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Os efeitos da insolvência transnacional no Brasil e na união européia

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Academic year: 2017

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RESUMO

A presente monografia demonstra como os fenômenos da globalização e da descoberta de novas tecnologias influenciaram a intensificação do comércio internacional, inclusive por meio de operações concluídas via internet, fomentando as transações jurídicas internacionais, aponta, outrossim, a necessidade de se garantir que a segurança de tais relações jurídicas internacionais não seja comprometida pelos problemas oriundos do fato de ser transnacional uma dada situação de insolvência. Nesse particular, os problemas citados serão considerados, sobretudo sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, em comparação com o direito comunitário da União Européia.

Especificamente, a par de se determinar o conceito e o alcance da insolvência transnacional, enfrentar-se-á a questão da determinação da competência internacional com a fixação, dentre os diversos tribunais das nações envolvidas, os que apresentem elementos maiores de conexão com uma dada causa, assim precisando quais são os efetivamente competentes para julgar o litígio.

Abordar-se-ão, ademais, questões ligadas aos processos de natureza liquidatória, ou seja, às falências, estejam ou não relacionadas com uma dada insolvência civil de uma pessoa natural, mas desde que se apresentem enquanto fenômenos plurilocalizados, isto é, que tenham elementos de conexão com mais de um ordenamento jurídico, enfrentando ainda o problema da determinação da lei aplicável e o do reconhecimento dos efeitos das sentenças estrangeiras.

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ABSTRACT

The present monograph demonstrates how the phenomenons of globalization and discovery of new tecnologies influenced the intensification of international commerce, through operations concluded via internet. Fomenting the judicial international transactions, point out that necessity of securing the protection and certanity of theese juridical international relations, will not be harmed by problems originating from the fact of being transnational a certain situation of banckruptcy.

In this particular, the problem cited will be considered, above all, from the stand point of view of the Brazilian Juridical Ordinance in comparison with the laws of the European Economic Community.

Specifically, besides determining the concept and reach of transnational banckruptcy, we will face the question of the international jurisdiction, choosing among all the courts of the countries involved, those that present the best elements of connection regarding a given case, thus indicating which ones are clearly competent to rule over the litigation.

Furthermore we will be dealing with questions connected with processes of insolvency, that is, banckruptcy related or not with a given civil insolvency of a natural person, whenever refering to plurilocated phenomenons, that is, with elements of connection with more than one juridical system, not to mention the problem faced by the determination of the aplicable law to foreign verdict results.

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SUMÁRIO

RESUMO... 05

ABSTRACT ... 06

INTRODUÇÃO ... 09

CAPÍTULO 1 INSOLVÊNCIA : EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITOS BÁSICOS ... 14

1.1 Antigüidade e direito romano ... 14

1.2 Idade Média ... 17

1.3 Idade Moderna ... 19

1.4 O Código Comercial francês de 1807 ... 20

1.5 Insolvência e falência no Brasil colonial ... 20

1.6 Código Comercial de 1850 e legislação complementar ... 24

1.7 A Lei de Falências de 1945 ... 26

1.8 As leis processuais ... 27

1.9 O estatuto da insolvência no Código Civil vigente (Lei 10.406/02)... 30

1.10 Conceito de insolvência e de falência ... 33

1.11 Execução por quantia certa contra devedor insolvente ... 41

1.12 processo da falência: generalidades ... 43

1.13 As condições da etapa pré-falimentar ... 43

1.14 Sujeitos ativos na falência ... 44

1.15 Sujeitos passivos na falência ... 49

1.16 Juízo competente ... 50

1.17 Defesa na falência ... 52

1.18 Responsabilidade dos sócios de sociedade falida ... 55

1.19 Efeitos : Da antecipação do vencimento das dívidas ... 56

1.20 Massa falida e termo legal ... 57

1.21 Da situação dos sócios da sociedade falida ... 58

1.22 Do síndico da massa falida ... 61

1.23 Da arrecadação ... 62

1.24 Das obrigações pessoais do falido ... 64

1.25 Da perda da administração dos bens e anulação de certos atos ... 65

1.26 Da continuação do negócio e do pedido de restituição ... 68

1.27 Dos crimes falimentares ... 70

1.28 Da reabilitação ... 73

CAPÍTULO 2 COMPETÊNCIA INTERNACIONAL NO DIREITO FALIMENTAR... 75

2.1 Competência Indireta... 77

2.2 Competência no Centro dos Principais Interesses do Devedor... 77

2.3 Competência no Estabelecimento Principal do Devedor... 79

2.4 Competência no Estabelecimento Secundário do Devedor... 80

2.5 Competência na Situação do Imóvel do Devedor... 81

2.6 Demais Fatores Determinantes da Competência Internacional... 83

CAPÍTULO 3 DIREITO FALIMENTAR INTERNACIONAL E A LEI APLICÁVEL..... 85

3.1 Preliminares ... 85

CAPÍTULO 4 CONVENÇÃO DE ISTAMBUL... 91

4.1 Falências Secundárias na Convenção de Istambul... 93

4.2 Poderes do Síndico... 96

CAPÍTULO 5 DIREITO PROCESSUAL INTERNACIONAL... 99

(4)

INTERNACIONAL PERANTE O ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO... 104

6.1 A Lei Modelo da UNCITRAL sobre procedimentos de insolvência com conexão internacional de 1997 em face da representação legal... 105

6.2 Convenção de Istambul e o Exercício de Certos Poderes do Síndico e do Representante Legal... 108

CAPÍTULO 7 DO RECONHECIMENTO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS... 112

7.1 Direito Comercial Internacional ... 113

CAPÍTULO 8 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO FALIMENTAR INTERNACIONAL.... 116

8.1 Princípio da Unidade e da Pluralidade ... 117

8.2 Princípio da Territorialidade e da Universalidade ... 120

CAPÍTULO 9 DA SITUAÇÃO DOS IMÓVEIS E DOS DIREITOS REAIS DE GARANTIA NO PROCEDIMENTO FALIMENTAR INTERNACIONAL... 124

9.1 Direito Real de Garantia e as Leis Estrangeiras ... 127

CAPÍTULO 10 QUESTÕES ESPECÍFICAS... 130

10.1 Da Ação Revocatória... 130

10.2 Ação Revocatória Interna e Externa ... 131

10.3 Dos Rendimentos Cumulativos de Credores Decorrentes de sua Satisfação Plena ou Parcial no Exterior... 132

CAPÍTULO 11 CONVENÇÃO DA UNIÃO EUROPÉIA SOBRE PROCEDIMENTOS DE INSOLVÊNCIA DE 23 DE NOVEMBRO DE 1995... 134

11.1 Objetivos... 137

11.2 Aplicação da Lex Fori Concursus... 141

11.3 Direitos Reais de Garantias e os Contratos de Bens Imóveis e de Trabalho Perante a Convenção... 142

11.4 Publicação da Abertura do Procedimento de Insolvência... 144

CAPÍTULO 12 PROCESSOS FALIMENTARES SECUNDÁRIOS... 147

CAPÍTULO 13 FONTES DO DIREITO FALIMENTAR INTERNACIONAL ... 150

13.1 Lei... 150

13.2 Tratado Internacional ... 150

13.3 Jurisprudência... 152

13.4 Doutrina... 152

13.5 Direito Costumeiro... 153

CONCLUSÃO... 154

(5)

INTRODUÇÃO

Inicialmente, cabe observar que se está ora tratando de um tema novo, já que a intensificação do comércio transnacional, das operações concluídas via internet, dentre outros fatores, multiplicaram recentemente as transações jurídicas internacionais, o que logicamente, repercutiu no âmbito jurídico. Estas novas situações que vão surgindo necessitam de uma eficaz tutela, que garanta minimamente a proteção e a certeza das relações jurídicas, notadamente em caso de insolvência de qualquer das partes.

Uma conseqüência desse caráter de novidade é a inexistência de legislação específica de uma forma global especificamente, assim na União Européia como no Brasil Corolário dessa falta de regulamentação legal e a insegurança na aplicação do Direito, e essa insegurança se reflete na doutrina nacional e internacional.

Nesse contexto, uma das primeiras questões que historicamente a doutrina colocou foi se seria ou não possível dividir o processo de insolvência transnacional conforme a fase em que ele se encontrasse, utilizando, para cada uma delas, um critério de atribuição de competência distinto. Esta questão estando, como está, intrinsecamente ligada às discussões sobre a natureza jurídica do processo falimentar. É que, o processo de falência tem diversas fases, assemelhando-se ora a um processo de natureza declarativa, ora a um processo de natureza executiva. Discutiu-se, então, a hipótese de realizar um fracionamento do processo atribuindo-lhe a competência judicial conforme o seu respectivo estado (para a fase declarativa e para a fase executiva).

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de um mesmo processo. Portanto, a competência deve ser determinada uma única vez e logo ao início do processo, sendo conseqüentemente descabido o fracionamento sugerido.

Discute-se também na doutrina se o processo de insolvência transnacional tem um estatuto pessoal ou real, e se a determinação deste estatuto pode de algum modo, alterar o critério de atribuição de competência, bem como qual é a extensão dos efeitos da declaração de falência, temas que ser.

Particularmente no que tange aos efeitos da declaração da falência, as discussões foram originalmente extremadas, contrapondo-se uma tese em defesa da territorialidade dos efeitos e a pluralidade de processos, com outra em prol da universalidade dos efeitos em um processo unitário.

Porém, a doutrina findou admitir uma solução mais moderada e consensual, sendo que, como restará patenteado, isso resultou em uma evolução. É que, cada país tem no seu ordenamento soluções próprias, em conformidade com o respectivo sistema jurídico, sendo algumas soluções consideravelmente diferentes de outras. Assim, seria impraticável na conjuntura jurídica moderna pensar-se em uma solução que seguisse completamente uma das correntes.

(7)

Aliás, o critério atributivo de competência internacional será ditado pelas normas de Direito Internacional Privado do Estado ou por instrumentos internacionais, enquanto a decisão emitida pelo tribunal competente segundo essa corrente tem uma eficácia limitada às suas próprias fronteiras nacionais, não produzindo nenhum efeito com relação aos eventuais bens localizados no estrangeiro. Por sua vez, as decisões proferidas por um tribunal estrangeiro, não produzem nenhum efeito fora do território onde estas tenham sido proferidas.

Destarte, caberia a cada Estado analisar, à luz da sua legislação interna, a existência ou não de critérios que lhes atribuam a própria competência jurisdicional. Podem ser abertos diversos processos, em diferentes Estados, cada qual seguindo as normas processuais do Estado onde este tramite. Existirá, então, uma pluralidade de processos coletivos contra um mesmo devedor, cada qual seguindo uma legislação diferente e correndo em paralelo, de forma independente.

Esta tese, como será explicitado ao longo da monografia é bastante insatisfatória uma vez que lesa o princípio processual fundamental do par condicion creditorum. Abrir diversos e diferentes processos, sem nenhuma ligação efetiva entre eles, processos completamente autônomos e separados, acarreta dificuldades práticas substanciais e enormes custos, inviabilizando a busca e satisfação dos créditos de determinados credores.

Em um outro extremo, encontra-se a tese da “universalidade e unidade do processo”. Segundo os defensores desta corrente, a falência deve ser aberta exclusivamente em um único país. A declaração de falência pronunciada neste Estado estender-se-á a todos os bens do devedor, onde quer que estes se encontrem.

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produzindo efeitos em todos os ordenamentos jurídicos. Uma vez instaurado um processo desta natureza num país, todos os outros devem rejeitar a abertura de processos paralelos.

Ora, aderir a esta tese no seu estado puro e na atual conjuntura, pode conduzir, da mesma forma a outras dificuldades práticas, nomeadamente com relação à aplicação de uma única lei, à escolha de um critério de atribuição de competência idôneo a todos os casos, e à questão da própria soberania dos Estados envolvidos igualmente pode dificultar a reclamação dos créditos, a publicidade dos atos, bem como prejudicar o cumprimento de inúmeros outros atos processuais no curso do processo, colocando obstáculo, materialmente, a seu trâmite natural.

Como meio termo das propostas anteriores apareceu a tese da universalidade atenuada. Segundo esta poderia se instaurar diversos processos de falência. É aberto um processo principal recorrendo-se a um critério atributivo de competência internacional pré-determinado, sem que, contudo, fique impedida a propositura de outros processos secundários, estes últimos com efeitos meramente territoriais.

Os efeitos do processo principal de falência atingem todos os bens do devedor, porém de um modo diferente, ou seja, de uma forma direta ou por meio da coordenação dos diversos processos. Esta coordenação é instrumentalizada através da cooperação judiciária, bem como através de outros recursos processuais. Exsurge uma pluralidade de processos coletivos, devidamente articulados entre si por regras gerais. As normas de caráter exclusivamente processuais são regidas pela lex fori concursus (onde tramitar o processo).

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Essa questão referente à determinação da competência em sede de insolvência transnacional dá uma idéia da multiplicidade de temas que esse assunto suscita, sendo certo que a presente monografia irá abordar cada tema cujo destaque for pertinente, examinando-o à luz do direito pátrio, particularmente em comparação com o direito comunitário da União Européia.

Para esse mister, inicialmente serão traçados as linhas gerais dos institutos da insolvência e da falência, passando-se em seguida a abordar apenas os temas pertinentes à uma eventual transnacionalidade de tais institutos, notadamente os relativos à competência, determinação da lei aplicável e reconhecimento de sentença estrangeira.

(10)

CAPÍTULO 1 INSOLVÊNCIA: EVOLUÇÃO HISTÓRICA

1.1 Antiguidade e direito romano

Nas épocas mais remotas da Antigüidade, os juizes decidiam as causas que se lhes apresentavam, mas o Estado não garantia a execução forçada. De fato, o direito reconhecido em favor de uma parte era posto em prática contra o vencido pelas próprias forças privadas do interessado. A execução era personalíssima e apenas por reflexo atingia o patrimônio do devedor. Sabe-se que, no Código de Manu, da Índia, o credor poderia submeter o devedor ao trabalho escravo, proibindo a lei qualquer excesso. Admitiu-se a escravidão também no Egito antigo, para pagamento de dívidas. No antigo direito helênico, o devedor vendia sua própria pessoa ao credor, para pagamento. A execução era singular ou coletiva, esta última composta por vários credores, sendo necessário que se estabelecesse entre eles um concurso de credores, para que fosse possível fazer a correta divisão do patrimônio do devedor entre os diversos credores, na ordem ou na proporção que coubesse a cada qual.

No âmbito do direito romano, o processo de execução dava-se inicialmente por meio da manus iniectio, uma das legis actiones. Tal execução era feita também sobre o próprio corpo do devedor, permitindo a lei que se repartissem tantos pedaços do corpo do devedor, quantos fossem os credores. Sem embargo de tal previsão legal, nunca teria sido efetivamente aplicada, por ser repudiada pelos costumes públicos. A execução seria feita sobre o corpo do devedor, porém vendendo-o como escravo e repartindo o preço apurado entre os diversos credores. Formava-se entre os romanos o contrato denominado nexum, mediante o qual o devedor poderia evitar o início da execução contra ele, obrigando-se a prestar serviços como escravo ao credor, até a satisfação de toda a dívida.

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era corpórea, pelos seguintes motivos, considerados essenciais pelo doutrinador Nelson Abrão1 : “I - a organização do regime de propriedade em forma coletiva, que levava o credor insatisfeito a forçar a intervenção do grupo ligado ao devedor por laços de parentesco para livrá-lo da vindita pagando; II - a punição era considerado ofensa, donde emana o aspecto penal da execução, ao lado civil”.

No mesmo sentido, Luiz Tzirulnik2 ensina que a insolvência representava naquela época “um castigo para quem faltasse com suas obrigações. Portanto, tinha um caráter punitivo e não preventivo, como acontece na sociedade moderna, e, além disso, era extremamente pessoal, pois o devedor, ao assumir uma dívida, comprometia sua própria vida caso não a saldasse na data combinada. É importante lembrar que aquele modo de agir era perfeitamente coerente com a ordem econômica vigente, baseada, principalmente, no trabalho escravo”.

É especialmente digno de ser ressaltado esse fato de que o direito romano primitivo considerava o inadimplemento da obrigação como uma espécie de delito, que reclamava severa punição, sobre cuja aplicação prevalecia à atividade do próprio credor. A execução assumia um caráter privado e penal que tinha como objetivo atingir a própria pessoa do devedor e não diretamente o seu patrimônio. Ao credor cabia reduzir o devedor ao cárcere privado e até à condição de escravo, para coagi-lo à satisfação do crédito e puni-lo pela grave infração do inadimplemento.

Depois de obtida a confissão da dívida ou a condenação do devedor no processo de conhecimento, marcava-se o prazo de trinta dias para que o pagamento fosse efetuado. Não cumprida a obrigação, o credor lançava as mãos sobre o devedor e o conduzia, coativamente, a juízo. Se mesmo assim a dívida não era saldada, nem pelo devedor, nem por terceiro, era

1

ABRÃO, Nelson. Curso de Direito Falimentar.Vol 1, São Paulo, Editora Saraiva, 1978, p 01. 2

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lícito ao credor amarrar o devedor inadimplente e levá-lo consigo como coisa que lhe pertencia.

Na condição de escravo, o devedor passava, com seu corpo e seu patrimônio, a pertencer ao credor, que tinha – cabe reafirmar – direito de vendê-lo e até de matá-lo, repartindo o corpo entre os diversos credores, caso houvesse outros além do exeqüente. O patrimônio do devedor arrecadado era alienado em bloco, rateando-se entre os diversos credores os bens recolhidos.

Sendo assim, não havia a execução forçada como atividade de sub-rogação estatal em que o órgão judicial faz cumprir a sanção, expropriando bens do devedor e realizando o pagamento em seu lugar, com o produto da expropriação. A execução destinava-se nesse período exclusivamente a constranger a vontade do devedor, e a coação se realizava com meios assim enérgicos para tornar justamente supérflua a satisfação equivalente pelo patrimônio. E, com efeito, não parece concebível um devedor tão obstinado que, podendo pagar, preferisse submeter-se à morte, ou ser vendido como escravo podendo ainda perder o seu patrimônio.

Só na Roma mais evoluída é que surgiu o conceito de responsabilidade patrimonial do devedor e se seguiu à institucionalização da execução sob o controle judicial, para garantia do credor individual ou do concurso de diversos credores que reclamassem seus direitos contra o mesmo devedor. É dessa época a Lex Poetelia Papiria, que foi um marco histórico do sistema de execução judicial, em 428 a.C., proibindo expressamente a morte ou a venda para escravização, estabelecendo que a garantia do credor era o patrimônio do devedor.

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apreender os bens do devedor, independentemente do aprisionamento pessoal ou da privação de sua liberdade.

Segundo preleciona Humberto Teodoro Junior3 “A um só credor era possível exercitar a missio in possessionem, que se fazia por palavras solenes, mas que dispensava a intervenção do magistrado. Se, porém, outros credores se habilitassem no procedimento, a benefício de todos era a execução, formando-se uma massa de bens e de credores, tal como hoje ocorre na falência e no concurso civil”.

1.2 Idade média

Com a queda do Império Romano, houve um retrocesso no que toca à Ciência do Direito, e isso foi verdade também no que diz respeito ao processo de execução, onde houve a reimplantação da execução pessoal, revalorizando-se a prática da prisão por dívidas, inclusive com a autorização de atividade privada do credor sobre o devedor para forçar a solução de seu crédito. O devedor era considerado, para os efeitos civis, como morto. Em conseqüência, ficava privado de contrair obrigações e adquirir direitos. Prevalecia no direito bárbaro o princípio da prioridade no tempo, de modo que qualquer que fosse o estado patrimonial do devedor, cada credor que iniciasse uma execução ia adquirindo um privilégio com relação aos demais credores.

Com o passar dos séculos, todavia, as bases romanas foram restabelecidas na Idade Média. Houve, de fato, uma revalorização do legado jurídico romano restaurado pelos estudos desenvolvidos nas grandes universidades implantadas nos grandes centros da Europa.

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Isso se tornou necessário ante o incremento da atividade comercial que, com os riscos inerentes à grande movimentação do crédito, impunha um tratamento jurídico especial para os problemas da insolvência, quer fossem relativos à defesa do devedor de boa-fé, ou à tutela dos interesses dos credores. Estabeleceram-se aí os primeiros delineamentos do direito falimentar, estendendo-se a falência tanto ao devedor comercial quanto ao devedor civil, sendo o falido coberto de infâmia, tido como fraudador e réprobo social, sujeito a severas medidas penais, alem da perda total de seu patrimônio.

3

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O processo coletivo de execução para comerciantes, precursor do processo de falência, apresenta-se com maior nitidez e de forma bem definida nas cidades italianas do norte como Florença, Veneza, Milão, Gênova. Outrossim, o reflexo do direito das cidades-estados italianas fez-se sentir decisivamente em outros locais da Europa, onde atualmente se situam a Alemanha, a Holanda e, principalmente, a França, por força do intenso comercio que cidades francesas mantinham com estes pólos italianos de comércio.

1.3 Idade moderna

A partir do século XV, as normas sobre concurso creditório foram pouco a pouco estendidas aos não-comerciantes, delineando-se então suas estruturas fundamentais, que até hoje perduram, como a arrecadação universal dos bens do insolvente, a submissão deles a uma gestão especial e o concurso de todos os credores do devedor sobre o produto da execução.

Por outro lado, a tutela estatal voltou a assumir especial relevo, condicionando-se a atuação dos credores à disciplina judiciária. O concurso creditório foi rigidamente disciplinado, com a obrigatoriedade de os credores se habilitar em juízo, por onde se processava a arrecadação dos bens do devedor, atribuindo-se ao juiz a função de zelar pela correção de todo o processo.

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O intervencionismo estatal teve seu apogeu na França, país onde surgiu a Ordenação Savary, de 1673, que regulou a falência e a bancarrota, codificando o direito consuetudinário. A falência foi prevista para o devedor em geral, sem exclusão dos não-comerciantes, ainda que a aplicação fosse apenas aos comerciantes. Outro título da Ordenação era relativo as letres de répit, que concediam moratória sine die. Mas, as regras legais válidas indistintamente para comerciantes e não-comerciantes desagradavam à burguesia, porque eram consideradas excessivamente permissivas.

1.4 O Código Comercial francês de 1807

Com a ascensão ao poder da burguesia, pela Revolução Francesa, preparou-se o Código de Comércio de 1807, cujo livro terceiro foi consagrado à falência. Para a elaboração de tal código, Napoleão Bonaparte teve preponderante atuação, tendo acolhido os anseios burgueses de mais enérgicas medidas contra a pessoa do falido e as fraudes praticadas pela mulher deste.

Todavia, ante o fim da era napoleônica, houve uma atenuação das regras do Código, havida pela Lei de 28 de maio de 1838, a qual, preparada por juristas eminentes, manteve suas linhas principais por quase um século. Fez-se, então, nítida distinção entre devedores honestos e desonestos, facultando-se a estes últimos os favores da moratória, com o aperfeiçoamento da concordata.

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1.5 Insolvência e falência no Brasil Colonial

É mesmo inegável a influência da legislação falimentar francesa nas legislações de vários países europeus, sendo certo que, dentre esses países, encontrava-se Portugal, por isso que por aí se poderia depreender que, em razão desse fato, o direito comercial francês teve também influência no Brasil. Em verdade, todavia, é forçoso reconhecer que a influência do direito comercial francês não foi imediatamente sentida no direito pátrio, e quando essa influência se fez presente, isto não se deveu diretamente à legislação portuguesa.

Como é curial, o exame histórico do direito brasileiro inicia-se com as Ordenações Afonsinas que, promulgadas em 1446, estavam vigendo quando da descoberta do Brasil, em 1500; as Afonsinas foram substituídas pelas Ordenações Manuelinas em 1521 e, posteriormente, pelas Filipinas, em 1603. No entanto, o primeiro diploma que cuidou de matéria falimentar foi a Lei de 08.03.1595, promulgada por Filipe II, que veio a influenciar as Ordenações Filipinas, promulgadas oito anos depois, em 1603. As Ordenações Filipinas derivavam basicamente do direito romano, como as Ordenações anteriores, e permaneceram em vigor no Brasil durante mais de duzentos anos.

Acerca da época das Ordenações, o autor Amador Paes de Almeida4 ensina que: “No Brasil Colônia, dispunham sobre a quebra dos comerciantes, fazendo nítida distinção entre mercadores que se levantavam com fazenda alheia e os que caíssem em pobreza sem culpa, equiparando os primeiros aos ladrões públicos, inabilitando-os para o comércio e impondo-lhes penas que variavam do degredo à pena de morte, não incorrendo em punição os segundos, que podiam compor-se com os credores: E os que caírem em pobreza sem culpa suas, por receberem grandes perdas no mar, ou na terra em seus tratos e comércios lícitos, não constando de algum dolo, ou malícia, não incorrerão em pena alguma crime”.

4

(18)

Realmente, nas Ordenações Filipinas, a regulamentação sobre a falência estava toda no seu Livro 5º, e tal título tinha a rubrica “Dos mercadores que quebram: E dos que se levantam com fazenda alheia”. Outrossim, bastava à inscrição no Livro 5º para notar-se que ela era tratada no Direito Penal. Não obstante isto, no §9 do mesmo título, foram estatuídas as regras processuais, pelas quais, logo que um julgador tivesse notícia de algum mercador haver prevaricado na forma prescrita pela Ordenação, devia ir à casa do mesmo mercador, ali inventariando o que fosse encontrado e arrecadando o “livro da razão”, pelo qual se informaria dos credores, da quantia ou fazenda com que se levantara e do tempo em que haviam sido estas dadas. Assim era a sua disposição textual:

E mandamos aos Julgadores, a que o conhecimento pertencer, que tanto que a sua notícia vier, que

algum Mercador se levantou, vão logo a sua casa, e façam auto e inventário do que nela acharem, e lhe tomem o Livro da Razão, e se informem de seus credores, da quantia do dinheiro, ou fazenda,

com que se levantou, e do tempo, em que foi dada; e tirem devassa, de modo que se saiba a verdade, e a causa, que teve para quebrar, e procurem de prender os culpados, e procedam contra

eles, como for justiça.

Essas regras das Ordenações Filipinas permaneceram inalteradas até o ano de 1756, quando o Marquês de Pombal, por meio da outorga do Alvará de 13 de dezembro daquele ano, tratou extensivamente do processo de falência. Esse alvará, a bem da verdade, é que deu origem a um processo autêntico de falência, nítida e acentuadamente mercantil, em juízo comercial, exclusivamente para comerciantes e pessoas que mantinham relações comerciais.

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Após o inventário dos bens do falido seguia-se à publicação do edital, convocando todos os credores. Do produto arrecadado, dez por cento eram destinados ao próprio falido para o seu próprio sustento, o restante era repartido entre os credores. Se houvesse fraude na falência, era decretada a prisão do comerciante, seguindo-se o procedimento penal.

Porém, no que se referia à falência e a insolvência, a legislação portuguesa reproduzia o direito estatutário italiano, com pequenas modificações. Continuava, porém, a considerar a falência como parte do direito criminal e submetia o devedor a um rigor que nos dias de hoje é considerado excessivo.

Após 07.09.1822, com a proclamação da independência do Brasil, continuaram vigendo as leis portuguesas, como sempre ocorre em qualquer ruptura institucional. Realmente, quando é estabelecida nova situação política, sempre há uma fase de vazio legislativo, durante o qual permanecem as leis do sistema anterior, e somente aos poucos as leis vão sendo adaptadas à nova ordem.

(20)

1.6 O Código Comercial de 1850 e legislação complementar

Assim é que, apenas em 25.06.1850, por ocasião da entrada em vigor do Código Comercial, que a legislação portuguesa deixou de valer no Brasil. O Código Comercial de 1850 sofreu influência direta do direito falimentar francês. A sua Parte III, representada pelos arts. 797 a 913, cuidava “Das Quebras”, caracterizando a falência pela cessação de pagamento e dando grande importância à apuração da responsabilidade comercial. O Código Comercial inaugurou, na verdade, a primeira fase do instituto da falência no direito brasileiro, tendo vigorado até o advento do regime republicano.

(21)

direitos. Destarte, a classificação final dos credores seguia-se desta maneira: credores de domínio; credores privilegiados; credores hipotecários; credores quirografários.

Certo é que, pouco após a entrada em vigor do Código Comercial, surgiram muitas críticas ao seu teor. É que o Código dava maior importância à apuração da responsabilidade comercial da falência do que à liquidação da massa propriamente dita. Por essas razões, o Código foi acusado de lento, complicado e muito dispendioso, sustentando seus detratores que ele conseguia a proeza de prejudicar, a um só tempo, credores e devedores. E que também não estabelecia regras uniformes, pois possuía normas extravagantes no que se referia à falência de bancos e casas bancárias.

Durante o Império foram mesmo feitas diversas tentativas de reforma da legislação falimentar. Surgiram, é verdade, alguma alteração implementada pelos Decretos 3308 e 3309 de 1864, esses revogados, por seu turno, pelo Decreto 3.516, de 30.09.1865, que valeu até o fim da fase imperial. Porém, o primeiro grande êxito nas tentativas de alteração só foi alcançado já na República, em 24 de outubro de 1890, quando o Decreto 917 instituiu uma importante mudança, passando a considerar como caracterização da falência a impontualidade e não mais a cessação de pagamentos, além de promover uma reforma em toda a terceira parte do Código Comercial, inaugurando, assim, uma segunda fase da historia do instituto no Brasil. A nova legislação caracterizou o estado de falência por atos e fatos previstos na lei e na impontualidade no pagamento de obrigações mercantil líquida e certa, no seu vencimento, e instituiu como meios preventivos à cessão de bens, o acordo extrajudicial e a concordata preventiva.

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dezembro de 1908, foi aprovada a Lei 2024, que inaugurou a terceira fase do instituto da falência no Brasil.

Antes da aprovação desta lei, porém, houve, em 1902, uma outra lei de n. 859 que gerou muitas dúvidas levando o Congresso Nacional a substituí-la. A inovação desta lei se referia à nomeação de síndicos, escolhidos pelos juízes a partir de uma lista elaborada e fornecida pelas juntas comerciais, o que a levou a muitos escândalos e à sua inevitável substituição. Assim, em 1908, foi adotada a Lei 2024, que representava uma síntese elaborada dos princípios que nortearam o Decreto 917, de 1890, e que acrescentou conceitos inspirados nas diferentes legislações de vários países. A par da Lei 2024, modificações também foram introduzidas no direito falimentar pátrio pelo Decreto 5746, de 1929, de autoria de Waldemar Ferreira, dentre elas a redução do número de síndicos, que eram três, e a instituição de porcentagens para a proposta de concordatas.

Enfim, uma tentativa de aprimoramento da legislação, como um todo, foi apresentada por Trajano de Miranda Valverde, a pedido do então Ministro da Fazenda Francisco Campos. Este anteprojeto apresentou algumas novidades, como a de fazer com que a concordata não mais dependesse da vontade dos credores, e reduzir a administração da massa falida ao sindico e também de incumbir ao juiz a escolha. Tal anteprojeto não teve a receptividade esperada.

1.7 A Lei de Falências de 1945

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inovações e avanços, como, por exemplo a não-dependência da concessão da concordata preventiva à vontade dos credores. A nova lei também eliminou a figura do liquidatário e instaurou o andamento do processo criminal concomitante com o processo falimentar. As disposições da Lei de Falências serão comentadas no curso do capítulo, quando da abordagem de cada um dos temas nela tratados.

1.8 As leis processuais

No âmbito processual, releva notar que com o advento da primeira Constituição Republicana, a competência para legislar sobre processo passou aos Estados-membros, os quais, porém, nada mais fizeram do que repetir a sistemática do Regulamento 737, nos Códigos locais. Restabelecido, posteriormente, o sistema unitário de processo, o Código Processual Civil de 1939 cuidou do concurso civil de credores como mero incidente das execuções singulares, sem nenhuma inovação de profundidade com referência ao regime do Regulamento 737.

De fato, para o primeiro código federal de processo, admitia-se o concurso de credores quando: a) houvesse requerimento do próprio executado, na hipótese de a penhora não bastar para o pagamento ao credor; b) ocorresse intercorrência de penhoras de mais de um credor sobre os mesmos bens do devedor comum. Deste modo, foi mantida a tradição do direito português, consagradora da dicotomia: falência para o comerciante e concurso de credores para o devedor civil.

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Depois que a quebra se libertou do cunho infamante que lhe atribuía o direito medieval correntes se estabeleceram em torno do processo concursal, levando em consideração a atividade econômica do devedor. Os países anglo-saxônicos continuaram a aplicar o regime falimentar indistintamente a quem era comerciante e quem não era. Os povos latinos, todavia, preferiram o regime dicotômico, reservando a falência apenas para os comerciantes, e regulando a insolvência do devedor civil em instituto processual próprio.

Surgiram duas posições distintas dentro da visão latina. Para certas legislações, embora a falência fosse exclusiva dos comerciantes, havia um regime análogo e tão completo como ela, para os não-comerciantes (Espanha, França, México etc.). Para outras, apenas os comerciantes tinham um regime completo de insolvência. Para os devedores civis não se conheciam institutos como o da concordata, a arrecadação geral de bens, a administração da massa, a perda da disponibilidade patrimonial e a extinção das obrigações do insolvente. Era o caso do Brasil até a vigência do Código de Processo Civil de 1973.

Notava-se uma tendência no sentido de unificação do regime concursal, pelo menos da regulamentação do concurso civil em termos amplos como os da falência, e com adoção dos principais elementos e institutos do regime aplicado aos comerciantes como ocorre no México e no Brasil. O Código de Processo Civil, sob o nomen iuris de execução por quantia certa contra devedor insolvente, instituiu, no Título IV de seu Livro II, o concurso universal de credores com feição de verdadeira falência civil. Sanou-se assim, a secular discriminação oriunda da legislação colonial que se fazia ao devedor não-comerciante em face do insucesso na atividade econômica, já que, em linhas gerais, o mesmo controle e os mesmos benefícios do regime falimentar passaram a vigorar para o concurso civil.

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do devedor insolvente ao fim da liquidação da massa deixaram de ser características exclusivas da falência e foram incorporadas, também, à execução coletiva do devedor civil.

Do ponto de vista procedimental, e diversamente do que se passava ao tempo do Código de Processo Civil de 1939, o concurso creditório deixou de ser mero incidente da execução singular, para assumir a posição de processo principal, autônomo, independente, figurando no rol das varias formas de execução catalogadas pelo legislador. Trata-se, porém, de uma execução com características bem marcantes, assentadas nos pressupostos básicos da situação patrimonial deficitária do devedor e da disputa geral de todos os seus credores num só processo.

Configurada e reconhecida à condição de insolvabilidade, a execução do devedor arruinado, como que é de execução por quantia certa, subordina-se aos mesmos princípios fundamentais que lastreiam a forma executiva de atuação jurisdicional, quais sejam: a) a responsabilidade patrimonial incidindo sobre bens presentes e futuros do devedor inadimplente; b) o objetivo comum desse tipo de execução, consistente na expropriação de bens do devedor para satisfação dos direitos dos credores; c) a fundamentação do processo sempre em titulo executivo, judicial ou extrajudicial.

Mas, para a lei processual civil atual, a estrutura e os objetivos específicos da execução concursal são totalmente diversos dos da execução singular. Enquanto nesta última, o ato expropriatório executivo se inicia pela penhora e se restringe aos bens estritamente necessários à solução da divida ajuizada, na executiva universal, há, ad instar da falência do comerciante, uma arrecadação geral de todos os bens penhoráveis do insolvente para satisfação também da universalidade dos credores.

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singular. Todo e qualquer crédito só poderá ser exigido do insolvente através de habilitação no juízo universal do concurso.

Em verdade, o Código de Processo Civil de 1973 trouxe uma completa diversidade de tratamento dos direitos dos credores, conforme seja a situação econômico-financeira do devedor comum. Se o executado é solvente, o procedimento da execução singular é de índole individualista, realizado todo ele no interesse particular e exclusivo do credor exeqüente, a quem a penhora assegura direito de preferência perante os demais credores quirografários, segundo a máxima prior tempore potior iure. Mas, se o devedor é insolvente, o principio que rege a execução já se inspira na solidariedade e universalidade, dispensando o legislador um tratamento igualitário a todos os credores concorrentes tendente a realizar o ideal da par condicio creditorum.

Ao lado, porém, do concurso universal, que pressupõe a insolvência do devedor, admite o Código, também, o concurso particular de credores, que se dá quando, na execução individual, se superpõem diversas penhoras sobre o mesmo bem do devedor comum, ou quando, sobre o bem penhorado incidem privilégios ou preferências anteriores à execução. Esse concurso, que se limita ao preço apurado na execução singular e só envolve os que tenham penhora ou direito preferencial sobre o bem excutido, nele não há universalidade nem objetiva nem subjetiva. Seu fundamento não é a insolvência, mas a disputa de preferência sobre os bens afetados pela execução. Importa simples inserção de uma atividade cognitiva no processo de execução, para alargar a pertinência subjetiva da relação processual, de sorte que não passa de um incidente da execução singular, na fase de pagamento ao credor.

1.9 O estatuto da insolvência no Código Civil vigente (Lei nº 10.406/02)

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particular, releva notar que o novo Código Civil não tratou de direito falimentar de forma direta. Mesmo assim, é necessário lembrar que, pela amplitude das relações que regula, o Código Civil permeia constantemente todos os ramos do direito. Por isso que, há certas regras que influem na lei das falências.

Por exemplo, a mudança introduzida pelo artigo 5º, que altera a maioridade civil, fixando-a em 18 anos, ao invés dos 21 anos do artigo 9º do Código de 1916. Assim dispõe o mencionado art. 5º: “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. Tal mudança teve reflexos no inciso II do artigo 3º da Lei de Falências, que fala em menor com mais de 18 anos, estatuindo o seguinte: Art. 3º “Pode ser declarada a falência: II -do menor, com mais de dezoito anos, que mantêm estabelecimento comercial, com economia própria”.

Da mesma forma, o artigo 205 do novo Código Civil estabelece como prazo máximo de prescrição o lapso de dez anos, interferindo diretamente na contagem do prazo de extinção das obrigações. Eis o texto de tal dispositivo: “Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não haja fixado prazo menor”. Este prazo interfere diretamente na contagem do prazo de extinção das obrigações do falido, consoante o disposto no inciso IV do artigo 135 e no artigo 136 da lei falimentar, assim posto: “Art.135. Extingue as obrigações do falido: IV -o decurso do prazo de 10 (dez) anos, contado a partir do encerramento da falência, se o falido, ou o sócio-gerente da sociedade falida, não tiver sido condenado por crime falimentar. Art.136. Verificada a prescrição ou extintas as obrigações, nos termos dos arts. 134 e 135, o falido ou o sócio solidário da sociedade falida pode requerer que seja declarada por sentença a extinção de todas as suas obrigações”.

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dispositivos: “Art.333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código: I -no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores; Art.25. A falência produz o vencimento antecipado de todas as dívidas do falido e do sócio solidário da sociedade falida, com o abatimento dos juros legais, se outra taxa não tiver sido estipulada”.

Por seu turno, o artigo 1.044 do Código Civil estabelece que a sociedade em nome coletivo, se empresária, dissolve-se pela declaração de falência: “Art.1.044. A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumeradas no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência.” Já o §2º do artigo 994 estabelece que a falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade em conta de participação: “Art 994. A contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais. § 2º A falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta, cujo saldo constituirá crédito quirografário”.

Quanto ao inciso VII do artigo 1.103 do Código Civil, estabelece que o liquidante tem o dever de confessar a falência da sociedade ou pedir concordata: “Art. 1.103 Constituem deveres do liquidante: VII -confessar a falência da sociedade e pedir concordata, de acordo com as formalidades prescritas para o tipo de sociedade liquidanda”.

Estes são alguns dos casos nos quais o Código Civil altera a disciplina jurídica da falência.

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as disposições de lei não revogadas por este Código referentes a comerciantes, ou a sociedades comerciais, bem como a atividades mercantis”.

Por outro lado, pelo vigente Código Civil, a antiga sociedade civil que se transmuda agora em sociedade empresária, mesmo que não registrada na Junta Comercial, também poderá falir. Pode-se, então, tirar outra conclusão extremamente perigosa para o empresário: a de que a antiga sociedade civil, agora transmudada em sociedade empresária, se não se registrar na Junta Comercial, poderá ser considerada como sociedade irregular ou de fato e, nesse caso, os bens pessoais dos sócios passam a responder pelas obrigações da sociedade empresária em caso de falência.

Cabe ressaltar, ainda, que o artigo 1.044 Código Civil estipula que a sociedade se dissolve de pleno direito, entre outros motivos, pela declaração da falência: “Art. 1.044. A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumeradas no art. 1033 e, se empresária também pela declaração da falência”.

Por derradeiro, há de se destacar que, com o advento do novo Código Civil, o comércio passou a representar apenas uma das atividades reguladas por um novo ramo do Direito, mais amplo, o Direito Empresarial, que abrange o exercício profissional de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços. Corolário dessa afirmação é o fato de que as leis comerciais especiais ou avulsas, como a Lei de Falências, passaram a aplicar-se não apenas aos comerciantes, mas a todos os empresários.

1.10 Conceito de insolvência e de falência

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Nessa linha de idéias, Fábio Ulhoa Coelho5 conceitua a insolvência como: “a insuficiência de bens no ativo para atender à satisfação do passivo. Trata-se de crise estática, quer dizer, se a sociedade empresária tem menos bens em seu patrimônio que o total de suas dívidas, ela parece apresentar uma condição temerária indicativa de grande risco para os credores”.

Por seu turno, a falência pode ser conceituada como o estado de insolvência do comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento uma dada obrigação líquida e certa que legitime a ação de execução forçada, não tendo esse mesmo comerciante, por negligência ou falta de condições jurídicas, no devido tempo, proposto concordata preventiva.

O termo falência origina-se do latim, fallere, designação que, no direito romano, exprimia o fato de o devedor ter enganado o credor, faltando à satisfação dos seus compromissos.

Na doutrina, ensina Walter Ramos Motta6 que falência é “o estado de insolvência que impossibilita o empresário de adimplir suas obrigações no vencimento, caracterizando a ruína da situação financeira. É o descontrole daquele que não se acautela de conservar numerários suficientes para o pagamento das obrigações líquidas, certas e exigíveis, representadas por títulos exeqüíveis”.

No mesmo sentido, Almachio Diniz7 explica que a “falência caracteriza-se, mais propriamente, pela simples recusa, ou pela impossibilidade de pagar alguém, no vencimento, dívida líquida e certa”, acentuando que “O estado de falência é, por conseguinte, aquele em que fica o comerciante depois de decretada a sua falência por sentença judicial”.

5

COELHO, Fabio Ulhoa, Curso de Direito Comercial, vol 3, 3ºedição, São Paulo, Editora Saraiva, 2002, p 216 6

MOTTA, Walter Ramos, Falência concordata e insolvência: sucesso na prática forense, São Paulo, Editora Ícone, 1995, p 39

7

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Em suma, da necessidade de estruturar um processo de execução coletiva é que surgiu o direito falimentar, nada mais sendo a falência do que uma execução coletiva, na qual, em linhas bastante gerais, arrecadam-se todos os bens do devedor para venda judicial e apuração de dinheiro, o qual será dividido entre os credores, na proporção de cada um deles e segundo a ordem legal. No direito positivo pátrio, a falência encontra-se regulada atualmente pelo Decreto-lei 7.661, de junho de 1945, podendo ser definida como um processo de execução coletiva, em que todos os bens do falido são arrecadados para uma venda judicial forçada, com a distribuição proporcional do ativo entre todos os credores.

Somente os comerciantes e os empresários gozam do privilegio de ir à falência, pois trata de um instituto privativo destes. Pode a falência, ademais, ser requerida também pelo devedor que cessou o exercício do comércio há menos de dois anos, isso com base no art. 4º, inc. VII, da Lei de Falências, que tem o seguinte teor:

Art.4º. A falência não será declarada, se a pessoa contra quem for requerida provar:

VII - cessação do exercício do comércio há mais de 2 (dois) anos, por documento hábil do Registro

do Comercio, o qual não prevalecerá contra a prova de exercício posterior ao ato registrado.

Cabe salientar que a cessação de exercício do comércio a que a lei se refere deve ser regular, ou seja, comprovada por meio de baixa na Junta Comercial. Mas, se mesmo depois da baixa o comerciante persistir na prática de seu comércio, a falência poderá sempre ser decretada.

Outrossim, o art. 3º da Lei de Falências elenca outros casos em que é cabível a decretação da falência, nos seguintes termos:

Art.3º Pode ser declarada a falência:.

I - do espolio do devedor comerciante

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III -da mulher casada que, sem autorização do marido, exerce o comercio, por mais de 6 (seis) meses, fora do lar conjugal.

IV -dos que, embora expressamente proibidos, exercem o comércio.

Consoante se observa, o sistema falimentar adotado no Brasil foi o restrito, que limita a concessão da falência aos comerciantes. De fato, embora o direito romano tenha estabelecido para a falência uma aplicação mais ampla, sem excludências, o sistema restrito é adotado por todas as nações latinas, ficando para algumas nações anglo-saxônicas adoção de um sistema mais semelhante aquele aplicado pelos romanos.

Uma vez restrita aos comerciantes a concessão da falência no direito brasileiro, era necessário recorrer ao vetusto Código Comercial, para definir o que a lei designava por comerciante. Em tal Código, era conceituado como comerciante todo aquele que fazia da mercancia profissão habitual. Não obstante, era válida a ressalva de que o termo mercancia encerrava um significado bastante amplo, onde estava contida uma infinidade de atos de comércio praticados no dia-a-dia.

A qualidade de comerciante, portanto, independentemente de quaisquer formalidades, resultava do exercício habitual de atos do comércio. Desta forma, matrícula, inscrição, razão social ou qualquer tipo de registro eram, na verdade, tão-somente presunções do exercício regular do comércio. Por outro lado, podia ser notado que embora o Código Comercial empregasse o vocábulo comerciante em sua forma singular, deviam-se considerar abrangido tanto o comerciante individual como as sociedades mercantis.

Com a entrada em vigor do novo Código Civil, passou a valer o conceito de empresário, assim reproduzido no art. 966 de tal diploma legal:

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Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o

exercício da profissão constituir elemento da empresa “..

Restando claro que a falência é a insolvência do comerciante, não se pode olvidar, de outra parte, que tal insolvência do comerciante deve ser compreendida num sentido jurídico preciso, que a lei falimentar estabelece. Assim, para que a devedora sociedade empresária se submeta à execução concursal, é rigorosamente indiferente à prova da inferioridade do ativo em relação ao passivo. Não é necessário ao requerente da quebra demonstrar o estado patrimonial de insolvência do requerido, para que instaure a execução concursal falimentar; nem, por outro lado, se livra da execução concursal a sociedade empresária que lograr demonstrar eventual superioridade do ativo em relação ao passivo.

Em verdade, a insolvência do comerciante se caracteriza juridicamente, no direito falimentar brasileiro, pela impontualidade injustificada ou pela prática de ato de falência. Para fins de decretação da falência, o pressuposto da insolvência não se caracteriza por um determinado estado patrimonial, mas pela ocorrência de um dos fatos previstos em lei como ensejadores da quebra.

A impontualidade injustificada característica da falência deve referir-se à obrigação líquida, entendendo-se assim a representada por título executivo, judicial ou extrajudicial, ou por escrituração contábil judicialmente verificada.

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Os atos de falência correspondem a comportamentos normalmente praticados pela sociedade empresaria que se encontra em insolvência. São atos de falência:

a) execução frustrada: a sociedade empresária devedora que, executada, não paga, não deposita, nem nomeia bens à penhora no prazo legal pratica ato de falência. Deve o exeqüente solicitar certidão atestando a falta do pagamento do depósito ou a nomeação de bens à penhora, para, em seguida, formular, perante o juiz competente, o pedido de falência instruído com aquele documento.

b) liquidação precipitada: incorre nesta hipótese legal a sociedade empresária que liquida seu negócio de forma abrupta, isto é, vende os bens do ativo não circulante indispensáveis à exploração da atividade, sem reposição, deixando de observar as regras atinentes à dissolução.

c) convocação de credores: o raciocínio do legislador é o de que, se a sociedade empresária precisa da concordata, então ela está em situação falimentar; se não a pede porque sabe não ter direito, cabe decretar-se a quebra.

d) negócio simulado: se a sociedade empresária tenta retardar pagamentos ou fraudar credores por meio de negócio simulado ou, ainda, tenta alienar, parcial ou totalmente, elementos do seu ativo não circulante, está incorrendo em comportamento definido como ato de falência.

e) alienação irregular de estabelecimento: a sociedade empresária que vende o seu estabelecimento empresarial sem o consentimento dos credores, salvo se conservar, no patrimônio, bens suficientes para responder pelo passivo, está exposta à decretação da quebra, por ter incorrido em conduta característica de ato de falência.

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ato de falência. Não há fundamento para a quebra, contudo, se a sociedade empresária constitui procurador com poderes e recursos suficientes para responder pelas obrigações sociais.

Em suma, a falência caracteriza-se pela impontualidade ou pela prática, por parte do devedor, de um ato falência, sendo que a impontualidade faz presumir o estado de insolvência, muito embora não seja o único critério, pois ainda que não exista nenhum título em atraso, poderá também ser requerida a falência do comerciante que pratique certos atos suspeitos, denominado de “atos de falência”.

É relevante transcrever, a propósito, os art. 1º e 2º da Lei de Falências, assim postos:

Art.1º Considera-se falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida, constante de título que legitime a ação executiva.

Considera-se líquida a obrigação certa, quanto à sua existência, e determinada quanto ao seu objeto. Líquido é aquilo que é manifesto, claro evidente, não se duvidando de sua existência. Deve também ser uma obrigação certa quanto ao valor devido, quanto à coisa devida e quanto à quantidade devida.

Art 2º Caracteriza-se, também, a falência, se o comerciante:

I – executado, não paga, não deposita a importância, ou não nomeia bens à penhora, dentro do prazo legal;

II – procede à liquidação precipitada, ou lança mão de meios ruinosos ou fraudulentos para realizar pagamentos;

III – convoca credores e lhes propõe dilação, remissão de créditos ou cessão de bens;

IV – realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o fito de retardar pagamentos ou fraudar

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V – transfere a terceiro o seu estabelecimento sem o consentimento de todos credores, salvo se ficar com bens suficientes para solver o seu passivo;

VI – dá garantia real a algum credor sem ficar com bens livres e desembaraçados equivalentes às suas dívidas, ou tenta essa prática, revelada a intenção por atos inequívocos;

VII – ausenta-se sem deixar representante para administrar o negocio, habilitado com recursos suficientes para pagar os credores; abandona o estabelecimento; oculta-se ou tenta ocultar-se,

deixando furtivamente o seu domicilio.

Parágrafo único. Consideram-se praticados pelas sociedades os atos dessa natureza provenientes de

seus diretores, gerentes ou liquidantes.

Portanto, o comerciante impontual, ou que pratique algum ato de falência, encontra-se em estado de falência. A sentença declaratória transforma então esse estado de fato em estado de direito. Cada um dos incisos do artigo segundo prevê uma situação fática diferente, a ser demonstrada pelo requerente da falência durante a instrução do processo, para que, provada a situação, seja decretada a falência. Neste caso, a inicial deverá estar instruída com todos os documentos necessários para a comprovação do fato que está sendo alegado e que deverá ser demonstrado.

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1.11 Execução por quantia certa contra devedor insolvente

Na realidade, para bem apreender o mecanismo da falência, é necessário destacar os principais aspectos do processo falimentar que, ao contrário do processo decorrente da insolvência civil, é bastante complexo.

A propósito, a execução por quantia certa contra devedor insolvente é o processo destinado a, dentro do possível, satisfazer em igualdade de condições os credores do devedor não comerciante, que deixa de ter em sua esfera de responsabilidade patrimonial bens suficientes para responder por suas dividas. A execução contra devedor insolvente é um processo autônomo, de caráter principal e que não se confunde com o mero incidente de concurso singular de credores.

Será precedida de sentença judicial, que reconhecerá o estado fático de insolvência e submeterá o devedor a novo regime jurídico (declaração judicial de insolvência). Assim, antes do processo executivo propriamente dito, ocorre processo de cognição, destinado a verificar a situação patrimonial do devedor. Outrossim, a competência para processar e julgar a execução por quantia certa contra devedor insolvente cabe ao juiz estadual da comarca onde tal devedor tem domicilio.

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todos os bens integrantes da responsabilidade executiva, para satisfação de todos os credores; III) quando a declaração de insolvência não é requerida pelo próprio devedor ou seu espólio, é imprescindível a apresentação de titulo executivo judicial ou extrajudicial; IV) o estado econômico de insolvência, diretamente constatado, a que se chegou a partir de indícios, é indispensável para que ocorra a declaração judicial autorizada da execução universal diferentemente da falência, que pode ser decretada com base na mera impontualidade no pagamento de dívidas”.

1.12 O processo falimentar: generalidades

Quanto ao processo falimentar, este se desdobra em três etapas. Cada uma dessas etapas e fases desdobra-se em incidentes, ações, medidas e providências. A primeira etapa refere-se ao pedido de falência, e também é conhecida por etapa pré-falimentar. Ela tem início com a petição inicial de pedido de falência (apresentada, em geral, pelo credor) e conclui-se com a sentença declaratória ou denegatória desta. A segunda etapa é a falimentar propriamente dita, inaugurada pela sentença declaratória e concluída pela de encerramento da falência. Compreende duas fases, a cognitiva, que visa ao conhecimento judicial do ativo e passivo do devedor, bem como a investigação da pratica de crime falimentar, e a fase satisfativa, chamada liquidação, cujo objetivo é a realização do ativo apurado e o pagamento do passivo admitido. A terceira e derradeira etapa, a pós-falimentar, é a da reabilitação dos representantes legais da sociedade falida, que foram condenados por crime falimentar.

1.13 Condições da etapa pré-falimentar

Com relação à etapa pré-falimentar, cabe lembrar que o fato gerador da falência é o não-pagamento de obrigação líquida, sem relevante razão de direito. No direito brasileiro,

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não é atribuída muita importância a quaisquer que sejam as causas do não-pagamento, posto que todas elas levam à impontualidade, constituindo, conseqüentemente, o elemento básico para que se dê inicio ao processo falencial. Deste modo, ainda que o devedor possua uma relevante razão de direito, essa razão apenas seria analisada no início do processo falimentar, visto que, de qualquer modo, resulta em impontualidade, levando à presunção da falência do devedor. Por isso que em linhas gerais basta ao credor provar, por meio do protesto do título, que exigiu o pagamento do devedor e que ele se recusou a fazê-lo, o que irá legitimar a ação de execução.

É certo que, para que o título não pago em seu vencimento seja motivo para dar início ao processo falimentar, algumas características lhe devem ser atribuídas. De fato, não é qualquer dívida que possa suscitar uma ação executiva. Não se prescinde da existência de um título executivo. O título designa o documento que serve para provar direitos e obrigações. Juridicamente o título é considerado o fundamento da aquisição. Um título é líquido quando determinado em relação ao seu objeto, trazendo assim de maneira clara e inequívoca o objeto da avença entre as partes. O título certo é aquele sobre cuja existência não existe qualquer tipo de dúvida. Finalmente, o título é exigível quando o seu prazo para pagamento já está vencido. Depois de satisfeitas estas condições impostas pela lei, o processo de falência poderá ser iniciado com a apresentação em juízo do título devidamente protestado. Havendo dúvida sobre a qualidade de comerciante do devedor, cumpre ao requerente fazer essa prova ( RT 462/81, 500/61; RF 195/244).

1.14 Sujeitos ativos na falência

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qualquer que seja o momento em que, avaliando a sua atividade comercial, se sinta de fato falido e incapaz de vir a liquidar as suas obrigações.

Além de conceder ao devedor o direito de requerer a sua própria falência, a lei impõe-lhe o dever de fazê-lo no caso de não ter efetivado o pagamento de obrigação líquida na data do seu vencimento original. De fato, o comerciante que, sem relevante razão de direito, não pagar no vencimento obrigação líquida, deverá requerer ao juiz a declaração da falência, expondo as causas desta e o estado dos seus negócios e juntando-as ao requerimento. Mais precisamente, o art. 8º da Lei de Falências atribui ao comerciante a obrigação de requerer sua própria falência, caso deixe de pagar obrigação líquida vencida há mais de trinta dias. É a denominada “auto falência”. Veja-se a seguir o texto do mencionado dispositivo legal:

Art. 8º. O comerciante que, sem relevante razão de direito, não pagar no vencimento obrigação

líquida, deve, dentro de 30 (trinta) dias, requerer ao juiz a declaração da falência, expondo as causas desta e o estado dos seus negócios e juntando ao requerimento:

I – o balanço do ativo e passivo com a indicação e a avaliação aproximada de todos os bens, excluídas as dívidas ativas prescritas;

II – a relação nominal dos credores comerciais e civis, com a indicação do domicílio de cada um, importância e natureza dos respectivos créditos;

III – o contrato social, ou, não havendo, a indicação de todos os sócios, suas qualidades e domicílios, ou os estatutos em vigor, mesmo impressos, da sociedade anônima.

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Além de o devedor poder requerer a sua própria falência, inclusive por meio de procuração a advogado, podendo-se prescindir, nesse caso, de poderes especiais (RT 454/111, 459/189, 511/211), a lei determina outros sujeitos ativos no processo falimentar, a quem atribui a habilidade de dar inicio à ação, e assim o faz por meio do art. 9º da Lei de Falências, não sendo meramente exemplificativa a enumeração ali contida, mas exaustiva, sob pena de carência de ação (cf. TJSP – AC 46.023-4 – São Jose do Rio Preto – v.u. – 31.07.1997 – Rel. Boris Kaufmann).

Assim, a falência pode ser requerida pelo credor, desde que devidamente caracterizada por impontualidade, ou por qualquer dos fatos que gere o pedido. Esse direito legal pode ser exercido por qualquer credor, seja civil ou comerciante, bastando, como prova, a exibição do seu título de crédito, estando ou não vencido e desde que o devedor já tenha tido algum outro título protestado por outro credor.

A falência requerida pelos credores constitui a hipótese mais comum. No caso do credor ser comerciante, este deve demonstrar esta condição, provando estar regularmente registrado na Junta Comercial, por meio de certidão expedida pela Junta ou de cópia do contrato social devidamente registrado, consoante disciplina, a respeito, o art. 9º, inc. III, “a” da Lei de Falências, in verbis:

Art. 9º. A falência pode também ser requerida:

III – pelo credor, exibindo título do seu crédito, ainda que não vencido, observadas, conforme o

caso, as seguintes condições:

a) o credor comerciante, com domicilio no Brasil, se provar ter firma inscrita, ou contrato ou

estatutos arquivados no Registro de Comércio;

(42)

c) o credor que não tiver domicilio no Brasil, se prestar caução às custas e ao pagamento da indenização de que trata o art. 20.

A caução deverá ser prestada por deposito em dinheiro nos próprios autos, se vier a ser oferecida em dinheiro. Se a caução oferecida for em bens, deverá também ser formalizada por termo nos autos. No caso de possuir bens imóveis no território nacional, as exigências relativas à caução pelo credor domiciliado no exterior podem deixar de ser observadas, uma vez que tais bens já podem constituir caução das custas e eventuais indenizações.

Na hipótese do credor portar garantia real, incide por seu turno a alínea “b” do inc. III do art. 9º, cujo teor é o seguinte:

b) o credor com garantia real, se a renunciar ou, querendo mantê-la, se provar que os bens não

chegam para a solução do seu crédito; esta prova será feita por exame pericial, na forma da lei processual, em processo preparatório anterior ao pedido de falência se este se fundar no art.1º, ou

no prazo do art.12, se o pedido tiver por fundamento o art.2º;

(43)

A falência também pode ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, pelos herdeiros do devedor ou pelo inventariante. Assim o dispõe o art. 9º, inc. I, da Lei de Falências, verbo ad verbum:

Art. 9º - I- pelo cônjuge sobrevivente, pelos herdeiros do devedor ou pelo inventariante, nos casos

dos arts. 1º e 2º, inc. I;

O cônjuge sobrevivente só terá a faculdade dessa iniciativa desde que tenha interesse, evidentemente, só há de existir como conseqüência do regime de casamento e, portanto, no caso de casamento com separação absoluta de bens, tal faculdade a lei não lhe atribui, mesmo porque não existe qualquer interesse material por parte do cônjuge em relação à liquidação do patrimônio do de cujus.

Aos herdeiros, a lei confere o direito de, individualmente, virem a requerer a falência do espólio. Entretanto, quando for o caso de multiplicidade de herdeiros, serão todos ouvidos previamente pelo juiz. Como administrador do espólio, por sua vez, também o inventariante pode ter a iniciativa do pedido, mesmo porque lhe é conferida, legalmente, a exclusiva representação do espólio falido.

Outra pessoa legitimada para requerer a falência da empresa é o sócio ou acionista, pois o objetivo da lei é o de resguardar o direito daqueles que, diretamente, não participaram da administração da sociedade mercantil, por isso que, desde que fundamentado em quaisquer dos preceitos legais, esse sócio ou acionista poderá, em seu nome próprio, requerer a falência, bastando apresentar prova da sua qualidade de sócio, através da exibição do contrato social ou das ações que possua.

Finalmente, o sócio ou o acionista poderá requerer a falência com base no artigo 9º, inc. II, da Lei de Falências, que tem a seguinte redação:

II – pelo sócio, ainda que comanditário, exibindo o contrato social, e pelo acionista da sociedade

(44)

A inclusão expressa que a lei em relação ao sócio comanditário justifica-se em função da limitação de responsabilidade de que goza tal sócio que poderia não render interesse ao pedido de quebra. De fato, assim dispõe o artigo 1.045 do Código Civil:

Art.1045. Na sociedade em comandita simples tomam parte sócios de duas categorias: os

comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota.

1.15 Sujeitos passivos na falência

No que respeita à condição de sujeito passivo no processo de insolvência ou falência, o Código Comercial estabelece a relação daqueles que estão expressamente proibidos de comerciar e, conseqüentemente, que não podem sofrer processo de falência. São ele os presidentes e os comandantes de armas das províncias, os magistrados vitalícios, os juizes municipais e os de órgão, e oficiais da fazenda, dentro dos distritos em que exercerem as suas funções, os oficiais militares de 1º linha de mar e terra, salvo se forem reformados, e os dos corpos policiais, as corporações de mão-morta, os clérigos , os regulares e os falidos, enquanto não forem legalmente reabilitados. Com exceção dos falidos, cuja proibição de comerciar assume caráter absoluto, é interessante notar que a lei prevê, antes, a incompatibilidade entre o exercício do comércio e determinados serviços, empregos, cargos ou funções, fundamentando-se em motivos de ordem pública.

Referências

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