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Reflexos do fenômeno da judicialização sob a ótica do princípio da tripartição dos poderes de montesquieu / Reflections of the phenomenon of judicialization under the view of the principle of the tripartition of the montesquieu power

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Reflexos do fenômeno da judicialização sob a ótica do princípio da tripartição

dos poderes de montesquieu

Reflections of the phenomenon of judicialization under the view of the

principle of the tripartition of the montesquieu power

DOI:10.34117/bjdv5n12-351

Recebimento dos originais: 07/11/2019 Aceitação para publicação: 26/12/2019

Juliana Rodrigues B. Cavalcante

Mestranda em Direito Constitucional e Teoria Política pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Endereço: Av. Washington Soares, nº 1321 - Bloco B-Programa de Pós-Graduação em Direito

Constitucional/Mestrado e Doutorado, Edson Queiroz, UNIFOR. E-mail: julianacavalcanteadv@gmail.com.

José Filomeno de Moraes Filho

Professor dos Programas de Graduação, Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Livre-docente em Ciência Política pela Universidade Estadual do Ceará. Endereço:

Av. Washington Soares, nº 1321 -Bloco B -Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional/Mestrado e Doutorado, Edson Queiroz, UNIFOR. E-mail:

filomenomoraes@uol.com.br. RESUMO

O presente artigo tem o desiderato de averiguar os reflexos ocasionados pelo fenômeno da judicialização nas Cortes constitucionais brasileiras sob a ótica da teoria de separação dos poderes, de Montesquieu, a partir do contexto pós Constituição Federativa de 1988. Para tanto, fez-se um breve estudo inicial com perspectiva de aproximação das bases históricas da doutrina de repartição dos poderes e uma análise dos impactos da intervenção do Judiciário em matérias de relevância nacional, como saúde pública. Quanto aos aspectos metodológicos, a pesquisa científica classifica-se como exploratória e descritiva. Quanto aos métodos orientadores, a pesquisa é bibliográfica e documental, utilizando-se, especialmente, da obra “Do Espírito das Leis”, de Montesquieu. Conclui-se que é necessário viabilizar uma profunda reflexão acerca da temática, bem como dialogar com as diferentes esferas dos órgãos federativos de modo a evitar ingerências indevidas do Judiciário na atuação dos demais poderes, e consequentemente, em aspectos centrais do funcionamento da democracia.

Palavras-chave: Separação de Poderes. Montesquieu. Judicialização.

ABSTRACT

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from the context after the 1988 Federal Constitution. To this end, a brief initial study was carried out with the perspective of approximating the historical basis of the doctrine of the distribution of powers and an analysis of the impacts of the intervention of the judiciary in matters of national relevance, such as public health. As for methodological aspects, scientific research is classified as exploratory and descriptive. As for the guiding methods, the research is bibliographic and documentary, especially using Montesquieu's “The Spirit of the Laws”. It is concluded that it is necessary to enable a deep reflection on the subject, as well as dialogue with the different spheres of the federal organs in order to avoid undue interference of the judiciary in the performance of other powers, and consequently in central aspects of the functioning of democracy.

Keywords: Separation of Powers. Montesquieu. Judicialization.

1 INTRODUÇÃO

O Poder Judiciário vem assumindo cada vez mais um papel protagonista na efetivação de direitos fundamentais dispostos na Constituição Federal brasileira de 1988 (CF/88), com o fito de suprir a omissão administrativa dos entes públicos no cumprimento de seus deveres prestacionais. Esse deslocamento da concretização dos direitos para o Judiciário tem causado grandes repercussões nas políticas públicas e impactado diretamente no planejamento orçamentário estatal. De mesmo modo, as Cortes judiciais também têm intervido em aspectos centrais do funcionamento da democracia, constatando-se uma judicialização da política no país.

Por esse motivo, diversas instituições envolvidas neste processo têm lançado olhares para o fenômeno da judicialização, apontando para a necessidade de se estabelecer ações voltadas a orientação das decisões judiciais cuja finalidade seja evitar ingerências indevidas do Judiciário na atuação dos demais poderes.

Dessa maneira, compreende-se que a judicialização da política significa a intervenção decisória do Poder Judiciário capaz de afetar a conjuntura política nas democracias contemporâneas. A consequência imediata disso é a ampliação do poder judicial em matérias que seriam reservadas às competências dos Poderes Executivo e Legislativo com inspiração na teoria do “checks and balances” (PEIXINHO, 2008, p. 4031).

No século XVIII, Montesquieu entendia que cada poder demonstrava suas funções reais e inconfundíveis agregadas a um só órgão, havendo, contudo, a separação pelo Estado, onde cada qual receberia a incumbência de função determinada. Nesse sentido, “a separação surgiria da necessidade de o poder deter o próprio poder, evitando assim o abuso da autoridade” (MONTESQUIEU, Tradução de Jean Melville, 2003, p. 729).

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No contexto brasileiro hodierno, observa-se que diferentes circunstâncias surgem, estando associadas à CF/88, que consagra a tripartição dos poderes do Estado em seu artigo 2º, à realidade política em que estamos inseridos e às competências do Supremo Tribunal Federal (STF). Junto a esses fatores, a imprensa também tem contribuído para o aumento do interesse da sociedade acerca da centralidade das decisões do judiciário. Assim, cumpre indagar em que medida se baliza a judicialização no Brasil em confronto com o sistema de repartição de poderes.

Quanto aos objetivos do trabalho, compreende-se como objetivo geral, averiguar, de forma crítica, os reflexos do fenômeno da judicialização sob a ótica da teoria da separação dos poderes, aprimorada por Montesquieu, perante o STF; e específicos, analisar a teoria da separação dos Poderes em um contexto pós CRFB/88, observando os impactos da judicialização no judiciário brasileiro.

Quanto aos aspectos metodológicos, a pesquisa científica classifica-se como exploratória e descritiva. Quanto aos métodos orientadores, a pesquisa é bibliográfica e documental, utilizando-se, especialmente, da obra “Do Espírito das Leis”, de Montesquieu, estimulando o alcance dos resultados buscados por meio da observação.

2 DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES

Em uma perspectiva de aproximação das bases históricas da doutrina de repartição dos poderes, importa verificar que estudos acerca da temática ganharam repercussão no séc. XVII, na Inglaterra. Desde então, outras análises foram realizadas por pensadores políticos, daí por que não se aconselha compreender a teoria como absoluta. É importante lembrar que, inclusive, Aristóteles (384 a.C. 322 a.C.) já discutia sobre funções do estado e política à sua época.

Partindo desse pensamento, cabe ressaltar que John Locke (1632-1704), ao abordar sobre o contexto de transição do estado de natureza para a criação da sociedade civil, em sua obra “Dois Tratados sobre o Governo” (1681), verificou a origem do direito e dos poderes legislativo e executivo, assim como dos governos e das sociedades.

Para Locke, em contraposição a doutrina aristotélica, embora o homem tivesse liberdade no estado de natureza, seu exercício seria bastante incerto e exposto a violações por parte dos demais, especialmente com relação à propriedade privada. Nesse sentido, a justificativa para que os homens se unissem em sociedades políticas e se submetessem a governos seria a conservação de sua propriedade (LOCKE, Tradução de Julio Fischer, 1998, p. 495).

Em virtude de serem movidos por paixões e vinganças, os homens, no geral, se apresentavam como parciais. Além disso, passavam a surgir conflitos internos em busca daquilo que pertencia ao outro. Desde então, surgia a necessidade de se instituir leis pra solucionar as controvérsias geradas,

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bem como de escolher uma autoridade imparcial e conhecida para aplicá-las – daí surge o direito original.

Nesse sentido, o estado de natureza precisaria de um poder para sustentar as decisões da autoridade-juiz e concretizar sua execução. Segundo Locke, havia dois poderes no estado natural: o primeiro consistia na autopreservação, ou seja, fazer tudo o que se considerava adequado dentro dos limites da própria lei da natureza visando o melhor para si e para a comunidade - se não fosse a corrupção do homem, não haveria necessidade de outros poderes -; e poder de aplicar castigo aos que infringiam a lei.

Com o passar do tempo, os homens se uniram em uma sociedade política por meio do contrato social: escolheram grupos para elaborar normas, baixaram leis para serem obedecidas, instituíram formas de governo e corroboraram, aos poucos, com a ideia de separação de poderes, que, de acordo com Locke, se traduz em legislativo, executivo e federativo, sendo o primeiro caracterizado como “supremo”, pois todos deveriam subordinar-se a ele; o segundo, responsável pela execução das leis; e o último, com função de firmar alianças e transações com sociedades políticas externas.

Sessenta e sete anos depois, Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu (1689-1755), ou apenas Montesquieu, publica sua obra “Do Espírito das Leis” (1748) de modo a analisar as formas de governo e a atuação das autoridades políticas do século XVIII, ficando extremamente conhecido pela teoria de tripartição dos poderes.

Em seu trabalho, o filósofo francês apontou para uma divisão do Estado nos poderes Executivo, Legislativo e de Julgar, sendo que cada um deles deveria equilibrar- se entre autonomia e intervenção, respeitando as esferas de atuação e evitando uma possível desarmonia.

Pelo primeiro Poder, o príncipe ou o magistrado criaria as leis para um tempo determinado ou para sempre; pelo segundo, executaria as determinações legais, determinaria ou paz ou guerra, preveniria invasões, receberia embaixadas de organismos internacionais e estabeleceria a segurança; pelo terceiro, julgaria os indivíduos por crimes cometidos, punindo-os, ou resolveria questões cotidianas entre os particulares (MONTESQUIEU, 2003, p.165).

Escrevendo acerca dos objetivos estatais, Montesquieu (2003, p.178) analisa a sistemática do governo dos reis, sacerdotes e juízes de Grécia e Roma, a partir da influência do estudo de Aristóteles, onde verificou que os poderes eram mal distribuídos, pois como o povo poderia exercer o legislativo, ao menor capricho do monarca, a população, munida de legislação, poderia destruir o reinado abusivo.

Segundo o autor, não haveria que se falar em liberdade para um indivíduo ou mesmo corpo de magistratura que compunha, em um só, legislativo e executivo, uma vez que, se isso ocorresse, o

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poder detido sobre a vida dos cidadãos seria arbitrário, e o juiz seria o próprio legislador, ocasionando um governo opressor com decisões políticas possivelmente imprudentes.

De acordo com Nuno Piçarra (1989, p. 93), para a teoria da separação dos poderes de Montesquieu seria “essencial garantir que a edição das leis e a sua execução ficassem orgânica e pessoalmente separadas. Só assim seria possível impedir a existência de leis tirânicas executadas tiranicamente”. Ou seja, a teoria apresenta bastante rigidez em suas disposições.

Além disso, com relação ao poder de julgar, Montesquieu (1979) defendia que o magistrado deveria ser “a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que lhe não podem moderar nem a força nem o rigor”. Tal ideia nos rememora a escola da exegese, do sec. XIX, que supervalorizava as leis, vislumbrando-as como única fonte do Direito, em detrimento, inclusive, da abstração do direito natural e também do ato de interpretar as normas.

O “juiz boca de lei” não teria, nesse sentido, função ativa ou juridicamente constitutiva, pois não adentraria em uma análise hermenêutica para solucionar da melhor forma o caso que lhe fora apresentado, mas apenas aplicaria a lei conforme disposição dos códigos – uma operação automática que justifica a atribuição do filósofo como “seres inanimados”, ou seja, sem vida.

Nesse sentido, a decisão elaborada para o caso concreto se amoldaria como uma reprodução fiel do que já havia sido decidido de forma genérica, em uma esfera jurídica “reduzida a um esquema simples: leis por um lado, tribunais e força pública por outro, destinados a assegurar o cumprimento delas” (PIÇARRA, 1989, p. 92). Ou seja, elaborações de sentenças previsíveis a partir do simples conhecimento das leis.

No sistema jurídico hodierno, ocorre justamente o inverso, visto que, além da aplicação direta da norma, os magistrados também se valem de técnicas de interpretação para fundamentarem suas sentenças, e as Cortes Constitucionais se utilizam, muitas vezes, em casos de relevância nacional, especialmente quando envolvem direitos sociais, do denominado ativismo judicial, na tentativa de concretizar os objetivos da Constituição.

Além de delinear tais aspectos, Montesquieu desenvolveu o conceito de equipotência de poderes, no sentido de viabilizar harmonia entre eles, denotando, dessa forma, uma capacidade de controle mútuo entre Judiciário, Executivo e Legislativo. O rei assumiria a direção política e administrativa do Estado ao passo que os anseios dos súditos deveriam ser transpostos nas leis, e a estabilidade política seria verificada pelos julgadores – tudo embalado por um sistema de freios e contrapesos.

Entretanto, a partir da “interpenetração de funções judiciárias, legislativas e executivas” há quem compreenda que a equipotência, ou equivalência dos poderes é refutada implicitamente por

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Montesquieu, quando ele afirma que o judiciário é um poder nulo, e “os juízes (são)... a boca que pronuncia as palavras da lei” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 119).

3 DO FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO

Quando me dirijo a um país, não examino se há boas leis, mas se as que lá existem são executadas, pois boas leis há por toda a parte. Montesquieu em “Do Espírito das Leis” (1748).

Pode-se analisar a judicialização da política sob dois enfoques: o primeiro, o desenvolvimento do campo de atuação decisório dos magistrados no sistema judicial hodierno; e o segundo, a existência de mecanismos judiciais na esfera do Poder Legislativo (como as Comissões Parlamentares de Inquérito) e no Poder Executivo (as diversas instâncias administrativas de solução de conflitos). Para afunilar a análise, este trabalho se utiliza do primeiro enfoque, tendo em vista que é no âmbito do Poder Judiciário que a judicialização da política alcança maiores efeitos.

De acordo com Barroso (2009, p.03), a primeira grande causa da judicialização foi a redemocratização do país, que se deu por meio da promulgação da CRFB/88, e, nas últimas décadas, o Judiciário assumiu posição de um verdadeiro poder político, fazendo valer os objetivos do texto constitucional, inclusive entrando em confronto com outros poderes para isso.

A segunda causa, ainda segundo o autor supramencionado, foi a constitucionalização abrangente, que trouxe matérias do processo político e da legislação ordinária para dentro da Constituição, e, a terceira e última causa, foi/é o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, que por sua vez, permite tanto que qualquer juiz ou Tribunal deixe de aplicar uma lei em determinada demanda por considerá-la inconstitucional, quanto que matérias sejam levadas imediatamente, em tese, ao STF.

A este respeito, um rol de legitimados previsto no art. 103 da CRFB/88 dispõe sobre o amplo direito de propositura de ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade. Nesse contexto, “qualquer” questão política ou moral que tenha grande relevância pode ser alçada no Supremo.

Uma possibilidade de judicialização da política é o seu manejo como instrumento de governo, nos casos em que, buscando superar situações de paralisa decisória ou impasse legislativo ou, ainda, com o intuito de anular estatutos legais emitidos em governos passados ou de autoria de outros órgãos que não diretamente sob a responsabilidade do Poder Executivo, o governo busca esteio no Poder

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Judiciário para que esse programe ou se pronuncie favoravelmente a políticas públicas de seu próprio interesse (PALOTI, MARONA, CORRÊA, 2010, p.146).

Ocorre que não podemos confundir o fenômeno abordado com ativismo judicial. Ao passo que um trata sobre o crescente número de demandas com repercussão social no Judiciário, o outro trata sobre a participação mais intensa deste Poder na concretização dos fins constitucionais, um modo proativo de interpretação da CRFB/88 no sentido de ampliar seu alcance.

Retomando a análise inicial, os reflexos tidos como problemáticas do fenômeno são riscos para a atividade democrática, como a politização da própria justiça, efeito dominó negativo em decorrência da falta de estudo prévio (do ponto de vista fático e não processual) em decisões envolvendo direitos fundamentais, ferimento ao princípio da repartição dos poderes etc.

Diante disso, é importante compreender que a análise do processo legislativo deve se estabelecer como uma tarefa com tendências de compartilhamento de atuação, ou seja, incluindo o Judiciário para uma abordagem de dimensão mais significativa para a vida pública. Contudo, a atuação do Judiciário precisa ter limites ou parâmetros a serem observados, de modo que não corrompa as atribuições de Poder.

A este respeito, Mauro Cappelletti (1999, p. 19) corrobora com a ideia de expansão do papel do Judiciário na sociedade moderna como um contrapeso necessário no viés do sistema democrático de “checks and balances” à expansão dos “ramos políticos”.

4 CASOS COM REPERCUSSÃO E POSICIONAMENTO DO STF

No Brasil, tanto a judicialização da política quanto o ativismo judiciário potencializam discussões sobre a legitimidade do processo político, problemáticas orçamentárias, supremacia da CRFB/88 e equilíbrio entre os poderes. Há diversos casos do Supremo Tribunal Federal que ganharam repercussão pelo foco com que foram analisados.

No julgamento da STA n. 175, do STF, em 2010, analisou-se a temática de fornecimento de medicamentos de alto custo não previstos na lista da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A suspensão de tutela antecipada fora protocolada pela União contra acórdão proferido pela 1ª Turma do TRF-5, que havia conferido o medicamento à autora.

Ao requerer a reforma da decisão, a agravante alegou, dentre outros aspectos, a violação do princípio da separação dos poderes, pois o Supremo Tribunal Federal estaria desconsiderando a função exclusiva da Administração Pública para definir políticas públicas de acesso à saúde, e tal situação caracterizaria uma interferência indevida por parte do Poder Judiciário (fls. 199- 204).

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Durante os votos, o ministro Gilmar Mendes verificou que a violação ao princípio da separa- ção dos poderes já havia sido afastada na ADPF -MC 45/DF, que tratava acerca da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário.

em tema de implementação de políticas públicas:

EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDI- CIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁCTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERA- ÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA „RESERVA DO POSSÍVEL‟. NECESSIDADE DE PRESERVA- ÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO „MÍNIMO EXISTENCIAL‟. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES PO- SITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO). (ADPF -MC 45/DF, MIN. REL. CELSO DE MELLO, DJ 29.4.2004).

Com relação à possibilidade de interferência do Poder Judiciário na apreciação de demandas envolvendo pedidos assistenciais, esclareceu-se que não há nenhuma proibição legal e nem ofensa ao princípio da separação dos Poderes, tendo em vista que a justiça analisará a situação em que o reú se encontre com seus deveres prestacionais no intuito de determinar o cumprimento de políticas públicas já existentes, porém, ineficazes.

Em face da judicialização da saúde e da problemática envolvendo a intervenção judicial em razão da omissão administrativa no cumprimento de medidas assistenciais, o ministro Gilmar Mendes demonstrou que a situação não se dava pela falta de políticas, pois elas eram existentes, mas sim, pela falta de êxito na execução destas por parte da Administração Pública - Executivo.

Nesse sentido, não cabe ao Judiciário criar novas políticas de acesso para que se faça valer os objetivos da Constituição, mas sim, é compatível com sua função determinar o cumprimento de ações públicas já existentes, aplicando multas diárias aos gestores pelo não cumprimento do Executivo na prestação de medidas.

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Uma das principais funções do Judiciário no Estado Democrático de Direito, além da defesa dos direitos fundamentais, é a sua concretização efetiva, ou seja, a aplicação da lei sobre um de- terminado viés, de forma a otimizar direitos reputados essenciais.

A problemática do fenômeno da judicialização da saúde se faz presente a partir da constatação de que questões como os direitos à vida e à própria saúde, o mínimo existencial, a separação dos Poderes e a falta de recursos se confrontam entre si. Nesse caso, o Judiciário é quem aparece como protagonista na tentativa de oferecer uma solução à população e garantir a força normativa constitucional.

No caso da CPI dos bingos - escândalo envolvendo o repasse de propina a donos de casas de bingos - foi possível verificar que o STF fez prevalecer o direito das minorias no Senado para instalar a CPI (MS nº 24.831-9/DF). Conforme ementa, percebe-se que o fenômeno tem influenciado decisões do Legislativo utilizando-se do Judiciário como uma ferramenta no jogo político.

E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - DIREITO DE OPOSIÇÃO - PRERROGATIVA DAS MINORIAS PARLAMENTARES - EXPRESSÃO DO POSTULADO DEMOCRÁTICO - DIREITO IMPREGNADO DE ESTATURA CONSTITUCIONAL - INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PARLAMENTAR E COMPOSIÇÃO DA RESPECTIVA CPI - TEMA QUE EXTRAVASA OS LIMITES "INTERNA CORPORIS" DAS CASAS LEGISLATIVAS - VIABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL - IMPOSSIBILIDADE DE A MAIORIA PARLAMENTAR FRUSTRAR, NO ÂMBITO DO CONGRESSO NACIONAL, O EXERCÍCIO, PELAS MINORIAS LEGISLATIVAS, DO DIREITO CONSTITUCIONAL À INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR (CF, ART. 58, § 3º) - MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO. CRIAÇÃO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO: REQUISITOS CONSTITUCIONAIS.

Ocorre que, em diversas outras demandas, a atuação do Judiciário se dá de forma imprecisa, como nos casos da demarcação das terras indígenas em Raposa Serra do Sol, no ano de 2005, em Roraima, onde uma operação policial visava a retirada de arrozoeiros da região por meio de violência. A manifestação violenta foi suspensa por decisão, porém, apenas mudaram os atores, pois outros trabalhadores rurais e pecuaristas também participaram de polo ativo em demandas de mesmo objeto. Em 2017, o STF fixou parâmetros acerca da definição das terras.

Nesse impasse, o processo de reconhecimento das terras indígenas durou anos, e muitos morreram diante dos conflitos internos. O posicionamento do Tribunal foi baseado em interesses políticos a ativismo. Outros casos envolvendo parlamentares, como o julgamento do ex-deputado José Dirceu e o “mando e desmando” de Renan Calheiros, que foi absolvido da acusação de desvio

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5 A SEPARAÇÃO DE PODERES NO BRASIL APÓS A CRFB/88

A partir da CRFB/88, a doutrina de separação dos poderes foi alçada à condição de princípio constitucional, ou seja, sua forma passou a ser entendida como um princípio estruturador da ordem política do estado e da esfera constitucional. O conteúdo normativo do Princípio da separação dos Poderes na Constituição Federativa de 1988 resta positivado em seu artigo segundo: “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (art. 2º CRFB/88).

A partir de uma análise do conjunto normativo, pode-se concluir que a Constituição estabeleceu situações que legitimam a atuação de um Poder sobre o outro, ou seja, hipóteses em que o próprio texto constitucional conferiu a possibilidade de um determinado poder exercer um controle sobre a atividade confiada a outro.

Exemplos dessa atuação fiscalizatória são vários, como os ins. IX e X do artigo 49 CRFB/88, que atribuem ao Congresso Nacional a competência exclusiva para “julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo”, bem como para: “fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da Administração”.

Isso sem contar a prerrogativa de que dispõe o Parlamento brasileiro para “convocar Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando em crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada” (CRFB/88, art. 50).

Sob outra perspectiva, mas também de modo a demonstrar a existência de outro mecanismo de controle recíproco entre os Poderes, é de se mencionar a possibilidade de o Presidente da República vetar, total ou parcialmente, o projeto de lei que considerar inconstitucional ou contrário ao interesse público (CF/88, art. 66).

Compreende-se, por fim, que separação de poderes é um princípio constitucional que confia funções governamentais a órgãos que devem atuar sob um viés cooperacional, mas com determinadas ressalvas para que não ocasionem desarmonia entre si, colocando em risco o próprio funcionamento da democracia.

6 CONCLUSÃO

Conclui-se, a partir da análise realizada, que, no contexto jurídico hodierno, o princípio da repartição de poderes precisa estar em paralelo com equilíbrio e ponderação para que garanta estabilidade política. É fato que o princípio tem fundamental importância na organização do Estado,

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tanto em termos organizativos, quanto na limitação e controle do poder, servindo, ainda, como instrumento garantidor das liberdades individuais e do próprio princípio democrático.

A partir da democratização, verifica-se uma nova roupagem da teoria de Montesquieu, onde a divisão de poderes é assegurada pela CRFB/88 de modo que exista equilíbrio e autonomia entre Executivo, Legislativo e Judiciário. O juiz atua de forma mais ativa, interpretando normas no caso concreto e até mesmo praticando ativismo judicial, diferentemente da “boca da lei” trazido pelo filósofo. Constatou-se, contudo, que cada vez mais o Judiciário assume uma posição protagonista entre os poderes na tentativa de suprir a omissão dos demais.

A judicialização não se confunde com o ativismo, na medida em que esta é promovida pela via judicial, como um bombardeio de demandas tratando acerca da necessidade de efetivação de direitos reputados fundamentais.

Já o ativismo judiciário, por sua vez, é uma tentativa de garantir a efetivação de um dispositivo legal, e também regulá-lo, tendo em vista que o magistrado pode vir a adicionar atitudes que o legislador deixou de tratar. Essa criatividade jurídica de ego independente dos gestores judiciais acaba por conferir maior legitimação à sua atuação, pois tem o objetivo de verificar a sentença mais favorável à concretização do direito fundamental. Isso pode ocasionar problemáticas que se inserem nos outros poderes.

A partir das hipóteses levantadas na pesquisa e no desenvolvimento do presente trabalho, pode-se afirmar que o fenômeno da judicializacão da política constitui-se em um movimento que fora internalizado no contexto jurídico brasileiro ante a ineficiência dos órgãos públicos no cumprimento de suas funções administrativas e ineficácia de políticas públicas voltadas ao acesso de direitos sociais, tendo a Constituição de 1988 proporcionado sua ampliação. Desse modo, o fenômeno reflete em uma propagação de procedimentos judiciais e abarrota os tribunais do país.

Em razão da problemática, é necessário viabilizar uma profunda reflexão acerca da temática, bem como dialogar com as diferentes esferas dos órgãos da Federação de modo a evitar ingerências indevidas do Judiciário na atuação dos demais poderes, e consequentemente, em aspectos centrais do funcionamento da democracia.

Diante disso, torna-se importante a compreensão de que a análise do processo legislativo deve viabilizar tendências de compartilhamento de atuação, de modo que os poderes se insiram em uma abordagem de dimensão mais significativa para a vida pública. Contudo, a atuação do Judiciário precisa se balizar por meio de limites ou parâmetros fixados, de modo que não corrompa as atribuições de Poder.

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REFERÊNCIAS

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PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra, 1989.

Referências

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