas relações de aproximação e vizinhança.

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O caráter popular e a grande abrangência do veículo rádio permitem que ele ultrapasse fronteiras físicas e culturais, interferindo na construção da identidade de seus ouvintes. Ao mesmo tempo, o fazer radiofônico é influenciado pelo ambiente cultural (ou multicultural) que o rodeia. Nem mesmo o idioma impede a relação de brasileiros e argentinos através do rádio. Os argentinos não consideram a língua um empecilho para ouvir rádios brasileiras. Desta relação surge uma linguagem peculiar desta região, uma fusão cultural de idiomas, conhecido popularmente como “portunhol”, que é uma integração da língua portuguesa, falada no Brasil, com a língua espanhola ou castelhano, idioma dos argentinos.

A partir do material coletado e das entrevistas realizadas durante as visitas às emissoras de rádio é evidente a influência da faixa de fronteira no fazer radiofônico das emissoras em estudo. Por meio do resgate da história das emissoras, evidenciou-se a questão musical como uma das principais causas de interação entre brasileiros e argentinos. O gosto pela música de bandas regionais (brasileiras) e pelo som de grupos tradicionalistas gaúchos liga os dois povos na mesma sintonia. O gerente das emissoras Rádio Repórter AM e Iguatemi FM de Ijuí, Clair Pedrinho Bertoldo, ressalta a questão musical como fruto da integração fronteiriça e missioneira.

A influência dos gaúchos, ou gauchos como chamam os argentinos, a proximidade é muito grande. É a rancheira, é o tango. Isso toca lá e toca aqui. A música é a mesma. E na fronteira do Brasil falam e rodam muita música castelhana.

As denominadas “músicas de bandinhas”, transformaram-se em um fenômeno, sendo que fazem parte do gosto musical de brasileiros e argentinos e se destacam como fator determinante de união entre os dois lados da fronteira. Este fator foi ressaltado por todas as emissoras visitadas. Isto ocorre também, devido à imigração européia (inicialmente portugueses e espanhóis, e mais tarde alemães) que ocorreu com intensidade no noroeste brasileiro e leste argentino, evidenciando nos dois países musicalidade e manifestações culturais semelhantes. Em função disto é perceptível a ascensão no número de bandas deste estilo em toda a região e, os freqüentes bailes que ocorrem em ambos os lados da fronteira e que integram brasileiros e argentinos. Fabiano Lopes, locutor da Rádio Regional de Santo Cristo, explica que a música de bandinhas une ouvintes e também artistas, que firmam parcerias lançando músicas com características brasileiras e argentinas.

Aqui na fronteira, atravessando o Rio Uruguai, tem muitas pessoas que são da nossa região, que estão habitando o país vizinho, e que acompanham

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nossa programação (...) a gente sempre procura destacar relacionado ao país vizinho, várias informações também. Mas a parte musical (...) Os conjuntos daqui vão buscar músicas, letras na Argentina e o pessoal da Argentina vem buscar aqui também músicas para introduzir na sua programação e mesmo no estilo musical que faz sucesso tanto nas emissoras, nos encontros, nos bailes e nas festas.

A faixa de fronteira implica também a necessidade de cumprimento de determinações legais que interferem na potência e abrangência das emissoras. Essa questão é lembrada por Clair Pedrinho Bertoldo, gerente da Rádio Repórter AM e da Iguatemi FM de Ijuí.

Estamos na faixa de fronteira, isso faz com que as emissoras de AM baixem a potência, nós temos que trabalhar de noite só com meio quilowatt. Então de dia tu trabalhas com dez quilowatts e de noite com meio quilowatt. Porque a propagação estende muito e as rádios brasileiras acabam atrapalhando a Argentina. E vice-versa. Só que as argentinas não baixam, só nós que baixamos. Inclusive a legislação se preocupou muito com isso porque na época das campanhas políticas os candidatos faziam propaganda nas rádios argentinas da campanha política do Brasil. E isso foi proibido também. Porque eles estavam usando esse refúgio. Mas na fronteira existe muito disso.

A integração pelo rádio faz com que muitas vezes os ouvintes atravessem a fronteira para que possam integrar-se através de eventos esportivos e até mesmo bailes e festas. Jerônimo Breitenbach (2008), diretor da Rádio Difusora AM de Três Passos, explica que é comum a realização de intercâmbios entre brasileiros e argentinos mediados pelas ondas do rádio: “A gente tem a participação de ouvintes argentinos, como de muitos brasileiros que hoje moram nessa região de fronteira (...) fazer torneios que jogam na Argentina ou que jogam aqui. Então isso aí envolve bastante a rádio também”.

A participação de ouvintes argentinos através de pedidos musicais, homenagens, recados para amigos e familiares, ou ainda, avisos de utilidade pública são outros aspectos muito comuns no rádio de fronteira. Avisos de festas e notas de falecimento de pessoas que vivem do outro lado de fronteira são fatos corriqueiros e mostram a estreita relação entre os dois povos. Herton Baum, locutor da Rádio Difusora de Três Passos, relata que percebe uma intensa participação de ouvintes argentinos na programação da emissora brasileira.

Tem vários depoimentos, várias pessoas que nos avisam, até porque tem a fronteira perto. Seguidamente a gente acompanha as pessoas que vem aqui. Dizem, olha acompanhamos o programa, manda recado né. Tem serviços de utilidade pública, às vezes tem nota de falecimento que o pessoal pede pra divulgar que a nota é extensiva a parentes residentes na Argentina. Faz parte também isso daí, esse tipo de anúncio também.

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Considerações finais

A formação das identidades acontece dentro de um contexto social e histórico, o que significa uma relação estreita com a cultura. Nos espaços fronteiriços as formas de convivência e as trocas que se processam no quotidiano, apesar das tensões próprias do lugar, propiciam mais facilmente do que em outras regiões a integração entre povos de nações distintas. A naturalidade com que ocorre essa hibridez cultural revela-se nas mais diversas práticas socioculturais, como festas, bailes, encontros, negócios, relações de associação e hábitos, expressos e percebidos por meio da língua, da música, dos costumes e trocas que vão acontecendo no quotidiano.

Geralmente, os municípios situados nas regiões de faixa de fronteira são pequenos, salvo alguns de médio porte, que servem como pontos de referência principalmente para o comércio e as importações. O fluxo de produtos e pessoas é intenso de um país para outro, e paralelo a esse movimento registra-se essa relação intercultural em que ocorrem os entrecruzamentos entre culturas diferentes, produzindo não uma cultura nova, mas uma própria do lugar.

O rádio, como elemento de difusão de informação e formador de opinião, não apenas registra os acontecimentos e fatos do lugar, como se insere nesse processo, pois nos lugares pesquisados é o veículo que aproxima as duas realidades e, de certa forma, contribui para a articulação e elementos da difusão da cultura local. Enquanto narra os fatos do quotidiano, acompanha a mobilidade das comunidades, pois o foco de comunicação centra-se nelas e nas suas populações, o que corresponde à discussão de problemas da região, a falar de seus anseios e metas.

A mídia radiofônica de fronteira reproduz a realidade da região, dialoga com ela, cria vínculos e representações de si mesma. No decorrer da história, registrou o que ali ocorreu de mais importante, difundiu idéias e ideais, ajudou a construir identidades por meio da programação. Entretanto, não guardou sua própria história, o que consideramos agora importante resgatar, para que a memória do rádio regional da fronteira noroeste se constitua parte da memória do desenvolvimento e das relações culturais desse lugar.

De acordo com a pesquisa realizada pelo Projeto “Fronteiras: a identidade fronteiriça nas ondas do rádio”, na Fronteira Noroeste e Noroeste do Rio Grande do Sul, as emissoras – algumas datam da década de 50 do século passado – cumprem uma função muito importante,

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porque dão voz à pluralidade de vozes ali existentes, desenhando no mapa da fronteira Brasil-Argentina as linhas da integração e da cooperação entre povos de nações diferentes, que carregam nas suas origens e na sua história as marcas e as influências da colonização e das relações de vizinhança. Traços que aproximam as diferenças e diminuem qualquer fronteira.

Referências

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10a Edição. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DpeA, 2005. 104 pág.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução: Irene Ferreira, Bernardo Leitão, Suzana Ferreira Borges. Caminas: Editora UNICAMP, 2006, 541 p.

MOSCOVICI, Serge. As representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003.

Entrevistas realizadas:

BAUM, Herton. Rádio Difusora AM de Três Passos. Entrevista realizada em outubro de 2008.

BERTOLDO, Clair Pedrinho. Rádio Repórter AM e Iguatemi FM de Ijuí. Entrevista realizada em junho de 2009.

BREITENBACH, Jerônimo. Rádio Difusora de Três Passos. Entrevista realizada em outubro de 2008.

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