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A proteção jurídica da hipervulnerabilidade do idoso superendividado na sociedade de consumo

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FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

CORA CRISTINA RAMOS BARROS COSTA

A PROTEÇÃO JURÍDICA DA HIPERVULNERABILIDADE DO IDOSO SUPERENDIVIDADO NA SOCIEDADE DE CONSUMO

Dissertação de Mestrado

Recife 2017

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A PROTEÇÃO JURÍDICA DA HIPERVULNERABILIDADE DO IDOSO SUPERENDIVIDADO NA SOCIEDADE DE CONSUMO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas / Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Direito Privado.

Linha de Pesquisa: Transformação das relações jurídicas privadas.

Orientadora: Professora Dra. Fabíola Albuquerque Lôbo.

Recife 2017

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Catalogação na fonte

Bibliotecário Josias Machado CRB/4-1601

C837p Costa, Cora Cristina Ramos Barros

A proteção jurídica da hipervulnerabilidade do idoso superendividado na sociedade de consumo. – Recife: O Autor, 2017.

130 f.

Orientador: Fabíola Albuquerque Lôbo.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Programa de Pós-Graduação em Direito, 2017.

Inclui bibliografia.

1. Consumidores. 2. Defesa do consumidor. 3. Idosos. 4. Diálogo. 5. Dívidas - Renegociação. 6. Dignidade (Direito). 7. Direitos fundamentais - Brasil. 8. Direitos humanos. 9. Direito privado. I. Lobo, Fabíola Albuquerque (Orientador). II. Título.

343.81071 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2017-13)

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A PROTEÇÃO JURÍDICA DA HIPERVULNERABILIDADE DO IDOSO SUPERENDIVIDADO NA SOCIEDADE DE CONSUMO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas / Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Direito Privado.

Linha de Pesquisa: Transformação das relações jurídicas privadas.

Orientadora: Professora Dra. Fabíola Albuquerque Lôbo.

Data da aprovação: 16/02/2017.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________ Professora Doutora Fabíola Albuquerque Lôbo

Orientadora - Presidente

_____________________________________________ Professora Doutora Larissa Maria de Moraes Leal

Examinadora Interna – PPGD - UFPE

_____________________________________________ Professor Doutor Torquato da Silva Castro Junior

Examinador Interno – PPGD - UFPE

______________________________________________ Professor Doutor Gustavo Henrique Baptista Andrade Examinador Externo – Faculdade Salesiana do Nordeste

_____________________________________________ Professor Doutor Silvio Romero Beltrão

Examinador Interno Suplente – PPGD - UFPE

______________________________________________ Professor Doutor Fernando Antônio de Vasconcelos

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Chegar até aqui não foi fácil. A realização dos nossos sonhos depende de nós, mas até a sua concretização, muitas pessoas passam pela nossa vida trazendo direcionamento, palavras de apoio e, as vezes, apenas um pequeno afago. Cada gesto tem o seu valor e função na construção dessa dissertação. Aqui, tento registrar a minha imensa gratidão a aqueles que estiveram ao meu lado durante a execução deste trabalho.

Primeiro a Deus, razão de tudo.

Ao meu marido Gabriel, melhor amigo, grande incentivador, que sempre esteve ao meu lado com muito afeto, paciência e lealdade. Seu companheirismo e amor foram fundamentais para a construção deste trabalho.

Aos meus amados pais, Sandra e Marcos, que, desde cedo, me mostraram que a grande riqueza da vida é o conhecimento, além do amor, carinho e dedicação de toda uma vida.

A minha irmã Carine, um exemplo de perseverança, desprendimento e solidariedade, cujo apoio e auxílio tiveram importância ímpar.

A minha avó Cora (in memoriam) e minha tia Telma, pela figura de mãe que representam na minha vida.

A minha família pela torcida, compreensão e amor, imensos e decisivos, que me encheram de coragem ao longo dessa jornada.

Aos amigos de todo tempo e aos que o PPGD me presenteou, por todo o companheirismo, direcionamento, mensagens e orações.

A minha querida orientadora, Profa. Dra. Fabíola Albuquerque Lôbo, a quem admiro imensamente, por toda a dedicação, ensinamentos, questionamentos, estímulo, confiança, compreensão, carinho e amizade no decorrer desta jornada.

Aos professores do PPGD, em especial aos docentes Paulo Lôbo, Torquato Castro Jr., Larissa Leal, Roberto Paulino, Silvio Romero, Leonardo Cunha e Venceslau Tavares, cujos ensinamentos e troca de conhecimentos, contribuíram imensamente para o meu amadurecimento acadêmico.

Aos membros da banca examinadora pela disponibilidade para ler o trabalho e realizarem críticas construtivas.

Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPE, em especial a Gilka e Carminha, por todo o apoio.

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A Escola Nacional de Defesa do Consumidor pela parceria e confiança no fomento a educação para o consumo.

A Flávia, funcionária do Proendividados do Tribunal de Justiça de Pernambuco, pela gentileza na disponibilização de dados estatísticos.

A todos pelo incentivo, confiança e certeza na concretização desse trabalho que me encheram de entusiasmo para chegar até aqui.

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“Se a igualdade entre os homens – que busco e desejo – for o desrespeito ao ser humano, fugirei dela”.

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A sociedade contemporânea de consumo se caracteriza pela sua permanente construção, em virtude da complexidade das relações jurídicas. A presunção de vulnerabilidade dá lugar aos consumidores que a possuem de forma mais agravada, que são os hipervulneráveis. No presente trabalho, o contexto da vulnerabilidade abrange o consumidor idoso como vítima do mercado consumerista. O seu objetivo é analisar como se dá a proteção jurídica do idoso superendividado diante da ausência de tratamento legal específico. Durante seu desenvolvimento, discorreu-se inicialmente sobre a leitura das normas civis à luz da Constituição Federal de 1988, abordando a proteção da dignidade do consumidor nas relações jurídicas de consumo, a teoria do diálogo das fontes e a importância da sua utilização na seara jurídica contemporânea, e o direito do consumidor emanado da Carta Magna. Em seguida, tratou-se dos novos paradigmas da sociedade de consumo, demonstrando, primeiramente, os sujeitos que a compõe e a vulnerabilidade presumida dos consumidores, que hoje dá lugar a hipervulnerabilidade destes, especialmente os idosos. Por fim, adentrou-se no estudo da hipervulnerabilidade do idoso nas situações de superendividamento, com o estudo da tutela constitucional do idoso, as características e as consequências do fenômeno, a sua regulamentação em outros países e possíveis formas de prevenção e tratamento, considerando que a ausência de legislação específica no Brasil não significa o desamparo completo dos consumidores. A guarida dessas novas demandas sociais exige um diálogo entre os diversos ramos do direito a fim de que a proteção se dê de forma plena. O enfrentamento do tema através do diálogo das fontes se apresenta como solução para prevenir e tratar o superendividamento do idoso.

Palavras-chave: Consumidor. Idoso. Hipervulnerabilidade. Diálogo das fontes.

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The contemporary consumer society is characterized by its permanent construction, due to the complexity of legal relations. The presumption of vulnerability gives rise to the consumers who have it in an most aggravated form, whose are the hypervulnerables. In the present study, the context of vulnerability encompasses the elderly consumer as a victim of the consumer market. The objective is to analyze how the legal protection of the over-indebtedness elderly is given in the absence of specific legal treatment. During its development, it was initially discussed the reading of civil norms in the light of the Federal Constitution of 1988, discussing the protection of the dignity of the consumer in the legal relations of consumption, the theory of the dialogue of sources and the importance of its use in the contemporary legal field, and consumer law emanating from the Magna Carta. Next, deal with new paradigms of consumer society, demonstrating, first, the subjects that compose it and the presumed vulnerability of consumers, which today gives rise to the hypervulnerability of these, especially the elderly. Finally, the study focused on the hypervulnerability of the elderly in situations of over-indebtedness, with the study of constitutional protection of the elderly, the characteristics and consequences of the phenomenon, the regulation in other countries and possible ways of prevention and treatment, considering the absence of specific legislation in Brazil. The protection of this new social demands requires a dialogue through the branches of law in order to ensure full protection. Discuss the matter through the 'dialogue of sources' is presented as a solution to prevent and treat over-indebtedness of the elderly.

Keywords: Elderly Consumer. Hypervulnerability. Dialogue des sources. Over-indebtedness. Human dignity. Consumer education.

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ADIn Ação Direta de Inconstitucionalidade

Art. Artigo

CIRE Código da Insolvência e Recuperação de Empresas

CC/16 Código Civil de 1916

CC/02 Código Civil de 2002

CDC Código de Defesa do Consumidor

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Dec. Decreto

DJ Diário da Justiça

ENDC Escola Nacional de Defesa do Consumidor

ILA International Law Association

INSOL Internacional International Association of Restructuring, Insolvency & Bankruptcy Professionals

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MIN Ministro

OECD Organisation for Economic Cooperation and Development

PL Projeto de Lei

PLS Projeto de Lei do Senado

REL Relator

REsp Recurso Especial

SINDEC Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor

SNDC Sistema Nacional de Defesa do Consumido

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

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INTRODUÇÃO ... 12

CAPÍTULO 1 O DIREITO PRIVADO SOB O VIÉS CONSTITUCIONAL ... 17

1.1. A leitura das normas civis à luz da Carta Magna de 1988 ... 17

1.2. O princípio da dignidade da pessoa humana: o ser humano no centro das relações jurídicas de consumo ... 24

1.3. A teoria do diálogo das fontes ... 28

1.4.A interlocução entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: princípios contratuais presentes em ambos ... 35

1.5. O direito fundamental do consumidor ... 45

CAPÍTULO 2 DA VULNERABILIDADE À HIPERVULNERABILIDADE ... 50

2.1. Sujeitos da relação de consumo ... 51

2.1.1. Consumidor ... 52

2.1.2. Fornecedor ... 55

2.2. A sociedade de consumo ... 57

2.3. A debilidade do consumidor ... 63

2.4. Hipervulnerabilidade ... 69

CAPÍTULO 3 – A HIPERVULNERABILIDADE DO IDOSO NAS SITUAÇÕES DE SUPERENDIVIDAMENTO ... 75

3.1. A tutela constitucional do idoso ... 75

3.2. Aspectos gerais do superendividamento ... 77

3.2.1. Características essenciais ... 86

3.2.2. As consequências do superendividamento ... 90

3.2.3. O superendividamento no âmbito internacional ... 96

3.3. Prevenção e tratamento do superendividamento do idoso ... 104

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 110

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INTRODUÇÃO

O estudo que se propõe versa sobre tema de grande relevância no mundo jurídico em virtude das inúmeras modificações ocorridas na sociedade nos últimos anos, especialmente no âmbito consumerista, trazendo a esse cenário a necessidade de novas nuances interpretativas e protetivas.

As mudanças nas relações jurídicas de consumo exigem um olhar atento do legislador, dos intérpretes e dos aplicadores do Direito para a solução dos casos concretos.

O interesse pela temática proposta tem origem no trabalho de assessoria jurídica realizado pela autora no PROCON de Alagoas, nos anos de 2008 a 2014, quando teve a oportunidade de desenvolver especificamente o estudo do superendividamento através das oficinas promovidas pela Escola Nacional de Defesa do Consumidor, ocorridas periodicamente em Brasília/DF, como também por meio da implantação do Núcleo de Proteção ao Consumidor Superendividado no ano de 2011, permanecendo à frente deste até o ano de 2014.

A citada experiência profissional provocou o interesse pelo aprofundamento maior do tema, resultando na presente dissertação de mestrado, que se pauta na realidade brasileira, repleta de jovens, mas que vem apresentando um aumento da população idosa, com a crescente da sua expectativa de vida, aliada ao avanço da medicina1.

Isso reclama uma atenção para a terceira idade, posto que apesar da presunção de vulnerabilidade dos consumidores, os idosos são dotados de maior fragilidade, especialmente no âmbito consumerista.

O Código de Defesa do Consumidor - CDC protege o sujeito tendo a vulnerabilidade como o seu vetor. Ela abarca todos os consumidores, mas alguns a possuem de forma acentuada, sendo considerados mais frágeis, ou seja, hipervulneráveis. Nesse sentido, podemos vislumbrar, por exemplo, as crianças, os portadores de doença celíaca e os idosos. Apesar de reconhecer que a hipervulnerabilidade alcança uma gama de consumidores, optamos pelo estudo desta nas situações de superendividamento dos idosos. É de se considerar que por serem

1 No Censo realizado em 2010, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, apontou a população idosa composta por 20,5 milhões de pessoas. Disponível em: <http://www.ibge.org.br>. Acesso em: 01 nov. 2016.

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dotados de situação biológica e social mais sensível, possuem ainda, proteção específica no Estatuto do Idoso.

A necessidade de um olhar diferenciado para a terceira idade em decorrência da sua condição especial, com uma vulnerabilidade acentuada, se traduz como indispensável na atual conjuntura que a norteia. A sua hipervulnerabilidade se manifesta em diversas situações, como a dificuldade na interpretação dos contratos, as fraudes, a saúde frágil e a publicidade enganosa.

Os cuidados necessários para a proteção aos idosos devem abarcar “todas as oportunidades e facilidades para a preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade”2.

Neste sentido, a ação previne consequências indesejadas, como o superendividamento, que é um fenômeno crescente e traz os idosos como um dos mais atingidos3.

O superendividamento se caracteriza pela impossibilidade global do devedor, pessoa física e de boa-fé, em adimplir suas dívidas vencidas e vincendas, excluindo-se as alimentares, as com o fisco e as decorrentes de delitos.

A dificuldade do acesso ao crédito deu lugar a um marketing agressivo para que os idosos contraiam crédito.

A situação de vulnerabilidade agravada dos idosos, por si só, já desperta grande interesse no mercado consumerista. Mas, aliada à permissão legal de aposentados e pensionistas em consignar até 35% (trinta e cinco por cento) da sua aposentadoria para pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil outorgado por instituições financeiras4, vê-se um cenário ainda

2 Lei n. 10.741/2003, art. 2º - Estatuto do Idoso.

3 De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor – SINDEC, durante os anos de 2011 a 2014, o atendimento realizado no Núcleo de Superendividamento do PROCON Alagoas registrou uma crescente de mais de 300% (trezentos por cento) dos casos de idosos em situação de superendividamento, conforme tabela abaixo:

Ano Quantidade de idosos 2011 73 2012 124 2013 294 2014 328

4 “Art. 1o Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto

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mais preocupante. O que parece demonstrar grande avanço na garantia de direitos, pode fomentar, na verdade, situações graves, como o superendividamento dos idosos.

O objetivo geral do presente estudo é verificar se os instrumentos legais atualmente em vigor no Brasil possuem força para proteger o idoso superendividado na sociedade de consumo e reconhecer a sua hipervulnerabilidade.

A metodologia utilizada terá como base o pluralismo metodológico, pois serão utilizados vários métodos indispensáveis para que possa ser efetuada uma melhor investigação sobre o tema e para que se chegue a conclusões analiticamente verificáveis.

Tendo em vista tratar-se de pesquisa que utiliza o tripé: doutrina, jurisprudência e legislação, a modalidade da pesquisa será instrumental. Ao lado disso, mesmo que constitua o oposto, por envolver interdisciplinaridade no tema proposto, também será utilizada a modalidade de pesquisa sócio-jurídica.

Na fase instrumental da pesquisa, será utilizado o método dedutivo (partindo de uma análise geral para a particular), enquanto que na fase da pesquisa sócio-jurídica, será aplicado o método dialético, que busca ver a realidade jurídica e social com o enfoque da contradição, em que será abordada a necessidade do reconhecimento da hipervulnerabilidade dos consumidores idosos superendividados, visando à interpretação equânime da norma jurídica.

Em relação aos métodos de procedimento, serão utilizados o método histórico e o método comparativo. O método histórico será utilizado para traçar a evolução histórica da sociedade de consumo até os dias atuais, as transformações ocorridas nas relações jurídicas ao longo dos anos e o impacto da concessão de crédito facilitada numa sociedade em que não se investiu em educação para o consumo.

em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos.

§ 1o O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.

§ 2º. O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os fins do § 1° deste artigo” (Lei n. 10.820, de 17 de dezembro de 2003, que “dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento, e dá outras providências”. A alteração da Lei é recente e se deu por meio da Lei n. 13.172/2015).

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Por meio do método comparativo, demonstrar-se-á como o superendividamento é regulamentado em outros países e como o assunto está sendo discutido no Brasil através do Projeto de Lei - PL 3.515/2015, originado no Senado Federal através do Projeto de Lei do Senado - PLS 283/2012. Tal PL altera o Código de Defesa do Consumidor para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor de forma responsável, por meio da educação financeira e dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa física, para evitar as suas consequências. Será feita uma análise do impacto do referido Projeto na legislação consumerista nacional.

Acerca dos procedimentos técnicos, a pesquisa será bibliográfica, documental e de levantamento. Realizar-se-á consultas a livros, artigos publicados em revistas especializadas, textos publicados na internet, legislação, teses, dissertações e acórdãos de tribunais superiores. No procedimento de levantamento, será feita a aplicação de questionário a um grupo de idosos a fim de observar a reação destes diante do mercado consumerista.

Para atingir a finalidade pretendida, o texto divide-se em três capítulos. O primeiro capítulo trará em seu bojo a constitucionalização do Direito Privado, abordando a incidência direta da Constituição Federal nas relações privadas; e o princípio da dignidade da pessoa humana, trazendo o ser humano para o centro das relações jurídicas. Além disso, discorrer-se-á sobre a teoria do diálogo das fontes, demonstrando a importância da sua aplicação nas relações jurídicas, uma vez que a interpretação coordenada e sistemática das normas, sem critérios de exclusão, possibilita uma maior proteção dos consumidores. Finalizando, será tratado o direito fundamental do consumidor, que possui guarida constitucional, além da Lei n. 8.078/90 e legislações correlatas.

O capítulo segundo desenvolverá os fenômenos ocorridos na sociedade e sobre a cultura consumista. Irá dispor, também, acerca da proteção específica do consumidor em decorrência da presunção da sua vulnerabilidade, demonstrando que os idosos possuem uma debilidade mais acentuada, demandando uma maior atenção a esse grupo de consumidores no mercado de consumo.

O terceiro e último capítulo abordará a hipervulnerabilidade do idoso nas situações de superendividamento, discorrendo sobre a tutela constitucional do idoso e o superendividamento crescente nesse público, apontando as características gerais e as suas consequências. Continuando, será analisado como se dá o tratamento do superendividamento na seara internacional e como se pretende implementar no Brasil,

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considerando que, atualmente, não existe norma específica em vigor no nosso ordenamento jurídico. Encerrando o trabalho, será demonstrado como se dá atualmente o tratamento dos superendividados no Brasil e a fundamentação utilizada para tentar coibir as práticas abusivas das instituições financeiras.

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CAPÍTULO 1 – O DIREITO PRIVADO SOB O VIÉS CONSTITUCIONAL

1.1. A leitura das normas civis à luz da Carta Magna de 1988

A temática do estudo possui grande relevância no mundo jurídico, em virtude das inúmeras modificações ocorridas na sociedade nos últimos séculos, especialmente no âmbito consumerista, trazendo a esse cenário a necessidade de novas nuances interpretativas e protetivas.

O presente trabalho segue o viés civil-constitucional5 e defende a interpretação da norma de modo repersonalizado, trazendo o ser humano para o centro das relações jurídicas, com a valorização da sua dignidade6. De acordo com Lôbo7, “a constitucionalização do direito civil é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil”.

A repersonalização do direito tornou-se mais nítida a partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - CRFB, com a constitucionalização do direito privado, trazendo como ápice das relações jurídicas a observação dos valores que a consagram.

A interpretação pela metodologia civil-constitucional visa potencializar e redimensionar o direito privado através da funcionalização dos seus institutos e categorias, com a finalidade de realizar os valores constitucionais8. Estes atuam como fatores determinantes na interpretação da regulamentação do caso concreto9.

5 A expressão é oriunda do autor italiano Pietro Perlingieri, que tanto cita como “diritto civile constituzionale”, quanto “dottrina del diritto civile nella legalità constituzionale”.

No Brasil, os estudos neste sentido foram iniciados no começo da década de 90 com os civilistas Gustavo Tepedino e Maria Celina Bodin de Moraes, que se fundamentaram nos ensinamentos do citado jurista italiano.

Ressalta-se que tal metodologia ganhou e vem galgando mais espaço a partir dos estudos dos civilistas Paulo Lôbo, Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin, sendo adotada pela maioria do Poder Judiciário nas soluções de conflitos, mas não se trata de uma metodologia que alcançou a unanimidade, existindo, também, o viés civil-contemporâneo.

6 “A repersonalização reencontra a trajetória da longa história da emancipação humana, no sentido de repor a pessoa humana como centro do direito civil, passando o patrimônio ao papel de coadjuvante”. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: Parte Geral. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 59.

7 Ibid., p. 49.

8 “Contra tal entendimento configurou-se uma forte resistência dos civilistas mais tradicionais, ao argumento de que o processo designado como constitucionalização do direito civil representaria, em realidade, uma redução do papel da dogmática própria do direito privado no âmbito da Teoria Geral”. TEPEDINO, Gustavo. Normas Constitucionais e Direito Civil na construção unitária do ordenamento. In:

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Com a passagem do Estado liberal para o social e democrático, a vontade das partes passou a ter certa limitação no que pertine às relações privadas. O individualismo é deixado para traz, dando lugar à solidariedade no Direito Privado, derivada da Constituição Federal, com foco principal na dignidade da pessoa humana.

A sociedade contemporânea vive em constante evolução e a leitura do Direito Civil através da metodologia civil-constitucional possibilita a dispensa de constante mutação do Código Civil e suas legislações correlatas, pois que adequar-se-ão às mudanças sociais com base nos princípios constitucionais sem, contudo, banalizá-los, uma vez que atuam como balizas interpretativas com vistas à máxima efetividade destes. De acordo com Perlingieri10, “é grave erro pensar que, para todas as épocas e para todos os tempos, haverá sempre os mesmos instrumentos jurídicos”.

A CRFB trouxe como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana, entre outros; além dos objetivos fundamentais, como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e a promoção do bem dos cidadãos, sem qualquer tipo de preconceito e discriminação. É nítida a visão humanista trazida pela Carta Maior.

Quando foi promulgada, no âmbito do direito privado vigorava o Código Civil de 1916 – CC/16, que possuía uma visão na contramão da Carta Magna, pois tinha o viés patrimonialista com a sobrepujança desse Código em detrimento, muitas vezes, da preservação da dignidade da pessoa humana. O enfoque do CC/16 era divergente por conter valores com base na filosofia liberal e individualista, enquanto que a visão constitucional possui o perfil mais repersonalizado.

Para alguns autores que seguem essa linha11, tal realidade fomentou o espaço para a constitucionalização do direito privado no Brasil. O lapso temporal entre o ano de 1988 e o de 2002 foi marcado por mudanças profundas e gradativas nesse sentido.

O texto do Novo Código Civil, promulgado mais de dez anos após a Lei Maior, trouxe consigo uma reflexão sobre os paradigmas axiológicos que o intérprete deve ter como base na reconstrução dos institutos de direito privado12.

EHRHARDT JR., Marcos e BARROS, Daniel Conde. Temas de Direito Civil Contemporâneo: estudos sobre o Direito das Obrigações e Contratos, em homenagem ao Professor Paulo Luiz Netto Lôbo. Salvador: Jus Podivm, 2009, p. 28.

9 BODIN DE MORAES, Maria Celina. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 09.

10 PERLINGIERI, Pietro. Normas Constitucionais nas Relações Privadas. Revista da Faculdade de Direito

da UERJ, n. 6-7, 1998/1999, p. 64.

11 Cf. SCHREIBER, Anderson. Direito civil e constituição. São Paulo: Atlas, 2013, p. 10. 12 TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 29.

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É insuficiente observar apenas a mera passagem dos princípios básicos expressos no Código Civil para o texto constitucional13. Ao contrário, deve-se vislumbrar a mudança sob o ponto de vista sistemático, como decorrência imperativa da concepção unitária e centralizada hierarquicamente14. A norma constitucional atuando no topo do ordenamento jurídico e os princípios como guias ou normas-princípio na reconstrução do direito privado15.

Isso denota uma visão contemporânea. Em que pese o Código Civil ter entrado em vigor apenas no início dos anos 2000, não significa que este deve se sobressair aos valores constitucionais.

Além disso, interessante trazer à baila o fato de que este pouco trouxe de novidade ao cenário brasileiro. O texto do Código Civil de 2002 – CC/02 remonta a década de setenta, período de ditadura militar no país, absorvendo muito a realidade daquele tempo e destoando dos valores consagrados constitucionalmente pouco mais de uma década depois. Lôbo16 assevera ter sido este “marcado com suspeita de obra do regime militar e de resistente conservadorismo, recebeu fortes críticas da doutrina, que o considerou apenas como revisão insuficiente do Código anterior, com suas premissas e inadequações históricas”.

Assim, da mesma forma que o Código Civil de 1916, o Código Civil de 2002 - CC/02 permaneceu patrimonialista, individualista, liberalista e voluntarista, sendo estes opostos ao solidarismo humanista previsto no texto constitucional17.

Conforme já dito, o texto constitucional de 1988 trouxe a ascensão do ser humano em detrimento do patrimônio. Tal afirmação não significa que o patrimônio perdeu sua importância. Na verdade, as situações jurídicas que envolvem patrimônio passaram a ter o seu exercício jurídico atrelado à realização de valores sociais18.

A metodologia civil-constitucional possui amplitude baseada em valores decorrentes da cultura, da consciência social e da noção de justiça. Todos se convertem

13 BODIN DE MORAES, Maria Celina. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARTET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 109.

14 TEPEDINO, Gustavo. Op. cit. p. 30.

15BODIN DE MORAES, Maria Celina apud PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao direito civil constitucional (1975). Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 35 e ss.

16 LÔBO, Paulo. Op. cit. p. 40.

17 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 18. 18 Ibid., p. 19.

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em princípios norteadores, que possuem a função informativa dentro do sistema como um todo, incluindo o Código Civil19.

Os direitos fundamentais visam à proteção do homem, sendo ele o ponto de partida para a compreensão do conteúdo da Constituição Federal20. A realização da pessoa humana é a base dos direitos fundamentais. Tais direitos constituem o núcleo da Carta Magna, permitindo a efetivação dos seus objetivos fundamentais previstos no artigo 3º21.

O direito civil-constitucional possui características que permitem a sua delimitação. O jurista italiano Pietro Perlingieri22, elenca três pressupostos fundamentais: primeiro, a força normativa da Constituição; segundo, a complexidade e a unidade do ordenamento jurídico aliado ao pluralismo de fontes do direito; e o desenvolvimento de uma renovada teoria da interpretação de fins aplicativos.

Ao tratar sobre o primeiro pressuposto, insta reiterar que os princípios constitucionais estão no topo do ordenamento jurídico, e eles incidem em todas as relações jurídicas, seja de forma direta ou indireta, uma vez que são garantias mínimas asseguradas ao ser humano, não sendo factível a sua aplicação de forma supletiva em face, por exemplo, das normas de direito privado.

O ordenamento jurídico pátrio possui diversas normas que disciplinam várias áreas do saber, mas todas estão iluminadas por valores constitucionais. Ele se pauta na unidade e na complexidade como características para justificar hermeneuticamente a aplicação direta dos princípios constitucionais23, constituindo-se como um sistema heterogêneo e aberto, tendo a Lei Maior o papel de balizar as fontes normativas plúrimas, harmonizando-as.

19 TEPEDINO, Gustavo; MORAES, Maria Celina Bodin de; LEWICKI, Bruno. O Código Civil e o direito civil constitucional. Editorial à Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC. São Paulo, v.13, 2003, p. iii. 20 SCHMITT, Cristiano Heineck. Consumidores hipervulneráveis: a proteção do idoso no mercado de

consumo. São Paulo: Atlas, 2014, p. 5.

21 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

22 La dottrina del diritto civile nella legalità costituzionale. Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC. São Paulo, v. 31, p. 75-86, 2007.

(22)

De acordo com Perlingieri24, “a unidade do ordenamento não exclui a pluralidade e a heterogeneidade das fontes”.

A metodologia civil-constitucional trouxe, dessa forma, um novo viés interpretativo para o direito civil, com a finalidade de buscar a máxima efetividade dos valores constitucionais na sua aplicação ao caso concreto.

O direito civil-constitucional não aprisiona o intérprete na literalidade da lei, como pretendia a escola da exegese com seu exacerbado positivismo, como propõem a escola do direito livre e o direito alternativo. Reconhece-lhe um papel criativo, mas sempre vinculado à realização dos valores constitucionais25.

Nesse sentido, o Código Civil, que antes se caracterizava como base para as relações jurídicas privadas, cede espaço para a Constituição Federal atuar como ponto referencial, sendo regulamentada pelas normas infraconstitucionais, ou atuando de forma interligada a outras fontes, à exemplo do próprio Código Civil de 2002 e do microssistema26 de Defesa do Consumidor.

Essas outras fontes podem ser oriundas do campo do Direito ou não, já que essa área do saber, por vezes, vê-se interligada a outras, sendo terreno fértil para trabalhar-se a interdisciplinaridade27.

Para os adeptos da teoria, esse cenário representa a consequência inevitável da natureza do Estado social, demonstrando a necessária constitucionalização do direito civil e não apenas o seu vislumbre de forma circunstancial28.

Tradicionalmente, sempre se observou o direito público e o direito privado de modo separado, em que cada um possuía suas esferas de atuação sem, contudo, um adentrar no mérito do outro.

24 Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 7-8.

25 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 16.

26 Não no sentido defendido por Natalino Irti. L’età della decoficazione. Milão: Dott. A. Giuffrè, 1999, p. 126. O autor, ao analisar a realidade do direito privado italiano e o seu processo de descodificação, chegou a conclusão de que o monossistema jurídico, que se fundava na codificação civil, estava sendo substituído por um polissistema jurídico, que se formavam com estatutos jurídicos próprios, com sua própria lógica e linguagem.

Diferentemente, o presente trabalho defende o microssistema consumerista como norma infralegal, relembrando se tratar de norma emanada da própria CRFB, no artigo 5º, XXXII. A expressão “microssistema” adotada, tem mera finalidade didática.

27 A interdisciplinaridade traz a possibilidade de esclarecimento de situações obscuras, sendo estas,

muitas vezes, a peça chave para a solução de uma determinada demanda. Como exemplo de fonte não-jurídica muito utilizada de forma interligada ao Direito, citamos a Psicologia, que é capaz de orientar as partes e direcionar a controvérsia de forma positiva.

(23)

Enquanto o direito privado possui atuação no que se refere aos direitos naturais e inatos dos indivíduos, o direito público emana do Estado, que exerce atividade nas relações em que este faça parte29.

Os ramos do direito possuem normas que se irradiam dos efeitos dos valores constitucionais, é a chamada constitucionalização do direito30. A visão limitada de que os direitos fundamentais produzem efeitos nas relações entre o Estado e os particulares abre espaço para que também incidam nas relações compostas apenas por particulares. Isso porque “[...] não é somente o Estado que pode ameaçar os direitos fundamentais dos cidadãos, mas também outros cidadãos, nas relações horizontais entre si”31.

Conforme mencionado, o direito civil evoluiu, deixando para trás o caráter social do Estado, que atuava de modo intervencionista, mesmo nas relações privadas. A chamada justiça social32 possui grande influência nessa mudança de paradigma entre privados. O Código Civil, que antes possuía força de Constituição, cedeu o seu espaço para que a própria Constituição atuasse como tal. Esse fato não significa uma invasão da esfera pública sobre a privada, mas sim uma ampliação do conceito de direito civil que engloba também técnicas próprias do direito público na proteção da pessoa humana, permitindo a aplicação direta das normas constitucionais em relações jurídicas privadas33.

De acordo com Gustavo Tepedino34, mesmo existindo universos legislativos de forma setorial, “é de se buscar a unidade do sistema, deslocando para a tábua axiológica da Constituição da República o ponto de referência antes localizado no Código Civil”.

A Constituição Federal de 1988 atua como base, abrigando os princípios fundamentais do ordenamento jurídico e as demais legislações possuem espaço normativo nas relações de direito privado. Todas devem observar a Lei Maior, a qual é dotada de supremacia.

Essa ótica visa garantir o Estado Democrático de Direito, que, assim como limita o poder do Estado, o faz também no tocante à autonomia da vontade do particular nas suas relações jurídicas privadas35.

29 BODIN DE MORAES, Maria Celina. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 05.

30 SILVA, Virgílio Afonso da. Constitucionalização do Direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. 1. ed. 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 18.

31 Ibid., p. 52.

32 GIORGIANNI, Michele. O direito privado e suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, a. 87, v. 747. São Paulo, jan. 1998, p. 40.

33 BODIN DE MORAES, Maria Celina. Op. cit., p. 07.

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Os princípios constitucionais norteiam todas as relações jurídicas, impondo limites com vistas a garantir os direitos fundamentais aos cidadãos sem, contudo, ferir a sua dignidade como tal.

A força do direito subjetivo que se faz valer não é a do titular do direito e sim a força do ordenamento jurídico que o sujeito pode usar em defesa de seus interesses, donde, a força jurídica para atuar o conteúdo dos interesses humanos existe somente quando o interesse é juridicamente reconhecido e protegido36.

A renovação, por esse ângulo, possibilita a utilização de “todo o potencial do sistema jurídico num renovado positivismo, que não se exaure na pura e simples obediência à letra da lei, mas acatando substancialmente as escolhas políticas do legislador constituinte”37.

O sistema jurídico brasileiro se funda no texto constitucional, o qual é rígido, ou seja, em caso de desrespeito à Carta Magna de 1988, deve haver a declaração de inconstitucionalidade da norma.

O atendimento aos valores sistematizados na Constituição deu consequência a uma emigração dos princípios do direito civil para o direito constitucional38. Isso provocou uma verdadeira repersonalização39 do Direito como um todo, com vistas a dar maiores garantias aos partícipes das relações jurídicas no âmbito privado.

A leitura do Código Civil e das leis especiais à luz da Carta Maior tem sido cada vez mais imprescindível para a reunificação do sistema40. Com efeito, o direito civil-constitucional ganha relevo através da incidência dos princípios constitucionais em todas as relações privadas.

35 BODIN DE MORAES, Maria Celina. Op. cit., p. 44.

36 GIORGIANNI, Michele. O direito privado e suas atuais fronteiras. Revista dos Tribunais, a. 87, v. 747. São Paulo, jan. 1998, p. 43.

37 PERLINGIERI, Pietro apud MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit, p. 14. 38 BODIN DE MORAES, Maria Celina. Op. cit., p. 28.

39 O termo “repersonalização” foi cunhado por Paulo Lôbo ao tratar das modificações havidas ao longo do tempo nas relações de família. Para ele, a família brasileira da atualidade relativizou-se da sua função procracional, dando prevalência aos valores do ser humano. “A família, ao converter-se em espaço de realização da afetividade humana, marca o deslocamento da função econômica-política-religiosa-procracional para essa nova função. Essas linhas de tendências enquadram-se no fenômeno jurídico-social denominado repersonalização das relações civis, que valoriza o interesse da pessoa humana mais do que suas relações patrimoniais. É a recusa da coisificação ou reificação da pessoa, para ressaltar sua dignidade. A família é o espaço por excelência da repersonalização do direito” (LÔBO, Paulo Luiz Netto.

Atualidades Jurídicas - Revista do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Brasília: CFOAB,

v. 2, 2012, p. 16).

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A dignidade da pessoa humana, como fundamento da República Federativa do Brasil, ganha status de vetor da irradiação dos valores constitucionais nestas situações relacionais.

O ser humano passa a ocupar papel de destaque especialmente no mercado consumerista, com reconhecimento e proteção da sua dignidade na eterna busca pelo equilíbrio e harmonia nas relações jurídicas.

1.2. O princípio da dignidade da pessoa humana: o ser humano no centro das relações jurídicas de consumo

O direito privado é o ramo do Direito que visa a equidade ou a justiça reequilibradora no trato dos seres, sendo a igualdade um conceito fundante do direito privado, a qual caracteriza a individualização da liberdade humana41. “O conceito de pessoa é um conceito de igualdade”42.

A Constituição Federal de 1988 trouxe nova nuance para o Direito também no que tange à proteção da dignidade da pessoa humana. A Carta Magna proclamou a dignidade humana entre os fundamentos da República e atribuiu o valor basilar da ordem jurídica democrática43.

O princípio da dignidade da pessoa humana possui ampla acepção. Ele não se limita a assegurar o tratamento do ser humano de forma não degradante ou a proteger a sua integridade física, ele vai mais além, pois os princípios constitucionais, por serem dotados de valores ético-jurídicos, dão azo a uma completa transformação do sistema do direito civil, trazendo o ser humano para o centro44.

Sob a ótica do princípio da dignidade humana, o olhar para o ser humano passa a levar em consideração as suas diferenças e o traz para o centro das relações jurídicas, valorizando-o enquanto ser em detrimento do ter. O patrimônio tem importância, mas fica em segundo plano.

A proteção do ser humano com a valorização da sua dignidade ascende os seus valores existenciais em face de critérios meramente patrimoniais, deixando para tras o

41 RADBRUCH, Gustav apud MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 8 ed. São Paulo: RT, 2016, p. 121.

42 Ibid., p. 120-121.

43 BODIN DE MORAES, Maria Celina. O jovem direito civil-constitucional. Editorial. Civilistica.com. Disponível em: <http://civilistica.com/o-jovem-direito-civil-constitucional/>. Acesso em: 10 out. 2016. 44 BODIN DE MORAES, Maria Celina. Na medida da pessoa humana: estudos de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 48.

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paradigma da codificação civil liberal, em que o ser humano se realizava através do seu patrimônio.

A leitura do Código Civil de 2002 à luz da Constituição Federal, possibilita essa valoração do ser humano.

O respeito à pessoa humana, única em sua dignidade mas necessariamente solidária da comunidade em que se encontra inserida, resta sendo talvez o único princípio de coerência possível de uma democracia humanista [...] o princípio ético-jurídico capaz de atribuir a unidade valorativa sistemática ao direito civil; é este que representa o seu atual paradigma, ao contemplar espaços de liberdade no respeito à solidariedade social. [...] A imposição de solidariedade, se excessiva, anula a liberdade; a liberdade desmedida é incompatível com a solidariedade. Quando ponderados, todavia, os seus conteúdos tornam-se complementares: regulamenta-se a liberdade em prol da solidariedade social, isto é, da relação de cada um com o interesse geral, o que, reduzindo a desigualdade, é o que possibilita o livre desenvolvimento da personalidade de cada um dos membros da comunidade45.

A dogmática do direito civil sofreu uma transformação46 em virtude da interpretação do princípio da dignidade da pessoa humana. Isso caracteriza a repersonalização do direito civil: a pessoa humana no centro das relações jurídicas e o patrimônio como coadjuvante e nem sempre necessário47. A ideia de um patrimônio mínimo capaz de garantir a sobrevivência de cada um é indispensável para a realização do princípio da dignidade da pessoa humana48.

A sua previsão está contida no artigo 1º, III da Carta Maior, presente no rol dos seus fundamentos49.

Além disso, a dignidade da pessoa humana é considerada um princípio, sendo uma norma que ordena que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes50.

Como o princípio da dignidade da pessoa humana apresenta-se de forma basilar na Lei Maior, seus valores passeiam por toda a seara jurídica, dando uma conotação

45 BODIN DE MORAES, Maria Celina. Op. cit., p. 50-51. 46 TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 35.

47 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 18.

48 LÔBO, Paulo Luiz Netto apud FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: renovar, 2001, p. 303.

49Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e

do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania;

II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. (grifo nosso).

50 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 86.

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muito ampla do seu sentido. Tal fundamento atua em toda relação jurídica, com o delineamento do seu conteúdo. Deve-se buscar uma delimitação dos seus contornos e limites para evitar a sua generalização e a sua abstração num grau que torne impossível a sua aplicação51.

O conceito de dignidade da pessoa humana é, por sua natureza, dotado de abstração e, portanto, trata-se de tarefa difícil. Com o objetivo de conceituá-lo da melhor maneira possível, e de acordo com o viés que se pretende discutir visando maior concretude do princípio, tem-se que a dignidade da pessoa humana se concretiza de acordo com cada caso concreto, com o conteúdo e o alcance dos direitos fundamentais indicado de forma individual52. Da mesma forma, acontece no Poder Judiciário, em que a dignidade vem à tona no caso concreto, com atenção aos critérios de ponderação utilizados53.

A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegure a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos54.

O princípio compreende em seu bojo tantos outros que compõem a sua estrutura, entre eles o princípio da igualdade.

Este determina o tratamento sem discriminação aos seres humanos e possui duas acepções: formal e substancial.

A igualdade no sentido formal determina a igualdade de todos perante a lei, com o tratamento dos indivíduos da mesma forma. Levando em consideração o fato de que nem todos possuem as mesmas características, sendo cada ser dotado de suas

51 BODIN DE MORAES, Maria Celina. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARTET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 118-119.

52 HABËRLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. Tradução de Ingo Wolfgang Sarlet e Pedro Scherer de Mello Aleixo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Dimensões da

dignidade: ensaios de filosofia do Direito e Direito Constitucional. 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2009, p. 57.

53 BODIN DE MORAES, Maria Celina. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARTET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 119.

54 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição

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particularidades, a lógica formal do princípio da igualdade revelou a sua proteção de forma deficiente.

O anseio protetivo era no sentido de uma proteção isonômica, com o tratamento desigual dos indivíduos, devendo os desiguais serem tratados desigualmente na medida da sua desigualdade.

Importante salientar que não é qualquer critério de desigualdade que justifica o tratamento diferenciado. Ao ditame legal cabe disciplinar previsão normativa para situações equivalentes55.

A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como, por exemplo, entre as crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres56.

As diferenciações podem ser feitas sem que haja a quebra da isonomia e se dividem em três questões: a) o elemento tomado como fator de desigualação; b) a correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; e c) a consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados57. De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, “é o vínculo de conexão lógica entre os elementos diferenciais colecionados e a disparidade das disciplinas estabelecidas em vista deles, o quid determinante da validade ou invalidade de uma regra perante a isonomia”58.

Modernamente, entende-se que o princípio da diversidade deve ser integrado ao princípio da igualdade, visando o respeito às diversas culturas59, ao ser diferente, por requerer uma maior proteção.

A sociedade de consumo está inserida na cultura da “pós-modernidade”, caracterizando-se pela construção de conceitos contemporâneos, em consequência do

55 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 10.

56 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução francesa da 2ª edição alemã, por Ch. Einsenmann. Paris, Dalloz, 1962, p. 190.

57 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p.21. 58 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit, p. 37.

59BODIN DE MORAES, Maria Celina. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARTET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 125.

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acesso a uma quantidade elevada de informações. A sociedade hodierna se insere, sobretudo na constatação das diferenças, com a tentativa da sociedade de se reordenar, determinando a igualdade na diversidade.60

O sujeito que consome, dotado de vulnerabilidade presumida, representa muito bem o contexto pós-moderno. E vai mais além quando se observa a vulnerabilidade agravada a determinados grupos de consumidores, sendo lócus privilegiado, portanto, no desenvolver da pós-modernidade61. Esses seres são dotados de vulnerabilidade num sentido de igualdade formal, e de hipervulnerabilidade62, na acepção substancial do princípio da igualdade.

Ao tratar da dignidade, é imperioso salientar que a legislação infraconstitucional em comento também é norteada pelo princípio. O Código de Defesa do Consumidor reza no caput do artigo 4º o respeito à dignidade do consumidor como um dos objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo; enquanto que o Estatuto do Idoso garante aos cidadãos com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos o gozo dos direitos fundamentais, sem prejuízo da proteção integral assegurada pela lei, e a proteção da sua dignidade.

1.3. A teoria do diálogo das fontes

O sistema legislativo brasileiro é complexo. Possui fontes plúrimas de normas que, não raro, dissertam sobre uma mesma matéria. Quando tratamos de relações consumeristas, temos como base, além do CDC e do CC/02, legislações esparsas versando sobre diversos temas, entre elas, o Estatuto do Idoso. Vem-se defendendo que a busca pela coerência do sistema na aplicação de mais de uma lei geral ou especial deve pautar-se nos valores Constitucionais através do método denominado teoria do diálogo das fontes63.

60 LYOTARD, Jean François. O pós-moderno. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1988, p. 69-108.

61 GHERSI, Carlos Alberto. Manual de la posmodernidad jurídica y tercera via. Buenos Aires: Gowa, 2001, p. 82-83.

62 Vulnerabilidade agravada.

63 MARQUES, Cláudia Lima. O “Diálogo das Fontes” como método da nova teoria geral do direito. In: MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Diálogo das fontes. Do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: RT, 2012, p. 38.

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As soluções clássicas diante do conflito de leis64 dão espaço a um viés pós-moderno, em que se buscam saídas que possibilitem a aplicação conjunta de duas ou mais leis, seja de forma complementar ou subsidiária.

A teoria do diálogo das fontes65 foi desenvolvida pelo jurista alemão Erik Jayme, em seu curso Geral de Haia, no ano de 1995, e trazida ao Brasil pela jurista Claudia Lima Marques.

O diálogo das fontes visa uma interpretação entre as fontes legislativas plúrimas de modo que elas conversem entre si, sem critérios de exclusão, dando ao intérprete novos parâmetros hermenêuticos eficientes numa situação de conflito entre normas jurídicas, com o atendimento dos valores constitucionais. Isso tem como finalidade um sistema jurídico eficiente e justo.

A teoria possibilita uma interpretação coordenada e sistemática das legislações plurais, tão presentes na pós-modernidade, sendo denominada “coerência derivada ou restaurada”66, superando “os critérios clássicos de solução das antinomias jurídicas (hierárquico, especialidade e cronológico)”67.

Para Jayme68, o sistema jurídico antevê uma certa coerência e deve afastar contradições. Devendo o juiz, quando se deparar com fontes normativas de valores contraditórios entre si, coordená-las através do diálogo das fontes.

Ainda nesse sentido, diz que “o fio condutor do direito na pós-modernidade serão os direitos humanos”69. O mandamento constitucional serve como guia interpretativo na solução de conflitos de lei, já que estes, geralmente, surgem como o resultado de um diálogo entre as fontes mais heterogêneas.

“Diálogo” porque há influências recíprocas, “diálogo” porque há aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção voluntária das partes sobre a fonte prevalente (especialmente em matéria de

64 “Os critérios para resolver os conflitos de leis no tempo seriam [...] apenas três: anterioridade, especialidade e hierarquia” (MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil: do “diálogo das fontes” no combate às cláusulas abusivas. Revista de Direito do

Consumidor. São Paulo, v. 45, p. 71 – 99, jan./mar. 2003, p. 72).

65 Dialogue des Sources.

66 Cohérence dérivée o restaurée (SAUPHANOR, Nathalie. L´influence du droit de la conommation sur le

système juridique. Paris : LGDJ, 2000, p. 32).

67 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: direito material e processual. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2014, p. 66.

68 Direito internacional privado e cultura pós-moderna. Cadernos do PPGD/UFRGS 1, n. 1, mar. 2003, p. 109.

69 JAYME, Erik. Identité Culturelle et Intégration: le droit internacional privé postmoderne. Recueil des Cours de l’Académie de Droit Internacional de La Haye – V. II. Kluwer: Doordrecht. 1995, p. 37, tradução livre.

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convenções internacionais e leis modelos) ou mesmo permitindo uma opção por uma das leis em conflito abstrato. Uma solução flexível e aberta, de interpretação, ou mesmo a solução mais favorável ao mais fraco da relação (tratamento diferente dos diferentes)70.

A teoria em comento estabelece três possíveis hipóteses de diálogo entre as fontes normativas: diálogo sistemático de coerência, diálogo sistemático de complementaridade e subsidiariedade, e diálogo das influências recíprocas sistemáticas71.

O diálogo sistemático de coerência se traduz quando, na aplicação simultânea de leis, uma serve como base para a outra. Essa hipótese pode ser vislumbrada num cenário em que se está diante de uma lei geral e uma lei específica, onde uma serve de base conceitual para complementar a previsão legal da outra.

Como exemplo, levando em consideração que o CDC entrou em vigor antes do Código Civil, poderemos nos deparar com conceitos que não possuem definição explícita no microssistema, da forma como são tratados especificamente na norma civilista de 2002, como prescrição e decadência72. Assim, o CC/02 atualiza os preceitos da lei consumerista.

A segunda hipótese é a do diálogo sistemático de complementaridade e subsidiariedade. A depender do caso concreto, a reciprocidade de normas poderá ser direta ou subsidiária. Como exemplo, temos as cláusulas abusivas. A Lei n. 8.078/90, em seu art. 51, traz um rol das cláusulas contratuais que são consideradas abusivas; enquanto que o Código Civil de 2002 prevê a nulidade de cláusulas que possibilitem a renúncia do aderente de modo antecipado a um direito que resulte da natureza do negócio, no art. 424. O CC/2002, diante de um caso concreto, poderia aplicar de forma complementar ou subsidiária as hipóteses constantes no microssistema.

O último tipo trazido por Jayme é o diálogo das influências recíprocas sistemáticas. Aqui, os conceitos basilares de uma norma sofrem intervenção de lei diversa. Este diálogo também é denominado doublé sens, onde há “a influência do

70 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 8 ed. São Paulo: RT, 2016, p. 760.

71 MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil: do “diálogo das fontes” no combate às cláusulas abusivas. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, v. 45, p. 71 – 99, jan./mar. 2003, p. 76-77. A autora também reafirmou este entendimento na obra

Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 8 ed. São

Paulo: RT, 2016, p. 783 e ss. 72 CC/02, Art. 189 e ss.

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sistema especial no geral e do geral no especial”73. Essa hipótese se constata quando há um caso de redefinição legal por uma lei nova. Como exemplo, citamos a mudança ocorrida recentemente no Código Civil de 2002 em relação à capacidade do indivíduo. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n. 13.146/2015, trouxe grande inovação. Com a entrada em vigor do dispositivo, “os atos das pessoas com deficiência passam a ser considerados válidos independentemente de representação”74, devendo-se observar os casos de curatela, restringindo-se a validade em relação aos atos que não tratem de disposição patrimonial. O diálogo com o CDC no caso ventilado, ocorre na interpretação do conceito de consumidor, que sofre influências do Código Civil de 2002.

A Lei n. 8.078/9075, subsistema normativo aberto, preconiza em seu texto a possibilidade do diálogo entre as fontes legislativas. É o que se atesta no teor do artigo 7º:

Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.

Além das fontes doutrinária e normativa, o tema vem ganhando espaço no Poder Judiciário, em especial nos Tribunais Superiores. No ano de 2006, o então Ministro do Supremo Tribunal Federal – STF, Joaquim Barbosa, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.591, que trata da análise da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, e popularmente ficou conhecida como ADI dos Bancos; votou pela incidência das normas do CDC nas relações jurídicas em que figure como fornecedor as instituições financeiras. O Ministro fundamentou-se no diálogo das fontes, aduzindo a possibilidade de aplicação simultânea de duas normas, de modo a ampliar a proteção do consumidor no caso concreto.

[...] entendo que o regramento do sistema financeiro e a disciplina do consumo e da defesa do consumidor podem perfeitamente conviver.

Em muitos casos, o operador do direito irá deparar-se com fatos que conclamam a aplicação de normas tanto de uma como de outra área do conhecimento jurídico. Assim ocorre em razão dos diferentes aspectos que

73 MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil: do “diálogo das fontes” no combate às cláusulas abusivas. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, v. 45, p. 71 – 99, jan./mar. 2003, p. 77.

74 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Introdução ao Direito Civil: Teoria Geral do Direito Civil. Atual. Maria Celina Bodin de Moraes. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 234.

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uma mesma realidade apresenta, fazendo com que ela possa amoldar-se aos âmbitos normativos de diferentes leis.

A Emenda Constitucional 40, na medida em que conferiu maior vagueza à disciplina constitucional do sistema financeiro (dando nova redação ao art. 192), tornou ainda maior esse campo que a professora Cláudia Lima Marques denominou “diálogo das fontes” – no caso, entre a lei ordinária (que disciplina as relações consumeristas) e as leis complementares (que disciplinam o sistema financeiro nacional). Não há, a priori, por que falar em exclusão formal entre essas espécies normativas, mas, sim, em “influências recíprocas”, em “aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção voluntária das partes sobre a fonte prevalente” 76.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Estaduais, perante os juízes de primeira instância e Juizados Especiais, a aplicação da teoria consolidou-se na solução de casos difíceis, por concretizar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais com a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações privadas77.

Passando para o Superior Tribunal de Justiça - STJ, num primeiro momento houve certa resistência na adoção do diálogo das fontes. Ocorre que a teoria vem ganhando cada vez mais espaço no STJ por demonstrar, especificamente no recorte traçado no presente trabalho, que a aplicação da Lei n. 8.078/1990 em harmonia com o Código Civil e as demais leis especiais possibilitam maior proteção do sujeito vulnerável.

A quebra desse paradigma é representada pelo quantitativo de decisões com a expressão “diálogo das fontes” constantes no portal do STJ desde o ano de 2005, no montante de 1.545 (um mil e quinhentos e quarenta e cinco) decisões monocráticas, sendo apenas no ano de 2016 o quantitativo de 342 (trezentos e quarenta e dois)78. Isso confirma a incorporação da teoria do diálogo das fontes ao direito brasileiro.

Como exemplo, o REsp 1.280.211/SP, que tratou de reajuste de plano de saúde por mudança de faixa etária. O relator, Ministro Marco Buzzi, reconheceu a abusividade do percentual aplicado quando a consumidora completou 60 (sessenta) anos de idade. Em seu voto, o Ministro ressaltou a teoria do diálogo das fontes ao julgar necessária a

76 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.591-DF. Brasília, DF. Relator: Ministro Carlos Velloso. Julgamento em: 07 jun. 2006, p. 351-352.

77 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 8 ed. São Paulo: RT, 2016, p. 791.

78 Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?acao=pesquisar&novaConsulta=true&i=1&data=&livre=&op Ajuda=SIM&tipo_visualizacao=RESUMO&thesaurus=null&p=true&operador=e&processo=&livreMinistro =&relator=&data_inicial=&data_final=&tipo_data=DTDE&livreOrgaoJulgador=&orgao=&ementa=di%E1l ogo+das+fontes&ref=&siglajud=&numero_leg=&tipo1=&numero_art1=&tipo2=&numero_art2=&tipo3= &numero_art3=&nota=&b=ACOR&b=SUMU&b=DTXT&b=INFJ>. Acesso em: 10 nov. 2016.

Referências

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