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A IMAGEM EM MOVIMENTO EXPANDIDA NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DIGITAIS

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Academic year: 2019

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DANIEL GRIZANTE DE ANDRADE

ANIMAÇÃO COMPUTADORIZADA

A IMAGEM EM MOVIMENTO EXPANDIDA NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DIGITAIS

Pós-Graduação em Comunicação e Semiót ica PUC–SP

Dissert ação apresent ada à Banca Examinadora da Pont if ícia Universidade Cat ólica de São Paulo, como exigência parcial para obt enção do t ít ulo de MESTRE em Comunicação e Semiót ica – Signo e Signif icação nas

Mí-dias, sob a orient ação da Prof essora Dout ora Giselle Beiguelman

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RESUMO

A presente dissertação tem como objetivo a pesquisa e mapeamento das mudanças sofri-das pela animação em seus processos criativos e produtivos com o crescente uso da computação e com o surgimento de novos meios de comunicação digitais. Devido à abrangência do termo ”a-nimação”, decidiu-se priorizar uma linha histórico-evolutiva do que conhecemos como cinema de

animação. Para tanto, foram analisadas obras contemporâneas de animação que utilizam a

tecno-logia computacional de forma inovadora para a linguagem, a exemplo de trabalhos de artistas como Mark Napier, Marius Watz, Zachary Lieberman, Ckoe, Hans Hoogerbrugge e Motomichi, além das séries de animaçãos para internet Stainboy, Ninjai e Cinema Bulbo e dos filmes Waking

life, Ryan, Ghost in the shell, entre outros. As análises deram-se a partir da constatação

deleuzia-na de que a imagem em movimento, da qual a animação não se distingue, é produção de pensa-mento e, portanto, resulta de uma sutil relação entre linguagem, meios, tecnologia, intenções poé-ticas, estéticas e formações époé-ticas, revelando verdadeiras formas de reflexão. A partir destas aná-lises, surgiram três grandes temas de suma importância para a compreensão desta animação pro-duzida mediante a utilização da computação: o movimento criado a partir de códigos de progra-mação, a imagem em movimento sintética e os novos meios de recepção da animação e sua influ-ência no processo criativo. Constatou-se que a animação, linguagem historicamente ligada aos meios tecnológicos, ocupa hoje lugar de destaque na atual produção audiovisual, já que suas a-bordagens do movimento são plenamente compatíveis com os conceitos contemporâneos de construção da imagem em movimento.

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ABSTRACT

The objective of this thesis is the research and mapping of the changes undergone by animation with the increased use of computer technology in the creative and productive processes and the advent of new digital communication media. Due to the range of the term animation, an historical-evolutive line known as authorial animation was priorized. For this, contemporary works of animation with innovative use of computer technology were analyzed, including works from artists such as Mark Napier, Marius Watz, Zachary Lieberman, Ckoe, Hans Hoogerbrugge and Motomichi Nakamura, as well as animation series for the Internet such as Stainboy, Ninjai and Cinema Bulbo, and movies such as Waking Life, Ryan, Ghost in the Shell Innocence, among others. The analysis is based on Deleuze’s theory of moving images (from which animation is not distinguished), as production of thought that result in a subtle relationship between language, media, technology, poetic intentions, esthetics and ethics, revealing true forms of reflection. From this analysis, three major themes, all extremely important for the comprehension of this kind of computer animation, emerged: the movement created through code, the synthetic moving image and the new media in animation and its influence on the creative process. It was established that Animation –a language historically connected with technological media - occupies today an im-portant place in current audiovisual production since its approach of movement is fully compati-ble with contemporary concepts of constructing moving images .

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SUMÁRIO

Introdução... 6

Capítulo 1 – Sobre o conceito de animação ... 10

Capítulo 2 – Animação e meios de comunicação digitais ... 22

Animações cíclicas: GIF animado ... 22

Animações vetoriais: Flash ... 27

Séries animadas na internet ... 35

A animação vinda dos games ... 44

Capítulo 3 – A imagem sintética da animação computadorizada. ... 47

Imagem foto-realista ... 50

Suspensão de níveis de realidade ... 53

Meta-imagem ... 66

Capítulo 4 – Interatividade e código ... 70

Interatividade em narrativas ... 72

Programação de comportamentos ... 80

Movimentos colaborativos ... 86

Movimentos autogenerativos ... 89

Animação “ao vivo” ... 95

Conclusão ... 100

Desilusões do movimento... 111

Bibliografia ... 118

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INTRODUÇÃO

A animação, criada no final do século XIX, sofreu diversas transformações durante seus aproximados 100 anos de existência, em grande parte devido à evolução da tecnologia, dos mate-riais e, conseqüentemente, das técnicas empregadas em sua realização. Desde a descoberta do uso da película de acetato – usada para desenhar com o auxílio da transparência – até a utilização da computação tridimensional, a linguagem alterou-se e hoje ocupa, com crescimento expandido, um lugar de importância nas diversas mídias e na produção cultural.

Ela se faz presente em quase todas as produções cinematográficas atuais; afinal, a cada filme produzido pela indústria do cinema, mais efeitos especiais são aplicados, mais cenários são construídos digitalmente e mais animações de movimentos impossíveis de se realizarem por ato-res reais são incluídos.

Basta ligarmos a televisão para ver que lá também a animação tornou-se fundamental; a-lém de em seu lugar mais tradicional, os desenhos animados matinais, ela ocupa espaço de impor-tância na publicidade, nas vinhetas promocionais, nos efeitos especiais dos seriados, nos telejor-nais, na programação visual dos canais. Na internet, ela também é comum: nas animações de si-tes, botões, banners e nas peças multimídia. Nas artes visuais, tem também seu lugar nos traba-lhos de artistas contemporâneos que lidam com o vídeo, cinema e com a arte computacional.

Segundo Lúcia Santaella, na pós-modernidade, “a cultura midiática propicia a circulação mais fluida e as articulações mais complexas dos níveis, gêneros e formas de cultura, produzindo o cruzamento de suas identidades”;1 assim, a animação parece-me sintomática de seu tempo pós-moderno – afinal, vê-se em constante movimento entre e sobre diversas propostas de trabalhos artísticos e comerciais e perde, assim, a noção de determinação de suas próprias fronteiras com as demais linguagens. Ocorre a diluição de seu uso em outros processos não familiares a sua prática comum, do modo que estávamos acostumados. É claro que esta diluição vem ocorrendo durante um longo espaço de tempo e, agora, estamos vivenciando um período no qual é possível perceber com certa nitidez as mudanças que a animação sofreu nos últimos anos.

1 SANTAELLA, L. (2003).

Culturas e artes do pós-humano: Da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo:

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A tecnologia digital revigorou-a, no final do século XX, não somente no que se refere às questões da estética do movimento animado, mas também nos processos de produção. Os pro-gramas de animação tridimensional e os propro-gramas de interpolação de movimento de imagens vetoriais, além de criarem novas questões sobre a imagem em movimento, também facilitaram e, de certa forma, democratizaram a criação e a produção de obras audiovisuais deste tipo.

Portanto, a tendência contemporânea é a crescente produção de animação por um número cada vez maior de profissionais e artistas de diversas áreas do conhecimento. É provável que cada vez mais vejamos a animação utilizada na comunicação audiovisual. Trata-se da democratização dos processos da animação ou, como nos explica Santaella, da mudança do papel de público para o de produtor cultural2 exercido pelas pessoas – que possibilitou essa mudança tão drástica na relação entre realizadores e público. Por este motivo, mais do que nunca, faz-se necessário o pen-samento crítico e teórico sobre a linguagem da animação e seu desenvolvimento, já que, em seus 100 anos de existência, pouco se produziu neste sentido. Salvo algumas boas exceções, a grande maioria da produção intelectual nesta área ficou restrita a estudos históricos, técnicos ou classifi-catórios, principalmente no que se refere à animação produzida no computador.

É com o intuito de contribuir com o pensamento teórico sobre a animação produzida na contemporaneidade que esta dissertação busca traçar um pensamento crítico sobre a produção recente e celebrar realizadores e sua obras, que exploram e pressionam os limites da animação com tudo o que lhes chega às mãos.

Mesmo diante deste universo de novas possibilidades que se apresentam, muitos animado-res continuam produzindo com base em antigos moldes, utilizando-se dos computadoanimado-res apenas como potencializadores dos já tradicionais processos de produção. Por outro lado, há esta série de criadores que vem produzindo animações digitais de forma exploratória e repensando a ani-mação diante das novas configurações que se apresentam, dentro e fora do universo da aniani-mação, como, por exemplo, Celia Eid e suas animações interativas não narrativas; Chris Landreth, com sua exploração da imagem tridimensional; Mamoru Oshii, com a discussão das relações de ho-mem versus máquina, expressa em longas animados de apuro técnico grandioso; Richard

Linkla-ter e Bob Sabiston e sua vetorização da vida; Mark Napier, com seus trabalhos colaborativos em ambientes de rede; Hans Hoogerbrugge e sua animação de séries interativas; entre outros. Com

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isso, aos poucos, a linguagem ganha novos aspectos, trava diálogo com outras linguagens e se estabelece como um dos modos mais comuns de produção e comunicação audiovisual da con-temporaneidade.3

É a partir da análise de alguns destes trabalhos, entre outros, e da produção de algumas a-nimações durante o processo de elaboração desta dissertação, que se buscou a pesquisa e mapea-mento das mudanças sofridas pela animação com o advento da tecnologia digital, em seu proces-so de produção e com o surgimento de novos meios de comunicação digitais nos quais a anima-ção pode ser vinculada.

O critério de seleção deste corpus levou em conta, em primeiro lugar, obras em animação

inscritas no âmbito do conceito de animação computadorizada, independentemente da área da

comunicação a que elas mais se vinculam. Isto implica que, para fazer parte deste corpus, as

animações deveriam usar de modo exploratório os recursos da computação. Em segundo lugar, deu-se preferência a produções que se aproximam do chamado cinema de animação, ou seja, animações que parecem seguir a linha evolutiva do desenho animado autoral e/ou da animação experimental e, em alguns casos, do entretenimento. Com isso, exclui-se uma vasta produção de animações relacionadas diretamente ao design e à publicidade, por exemplo.

Com a análise destas animações e posterior agrupamento de temas que surgiam aqui e ali, chegou-se a três temas predominantes, que nos pareceram de extrema importância para a com-preensão de aspectos distintos e importantes das mudanças desenvolvidas por esta nova anima-ção. São eles: a animação nos meios de comunicação digitais, a imagem sintética da animação computadorizada e a interatividade e o uso de código neste tipo de animação. Com isso, cria-se a abrangência da pesquisa em três níveis – um mais referente à relação entre linguagem, meios de comunicação e tecnologia; outro, em relação às qualidades da imagem em movimento resultantes do processo de produção da animação computacional; outro ainda, relacionado diretamente à matéria de construção da animação, no caso o código como fonte do movimento e suas implica-ções. Estes três temas são explorados em três capítulos desta dissertação, tendo como ponto de partida a análise das animações selecionadas: capítulos 2, 3 e 4.

3 A respeito do papel da animação na criação audiovisual contemporânea, ver capítulo 4, “Illusions”, de

MANOVICH, L. (2001). The Language of new media. Cambridge & Londres: MIT Press. E o ensaio de REYES,

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As análises, no interior destes temas, são também divididas em assuntos importantes para a compreensão da abrangência das mudanças proporcionadas pela animação computadorizada. Com efeito, são discutidos assuntos como as animações cíclicas e vetoriais, as séries online, o machinima; a imagem foto-realista, a suspensão de níveis de realidade e a meta-imagem na ani-mação; a interatividade em narrativas animadas, a programação de comportamentos para o mo-vimento, os movimentos colaborativos e autogenerativos; e, finalmente, a animação “ao vivo”.

O que será visto a partir daqui é um mapeamento analítico, crítico e abrangente sobre as-pectos distintos destas novas possibilidades na animação, tendo como ponto fundamental a dis-cussão do processo de realização das obras em questão e sua inserção nos meios de comunicação digitais. Os trabalhos realizados e as animações analisadas, em sua maioria, estão disponíveis no CD encartado a este volume. Os links de acesso às obras, caso tenham funcionamento online, estão também disponíveis no mesmo local.

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Capítulo 1

SOBRE O CONCEITO DE ANIMAÇÃO

Atualmente, ao se falar de animação, a grande maioria das pessoas parece compreender do que se está falando, e, rapidamente, associa-a às produções dos estúdios Disney, Pixar ou Aard-man, assim como àquelas assistidas em canais a cabo, como a Cartoon Network ou a Nickelode-on. No entanto, não somente nestes locais mais comuns ao imaginário sobre a animação é que ela está contida. Para as pessoas mais diretamente relacionadas ao uso do termo – seus artistas, pro-dutores e pesquisadores – o uso da palavra animação abrange um conjunto muito maior de possi-bilidades de realização. Ela é usada para qualquer tipo de imagem em movimento que não esteja inserida na chancela do cinema ou do vídeo, ainda que, atualmente, seja difícil encontrar filmes que não façam uso de efeitos especiais em algum momento; portanto, esta abordagem já se mos-tra ineficiente logo na conceituação inicial. A quantidade de manifestações da animação é gigan-tesca. Desde o motion graphic presente nos canais de televisão – como chamado no universo do design – até as imagens animadas na internet, feitas em flash ou constituídas por simples gifs, passando pelos desenhos animados de personagens vindos do cartum e, ainda, pelos trabalhos de arte tecnológica, realidades virtuais, videogames, efeitos especiais no cinema comercial, além de tantas outras manifestações que, na dúvida, são consideradas animação.

Durante seus mais de 100 anos de existência, diversos rótulos foram associados à anima-ção. No Brasil, durante muito tempo, foi comum o uso da expressão “desenho animado”. O termo até que dava conta, de certa forma, das manifestações mais conhecidas por aqui, geralmente as animações asssistidas pela televisão. Com o tempo, usou-se em menor número, principalmente entre especialistas e, no circuito dos festivais, o chamado “cinema de animação”, que dava conta de abarcar as manifestações de diversas técnicas e a animação como arte, assim como o cinema. Finalmente, nas últimas duas décadas do século XX, adotou-se ”animação”, este sim um termo muito mais abrangente, usado indiscriminadamente para qualquer tipo de manifestação audiovi-sual considerada não-cinema.

Em outros países, a escolha do vocabulário foi semelhante. No Reino Unido, até a segun-da metade segun-da décasegun-da de 1960, usava-se cartoon, semelhante ao nosso “desenho animado”, para

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a-marelo, a indústria cultural viu-se diante de uma manifestação de desenho animado com claro

apelo adulto, mesmo que isso viesse acontecendo já havia muito tempo, e passou a chamar toda produção mais adulta e experimental de animation.4

Christiane Paul, em seu livro Digital Art, fala da animação como um “gênero que resiste

às classificações, muito pelo fato de misturar disciplinas e técnicas e de ainda existir no limite entre entretenimento e arte”.5 A animação, surgida da mistura entre a técnica cinematográfica e o desenho, classicamente relacionado às artes plásticas, sempre se apresentou nos limites das fron-teiras entre arte, cinema e pura técnica artesanal. E hoje, com a dissolução de fronfron-teiras entre os próprios meios, mais do que nunca, ela sofre ao se posicionar como uma manifestação de carac-terísticas próprias, sendo considerada, em muitos casos, uma prática presente em diversos meios.

A dificuldade de compreensão do que é a animação dá-se até mesmo entre seus artistas. Dick Arnall, famoso animador britânico e uma das figuras que leva adiante a experimentação no campo da animação, fala da dificuldade em abranger sob o mesmo termo experiências como as animações da Pixar, um filme como Sin City6 ou as animações de seu projeto Animate!,7 devido ao fato de que a própria prática de produção destas obras, por seus resultados finais, ser tão dis-tinta, realizada para fins tão diversos. O autor propõe a “morte da animação”. Não daquela que vemos, mas sim do modo como é chamada. Idéias como as de Arnall encontram eco em diversos estudos desenvolvidos durante os últimos anos sob o impacto das novas mídias na prática da a-nimação.8

O professor e curador Mark Langer parte da teoria de Francis Fukuyama9 de que a histó-ria é composta de conflitos entre sistemas que competem, e de que a animação e o cinema eram sistemas que competiam até pouco tempo atrás; afinal, o entendimento de ambos era construído sobre a distinção entre a geração de imagem definida pela oposição entre um e outro, entre as imagens geradas sem referente e as imagens indexais. Uma oposição entre um cinema indicial e

4 ARNALL, D. (2005). [online]

Death to animation. Disponível em

http://www.animateonline.org/editorial/2005/08/death-to-animation. Acesso em 28/3/2007. 5 PAUL, C. (2003).

Digital art. Nova York: Thames & Hudson, p. 110.

6 2005. Dir. Frank Miller e Robert Rodriguez, Troublemaker Studios.

7 Animate! é um projeto do Arts Council England e do Channel 4 Television, que financia projetos de animação experimental no Reino Unido. http://www.animateonline.org/

8 ARNALL, D., op.cit.

9 No caso específico, o autor está usando a teoria exposta no livro

The end of History and the last man,

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um cinema simbólico. Com efeito, a partir do momento em que as tecnologias digitais tornaram esta distinção entre os dois sistemas quase nula, já que não se pode mais diferenciar com precisão quando uma imagem é referencial ou não, concretizou-se o fim da história de ambos, não devido à supremacia de um dos lados, mas pelo surgimento de um novo sistema.10 Langer aponta, aqui, para o cinema de filmes em que os efeitos especiais passam despercebidos pelo grande público. São filmes nos quais é significativa a importância do estatuto de verossimilhança das imagens animadas para que exista o efeito de construção perfeita de uma realidade, ainda que plenamente ficcional. Assim é com os dinossauros de Jurassic Park, os vôos, saltos, lutas e cenários de

Ma-trix, as grandes batalhas entre gigantescos exércitos em O senhor dos anéis, ou mesmo com o

saco plástico flutuando ao vento de Beleza americana,11 e em incontáveis outros filmes.

Para compreendermos melhor o problema da conceituação da animação com o advento da tecnologia digital, voltaremos um pouco no tempo e tentaremos buscar ao longo dele algumas constatações que possam nos ajudar.

A idéia de animação tem sua origem embrionária nas pesquisas sobre movimento e sobre a visão, datadas do final do século XIX, a partir do desenvolvimento de dispositivos óticos-mecânicos, como a lanterna mágica, a câmara escura, o fenaquistoscópio, o zootroscópio ou as experiências de cronofotografia de caráter científico de Étienne-Jules Marey e Eadweard Muy-bridge, além do famoso Teatro Óptico de Emile Reynaud, um dos grandes responsáveis pelo es-tabelecimento da animação quanto espetáculo. O desenvolvimento destas pesquisas seria impor-tante para o surgimento do cinema e da animação, que, num primeiro momento, apresentam-se numa progressão indistinta entre si, como se, precisamente, neste período da história, tanto um como a outra fossem a mesma coisa. Somente haveria alguma distinção no momento em que os cartunistas entraram no universo das imagens em movimento e desenvolveram o que conhecemos hoje como animação. Naquela época, estes profissionais do desenho dominavam várias páginas dos suplementos dominicais dos jornais, mundo afora, e se sentiram atraídos pela possibilidade de fazer com que seus desenhos se movimentassem. Foi com os trabalhos inaugurais dos

10 LANGER, M. (2002). [online]

The end of animation history. Disponível em

http://asifa.net/sas/articles/langer1.htm. Acesso em 28/3/2007. 11 Sobre os filmes:

Jurassic Park, 1993, dir. Steven Spielberg, Amblin Entertainment/Universal; The Matrix, 1999,

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nhistas James Stuart Blackton, Emile Cohl e Winsor McCay12 que a animação ganhou vida e tomou, então, um rumo diferente, porém paralelo ao cinema.

Enquanto nos Estados Unidos os desenhos eram animados em frente à câmera, na Alema-nha e no Leste europeu, durante o mesmo período, foi a tradição das marionetes que despontou a sua frente.13 Surgia o stop-motion – animação realizada com objetos tridimensionais, na mesma prática do quadro-a-quadro dos desenhos animados. Mesmo que, com o stop-motion, fosse per-mitido criar imagens animadas pela manipulação de objetos tridimensionais, e portanto físicos, o termo animação servia para ambas as técnicas – o que nos leva a pensar que a animação era com-preendida não pela imagem que era apresentada, mas pela natureza do movimento representado. Afinal, o que distinguia a animação do cinema era o fato de que, no primeiro, construía-se o mo-vimento pela manipulação quadro-a-quadro dos elementos a ser movimentados a partir de uma síntese de um movimento previamente analisado, ou em processo de análise. Já o segundo cons-truía o movimento a partir da captação de um movimento que ocorre por força própria, no qual a câmera, num processo mecânico, é responsável pela síntese de um movimento não analisado. Portanto, neste momento histórico, fica claro que o conceito de animação é construído a partir desta diferença de modo de construção do movimento em relação ao cinema – o que permitiu que diversas técnicas distantes do desenho fossem emolduradas no sistema da animação.

A partir de então, a animação foi expandindo seus limites. Apareceu em diversos traba-lhos experimentais que passavam longe da lógica dos cartuns. Trabalhava-se no âmbito do expe-rimentalismo abstrato, de materiais e suportes, de técnicas e conceitos da lógica do movimento. Conquistavam-se espaços nas artes plásticas, na programação comercial e na pesquisa científica, principalmente com a computação gráfica presente nos grandes centros de estudos em computa-ção. Com o crescente acesso às tecnologias de produção, a animação tomou contato com diversas outras áreas que pareciam distantes do universo da produção cinematográfica, e sua concepção começou mudar aos poucos sem que percebêssemos.

As fontes teóricas sobre animação oferecem diversas respostas para a difícil questão do real significado da palavra. Difícil, pois, se colocássemos três televisores, dois mostrando filmes

12 Os filmes inaugurais são, respectivamente:

Humorous phases of funny faces (1906), Fantasmagoria (1908) e Little Nemo (1911).

13 BARBOSA JÚNIOR, A.L. (2002).

Arte da animação, técnica e estética através da história. São Paulo:Editora

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de cinema e um de animação, possivelmente qualquer pessoa saberia apontar qual deles é uma animação (desconsiderando hoje as animações em computação gráfica de alta semelhança com a realidade fotográfica); no entanto, quase ninguém conseguiria formular uma resposta compreen-sível a esta pergunta.

Gene Deitch, um dos artistas remanescentes dos estúdios da UPA14, formula uma resposta que considero a mais representativa do que se acreditou ser a animação durante muito tempo: “O registro de fases da ação imaginada, criadas individualmente e de modo que atinja a ilusão de movimento quando exibido num constante e predeterminado ritmo, ultrapassando aquele da per-sistência da visão humana”.15

No entanto, Deitch deixa de fora desta formulação uma idéia do senso comum referente à animação como gênero. E ainda coloca a persistência da visão humana como fator determinante, ainda que saibamos, hoje, que o movimento cinemático não se dá por este fenômeno e sim por outro, chamado phi, um fenômeno psíquico no qual duas imagens ligeiramente distintas, exibidas

uma após a outra, com um intervalo de tempo determinado, resulta em que a percebamos como uma única imagem.16

Para Charles Solomon17, “a animação não é a arte dos desenhos que se movimentam, mas sim a arte dos movimentos que são desenhados. O que ocorre entre cada quadro é mais importan-te do que ocorre em cada um”

Dada a necessidade de avaliar a validade das diversas idéias relacionadas à animação du-rante sua história, decidi juntar os elementos constantes nas formulações encontradas às idéias sobre a animação presentes no senso comum, aqui representado pela definição de dicionários. Foi montada, então, uma formulação geral, abrangente, em que a animação seria:

14 A United Productions of America foi um estúdio criado na década de 1940, famoso por seu estilo gráfico e pela animação limitada que desenvolveu, em oposição ao estilo Disney, que vigorava na época.

15 DEITCH, G. (2001). [online]

Animation – What the heck is it? Artigo publicado pela Animation World Network.

Disponível em http://mag.awn.com/index.php?ltype=cat&category1=Tutorials&article_no=630. Acesso em 15/5/2006. Tradução nossa.

16 VERNON, apud MACHADO, A. (1997).

Pré-cinemas & pós-cinemas São Paulo: Papirus, p. 20.

17 SOLOMON, apud WELLS, P. (1998).

Understanding animation. Nova York: Routledge, Taylor & Francis Group.

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Gênero cinematográfico no qual se dá a ilusão de vida a imagens estáticas a partir da

movimentação artificial num processo quadro-a-quadro, pela sobreposição destas em relação

ao tempo.

Antes de continuarmos, faz-se necessária a explicação de alguns termos mais técnicos re-lacionados ao processo de construção da animação presentes nesta formulação colocada, que se-rão utilizados ao longo da dissertação. Na animação clássica, as imagens a ser sobrepostas em relação a um tempo são chamadas “quadro”. “Quadro-a-quadro” significa que, para realizar a animação, o animador deverá montar um quadro por vez, numa seqüência lógica do movimento em relação ao tempo convencionado para que a ação se realize. Para efeitos de simplificação da compreensão deste texto,convencionou-se pensar na relação 24 quadros para cada segundo de animação. Esta escolha deu-se pelo fato de este número ser usado para as projeções cinematográ-ficas em película. Note-se, no entanto, que ele pode variar conforme quesitos técnicos de cada tecnologia empregada para a reprodução de imagem em movimento. Assim, na televisão, sistema NTSC, utilizam-se aproximados 30 quadros por segundo. Nos sistema PAL, 25 quadros. Ainda assim, muitos animadores escolhem relações temporais distintas de acordo com sua necessidade e, posteriormente, convertem-na para os formatos de exibição. É o caso da animação publicitária, por exemplo, que utiliza normalmente 15 quadros por segundo, ou de animadores independentes, como Bill Plympton, que, para facilitar seu trabalho solitário, utiliza seis quadros por segundo. Animadores que trabalham com web, normalmente, fazem suas animações em 12 quadros por segundo.18

O uso da palavra “imagem” na formulação do conceito de animação, ao invés de desenho, por exemplo, dá-se devido ao fato de existirem diversos tipos de animações com técnicas varia-das. Portanto, nem sempre as animações são compostas de desenhos. Um claro exemplo disto é o stop-motion, em que os objetos é que serão animados. Assim, a palavra “imagem” abrange toda e qualquer imagem captada, seja de um desenho, de um boneco, ou mesmo de um ser vivo.

Voltemos ao conceito de animação. Comecemos a análise desta formulação logo pelo iní-cio, ou seja, a animação quanto “gênero cinematográfico”. Muitas vezes, a animação foi compre-endida como parte constituinte do cinema e, então, colocada como um gênero deste – conceito

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este vigente no senso comum. Assim como existe a comédia, a ficção, o drama, o film noir, o western, o suspense, o terror, a comédia romântica, o épico etc, existiria também o gênero anima-ção, fato que pode ser atestado até hoje em locadoras de filmes menos esclarecidas, ou em críti-cas publicadas em jornais.

A construção dos gêneros usa como critério o conteúdo dos filmes, ou seja, depende da constituição das narrativas. É verdade que, em alguns casos, um tipo específico de narrativa pos-sui recursos visuais próprios, como é o caso do film noir ou do western. Portanto, poderíamos pensar na construção dos gêneros a partir de dois critérios, o primeiro, mais importante, é a narra-tiva (inclui-se aqui o conteúdo da história a ser contada e o modo como é tratado o tema). O crité-rio secundácrité-rio, portanto complementar, seriam os recursos visuais presentes.

Fica claro que a animação pode manifestar qualquer tipo de narrativa e, portanto, pode ser qualquer um destes gêneros, ao mesmo tempo em que é animação. Apenas difere dos demais por seus recursos visuais particulares. Esta distinção não ocorre somente quanto a estes, mas há outra diferença que nos parece mais importante: o modo de realização cinematográfica, ou seja, o pro-cesso de construção da imagem em movimento. Ainda que clara a não-adequação da animação às estruturas do gênero, a idéia de animação como pertencente a este sistema cinematográfico ainda permanece no senso comum. No entanto, percebe-se que a animação não se adapta aos critérios estabelecidos pela lógica do sistema de gêneros no cinema como uma de suas possibilidades iso-ladas.

Dando continuidade a nossa análise da formulação proposta, a idéia que segue é a da a-nimação como “ilusão da vida”. De fato, o termo tem suas origens no início do século XX e vem do latim animare, que significa “dar vida a”. No início dos anos 80, um célebre livro lançava e

confirmava em público a idéia de animação desenvolvida pelos estúdios Disney, reiterada pela grande fama do estúdio norte-americano, tanto por suas produções comerciais como por sua pes-quisa e desenvolvimento significativos no que se refere à técnica da animação. O conceito então lançado por Ollie Johnston e Frank Thomas era de que a animação seria a ilusão da vida,19 o dar vida ao inanimado. A idéia é que o artista-animador, por meio da manipulação seqüencial da i-magem, criaria a ilusão da vida.

19 JOHNSTON, O. e THOMAS, F. (1995)

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O conceito então tido como verdadeiro mostra-se insuficiente para abarcar todas as for-mas de manifestação animada; afinal, basta lembrar que, no cinema, aquele mesmo, usado na diferenciação à animação para efeitos de compreensão de ambos, é composto de imagens estáti-cas, fotogramas, que, dentro do aparato tecnológico, constroem o movimento ao sintetizar a aná-lise registrada anteriormente. Também a técnica da rotoscopia, na qual a animação é realizada sobre material previamente registrado a partir de movimentos espontâneos, é considerada anima-ção; no entanto não é o artista-animador que manipula a imagem quadro-a-quadro, da forma con-ceitual pura, e sim a máquina. Há um processo intermediário, algo que, talvez, para aqueles que acreditam neste conceito, tirasse a pureza da complexidade da linguagem da animação.

Levando-se em conta a pequena confusão entre idéia de ilusão de vida e a idéia de cine-ma, chegamos então à noção de que esta ilusão de vida específica da animação seja dada pelo fato de os animadores construírem as imagens que ganharão movimento a partir da análise do movimento, num processo de escolha de momentos específicos necessários para o movimento, pela sobreposição de momentos únicos, de poses que, colocadas em seqüência, dariam a ilusão de movimento, já que, se usado o movimento espontâneo, teríamos o cinema.

Em seus comentários sobre A evolução criadora e Matière e mémoire de Bergson,

Deleu-ze afirma que a animação seria, assim como o cinema, composta de instantes quaisquer, de forma oposta à idéia clássica do movimento construído a partir de momentos únicos, que resultariam na ilusão do movimento. Afirma:

[...] se ele [o desenho animado] pertence inteiramente ao cinema é porque aqui o desenho não constitui mais uma pose ou uma figura acabada, mas a descrição de uma figura que está sempre sendo feita e desfeita, através do movimento de linhas e de pontos tomados em momentos quaisquer de seu trajeto. O desenho animado remete a uma geometria cartesiana e não uma ge-ometria euclidiana. Ela não nos apresenta uma figura descrita num momento único, mas a con-tinuidade do movimento que descreve a figura.20

20 DELEUZE, G. (1985).

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Deleuze constata, então, que se o cinema, e, portanto a animação, não é movimento cons-tituído de momentos únicos e sim de instantes quaisquer; ele “[...] não seria mais o aparelho aper-feiçoado da mais velha ilusão, mas, ao contrário, o órgão da nova realidade a ser aperfeiçoada.21

Para os animadores, a idéia de instantes quaisquer pode parecer, a princípio, equivocada; afinal, no ofício da animação, trabalha-se normalmente com o conceito de quadro-chave, prática que persiste até hoje nos programas de animação computadorizada. Os quadros-chave são mo-mentos especiais do movimento. São momo-mentos de saída e de chegada, ápice ou base. Por exem-plo, numa caminhada, os momentos de quadro-chave são: a posição em que a pessoa está mais baixa e a que está mais alta; o momento em que o pé toca o chão e em que sai do chão; os ângu-los máximos de abertura das pernas e braços; os momentos médios de transição entre os extremos.

A princípio, parece-nos então que a animação é constituída de momentos únicos, de ins-tantes especiais que constroem o movimento. No entanto, nem só destes insins-tantes é feita a anima-ção. Encontrados os momentos especiais, o passo seguinte na concretização de uma animação é a construção dos desenhos intermediários.22 Aí, sim, a hipótese levantada por Bergson e compre-endida por Deleuze parece correta; afinal, se a animação fosse composta de momentos únicos, como pode parecer, haveria uma hierarquia das imagens na construção do movimentona qual as imagens dos quadros-chave seriam mais importantes que as imagens intermediárias. Não é isso que ocorre.

Os instantes privilegiados não são, na prática da animação, todos os 24 desenhos que compõem um segundo de movimento; são somente aqueles momentos especiais, de síntese do movimento sugerido. Digamos que sejam aproximadamentes 1/3 do total de desenhos. Os outros 2/3 são os desenhos intermediários. Se fizéssemos um teste para verificar a importância dos dese-nhos e retirássemos apenas um deles da seqüência, descobriríamos que o movimento não se con-cretiza ou, ao menos, algo fica fora de ordem. Portanto, todos os instantes que compõem o mo-vimento animado são necessários. Não há uma hierarquia dos quadros no momo-vimento construído. Agora, sim, finalmente, chegamos à confirmação da hipótese colocada: a animação é composta

21 Idem, op. cit.

22 O método de animação aqui apresentado não é o único existente e sim o mais utilizado, conhecido como

Pose to pose. Existem outros como o Straight Ahead, em que não se utiliza o conceito de quadro-chave. Para informações

mais precisas sobre os métodos, verificar WILLIANS, R. (2001). The Animator's Survival Kit. Nova York: Faber

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do instante qualquer. Fica descartada então a idéia de ilusão da vida proposta pelos artistas da Disney. O resultante de uma animação não é uma ilusão, é uma realidade com existência própria. É com que parece concordar Maria Estela Graça, ao afirmar que “o filme estaria no mundo no mesmo nível do espectador, tal como o mundo está no filme, naqueles que o observam e naqueles que o fizeram. A expressão e a presença tomariam o lugar da representação”.23

Constatar isso é dizer que o cinema é muito mais que representação, é falar na imagem como pensamento puro, na imagem com existência própria, fundada num sistema específico. Sendo assim, a animação, assim como o cinema, seria capaz de criar novas realidades modifica-das e, portanto, muito de nossos problemas quanto ao que seja a animação poderiam ser resolvi-dos. Afinal, se não há diferença entre cinema e animação, pois ambos são compostos dos tais instantes quaisquer, então a idéia formulada por Bergson e atualizada por Deleuze cabe perfeita-mente em nossa atual compreensão de ambos os sistemas como um único, com base na qual fica mais e mais impossível estabelecer a distinção entre o que é animação e o que é cinema. Desta forma, um dos critérios mais amplamente difundidos e aceitos para a conceituação da animação cairia por terra, pois a concepção que a diferenciava do cinema – que se tratava de uma criação a partir da síntese do movimento, de uma ilusão da vida – não pode mais ser aplicada.

Então, restaria apenas a idéia de que o particular na animação seria a imagem em movi-mento, produzida por um processo manual quadro-a-quadro. Neste sentido, os animadores são exemplo de um antropocentrismo extremo, que vem perdendo força nas últimas décadas, mas que teve importância significativa em boa parte do século passado. Os animadores, como manipula-dores deste processo de quadro-a-quadro, muitas vezes colocaram-se como os criamanipula-dores mais puros, já que se acreditava que a animação dava vida às coisas. Movimentar é dar existência viva. Animar, afinal, como se dizia, é “dar vida a”.

Ao longo dos séculos, o homem percebeu que já não é tão necessário para a existência das coisas; sabemos, hoje, que não somos o centro, que não existe o gênio criativo. Se este sentimen-to já faz parte de nossa cultura, não poderia ser diferente com a animação. Sinsentimen-tomático deste tempo citado, a animação hoje também parece não depender tanto do gênio criativo do artista e, é claro, que isso pode e deve ser relacionado também ao advento da tecnologia digital.

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A pesquisa aqui apresentada pretende abranger um panorama das modificações sofridas pela animação, hoje, com o advento da computação. Esse panorama será apresentado nos capítu-los 2, “Animação nos meios de comunicação digitais”; 3 “A imagem sintética da animação com-putadorizada”.; e 4, “Interatividade e código”. No entanto, antecipo resumidamente alguns tipos atuais de animação que nos ajudam a compreender por que pensar a impossibilidade de compre-endê-la como processo quadro-a-quadro, já que se trata de práticas de animação nas quais esta relação foi modificada drasticamente. Identifico aqui apenas dois exemplos para ilustrar a ques-tão: animações algorítmicas e a interpolação de movimento.

Animação algorítmica é toda aquela que, no âmbito da operação da informação digital, é produzida a partir de rotinas autogenerativas – ou seja, os movimentos são produzidos a partir de algoritmos matemáticos constituídos de regras especificadas pelo programador. Aqui, não exis-tem quadros-chave, apenas uma rotina de um movimento com existência própria que obedece a regras particulares e se movimenta por conta própria. Já na interpolação de movimento, processo comum a todos programas de animação computacional, existe o quadro-chave. No entanto, con-siste na produção automática, por meio da máquina, das imagens intermediárias aos quadros-chave. Assim ocorre na computação gráfica tridimensional e na vetorial. Não é mais o artista quem participa do processo quadro-a-quadro, mas processos internalizados na máquina são res-ponsáveis por grande parte do trabalho.

Seriam estas consideradas animações? Mais uma vez, o senso comum aprova, e até mes-mo animadores profissionais diriam que se trata de uma animação. Pois bem, parece-nos então que, hoje, não se pode dizer que uma das características que diferencia a animação seja a opera-ção quadro-a-quadro. Mais uma vez, nosso conceito é desqualificado.

Completamos, então, a análise do que conhecemos por animação nos antigos moldes. Per-cebe-se que os problemas com o termo são muitos, e as dúvidas em relação a sua utilização ocor-rem agora com força renovada, devido às novas possibilidades abertas pela computação. A ani-mação, mais do que nunca, mostra-se tão amplamente usada e discutida nas mais diversas mídias que a dificuldade que temos em conceituá-la parece até natural, já que, nitidamente, trata-se de uma época de transição entre valores que definem as muitas áreas da comunicação.

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encontra-mos em pleno processo de mudança. Com efeito, decidiu-se pela convenção, enquanto ainda po-demos nos lembrar do que foi a animação. Acrescentamos a palavra ”computadorizada” com o intuito de separar uma porção das manifestações que estejam trabalhando diretamente no ambien-te computacional e que sejam apenas possíveis no âmbito de uma cultura digital, de rede, de có-digo. A opção de não usar “animação digital” deve-se, principalmente, ao fato de que toda e qualquer produção atual está inserida, de certa forma, no âmbito da tecnologia digital, seja na finalização, na distribuição, ou na própria produção. O uso de “computadorizada” parece-me mais diretamente ligado às características que serviram de critério para a escolha dos trabalhos estudados neste espaço.

Utilizou-se também a sugestão dada de modo provisório por Dick Arnall, para se referir a esta nova produção audiovisual: the extended moving image,24 ou, como se observa no subtítulo

deste trabalho, “a imagem em movimento expandida”.

O que se segue é um estudo analítico e crítico da abrangência das manifestações desta i-magem em movimento expandida, que deve contribuir para a reflexão do que é a animação hoje e do que pode ser da animação num futuro próximo. Antes de resolver qualquer problema sobre o que seja, afinal, a animação, o texto que segue pretende lançar mais elementos nesta discussão.

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Capítulo 2

ANIMAÇÃO NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DIGITAIS

A tecnologia digital não só alterou a prática da animação, mas também permitiu o cresci-mento exponencial de novos meios de comunicação digitais que vêm transformando a animação em seus formatos e conteúdos. A cada novo meio que permite a utilização de relações espaço-temporais, a animação adapta-se, para ser inserida, e hoje, quase sempre, temos sua presença garantida.

Se, durante os 100 anos da história da animação escrita durante o século XX, ela esteve, na maior parte do tempo, vinculada ao meio cinematográfico e, posteriormente, à televisão, a partir do final do século, durante a década de 1990 e no início do século XXI, a explosão de for-matos e novos meios fez com que fosse vista nas mais diversas mídias, em diversos usos. Mas o que nos interessa aqui não é o modo pelo qual essa expansão ocorreu e sim as mudanças da ani-mação devido às relações de mútua influência entre novo meio-tecnologia-linguagem, mesmo que não saibamos a ordem pela qual estes três vetores entram em ação para efetuar uma mudança significativa no que conhecemos como animação. A cada novo meio que permite a exibição de animações e a cada nova tecnologia, percebe-se também uma mudança na linguagem. São aspec-tos do movimento criado na animação que se tornam mais ou menos inclinados para cada tipo de novo meio.

Definitivamente, um dos meios que mais apresentou novas formas da animação foi a in-ternet, e devemos a ela, em grande parte, o crescimento da atenção dada à animação neste início de século XXI.

Animações cíclicas: GIF animado

Uma das primeiras possibilidades da animação no âmbito da web foi o GIF25 animado. Este tipo de formato de animação nada mais é do que um único arquivo digital de imagem no

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qual se armazenam diversas imagens que são apresentadas numa relação de tempo, ou seja, esti-pula-se um valor para que o arquivo mude da imagem de visualização para a próxima imagem na ordem estabelecida pelo animador, como se fosse uma rápida apresentação de slides temporizada. O formato de imagens GIF permite o uso de até 256 cores e, portanto, necessita de poucos bytes para ser construída. Com isso, e como no início do uso da internet a velocidade de transmissão das informações era muito lenta, o formato GIF mostrou-se um modo eficiente de apresentação de imagens em movimento nesse novo meio. As animações neste formato deveriam ser simples, para que pudessem ser visualizadas mais facilmente, com maior rapidez.

Ainda que, hoje, a velocidade de transmissão de dados da internet esteja muito maior que naqueles meses iniciais, algumas características do GIF persistem e nos permitem analisar com maior precisão o que é a animação realizada neste formato, mesmo que, atualmente, o GIF seja mais um recurso mantido por nostalgia daqueles que cresceram acessando a internet. Afinal, ou-tros formatos permitem uma aproximação mais diversificada com a animação no ambiente da web.

Alguns aspectos do GIF fazem com que ele tenha características muito próprias, que in-fluenciam no processo de criação e na recepção. Se pensarmos no movimento criador, os forma-tos de arquivos podem ser entendidos como matéria, compreendida aqui como “tudo aquilo a que o artista recorre para a concretização da obra”.26 A matéria apresenta resistências, ou seja, limites que se colocam como uma função dicotômica: a) oferecer barreiras para a concretização de um projeto poético; e b) oferecer direcionamentos para a criação. O formato GIF apresenta suas limi-tações materiais bem claras: usa 256 cores; é constituído de imagens bitmap27; trata-se de um

arquivo leve e de carregamento rápido; e, finalmente, é cíclico.

As animações cíclicas são aquelas que, ao final de seu movimento, retornam ao início construindo assim um movimento contínuo, que tende ao infinito. Durante toda a história da ani-mação,o movimento cíclico sempre foi usado e muito explorado. Em aparelhos como o

fenas-quistiscópio (1832), de Joseph Plateau,28 e o praxinoscópio (1877), de Émile Reynaud,29 o uso

26 SALLES, C.A. (1998).

Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Fapesp / Annablume, p. 66.

27 Mapa de bits. Tipo de imagem construída a partir da descrição de cada pixel que a constitui. 28 MANNONI, L. (2003).

A grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema. São Paulo: Editora Unesp,

p. 221.

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de animação cíclica era extremamente necessário, já que se tratava de animações construídas com poucos desenhos – 16 na primeira e 12 na segunda – e que, para ser visualizadas com maior rigor, deveriam prolongar seu movimento por mais tempo, além, é claro, dos aparelhos funcionarem numa lógica mecânica da roda.

Mais tarde, quando a animação invadiu os televisores e a concorrência no que se refere a angariar o público infantil acirrou-se, houve a necessidade de agilizar o processo de produção das séries animadas. Mais uma vez, recorreu-se às animações com movimento cíclico, pois, com poucos desenhos, era possível criar um longo movimento que poderia ser usado livremente du-rante todo o episódio e – por que não? –, por toda a série.

Para uma animação tornar-se cíclica, ela deve ser planejada para tal. O planejamento consta em construir o movimento para que, ao final, ele se reinicie. Assim, em animações que usam desenhos, o último desenho da seqüência deve ser o antecessor do primeiro, de modo que a continuidade ocorra. Em animações interpoladas pelo computador, a posição final dever ser in-terpolada para a posição inicial. É sempre assim: uma ligação animada entre a última parte do movimento e a primeira.

O funcionamento dos arquivos em formato GIF é cíclico. Assim que a última imagem é mostrada, volta-se para a primeira, continuamente. Mesmo que a animação não seja planejada para ser cíclica, quando colocada num arquivo GIF animado ela será apresentada em relação de continuidade. Deste modo, toda animação em formato GIF animado ganha uma característica: a repetição. Os movimentos neste formato são sempre repetições e nos inclinam a assumir valores relacionados a isto, como, por exemplo, o tédio, a rotina, o infinito, a teimosia, a obstinação e a vida – afinal, esta é constituída de diversos ciclos: ciclos de procriação, sistemas orgânicos cícli-cos como o respiratório, o circulatório, o digestivo, os ciclos das estações do ano e outros ciclos na natureza.

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Em Corrimento,30 uma animação realizada para o projeto Calhau31 durante esta pesquisa,

a idéia do ciclo torna-se importante para a constituição do sentido do trabalho. A animação con-siste em um banner32 em GIF e em Flash, que deveria se adequar às normas de visualização e peso estabelecidas pelos sites participantes do projeto. Afora isto, bastava saber que os banners seriam inseridos diretamente nos espaços ocupados pela publicidade, em páginas de serviços no-ticiosos.Deste modo, a idéia de Corrimento foi trabalhar com as particularidades dessa mídia

es-pecífica e com a prática de acesso a este tipo de site.

Os banners animados são sempre cíclicos; afinal, trata-se de um objeto inserido em pági-nas web com seu tempo de visualização dependente de sistemas de rotatividade inscritos no pró-prio site ou do tempo de acesso estabelecido pelo visitante. Por este motivo, a animação realizada é cíclica. Trata-se do desenho de uma silhueta humanóide vazada, centralizada e isolada. Aos poucos, dois fios de sangue correm a partir de onde seriam suas narinas. Este sangue desce até a base da silhueta e começa a preencher seu espaço vazado até que o complete, e, finalmente, a silhueta se esvazia, retornando ao início.

A idéia, então, era subverter a mensagem publicitária realizando um banner que não ofe-recesse nenhuma mensagem prática, direta. Trata-se de uma animação mais contemplativa, que faz com que a curiosidade se volte para a revelação do que está ocorrendo, objetivando, assim, mudar o tempo de visualização comum deste tipo de página informativa; ao mesmo tempo, tam-bém chama a atenção pelo uso de cores claras e pela ausência de texto, já que as mensagens pu-blicitárias em banners, normalmente, vinculam cores fortes e texto evidente.

A imagem criada dá lugar a reflexões investigativas narrativas. O motivo do sangramento, a internalização ou externalização do corrimento etc. Aqui, a animação cíclica transforma a ação em uma ação corriqueira: não se trata apenas da repetição da animação, mas da recorrência do corrimento ad infinitum. A animação, no caso deste banner, possibilitou a criação de um trecho

narrativo que suscita questões, devido à criação de uma imagem misteriosa que não se resolve e que se mostra recorrente. O resultado é um processo de contemplação e posterior angústia.

30 Esta animação pode ser encontrada na mídia encartada no final deste volume.

31 O Projeto Calhau é uma infiltração que ocupa os buracos da programação de anúncios de serviços noticiosos on-line, com banners criados por artistas convidados. Mais informações em

http://netart.incubadora.fapesp.br/portal/calhau

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Animações vet oriais: Flash

Outros formatos de igual importância também surgiram na internet, como as animações em Flash. O Macromedia Flash é um programa de animação vetorial para internet lançado em 1996. Originalmente criado para o desenvolvimento de sites com animação interativa, o Flash acabou sendo adotado pelos animadores que, antes, desenhavam no papel e se sentiram diminuí-dos com a ascensão da animação em softwares 3D. Mais do que isso, o Flash passou a ser uma ferramenta de acesso simplificado para uma multidão de pessoas que passou a realizar desde pequenas animações para sites até experiências interativas, séries de animação online ou, mesmo, produções tradicionais de animação, como filmes e séries para a televisão.

A rápida ascensão do Flash deve-se primeiramente, a meu ver, a seu pioneirismo no uso de animações vetoriais; em segundo lugar, por seu modo intuitivo de lidar com a animação, com ferramentas de fácil acesso e operações que permitem a facilitação do processo de criação do movimento.

A utilização da imagem vetorial foi um modo inteligente de pensar uma forma de realizar animações para a internet sem que fosse necessário o uso de pesadas imagens bitmaps. A imagem

vetorial é construída a partir de vetores matemáticos, ou seja, ao invés de termos uma imagem construída a partir de informações pixel a pixel, temos uma imagem construída a partir da relação entre pontos, de vetores que constroem a imagem. Ao invés de armazenar dados para cada um dos pixels da imagem, o computador armazena informações de lógica de construção matemática, possibilitando que o arquivo utilize uma quantidade de bytes muito menor. Já que se trata de uma imagem matemática, possibilita também a modificação dessas imagens por meio da alteração de valores destas informações lógicas.

O Flash foi responsável pela introdução de diversas ferramentas inovadoras para a anima-ção 2D, mesmo que este não fosse o objetivo central dos produtores do software. O mais impor-tante, certamente, é a interpolação automática de movimento em dois níveis: a interpolação de objetos e a interpolação shape, na qual o software calcula as imagens intermediárias da animação

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intermediárias desta esfera e, assim, construa um movimento de acordo com o sistema da animação.

Outro importante recurso disponível que se apresentou ao animador foi a ferramenta de desenho do software. Com ela, os traços podem receber características que auxiliam na qualidade do desenho. O traço, no momento de sua realização, pode ser automaticamente suavizado pelo software que, ao reforçar as curvas e eliminar a linha quebrada, faz com que o desenho fique mais arredondado e leve. O mesmo recurso pode ser mudado para que o traço, ao invés de reforçar as curvas, reforce as linhas retas e quebras. Mesmo depois de o desenho ser realizado vetorialmente, é possível ainda aplicar suavizações de curvas ou de retas, eliminar pontos, simplificar a imagem etc.

Ainda pensando sobre os recursos do Macromedia Flash, dois itens merecem ser comen-tados: a biblioteca de objetos e o ActionScript.33 Este último é uma linguagem de programação

orientada para objetos dentro do próprio software e integrada a produção de animações. Isso per-mitiu ao Flash introduzir interatividade em suas animações 2D.

A biblioteca do Flash permite armazenar todos os objetos utilizados na animação para que possam ser reutilizados sempre que necessário. Com o uso da biblioteca, o software faz com que seus arquivos de animações sejam relativamente menores no que se refere à quantidade de bytes utilizados. Afinal, um objeto guardado nela pode ser utilizado várias vezes, mas apenas armaze-nado uma vez na memória do computador.

Apresentados os principais recursos disponíveis no Flash, basta lembrar agora do que ha-víamos dito anteriormente ao falar do GIF: as mudanças ocorrem em três níveis sobrepostos – meio-tecnologia-linguagem. Assim, estes recursos apresentados anteriormente não passaram ape-nas como inovações no aprimoramento qualitativo e produtivo do processo da animação, mas também influenciaram (ou foram influenciados?) por novos modos de pensar a animação, sua adequação a novos meios e a novas possibilidades estéticas.

A verdade é que, depois do Flash, não podemos mais conceber a animação 2D da mesma forma como a concebíamos no processo tradicional, mesmo sabendo que este já utilizava

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sos digitais, pois os softwares de aprimoramento do processo de animação já eram conhecidos desde os anos 1980.

O uso do Macromedia Flash, com suas ferramentas de desenho e animação vetorial, para-lelo à qualidade técnica dos novos meios (internet, principalmente) pode ser apontado como si-multâneo a um fenômeno ocorrido na animação 2D e no cartum: a simplificação das formas, dos movimentos, das cores e até das narrativas.

Os dois tipos de interpolação de movimento no Flash necessitam da simplicidade das formas para melhor funcionar. Se a escolha é pela tradição da animação limitada e, portanto, pela interpolação de objetos, os personagens devem ser separados por peças; então, seu desenho per-mite formas mais regulares, imagens simplificadas. Se a escolha é pela interpolação de formas, os desenhos devem também ser simples na forma, porém a quantidade de detalhes deve ser muito menor. Os recursos de automatização oferecidos no processo da animação do Flash levam a um design de personagens específico. Trata-se de adequações do design para o bom funcionamento da lógica do software.

Assim, o comentado fenômeno acabou por criar um verdadeiro segmento na criação de personagens. Chamado de design contemporâneo de personagens, este estilo surgiu a partir da cultura dos ícones, pictogramas e infográficos, amplamente estudados pelos designers como as formas mais simples possíveis de representar universalmente alguma informação.

A exploração desta simplicidade gráfica, reduzindo a imagem e o movimento a poucas in-formações, é um dos assuntos mais interessantes do trabalho de Motomichi Nakamura.34 O artista japonês radicado nos Estados Unidos, trabalha apenas com três cores: preto, branco e vermelho. Há ausência de detalhes em seus personagens – aproximam-se muito dos pictogramas. A univer-salidade da imagem criada por Motomichi permite que seu trabalho estenda-se por diversos mei-os; assim, há manifestações suas em camisetas, pinturas, impressões em grande formato e anima-ções. Sua produção de imagens em movimento difunde-se, indiscriminadamente, por videocli-pes, games, vídeos promocionais, VJing35 e instalações em galerias de arte e festivais de novas

mídias.

34 No site do artista é possível visualizar seus diversos trabalhos: http://www.motomichi.com/. Acesso em 28/3/2007.

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As animações de Motomichi são realizadas no Macromedia Flash e, portanto, apresentam muitas das características do software aqui comentadas. A forma simplificada de suas criações e a ausência de detalhes permite o uso de interpolação automática de formas proporcionado pelo software, ainda que o artista opte pela simplificação também da animação utilizada. Assim, os movimentos gerados são sempre mínimos, por vezes intuitivos ou apenas sugeridos. Toda a ex-travagância da técnica da animação e seus alongamentos e achatamentos, princípio da onda,

ti-ming, balanço, curvas de ação, antecipações, ações secundárias, impacto etc.,36 que têm como

função aproximar o movimento animado da “ilusão de vida”, são deixados de lado por Motomi-chi, mais interessado no movimento mínimo, na ausência da sobreposição de níveis de significa-do e na objetividade das ações.

Ao contrário da lógica da rápida legibilidade dos pictogramas, as animações de Motomi-chi, apesar de simples no desenho e no movimento, tratam de assuntos complexos e normalmente não dão respostas fáceis às questões escolhidas pelo artista. Em Evoë, série de quatro animações

concebidas para ser expostas em videoinstalação, o artista trabalha com ciclos que interpretam quatro trechos do texto As bacantes, de Eurípedes. O ciclo ocorre sob sons produzidos pelo

músi-co Otto Von Schirach, enquanto o fragmento de texto esmúsi-colhido é mostrado na parte inferior das telas.

As relações entre textos e imagens são sutis, sugeridas, com exceção da terceira animação, a mais narrativa das quatro, cuja relação com o texto é direta, mostrando claramente a representa-ção de Dioniso iludindo Perseu a ir de encontro às bacantes, para ali ser mutilado pela fúria das mulheres, incluindo sua própria mãe. Ainda assim, para aqueles que desconhecem a obra de Eu-rípedes na íntegra, a compreensão da cena animada por Motomichi é percebida em outro nível, pois é apenas relacionado ao texto exposto na própria animação. A relação direta deste texto com as imagens animadas revelam a disposição do artista em explorar temas presentes na obra origi-nal – como a perda do autocontrole, a derrota pela arrogância e dissimulação de intenções e sen-timentos –, atualizando-os e afirmando-os como verdades atemporais ao colocá-los em ciclos infinitos de imagens em movimento de construção simplificada, com pouquíssimas informações visuais.

36 A técnica da animação e a explicação dos recursos para a criação da “ilusão de vida” foram amplamente explora-das pelos animadores durante esse primeiro século de existência da linguagem e podem ser conferiexplora-das em livros clássicos como BLAIR, P. (1994). Cartoon animation. Tustin: Walter Foster Publishing;, e WILLIANS, R.

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Fig. 2 - As quatro animações de Evoë. Na primeira, o nascimento de Dioniso; na segunda, a arrogância de Perseu;

na terceira, Dioniso leva Perseu à morte pelas mãos de suas bacantes; e, na quarta, a crença nos deuses do Olimpo.

Todos os trabalhos artísticos em animação de Motomichi seguem esta poética, ou seja, o artista esforça-se para resolver suas questões relacionadas a verdades inescapáveis ao homem como ser social, como o medo, a violência, a dissimulação etc., a partir de sua estética auto-imposta. Tal estética está diretamente ligada ao imaginário contemporâneo influenciado pelo de-sign de sinalização e – por que não? –, pela própria prática da animação para novas mídias, em ferramentas plenas de significado como o próprio Macromedia Flash. Manovich explica:

Um código também oferece seu próprio modelo de mundo, seu próprio sistema lógico, ou uma ideologia; mensagens culturais posteriores ou linguagens inteiras criadas a partir dele serão li-mitadas pelo acompanhamento deste modelo, sistema ou ideologia do mesmo código.37

37 MANOVICH, L. (2001).

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O que o autor procura explicitar é que a escolha de um software não segue apenas crité-rios de ordem prática ou estética, mas também ideológicos. No entanto, não somente o software apresenta seus valores, mas também as mídias. Assim, se, na afirmação de McLuhan,38 “o meio é a mensagem”, o autor parece entender mídia e tecnologia como uma coisa só, Lovejoy, atuali-zando a idéia ao afirmar que, na Net Art, conteúdo e contexto estão estritamente ligados,39 parece

considerar, com o uso da palavra “contexto”, tanto a mídia na qual a obra é apresentada como as tecnologias empregadas na construção da obra.

É impossível dissociar uma obra de seu processo de realização e de seus meios de veicu-lação. Estes fazem parte da geração do sentido da obra e contribuem para a compreensão do ato criador, da criação e mesmo do próprio autor.

[...] o conteúdo de uma obra de arte é o resultado da colaboração entre um artista/programador e o programa de computador, ou, se o trabalho for interativo, entre o artista, o programa de com-putador e o usuário.40

Fig. 3 e Fig. 4 - As obras Walk e Drops, de Motomichi Nakamura, que exploram temas

como o medo e a impossibilidade de redenção.

38 MCLUHAN, M. (1964).

Os meios de comunicação como extensão do homem. São Paulo: Cultrix, p. 21.

39 LOVEJOY, M. (2004).

Digital Currents: Art in the Electronic Age. Nova York: Routledge, p. 223.

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Em outro trabalho produzido paralelamente à pesquisa desta dissertação, alguns recursos do Flash também foram explorados, mas principalmente seu uso para novos meios, no caso o celular. Mobile preacher41 consiste de uma série de animações para celular. Os episódios são

construídos a partir da sobreposição de três elementos, basicamente: vídeos capturados com a câmera do próprio celular, animações de personagens em Flash e o som de discursos históricos. Os vídeos capturados são de objetos do entorno que remetem às formas típicas do personagem de cartum. Geralmente, são elementos presentes no cotidiano que nos remetem a alguma caracterís-tica da simplificação visual cômica, como, por exemplo sorrisos, orelhas, olhos etc. Estas ima-gens são sempre capturadas em ambientes isolados. As formas dos personaima-gens nos objetos são identificadas por um desenho animado sobreposto ao vídeo. Trata-se de um desenho animado vetorial que reforça a visualização do cartum na imagem capturada. Este personagem parece pro-ferir um discurso escolhido.

Fig. 5 - À esquerda, uma imagem capturada com a câmera do celular. À direita, a inserção da animação nesta imagem.

Os personagens então criados e inseridos na imagem capturada dão a impressão de esta-rem no próprio entorno do aparelho celular. Falam diretamente à pessoa que o segura, por meio do som de trechos editados de discursos históricos. Os trechos escolhidos são sempre descontex-tualizados e seu recorte acaba transformando-os num discurso de consolo ou de aconselhamento destinado ao espectador.

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No caso do episódio apresentado nas imagens acima, o discurso selecionado foi o de pos-se do governo de John F. Kennedy, em 20 de janeiro de 1961. Segue-pos-se o trecho do discurso:

“With a good conscience our only sure reward, with history the final judge of our deeds, let us go

forth to lead the land we love, asking His blessing and His help, but knowing that here on earth

God's work must truly be our own”.42

Esta animação foi pensada no âmbito da mobilidade. Seu sentido somente é construído na manipulação cotidiana dos aparelhos de celular e na visualização da animação no próprio. A idéia surgiu da observação de uma prática constante dos usuários deste tipo de aparelho: em momentos de espera, solidão ou isolamento, recorre-se, cada vez com maior freqüência, aos aparelhos mó-veis (celulares, handhelds), como a uma espécie de companhia, para passar o tempo, para

suavi-zar a espera. Olha-se a agenda, joga-se um game, tiram-se fotos etc. O aparelho torna-se um pon-to de imersão.

Mobile preacher pretende ocupar esses momentos com a presença virtual dos personagens

e seus discursos, inseridos em detalhes de ambientes de isolamento; apesar disso, reconhece-se sua inviabilidade, devido a seu caráter irônico.

O Flash é usado aqui para a construção das linhas definidoras deste personagem de car-tum. Por meio das simples e limpas linhas vetoriais disponibilizadas pelo software, cria-se uma sobreposição visível entre animação e imagem fotográfica, não deixando dúvidas de que se trata de uma sobreposição artificial, dando assim sinais de seu caráter irônico. O software, enquanto prática, permite também o armazenamento das formas desenhadas em sua biblioteca, principal-mente para a sincronização entre imagem e discurso, por meio do uso de bocas distintas, que são aplicadas conforme a identificação sonora das sílabas no discurso oral.

Aqui, vale anotar uma constatação de processo. Registrados nos mais diversos livros so-bre a técnica da animação estão os procedimentos clássicos para a animação do chamado lip sync.

Trata-se de regras claras para fazer com que seu personagem fale de modo sincronizado com o som. Normalmente, usam-se de 9 a 11 tipos de aberturas e articulações da boca para a construção de qualquer diálogo.Vale lembrar que estas técnicas sempre determinam-se com base na prática de animações para o cinema, em película fílmica a 24 quadros por segundo. No caso de Mobile

preacher, como se tratava de uma animação feita para celular, usou-se a quantidade de quadros

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por segundo usada atualmente nos vídeos reproduzíveis por esta mídia; neste caso, 8 quadros por segundo. Com isso, ao aplicar a técnica do lip sync foi constatado que, a esta quantidade de

qua-dros por segundo, é possível somente marcar na imagem os sons mais fortes, que sabemos tratar-se das vogais. Deste modo, houve uma adaptação da técnica para apenas cinco bocas de constru-ção de diálogo, ou seja, para as cinco vogais.

As sobreposições construtivas – vídeo capturado pela câmera do celular, animação vetori-al, cartum, discursos políticos históricos, visualização em aparelhos móveis – pretendem criar uma espécie de crítica à prática de uso dos celulares e aos textos de auto-ajuda. Afinal, imprime uma tentativa de criação de afetividade entre homem/máquina/espaço, ao passo que o que cresce mesmo é a descartabilidade das tecnologias, relações e lugares.

O Flash tornou-se uma potente ferramenta de animação devido a sua adaptabilidade às di-versas mídias, como o celular, por exemplo. Fica claro também que, hoje, a animação manifesta-se numa diversidade incrível de locais, o que possibilita novas formas de produzir, criar e cons-truir sentidos a partir da linguagem.

Séries animadas na int ernet

No mesmo ano em que surgiu o Flash, começaram a aparecer na internet diversas anima-ções realizadas por pessoas normalmente sem experiência no processo de animação tradicional. Eram designers e programadores que tinham fácil acesso e compreensão do software e que per-ceberam as possibilidades de criação audiovisual com essa nova ferramenta e com um novo canal de exibição possível para este tipo de produção. Com o tempo, as produções individuais foram se profissionalizando e surgiu, então, uma grande quantidade de séries on-line. Algumas usavam a internet como um meio para testar a popularidade, tendo como objetivo central a transposição da série para a televisão. Essa transposição acabou nunca acontecendo.

Imagem

Fig. 2 - As quatro animações de Evoë. Na primeira, o nascimento de Dioniso; na segunda, a arrogância de Perseu;
Fig. 3 e Fig. 4 - As obras Walk e Drops, de Motomichi Nakamura, que exploram temas   como o medo e a impossibilidade de redenção
Fig. 5 - À esquerda, uma imagem capturada com a câmera do celular.
Fig. 6 - Abertura e uma cena do episódio “Bulboland” de Cinema Bulbo, do animador por Xeth Feinberg
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Referências

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