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MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Suzana Filizola Brasiliense Carneiro

A articulação entre escola e comunidade do entorno em um

projeto de literatura marginal: um olhar fenomenológico

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC – SP

Suzana Filizola Brasiliense Carneiro

A articulação entre escola e comunidade do entorno em um

projeto de literatura marginal: um olhar fenomenológico

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação: Psicologia da Educação, sob a orientação da Profa., Doutora Heloisa Szymanski.

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BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

____________________________________________

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Dedico este trabalho aos educadores e artistas da periferia; ao José Mario e a todos os que se doam pelo bem comum na construção de uma sociedade mais humana e justa.

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AGRADECIMENTOS

Àquele que me sustenta e guia, dando sentido a minha vida.

Ao José Mario, pela presença amorosa, sensível e solícita.

A Tereza, João e Anna, por me mostrarem novos modos de ver o mundo e pela alegria e entusiasmo encorajadores.

Aos meus pais, Beti e Rubens, pela acolhida incondicional que me ajuda a encontrar e concretizar caminhos de realização pessoal como este.

Aos meus irmãos, cunhados, sobrinhos e familiares, pela vida comunitária que nos sustenta, tornando o dia-a-dia menos hostil e mais solidário.

A Helena, por me ensinar a saborear as coisas simples, dando leveza ao caminhar.

A minha orientadora professora Heloisa Szymanki, por me fazer sentir profundamente respeitada e encorajada neste percurso, como pessoa e pesquisadora.

À querida professora Vitória Helena Espósito, pela parceria e ousadia no modo de ver e viver.

Ao professor Miguel Mahfoud, pela generosa colaboração.

À irmã Jacinta Turolo e à professora Angela Ales Bello pelas preciosas contribuições em relação à fenomenologia e Edith Stein.

A Anete Busin Fernandes, pelo incentivo neste projeto. À professora Marília Ancona pela acolhida. À professora Ana Bock pelo apoio na qualificação.

Aos participantes desta pesquisa, em especial a Knup Acrata, Francisco, Alice, e aos alunos da oficina de literatura marginal, pela confiança e abertura em partilhar suas experiências vividas.

A Cecília Duprat, pelo olhar de esperança que me ajuda a avançar.

Às amigas Lucia, Mariam, Eliane e Rúbia, pela partilha de vida.

Aos colegas do Grupo de Pesquisa em Práticas Educativas e Atenção Psicoeducacional na Família, Escola e Comunidade. A todos os colegas de mestrado.

A Cristiane Duarte Daltro Santos pela revisão do português e pelas palavras de incentivo. A Gustavo Adolfo Pedrosa Daltro Santos pela tradução do resumo para o inglês.

(6)

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Ao CNPq pelo financiamento desta pesquisa.

Aos irmãos da Comunidade Emanuel, minha família espiritual.

(7)

O dia e a noite

Alguém perguntou a um mestre:

– Mestre, como saber o exato momento em que a noite termina e o dia começa?

O mestre dirigiu-se a seus discípulos, perguntando se algum deles gostaria de responder à pergunta.

– É quando, ao nascer da aurora, já se consegue distinguir uma macieira de uma pereira – disse um deles.

– Não, meu caro – retorquiu o mestre. – Não é isso.

– Então, é quando já conseguimos reconhecer um cavalo ao longe, na estrada – arriscou outro discípulo.

– Também não é isso – repetiu o mestre.

– Eu sei – afirmou outro. – É quando conseguimos distinguir um fio de cabelo branco de um fio de cabelo preto.

– Nada disso – tornou a dizer o mestre. – Então quando? – indagaram todos, curiosos.

– É quando olhamos qualquer ser humano e o reconhecemos como nosso irmão. Nesse momento, não importa que horas sejam, podemos ter certeza de que a noite terminou.

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RESUMO

O objetivo deste trabalho foi compreender como o fenômeno da articulação entre escola e comunidade do entorno se desvelou ao longo de um projeto de literatura marginal, coordenado por jovens da comunidade (coletivos), envolvendo alunos do Ensino Fundamental II da escola. Utilizou como referencial para a compreensão deste fenômeno a visão de pessoa, comunidade e formação de Edith Stein. Trata-se de um estudo em Psicologia da Educação dentro de uma abordagem qualitativa fenomenológica. Inseriu-se numa pesquisa mais ampla que visava acompanhar o processo construtivo de ações articuladas entre diferentes contextos educativos, em um bairro da periferia de São Paulo, com a finalidade de implantar uma proposta de educação em tempo integral. A situação de pesquisa constituiu-se na observação das oficinas de literatura marginal, em encontros com educadores e gestores da escola, e numa entrevista reflexiva com o grupo de alunos que participou do projeto. A compreensão do fenômeno da articulação foi feita segundo a perspectiva da análise compreensiva, tendo como base narrativas elaboradas a partir das observações, dos encontros e da entrevista reflexiva, em diálogo com o referencial escolhido. O fenômeno da articulação mostrou-se como possibilidade de formação de vivências comunitárias, compreendidas por Edith Stein como unidades de vida que se formam em torno de núcleos de sentido comum. Uma vivência comunitária entra em vigor quando os indivíduos se oferecem espontaneamente uns aos outros, estão abertos uns em relação aos outros. O diretor, a coordenadora pedagógica da escola e o educador responsável pelas oficinas partilharam uma vivência comunitária em relação ao sentido do projeto. Neste caso, o núcleo de sentido comum foi a busca pela transformação social através do conhecimento, da cultura; e a compreensão da literatura e da articulação como possíveis caminhos para isto. As oficinas de literatura marginal também se configuraram como uma vivência comunitária na qual o sentido partilhado foi, principalmente, a produção literária. O fenômeno da articulação mostrou-se também como uma possibilidade educativa à medida que provocou mudanças pessoais nos participantes do projeto, tanto no educador responsável, como nos alunos. Estes passaram a se ver como parte da comunidade do entorno e a ter um olhar mais positivo acerca da periferia. Passaram a compreender o conhecimento como ferramenta para transformação pessoal e social. Além disso, aproximaram-se da literatura, produziram e divulgaram seus próprios poemas em saraus da escola. O responsável pelas oficinas, por sua vez, “se descobriu” como educador. Estas mudanças pessoais repercutiram nas suas comunidades de origem, enriquecendo tanto a escola como os coletivos.

Palavras-chave

Articulação escola e comunidade do entorno Comunidade e educação

Edith Stein

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ABSTRACT

This work has aimed to understand the unfolding of the phenomenon of school-local community articulation during the development of a marginal literature project, coordinated by local community youth (collectives), involving middle-school students at the school. Edith Stein’s views of the person, community, and education have been utilized as the chief theoretical reference for that phenomenon’s understanding. This is a study in Psychology of Education, within a qualitative phenomenological approach. It has been part of a comprehensive research project that aims at following the constructivist process of articulated actions that are developed between different educational contexts, in a peripheral neighborhood of São Paulo, with a view to implementing a full-time educational approach. The research situations consisted of observation of the marginal literature workshops, meetings with school educators and management staff, and a reflexive interview with the group of students who took part in the project. The understanding of the phenomenon of articulation followed the perspective of comprehensive analysis, and was based on narratives constructed from the observations, meetings, and the reflexive interview, in dialogue with the selected theoretical reference. The phenomenon of articulation was shown to be a opportunity of construction of community life experiences, understood by Edith Stein as life units that are shaped around cores of shared meaning. A community life experience is established when individuals spontaneously offer themselves to one another, find themselves open toward each other. The principal, the school pedagogical coordinator and the educator in charge of the workshops shared a community life experience concerning the project’s meaning. In this case, the core of shared meaning was the search of social change through knowledge and culture; and the understanding of literature and articulation as possible paths to that goal. The marginal literature workshops also turned out to be a community life experience in which the shared meaning was constituted chiefly by literary production. The phenomenon of articulation also proved to be an educational opportunity to the extent that it triggered personal changes in the project’s participants, in the cases of both the educator in charge and the students. The latter came to regard themselves as a part of the local community and to hold a more positive outlook on the urban periphery. They came to consider knowledge as a tool for personal and social change. Moreover, they drew near literature, producing and divulging their own poems in school soirées. The person in charge of the workshops, in his turn, “found himself” as an educator. These personal changes affected their communities of origin, enriching both the school and the youth collectives.

Keywords

School-local community Articulation Community and Education

Edith Stein

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SUMÁRIO

1. Introdução ... 12 

1.1 Trajetória ... 12 

1.2 Apresentação ... 16 

1.3 Contexto de pesquisa ... 18 

1.3.1 Projeto Articulação e Diálogo ... 19 

1.3.2 O bairro ... 20 

1.3.3 A EMEF Igarapé ... 21 

1.3.4 Ações de articulação ... 23 

1.3.5 A oficina de literatura marginal e o grafite ... 29 

1.4 Objetivos do estudo ... 31 

2. Edith Stein ... 32 

2.1 Biografia ... 32 

2.2 Visão de pessoa em Edith Stein ... 37 

2.3 Comunidade ... 43 

2.4 Formação ... 66 

3. Pessoa, Comunidade e Escola ... 80 

4. Referencial metodológico ... 91 

4.1 A pesquisa fenomenológica ... 91 

4.2 Caminhos para a emergência do fenômeno ... 98 

4.2.1 Entrevista reflexiva ... 99 

4.3 Caminhos para a compreensão do fenômeno ... 104 

4.3.1 Narrativa ... 104 

4.3.2 Análise compreensiva ... 108 

5. Constituição da situação de pesquisa ... 113 

5.1 Andanças ... 114 

5.2. Narrativa da entrevista com os alunos ... 152 

6. Análise dos participantes do projeto de articulação ... 161 

6.1 Francisco, diretor da EMEF Igarapé ... 161 

6.2 Alice, coordenadora pedagógica da EMEF Igarapé ... 172 

6.3 Knup Acrata, educador da oficina de literatura marginal ... 181 

6.4 Alunos ... 208 

6.4.1 Alunos nas oficinas ... 209 

6.4.2 Alunos na entrevista ... 214 

6.5  Professora de artes ... 223 

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6.7 Coletivos ... 225 

7. Uma visão integrada dos participantes: discussão da articulação ... 233 

7.1 Sentidos desvelados ... 234 

7.2 O vivido ... 237 

7.3 Desafios ... 241 

7.4 Repercussões ... 248 

8. Considerações finais ... 260 

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1. INTRODUÇÃO

1.1 Trajetória

O presente trabalho é fruto de meu interesse em estudar e relacionar os temas comunidade e educação. O interesse pelo primeiro surgiu a partir da constatação da importância que algumas experiências comunitárias tiveram e têm na minha vida e formação.

Venho de uma família grande, sou a caçula de cinco irmãos. Uma das lembranças mais significativas que tenho da infância são os jantares às quintas-feiras na casa de minha avó paterna. Matriarca italiana, sentava-se à cabeceira de uma enorme mesa rodeada dos filhos, genros e noras, netos e bisnetos. As conversas circulavam entre histórias de sua juventude na Itália, rodadas de piadas e narrativas do cotidiano de cada um. Quando o jantar acabava, todas as crianças iam para “o quartinho do fundo” pular na cama de mola. Ali aprendi com meus primos e irmãos mais velhos a dar cambalhota, a jogar “gol a gol” e a cantarolar o hino do Palmeiras. Quando tinha batata doce minha avó vinha satisfeita me avisar. Trazia no rosto um sorriso de cumplicidade, mostrando que havia pensado especialmente em mim. Éramos muitos e ela conhecia o gosto pessoal de cada um.

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A experiência de fé também me levou a experimentar a dimensão comunitária. Aliás, foi um dos pontos centrais que me despertou para o tema da comunidade e o interesse pela fenomenologia. Se tivesse que transformar minha trajetória em uma imagem, apresentaria a cruz. Por que a cruz?

Fechada em mim mesma, busquei abertura e relação no silêncio contemplativo através do qual encontrei-me com o Outro-Cristo. Na adoração silenciosa, iniciei o percurso vertical da cruz. Caminho seguro e confortável do amor incondicional. Minha vontade no início era permanecer ali. Mas não. Percebo que, quanto mais avanço nesse caminho de ser-com-Outro, mais ele me impulsiona a querer ser-com-os-outros, a abrir-me para a mesma entrega e doação que recebo na relação com Deus. O percurso vertical da cruz me impulsiona a percorrer seu trajeto horizontal, a querer abrir-me para as pessoas que estão à minha volta acolhendo-as e deixando-me acolher num processo ininterrupto, que anima e que amedronta, que ora regride, ora avança, mas que aponta para um caminho de realização pessoal. A sede de ser-com-o-outro – próximo ou distante, pobre ou rico, judeu ou grego, negro ou branco – é o que me move a querer compreender e ser comunidade. E essa mesma sede me move a buscar essa compreensão com o auxílio da fenomenologia, que me desafia a sair da bolha das teorias e preconceitos, a abaixar as armas da crítica para deixar que o outro se desvele a mim.

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Foram experiências importantes na medida em que geraram oportunidade de abertura e encontro gratuito com o outro e comigo mesma. E neste sentido eu me pergunto: Será que toda experiência comunitária contribui para o crescimento das pessoas que dela participam? O que sustenta uma vida comunitária? A comunidade possui um papel educativo?

Nessa mesma época descobri Edith Stein. Meu interesse pelo estudo da Antropologia Teológica e, na ocasião, pela compreensão do processo de conversão, me fizeram mergulhar na sua autobiografia. Aos poucos fui descobrindo a riqueza de seus escritos, a abrangência de seus estudos, que me despertaram interesse tanto pelos temas abordados (filosofia, psicologia, educação, comunidade etc.), quanto pela possibilidade de compreendê-los à luz da fenomenologia e de uma visão de ser humano que se afinava à minha experiência de fé. Animada com a perspectiva de estudar Edith Stein, voltei ao Brasil com seus livros “embaixo do braço”, esperando uma oportunidade para tal. Esta oportunidade se deu com o mestrado em Psicologia da Educação e a acolhida da professora Heloisa Szymanski.

Meu interesse pelo tema da educação começou quando me tornei mãe e ganhou uma dimensão mais social no âmbito profissional. Trabalhei como psicóloga em uma escola de educação infantil e esta experiência sensibilizou-me para o papel educativo da comunidade. No início desse trabalho minha atenção estava focada no processo de ensino formal, na relação professor-aluno e nos conteúdos dados em sala de aula. Como psicóloga, era solicitada a “apagar incêndios”, resolver o problema de uma criança “em crise” ou atender às famílias “difíceis” com o objetivo de mostrar-lhes qual a “melhor maneira de educar seus filhos”.

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comunidade escolar, com seus mais diversos atores. O Zé tinha um papel educativo assim como a secretária da escola e todas as outras pessoas que participavam daquele contexto. Mas as coisas pareciam não ser vistas assim. Cada um exercia seu papel de modo bastante “compartimentado” e o local da aprendizagem era delimitado pela sala de aula ou pela presença das professoras. Embora existisse o desejo de se criarem projetos em conjunto, havia uma grande dificuldade de trabalhar em grupo. E desta experiência surgiram outras questões: Para que educamos? Como podemos ensinar as crianças a conviverem, a se abrirem para si mesmas, para o outro e para o mundo se é difícil viver isto entre os educadores? E, ao mesmo tempo, que tipo de suporte eles têm no seu dia-a-dia para ajudar nessa integração?

Pensando nisso, iniciamos um grupo semanal com as professoras com o objetivo de oferecer um espaço onde as dificuldades de relacionamento, de comunicação pudessem ser discutidas; onde pudéssemos nos conhecer melhor como pessoas, exercer a escuta e ampliar nosso olhar para o outro, rompendo com as conclusões precipitadas e preconceituosas das nossas observações cotidianas.

A mesma dificuldade de abertura e integração que eu percebia em mim e dentro da comunidade escolar fazia-se presente também na atitude da escola em relação à comunidade familiar, à comunidade do entorno e, de um modo geral, à realidade externa ao seu contexto particular. Percebia que, muitas vezes na aproximação com as famílias ou mesmo com outros grupos, a escola posicionava-se como a “detentora do saber”, numa relação unilateral. Acredito, no entanto, que, assim como os pais não têm o monopólio da educação dos filhos, a escola isoladamente, fechada em si mesma, também não consegue dar conta de um projeto educativo com a riqueza e a complexidade que isto implica. E, mais do que isso, pensando no sentido que a experiência comunitária teve e tem na minha vida, me pergunto se a abertura da escola para as famílias e a comunidade do entorno não seria ela própria uma situação educativa.

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brasileira. Entretanto, percebe que falta articulação entre elas e com a escola. Cada grupo parece agir de forma isolada em um clima muito mais de competição que de colaboração; e, neste processo, a maior prejudicada é a criança.

Surge então a questão: ao lado da escola e das famílias, como a comunidade do entorno pode participar do processo educativo de maneira efetiva? Ela tem um papel na tarefa educativa? Como ela pode se articular com a escola? Quais os ganhos e desafios dessa articulação? A partir dessa reflexão, surgiu o interesse pelo tema da articulação entre a escola e a comunidade do entorno e, dentro deste, o interesse específico por uma oficina de literatura marginal oferecida por jovens dessa comunidade.

A literatura também não foi escolhida ao acaso. A escrita sempre foi para mim um canal privilegiado de expressão, de abertura, uma forma de sair da casca e me mostrar para o mundo. Vejo a escrita como uma ponte que me convida a sair do anonimato da massa para ser. Neste sentido, intuía que a literatura pudesse ter uma contribuição importante para o tema da educação e da comunidade.

Este foi, portanto, o percurso e o pano de fundo a partir do qual a presente pesquisa se delineou. Definido o grande tema da articulação, traçamos o seguinte objetivo: compreender como a articulação entre escola e comunidade do entorno se desvelou em um projeto de literatura marginal.

Passaremos a seguir para uma apresentação geral da pesquisa.

1.2 Apresentação

O presente trabalho pretendeu investigar o fenômeno da articulação a partir de um projeto desenvolvido entre uma escola municipal de ensino fundamental (EMEF) e um grupo de jovens da comunidade do entorno, que coordenaram oficinas de literatura marginal1 oferecidas aos alunos do Ensino Fundamental II desta EMEF.

1

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No primeiro capítulo, além de explicitarmos a trajetória da pesquisadora de forma a ilustrar a emergência do tema de pesquisa a partir de sua experiência vivida, apresentamos o contexto desta pesquisa tanto do ponto de vista acadêmico, situando-o dentro de um grupo de pesquisa do programa de pós-graduação em Psicologia da Educação/ PUC-SP, quanto em relação ao contexto geográfico e social da região pesquisada. Além disso, procuramos descrever a própria escola e as diversas iniciativas de articulação que a envolvem, explicitando, com esta descrição, a visão de educação da equipe gestora e a importância atribuída à abertura para a comunidade do entorno. Finalizamos esta parte com a apresentação dos objetivos do estudo.

O segundo capítulo foi dedicado à descrição de aspectos da biografia e do pensamento de Edith Stein, autora de referência para a compreensão do fenômeno em questão. Dedicamo-nos especialmente a sua visão de pessoa, comunidade e formação, mostrando a inter-relação entre esses temas e a centralidade da pessoa para a compreensão dos agrupamentos humanos e das suas repercussões do ponto de vista educacional. A articulação entre pessoa, comunidade e escola também foi abordada no terceiro capítulo ao apresentarmos visões de autores contemporâneos a respeito do assunto.

No capítulo quatro, pontuamos os princípios centrais da fenomenologia e descrevemos o caminho percorrido para a emergência e compreensão do fenômeno da articulação. No primeiro caso (emergência), destacamos o procedimento da entrevista reflexiva e, no segundo (compreensão), a utilização da narrativa e da análise compreensiva, fundamentadas respectivamente em Benjamin (1994) e Szymanski (2004).

O quinto capítulo foi composto pela apresentação das duas grandes narrativas que serviram de base para a análise da articulação. A primeira, denominada Andanças

descreve o processo de imersão da pesquisadora no contexto de pesquisa e retrata relatos dos participantes do projeto, observações das oficinas de literatura marginal e produções dos alunos e educadores, descritas segundo a ordem cronológica dos acontecimentos. A segunda constituiu-se a partir da entrevista reflexiva em grupo com os alunos participantes do projeto.

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O capítulo seis foi dedicado à análise individual dos relatos do diretor, da coordenadora pedagógica e dos professores de artes e português da EMEF a respeito do projeto, e também do educador da oficina de literatura marginal. Além disso, apresentamos duas análises realizadas por grupos: uma dos alunos da oficina, e outra dos “coletivos” (grupo de jovens do bairro que participaram do projeto).2

No capítulo seguinte, discutimos a articulação traçando pontos convergentes e divergentes que teceram o percurso dos participantes do projeto. Discutimos também as repercussões do ponto de vista dos dois grupos envolvidos: a escola e a comunidade do entorno, representada pelos coletivos. Tal discussão foi elaborada na forma de quatro grandes constelações, que abordaram respectivamente os sentidos da articulação, a articulação vivida pelos participantes, seus desafios e repercussões.

Finalmente, o oitavo capítulo abordou as considerações finais da pesquisadora, apresentadas não como um fechamento conclusivo a respeito da articulação, mas como uma reflexão que permitiu traçar sínteses, compreensões, sugestões e novos sentidos para a pesquisadora surgidos a partir deste percurso.

Feita esta apresentação inicial, damos continuidade ao trabalho com a descrição do contexto de pesquisa.

1.3 Contexto de pesquisa

Esta introdução tem como objetivo apresentar o contexto geral onde a presente pesquisa foi realizada. Buscamos situar o leitor tanto em relação ao grande projeto que envolve esta e outras pesquisas (de iniciação científica, mestrado e doutorado), quanto em relação ao contexto social e geográfico da mesma.

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1.3.1 Projeto Articulação e Diálogo

O presente estudo insere-se dentro de um projeto maior intitulado Articulação e Diálogo, cujo objetivo é acompanhar uma proposta de educação em tempo integral segundo uma perspectiva dialógica e participativa de ensino, fundamentada na pedagogia de Paulo Freire e sob o olhar da fenomenologia existencial. Coordenado pela professora Heloisa Szymanski, a partir de seu grupo de pesquisa em Práticas Educativas e Atenção Psicoeducacional à Família, Escola e Comunidade (ECOFAM) do programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), este projeto visa compreender o processo construtivo de propostas articuladas entre diferentes contextos educativos de um bairro situado na zona norte da cidade de São Paulo. Busca compreender como as diferentes instituições que participam do projeto organizam-se em ações articuladoras para além da sala de aula.

Participam atualmente do Projeto Articulação e Diálogo um Centro de Educação Infantil (CEI), uma Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF), o Centro Comunitário que oferece educação complementar aos jovens da região e os pesquisadores do ECOFAM.

O presente estudo foi realizado na EMEF participante do Projeto Articulação e Diálogo, a qual nos referirmos ao longo da dissertação com o nome fictício de EMEF Igarapé.3 Este nome não foi escolhido ao acaso. Buscamos explicitar, através da imagem do igarapé, um movimento importante da EMEF que veio ao encontro do tema geral da pesquisa, ou seja, a articulação escola-comunidade local. A palavra igarapé segundo Houaiss(2004) significa pequeno rio, estreito e navegável, que nasce na mata e deságua em um rio maior. Igarapé é o caminho das igaras, pequenas embarcações escavadas no tronco de uma árvore. Os igarapés são braços estreitos de rios ou canais existentes em grande número na bacia amazônica, caracterizados por pouca profundidade, e por correrem no interior da mata. Desempenham um importante papel como vias de transporte e comunicação, servindo como fonte de abastecimento para muitas famílias. Ao entrar em contato pela primeira vez com o diretor4 e a equipe de coordenação da EMEF, percebemos um movimento forte de abertura em relação à comunidade local.

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Apesar do pouco tempo de funcionamento, já que suas atividades foram inauguradas no início de 2009, a escola abriu várias frentes de contato com pessoas e grupos do entorno, buscando ser canal de comunicação e procurando encontrar meios para integrar esses diferentes atores no seu projeto educativo. A fala do diretor de que é importante uma aproximação com a comunidade,5 somada ao grande número de iniciativas concretas de articulação com a mesma, permite-nos associar esta escola à imagem do igarapé, pequeno rio capaz de chegar a lugares de difícil acesso, interligando diferentes realidades. Em suma, a EMEF Igarapé nos remete à ideia de uma escola aberta à comunidade. Abertura que confirmou o nosso tema de pesquisa e favoreceu a sua escolha como local rico em possibilidades para a realização da mesma. Com essa mesma abertura a equipe da EMEF Igarapé nos acolheu e se dispôs a refletir conosco sobre o processo de articulação da escola com a comunidade e o sentido dessa experiência para os seus participantes.

1.3.2 O bairro

A EMEF Igarapé localiza-se em um bairro de classe média baixa no extremo norte da cidade de São Paulo. Situada ao pé do morro, é cercada por ruas estreitas com grande movimento de carros, ônibus, peruas e bicicletas. As ruas são asfaltadas, com exceção de algumas vielas estreitas, que saem de avenidas ou ruas maiores.

Há uma avenida próxima à EMEF onde vemos um grande número de lojas de carros usados e também concessionárias, supermercado, agências bancárias e restaurantes pertencentes a redes de fast food. Ao final dessa avenida, quando nos aproximamos da rua da EMEF, a paisagem começa a mudar. Seus últimos metros são marcados por um número maior de árvores que acompanham o meio fio. Aos poucos adentramos em ruas mais estreitas, com pequenas lojas que vendem mercadorias bem variadas e que integram o comércio local.

Ao redor da EMEF observamos um grande terreno baldio e casas de tijolo ou alvenaria. Algumas casas são coloridas, raramente vemos uma parede branca. Predominam cores em tons pastéis como laranja, amarelo, verde, azul turquesa. Em outras, a falta de

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acabamento e de cor nas paredes é compensada pelo colorido das roupas penduradas do lado de fora. Algumas casas têm mais de um andar e é comum vermos terraços com o para-peito feito em colunas de concreto pré-moldadas.

O terreno da EMEF é alto e de seu estacionamento ou da quadra externa avistamos o morro que fica atrás. A cidade vai invadindo o morro... Na parte mais baixa deparamo-nos com o telhado das casas, com suas caixas d´águas aparentes azuis e cinzas e também com as rabiolas de pipas que dançam em volta dos fios e postes. Mais ao longe, à esquerda avistamos alguns poucos prédios e, no alto do morro, uma mata linda, que dá vida e descansa o olhar.

Os sons que predominam são as vozes das crianças, as brecadas de ônibus e o latido de cães. Nas ruas mais próximas da EMEF, além das casas residenciais vemos bares, padarias, centros comunitários, como o Centro da Criança e do Adolescente, e igrejas. O movimento de peruas escolares é grande, pois muitas crianças vêm de bairros distantes.

1.3.3 A EMEF Igarapé

A EMEF Igarapé iniciou suas atividades em janeiro de 2009, com o objetivo de atender às famílias da redondeza e de bairros pobres mais distantes, cujas condições não permitem a instalação de uma escola. Seu pouco tempo de vida se faz notar tanto pelas suas instalações, novas e bem cuidadas, quanto pelo ânimo da equipe gestora, aberta e disposta a encontrar caminhos para construção de uma escola humana, como a definem esses profissionais.

O prédio da EMEF é claro e arejado. Ao entrarmos no estacionamento deparamo-nos com árvores plantadas entre as vagas de carros e outras espalhadas pelo pátio externo. Essas árvores, ainda em crescimento, estão protegidas com cercas e revelam o cuidado com aquele ambiente, pensado e mantido para acolher as crianças, suas famílias e a comunidade de um modo geral.

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em pequenos grupos. De vez em quando observamos o inspetor chamar a atenção de algum desses grupos devido a bate-bocas ou empurrões.

As salas de aula são amplas e as séries, divididas por andares. O prédio possui três andares que podem ser acessados por uma escada ou elevador. No primeiro andar ficam os primeiros anos e, no segundo, as crianças maiores. Além das salas de aula, a escola possui sala de leitura, sala de artes, sala multiuso, laboratório de informática, sala de vídeo, brinquedoteca, pátio externo com quadra poliesportiva, sala de reuniões, sala dos professores e área de secretaria e Direção. Cada andar possui banheiros feminino e masculino adaptados para inclusão.

Em 2009, a escola oferecia o Ensino Fundamental Regular de 8 anos6 com capacidade para atender um total de 1108 alunos, sendo 554 no turno da manhã e 554 no turno da tarde. Atualmente presta atendimento a 575 alunos, sendo que aproximadamente metade deles vem de bairros distantes e utiliza o transporte escolar gratuito. No Ensino Fundamental I, possuía doze turmas de 1° ano; duas turmas de 2° ano, uma de 3° ano e uma de 4º ano. No Fundamental II, possuía duas turmas de 5° ano, uma de 6°, uma de 7° e uma de 8° ano. O número de alunos por turma variava entre 20 e 30 crianças.

Segundo o diretor da EMEF, suas ações estão pautadas por princípios como promoção do diálogo, atitude reflexiva, respeito mútuo, organização, participação, saber ouvir, falar e agir, fortalecer os valores humanizadores e a diversidade, motivar o compromisso com a aprendizagem de qualidade e desenvolver a consciência ecológica. Como dissemos anteriormente, a EMEF Igarapé possui uma preocupação com a abertura e integração à comunidade local. Desde o início de suas atividades, além do currículo formal, a escola conta com vários projetos de articulação com a comunidade. Alguns desses projetos já se transformaram em ações concretas e outros estão em processo de construção ou avaliação das possibilidades de viabilizá-los. Apresentaremos a seguir os projetos que já estão em andamento a que chamaremos de “ações de articulação”.

6 Segundo a coordenadora pedagógica, (a qual nos referimos com o nome fictício “Alice” ou pela sigla

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1.3.4 Ações de articulação

O termo articulação é utilizado nesta pesquisa com dois sentidos que se complementam. O primeiro relaciona-se à visão de comunidade de Edith Stein, que será apresentada no segundo capítulo deste trabalho. À luz desta visão, compreendemos a articulação entre EMEF Igarapé e a comunidade do entorno como o encontro entre duas “comunidades” no sentido steiniano do termo.7 Discutiremos esta visão mais adiante.

Por ora, ficamos com um segundo sentido de articulação que corresponde à compreensão dos participantes do Projeto Articulação e Diálogo a respeito de uma “ação articulada”. A definem da seguinte forma:

um encontro dialógico entre pessoas que compartilham objetivos comuns, para a construção de conhecimento com a participação de representantes de idades, gênero, escolaridade, experiências, origens diferentes, envolvendo a criação de vínculos entre protagonistas e compartilhamento de responsabilidade entre eles. Essas ações resultam em ganhos para todos os que dela participam e um

sentimento de satisfação pessoal.8

Desde o seu nascimento, a EMEF Igarapé integrou o Projeto Articulação e Diálogo, que realiza encontros mensais na sede de algumas das instituições participantes. Nesses encontros, a EMEF Igarapé é representada por seu diretor, uma coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental I, uma coordenadora pedagógica do Ensino Fundental II (Alice) e uma auxiliar de Direção.

A participação no projeto, bem como as diversas iniciativas que descreveremos a seguir, ilustram que a abertura da escola para a comunidade local não era apenas um discurso “politicamente correto” da EMEF Igarapé, mas refletia-se na sua postura desde o início, através da busca concreta de encontrar caminhos para esse diálogo.

Algumas ações de articulação que integram a EMEF Igarapé decorrem do Projeto Articulação e Diálogo. Existem seis iniciativas nesse contexto. A primeira é o Projeto Travessia, um grupo de estudos que ocorre uma vez por semana na própria EMEF e que

7 Utilizamos inclusive o termo “comunidade do entorno” no título desta pesquisa para diferenciá-la da

ideia de comunidade apresentada por Edith Stein, discutida no Capítulo 2, item 2.3 Comunidade.

8 Definição apresentada pelos participantes do Projeto Articulação e Diálogo em reunião ocorrida em

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reúne as educadoras da CEI e da EMEF Igarapé, juntamente com duas estagiárias do curso de graduação em Psicologia da PUC-SP a fim de refletirem a respeito da transição das crianças da CEI para a EMEF.

A segunda ação de articulação é a existência de um grupo de discussão sobre expectativas em relação à escola. Nesse grupo reúnem-se representantes da CEI, jovens que dão oficina de capoeira na educação complementar (oferecida pelo Centro Comunitário) e representantes de alunos, pais e funcionários da EMEF.

Há ainda o Projeto Escuta e o Projeto de Articulação Escola-Família, ambos realizados em parceria com a PUC. No primeiro, estagiários da Psicologia ficam de plantão por um período na escola, uma vez por semana, com o objetivo de oferecer uma escuta aos adolescentes que assim o desejarem. O segundo tem como objetivo criar uma relação dialógica entre a escola e a família. Para tanto, pesquisadoras da PUC e representantes da escola (equipe gestora e professoras) e de pais iniciaram encontros para pensar e preparar futuras ações de articulação entre a escola e a família.

A quinta ação de articulação faz parte do Movimento Atos de Paz que reúne outras instituições do bairro e promove estudos, denúncias de violências e ações de paz com o foco nos direitos da criança. E, por fim, a oficina de capoeira, que é oferecida aos alunos da EMEF Igarapé, acontece dentro da escola e é coordenada pelos jovens do Centro Comunitário.

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PROJETO ARTICULAÇÃO E DIÁLOGO AÇÕES DE ARTICULAÇÃO DA EMEF IGARAPÉ

Além dessas ações decorrentes do Projeto Articulação e Diálogo, ao longo do ano de 2009 a EMEF Igarapé iniciou outras atividades de articulação com a comunidade do entorno. O terreno onde a escola foi construída era utilizado anteriormente como local de ensaio pela escola de samba do bairro. Sabendo desse fato, o diretor da EMEF cedeu o estacionamento da escola para os ensaios e fez um acordo através do qual a escola de samba ajudaria a EMEF a cobrir sua quadra, a qual seria cedida como local de ensaio aos finais de semana. Esse contato com a escola de samba acabou gerando uma nova ação que é a Oficina de Percussão às sextas-feiras e sábados para os alunos da EMEF.

Há ainda a parceria com o Telecentro, onde as crianças têm aulas de computação; e parcerias com outras instituições no sentido da utilização do espaço. Como exemplo desse tipo de ação, temos o Centro da Criança e do Adolescente (CCA), que fica em frente à escola e que utiliza sua quadra às terças e quintas-feiras, em um período do dia. Além disso, a EMEF cedeu seu espaço para eventos pontuais como a celebração do Crisma por uma igreja que fica na rua ao lado da EMEF e a formatura dos alunos de

capoeira

Travessia

Escola-Família Expectativa

em relação à escola

Escuta Movimento Atos de Paz

Centro Comunitário

CEI

PUC

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uma EMEI situada nas proximidades. Essas ações têm em comum o fato de a comunidade do entorno utilizar o espaço da escola ou os alunos da escola utilizarem o espaço da comunidade do entorno (como é o caso do Telecentro).

A seguir, ilustramos as ações de articulação com a comunidade do entorno:

AÇÕES DE LONGA DURAÇÃO

Por fim, podemos citar, além das Oficinas de Percussão, mais seis ações de articulação entre a EMEF Igarapé e a comunidade local, que acontecem dentro da EMEF e que envolvem diretamente os alunos. São elas: uma escolinha de futebol masculina e feminina, coordenada por jovens do bairro; o Projeto Leitura para Todos, que consiste

AÇÕES PONTUAIS EMEF

Igarapé

CCA TELECENTRO Aulas fora da escola

IGREJA Crisma

EMEF Igarapé

EMEI formatura

OFICINA DE PERCUSSÃO

ESCOLA DE SAMBA

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na criação de uma biblioteca comunitária, a partir da doação de 1044 livros feita por uma instituição do Rio de Janeiro (e mais o acervo de literatura marginal trazido pelos coletivos9 do bairro); o Projeto Sabor das Sombras que, em parceria com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, tem como objetivo cuidar do espaço escolar e da redondeza para um ambiente mais verde e saudável;10 o Espaço Cultural, criado pelos coletivos do bairro para promoção de atividades culturais com os alunos e com a comunidade local. Como ações promovidas pelo Espaço Cultural (ou seja, pelos coletivos) em parceria com a EMEF Igarapé temos o Cineclube Alastre que projeta e discute filmes no estacionamento da EMEF uma vez por semana à noite (evento aberto aos alunos, familiares e à comunidade em geral), os empréstimos da biblioteca comunitária, e as oficinas de grafite e literatura marginal que, por serem o foco de nosso estudo, serão detalhadas separadamente no próximo item.

A seguir, ilustramos as ações de articulação que envolvem diretamente os alunos:

9

Os coletivos são grupos de jovens que se reúnem com o objetivo de produzir e divulgar a cultura da periferia, buscando com essas iniciativas promover uma transformação social a partir das pessoas, da conscientização de seu papel político. Coletivo é o nome utilizado pelos próprios membros desses grupos e, por isso, utilizaremos também este termo para referirmo-nos a eles durante o trabalho. O sentido desse termo encontra-se descrito de forma mais detalhada no Capítulo 5. Constituição da situação de pesquisa, dentro do item 5.1 Andanças.

10Este projeto envolveu uma turma de quarta série que arrecadou assinaturas de moradores do bairro que

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AÇÕES DE ARTICULAÇÃO QUE ENVOLVEM DIRETAMENTE OS ALUNOS

Como podemos perceber na descrição acima, as ações de articulação da EMEF Igarapé com a comunidade local são muitas e bem variadas. As inúmeras iniciativas demonstram que a escola teve um movimento inicial de abrir totalmente as portas, deixando transparecer, com esta atitude, que a forte vontade de construir projetos comuns e de se mostrar à comunidade com esta marca pessoal era maior do que a necessidade de estruturar cada uma dessas ações. Isto não significa que não houve um planejamento ou organização, mas que, no início, o sentido que parecia predominar era o de se abrir, conhecer, deixar entrar de forma quase caótica, para, em um segundo momento, organizar. De fato, com o tempo, algumas dessas iniciativas permaneceram e cresceram na parceria e na articulação, enquanto outras acabaram se restringindo a projetos pontuais, ou por ser desde o início a sua proposta, ou por compreenderem ao longo do caminho que os princípios que os norteavam eram diferentes e que não interessaria uma parceria a longo prazo.

Vemos, portanto, que o campo de pesquisa é amplo e rico. Entretanto, por se tratar de uma pesquisa de mestrado, optamos em nosso estudo por focar em uma dessas ações e buscar acompanhá-la de perto, a fim de ter uma visão aprofundada do processo.

LEITURA PARA TODOS

OFICINA DE LITERATURA MARGINAL

OFICINA DE GRAFITE

SABOR DAS SOMBRAS ESCOLA DE

FUTEBOL

CINE CLUBE

EMEF Igarapé

COLETIVOS ESCOLA DE

FUTEBOL

VIZINHOS DA EMEF

SECRETARIA DO VERDE E

DO MEIO AMBIENTE

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Escolhemos como foco do nosso trabalho a oficina de literatura marginal,11 fruto da articulação da EMEF Igarapé com os coletivos do bairro. Acompanhamos também, embora não com a mesma proximidade, a oficina de grafite, devido a sua ligação com à de literatura.

1.3.5 A oficina de literatura marginal e o grafite

A oficina de literatura marginal é oferecida aos alunos do Ensino Fundamental II e tem como principais objetivos, segundo a equipe gestora da escola, incentivar a leitura, produzir textos, refletir sobre as relações sociais e desenvolver senso crítico nos alunos. Quem coordena essa oficina é um jovem do bairro, Knup Acrata,12 membro de um coletivo que trabalha com literatura marginal e que promove saraus e eventos de cultura periférica na região. Ainda segundo os gestores, os temas estudados nas oficinas dão ênfase aos princípios definidos pela escola dentro do seu PPEP (Projeto Político Eco-Pedagógico). O que é discutido na literatura é expresso pelos alunos posteriormente nas oficinas de grafite, que acontecem duas vezes por semana fora do período de aula, e são ministradas por jovens do bairro que foram trazidos por Knup Acrata. As duas oficinas estão interligadas.

A escolha da oficina de literatura como foco da presente pesquisa foi fruto de diferentes fatores. Em primeiro lugar, este foi o primeiro projeto apresentado pelo diretor da EMEF o qual nos pareceu bastante entusiasmado com a iniciativa. Na época em que nos encontramos pela primeira vez (PUC e equipe gestora da EMEF Igarapé), o diretor nos falou da importância que ele via no fato de a escola se abrir para a comunidade e de como o coletivo de Knup Acrata estava se aproximando da escola. Tinham participado da festa junina e naquele momento a equipe gestora estudava a possibilidade de oferecer-lhes uma sala para realizarem seus encontros,13 além da possibilidade de criarem uma oficina de literatura para os alunos. O fato de o coletivo ser acolhido dentro da escola com uma sala para realizar seus encontros parecia-nos já um movimento inicial importante de articulação.

11 Utilizaremos os termos “oficina de literatura marginal”, “oficina de literatura” ou simplesmente

“oficina” ao nos referirmos a esta ação de articulação.

12 “Knup Acrata” foi o nome escolhido pelo jovem para ser referido nesta pesquisa. Este termo significa

punk anarquista, e expressa a forma como ele define seu modo de ser. Utilizaremos tanto o nome “Knup Acrata” como a sigla “KA” ao longo do trabalho.

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Além disso, o fato de ser um trabalho com literatura marginal aliava à articulação a questão da cultura local e isso fazia da oficina, ao nosso ver, uma situação privilegiada para o estudo do tema em questão: a articulação entre e a escola e a comunidade local. Segundo Knup Acrata, a escola denominou roda de leitura as oficinas de literatura marginal em função de uma intenção inicial de associar este projeto a uma outra oficina oferecida pelo professor de português que tinha o mesmo nome. Intenção que acabou não se concretizando por entenderem posteriormente que se tratava de dois projetos com objetivos distintos. Apesar disso, o nome roda de leitura permaneceu, mas para Knup Acrata o nome que melhor expressaria o seu trabalho seria produção suburbana, já que o objetivo não era apenas ler, mas também produzir textos. Conforme afirmamos anteriormente, escolhemos chamar de oficina de literatura marginal, a fim de explicitar o diferencial da proposta, colocando em evidência a influência da cultura local no trabalho desenvolvido. A oficina de literatura acontecia uma vez por semana, sempre às quartas-feiras, das 7:00 às 9:00h, durante um semestre, e foi coordenada por KA.

Seu coletivo, juntamente com outros coletivos da região, estava utilizando um cinema abandonado do bairro para realizar seus encontros, mas, devido a alguns problemas, precisaram desocupar o lugar. Segundo Knup Acrata, o diretor EMEF Igarapé, interessando-se pelo seu trabalho, propôs que eles viessem para a escola. Ofereceu-lhes uma sala e, a partir daí, começaram as atividades de oficina com os alunos.

A oficina de literatura marginal não era uma atividade obrigatória. Os alunos (da quinta a oitava série) interessados em participar se inscreviam. Em um primeiro momento, esta atividade esteve atrelada à oficina de grafite. Só podia participar do grafite quem participasse também da oficina de literatura. Por esse motivo, incluímos em nossa pesquisa as oficinas de grafite.

A atividade de grafite acontecia duas vezes por semana, no período da tarde. Os educadores responsáveis eram jovens do bairro convidados por KA para assumirem este projeto com a escola. Ao todo eram cinco grafiteiros que pertenciam a diferentes

crews14 mas que se conheciam por frequentarem um espaço comum onde faziam aulas de grafite.

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Traçado um panorama geral do contexto de pesquisa, descreveremos a seguir os objetivos definidos na realização da mesma.

1.4 Objetivos do estudo

O tema desta pesquisa é a experiência de articulação entre escola e comunidade do entorno. Definido o contexto de estudo, traçamos como objetivo geral compreender como a articulação entre escola e comunidade do entorno se desvelou em um projeto de literatura marginal.

Aliado a este objetivo geral, apontamos como objetivos específicos:

1) Compreender os sentidos que se desvelaram para os participantes do projeto, incluindo, além dos sentidos relacionados diretamente ao tema da articulação, todos aqueles desvelados no contexto de pesquisa pelo diretor da EMEF, pela coordenadora pedagógica, pelo educador da oficina de literatura marginal e pelos alunos participantes;

2) Investigar, junto aos professores de artes e português do Ensino Fundamental II, como foi percebido o projeto e que repercussões foram observadas na sala de aula quanto ao desempenho acadêmico e atitudes dos alunos participantes;

3) Investigar se houve contribuições do projeto para o processo educacional dos alunos participantes.

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2. EDITH STEIN

Este capítulo tem como objetivo expor ao leitor aspectos da biografia e do pensamento de Edith Stein (1891-1942) que contribuíram para a análise do processo de articulação. Iniciamos com uma breve apresentação de sua história do ponto de vista da articulação e, em seguida, passamos à descrição das visões de pessoa, comunidade e formação da autora.

2.1 Biografia

A vida e a obra de Edith Stein são bastante ilustrativas do ponto de vista de nosso tema de pesquisa: a articulação. Ao abordar sua postura como filósofa, a professora Ales Bello15 afirma a grande contribuição da autora ao apresentar uma visão integradora da filosofia. Stein nos ensina a ter uma visão ampla e relacional, criticando a postura de filósofos que tendem a absolutizar seu ponto de vista. A autora vê a história da filosofia não como uma galeria de quadros sucessivos, mas como um trabalho comunitário intersubjetivo. Nos convida a imaginar diferentes autores discutindo em uma grande roda de conversa, como se fossem pessoas humanas colocadas juntas, ainda que não estejam no mesmo tempo e espaço. Coloca o pensamento de vários filósofos em diálogo porque acredita que eles podem conviver; não como uma simples somatória ou pelo choque de opiniões, mas de forma articulada, aproveitando a contribuição de cada um.

Esta parece ser, de fato, uma caraterística de Edith Stein, ou seja, a capacidade de articular coisas que parecem opostas; de fazer da multiplicidade riqueza e não ameaça, amplitude e não fechamento. Ales Bello chama esta característica de harmonia, e a descreve como a capacidade de encontrar um elemento unitário na dispersão. A autora afirma que Stein coloca harmonia nos vários temas em que trabalha, como por exemplo hebraísmo e cristianismo, corpo e alma, feminino e masculino, filosofia e religião e pessoa e comunidade. Poderíamos acrescentar que esta harmonia, ou, se quisermos, esta capacidade de articulação, se apresenta de forma bastante concreta e encarnada em várias passagens de sua vida. Como fenomenóloga, compreende que o conhecimento é

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possível a partir de um mergulho nas nossas experiências cotidianas. Como fenomenóloga, portanto, foi coerente ao articular vida e obra, deixando em ambas a marca da harmonia.

Edith Stein nasceu em Breslau na Alemanha em 12 de outubro de 1891, no seio de uma família judia. Era a caçula de onze irmãos, dos quais apenas sete sobreviveram. Seu pai, comerciante de madeira, faleceu pouco antes de ela completar 2 anos de idade. Em sua autobiografia (STEIN, 1999), relata a relação estreita que a mãe tinha com ela e atribui esta proximidade a dois fatores. Em primeiro lugar, Edith nascera no dia da festa hebraica da Expiação e conta como sua mãe atribuía um grande valor a este fato e fazia questão de comemorar seu aniversário no dia da festa, mesmo quando ela não coincidia com a sua data de nascimento. Em segundo lugar, relata como ela significava para a mãe, “a última herança de seu pai” (STEIN, 1999, p. 67). Conta que estava no colo da mãe quando o pai se despediu pela última vez ao partir em uma das suas frequentes viagens para regiões de floresta, onde buscava madeira. Foi achado morto no meio de um bosque por um carteiro que passava pelo local.

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vida social, propondo com essa articulação dar sua contribuição pessoal à história da humanidade. Ao fazer isso, ela explicita a articulação entre pessoa e comunidade e mostra, através da ação, como o indivíduo pode contribuir para a transformação social.

A autobiografia de Stein revela ainda outra articulação que ela experimentou pessoalmente e que queria evidenciar com seus escritos: a articulação entre hebraísmo e cristianismo. Mesmo após converter-se ao cristianismo, Stein continua afirmando e vivendo sua pertença ao povo hebreu. Aponta, em seus escritos, o elemento unitário entre as duas vivências: Cristo hebreu. Cristo hebreu que celebrou a páscoa com os discípulos da mesma forma como os hebreus a celebram ainda hoje. Stein afirma que “a maior parte dos cristãos não sabem que a festa dos pães ázimos, em recordação ao êxodo dos filhos de Israel do Egito, é festejada ainda hoje da mesma forma como o Senhor a festejou com os discípulos, quando introduziu o mais sagrado entre os sacramentos”(STEIN, 1999, p. 63).

Em 1938 Edith fez os votos solenes na ordem carmelita. A entrada no Carmelo foi interpretada pela família como fuga da situação difícil de perseguição nazista, mas o seu empenho político demonstrou o contrário. A luta pelo povo hebreu a fez intervir também no meio católico. Pouco antes de ir para o Carmelo, escreveu uma carta ao papa Pio XI denunciando os nazistas por se camuflarem com um verniz católico. Lembrou a origem hebreia do cristianismo e afirmou que a perseguição aos hebreus era também uma perseguição aos cristãos.

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sociais, e como a presença de Edith era fundamental nessas discussões, tanto pela sua lógica, quanto pelo seu vasto conhecimento no âmbito literário e filosófico (STEIN, 1999, p. 13).

Após graduar-se em língua alemã, história e filosofia, Edith Stein mudou-se, em 1913, para Göttingen a fim de estudar a fenomenologia sob orientação de Edmund Husserl. Nessa época, já havia lido o segundo volume da obra de Husserl denominada “Investigações Lógicas” por indicação de um professor de Breslau. Ao entrar em contato com a obra de Husserl Stein afirma sua convicção de que “Husserl era o filósofo do nosso tempo!” (STEIN, 1999, p. 200).

O grande interesse pelos estudos e o gosto pela vida intelectual não a afastaram, entretanto, de seus compromissos com a experiência prática cotidiana e com as grandes questões de seu tempo. Durante sua estada em Göttingen, Stein decidiu interromper seus estudos, mesmo contra a vontade da mãe, para servir como enfermeira na época da guerra. Foi enviada pela Cruz Vermelha para a Áustria, onde serviu aos doentes de tifo. Relata como, por serem alemãs, muitas enfermeiras eram mal vistas pela população local e o hospital raramente recebia contribuições destas pessoas. Conta que, quando paravam alguém na rua para pedir informação, normalmente eram ignoradas. Seu comprometimento com as pessoas, sua compaixão pelo sofrimento alheio a tornava sensível à passividade dos habitantes locais. Relata, por exemplo, que “enquanto nós [alemãs] cuidávamos dos seus doentes, as meninas de Weisskirchen [cidade onde estava] íam, todas bem vestidas, ao concerto” (STEIN, 1999, p. 294).

Esta mesma sensibilidade e abertura para o outro a motivaram na escolha de seu tema de estudo em fenomenologia. Em 1916 defendeu a tese de doutorado na qual abordou o tema da empatia, mostrando o interesse pela intersubjetividade. Tal interesse surgiu a partir dos seminários com Husserl em Göttingen. Conta como logo se sentiu atraída pelo estudo da empatia ao escutar de Husserl que o mundo externo objetivo só poderia ser conhecido de maneira intersubjetiva, ou seja, por um grande número de indivíduos que conhecem e que fazem entre eles uma troca cognoscitiva recíproca.16 Husserl

denominava esta experiência intersubjetiva empatia (Einfühlung), mas, segundo a

16 Em outras palavras, Stein compreendeu que, para conhecer a realidade, era preciso compreender o

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autora, não descrevia em que consistia tal experiência (STEIN, 1999, p. 246). Após o término do doutorado, Stein mudou-se para Friburgo onde trabalhou como assistente de Husserl.

Toda a obra de Stein está centrada na compreensão da pessoa humana. Segundo Mahfoud (2005), Stein faz sua contribuição filosófica como possibilidade de crítica e enfrentamento dos grandes temas culturais e políticos da época. Após a conversão ao catolicismo, que ocorreu sob influência da obra de Tereza D´Avila, a autora articulou sua visão de homem e de mundo à experiência pessoal de fé. Articulou fenomenologia e escolástica, encontrando no pensamento de Tomás de Aquino e da mística carmelita (Tereza D`Ávila e João da Cruz) elementos que contribuíram para a sua visão de pessoa e formação humana. Segundo Mahfoud (2005), Stein assume uma concepção de sujeito intencional e inter-relacional como caminho para um juízo crítico em relação ao contexto vigente. Edith Stein, em Psicologia e Ciências do Espírito (1920), reconhece no ser humano a dimensão da liberdade, sua capacidade de decidir e posicionar-se de maneira consciente perante a realidade.

Foi a partir desse contexto que a autora desenvolveu sua visão de comunidade, compreendida como um tipo de agrupamento pautado sobre relações de reciprocidade, diálogo e solidariedade, onde os sujeitos são tratados como tais e podem crescer e realizar-se como pessoas. Mais do que uma visão teórica, Edith Stein nos ensina o que é comunidade através de sua própria vida. Vimos como ela articulou dentro de si as comunidades hebreia e católica e, posteriormente, expressou uma abertura e solidariedade radical para com o outro ao oferecer sua morte pelo povo judeu. Antes de ser executada na câmara de gás, Edith encoraja sua irmã Rosa – que se encontrava na mesma situação – dizendo: “Vamos, pelo nosso povo!”. Edith Stein morreu em Auschwitz, em 9 de agosto de 1942.

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2.2 Visão de pessoa em Edith Stein

A visão de pessoa em Edith Stein é apresentada neste item tendo como base a obra A estrutura da pessoa humana e um curso ministrado pela professora Angela Ales Bello na Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto em 2009, cujo tema era a referida obra.

A estrutura da pessoa humana17 é fruto de um curso que Edith Stein deu no Instituto de Pedagogia de Münster, onde lecionava Filosofia da Educação. Diferentemente da Pedagogia, cujo objeto de estudo são os processos educativos, a Filosofia da Educação pergunta-se sobre a definição de educação. O que quer dizer educação? Esta era a pergunta de base de seu curso e, para abordá-la, a autora afirma a necessidade de partir de um processo de reflexão anterior e perguntar-se sobre quem é educado, ou seja, a quem a educação se destina.

Segundo a autora, toda ação educativa é acompanhada por uma visão de mundo e de ser humano, ou seja, por uma metafísica. Stein acha necessário explicitar esta visão para não perder de vista o todo. Para tanto, ela propõe um colóquio entre as disciplinas Psicologia e Pedagogia e a Filosofia. Para Ales Bello, esta é uma grande contribuição da autora já que, segundo seu ponto de vista, a importância desta fundamentação metafísica é deixada de lado por aquelas disciplinas. Ales Bello pensa que as disciplinas estão fechadas em seu próprio ângulo e que acabam sendo reduzidas a técnicas práticas e imediatistas. Ela afirma que a parte técnica é necessária mas precisa estar contextualizada na visão de ser humano.

17A obra Der Aufbau der menschlichen Person foi traduzida para o italiano como Estrutura da Pessoa

Humana, embora o título original não usasse o termo “estrutura” e sim “constituição”. A palavra Aufbaun

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Para responder à questão de como o ser humano é constituído, Stein utiliza-se do método fenomenológico husserliano. Através da redução transcendental coloca-se diante do ser humano como um fenômeno que se manifesta a ela. Aproxima-se deste fenômeno não apenas através do contato com outros seres humanos, mas principalmente a partir de um mergulho em si mesma. Ela afirma:

Se queremos saber o que é ser humano, devemos nos colocar de modo o mais vivo possível na situação onde fazemos a experiência do seu ser, ou seja, daquilo que experimentamos em nós mesmos e o que

experimentamos no encontro com os outros. (STEIN, 2000, p. 66)18

Faz um trabalho de escavação interior que lhe permite compreender a essência do ser humano, ou seja, sua constituição interna. A partir desta análise descobre que temos muitas experiências e começa a observar como estas experiências são vividas por nós. Chama a experiência vivida de vivência. Percebe que há diferentes tipos de vivências e utiliza-se de exemplos de experiências concretas para descrevê-las, pois toda a sua análise parte da experiência.

A título ilustrativo, serviremo-nos de um exemplo trazido pela professora Ales Bello durante o curso. Estou passeando na rua e vejo um vestido na vitrine de uma loja. Ao ver o vestido, posso gostar ou não dele, ou seja, ele pode me causar atração ou repulsa. Caso eu goste do vestido, avalio se tenho condições de comprá-lo. Após esta avaliação, decido se o compro ou não.

Na experiência relatada acima, podemos identificar os tipos de vivências descritos por Stein. Em primeiro lugar percebo o vestido. Para perceber uma coisa, precisamos do corpo. Esta é, portanto, uma vivência corporal. Após perceber o vestido, sinto-me atraída ou não por ele. Esta é uma função da psique e, portanto, uma vivência psíquica. Em seguida me pergunto se posso comprar aquele vestido. Realizo com este ato uma avaliação intelectual. E, por fim, tomo a decisão de comprá-lo ou não, realizando um ato da vontade. Tanto a avaliação intelectual como a tomada de decisão (vontade) são funções de uma dimensão que Stein chama de espiritual. São, portanto, vivências espirituais.

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O exemplo citado nos mostra, portanto, vivências de diferentes níveis: corporais, psíquicas, intelectuais e volitivas. Ou, se preferirmos, corporais, psíquicas e espirituais. Segundo Stein, cada um destes tipos de vivência corresponde a uma dimensão constitutiva do ser humano. Assim, na visão da autora, o ser humano é constituído de corpo, psique e espírito.19 O corpo é responsável pelas vivências corpóreas como a percepção, o registro de sensações e os instintos em geral; à psique correspondem as vivências psíquicas como reações de atração ou repulsa, emoções e sentimentos; e ao espírito, as vivências espirituais ligadas ao intelecto e à vontade tais como decisões, reflexões, avaliações e tomadas de posição consciente.

Apesar desta diferenciação em relação às dimensões, Stein afirma que há uma unidade profunda entre elas. Ao analisar o aspecto corporal do ser humano, por exemplo, percebe que o corpo não é simplesmente matéria, mas sim um organismo vivo, que se move, sente etc. É impossível separar o corpo deste seu movimento. Corpo e psique andam juntos e a esta unidade a autora denomina corpo vivente.20 Já a unidade psique e espírito a autora chama de alma.

Tanto o corpo vivente (corpo e psique) quanto o espírito possuem uma força que os impulsiona a viver. Edith Stein chama-as respectivamente de força vital sensível e força vital espiritual. Estas forças se influenciam mutuamente e nos ajudam a compreender a unidade entre as dimensões. A nossa disposição ou cansaço para realizar alguma ação depende da força vital sensível. Já a força vital espiritual diz respeito à motivação que temos para realizar uma ação. Ela pode influenciar a força vital sensível quando, por exemplo, estou cansado mas tenho algo que considero muito importante e então encontro a força para realizar.

19A palavra “espírito” é tradução do alemão Geist, e significa tudo aquilo que é especificamente humano. Ao analisar as diferentes dimensões, Stein afirma que o ser humano é um microcosmos, ou seja, ele contém em si todos os elementos presentes na natureza: elementos do reino vegetal, elementos do reino animal e elementos especificamente humanos. Não aprofundaremos este tema no presente trabalho, mas ele pode ser encontrado na obra Estrutura da Pessoa Humana.

20 Esta expressão é uma tradução de

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A unidade entre as dimensões constitutivas do ser humano pode ser percebida também através do exemplo do vestido acima citado. Ele nos mostra como a experiência humana é marcada por todas estas dimensões, que acontecem concomitantemente e exercem influência umas sobre as outras. Retomando o exemplo, em primeiro lugar, podemos imaginar que eu me sinta atraída pelo vestido, avalie que possuo o dinheiro para comprar e decido comprá-lo. Neste caso, a dimensão psíquica e espiritual estão em sintonia. Mas poderia acontecer, também, que eu gostasse tanto do vestido que, mesmo avaliando que não teria dinheiro suficiente, resolvo fazer uma dívida e comprá-lo. Neste caso, o psíquico teve uma atração tão forte que o intelecto e a vontade seguiram a psique.21 Podemos imaginar também uma outra situação onde eu goste do vestido mas, ao avaliar que não possuo o dinheiro suficiente, decido não comprá-lo. Neste caso, a psique ficou subordinada à dimensão espiritual.

Através das vivências espirituais, ou seja, da capacidade de refletir, avaliar, decidir, o ser humano pode colocar em prática a sua liberdade e responsabilidade. Quem realiza essas vivências é a pessoa espiritual, que Edith Stein chama de eu. O eu não está em um lugar físico, ele pode circular por toda parte, conferindo unidade ao ser humano. Podemos, por exemplo, sentir frio nos pés. Esta é uma experiência. Mas, além de sentir, esta sensação pode se tornar objeto de minha reflexão. Posso, com minha mente, percorrer meus pés, passar por cada dedo e constatar as minhas sensações. Neste caso, o eu encontrar-se-á nos pés. Portanto, sua localização é determinada de acordo com a vivência, com seu objeto de reflexão. O eu é a consciência, que contém todas as vivências encadeadas em uma unidade que Stein chama de fluxo de vivências.

Na tentativa de clarear melhor essas noções, podemos pensar da seguinte maneira: através da reflexão – que é uma vivência espiritual – as nossas experiências cotidianas se tornam vivências. Por exemplo, quando conversamos com alguém ou quando escrevemos um bilhete, na maioria das vezes realizamos essas experiências sem nos

21 Segundo afirmação da professora Ales Bello durante o curso (), isto não quer dizer que os elementos

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darmos conta do que estamos fazendo, ou seja, não pensamos: agora estou conversando com tal pessoa, ou agora estou escrevendo um bilhete. Mas, a partir do momento em que reflito sobre estas experiências, então tomo consciência de tê-las vivido ou de as estar vivendo, capto o seu sentido e elas se tornam uma experiência vivida e, portanto, uma vivência. Assim, uma experiência se torna vivência quando refletimos sobre ela, quando tomamos consciência dela. Por isso, o eu – ou a consciência – é o local das vivências. É nele que encontramos o fluxo de vivências; uma unidade indivisível onde as vivências se unem umas às outras através da motivação. Quando estamos diante de uma coisa física, por exemplo, e vemos apenas uma parte desta coisa, consideramos verdadeiro o fato de que existem outras partes. Esta suposição pode nos motivar a realizar um movimento livre de ir verificá-la com a nossa própria percepção. Um outro exemplo de união entre vivências através da motivação é quando colhemos um valor e este valor motiva o nosso querer e o nosso agir (STEIN, 1999b, p. 13). Vemos, portanto, que a motivação une as vivências de forma que uma vivência só é possível em virtude da vivência anterior a ela.

... de fato não se trata de uma simples união como aquela de fases que se sucedem contemporaneamente ou uma seguida da outra..., nem de uma relação associativa de vivências; trata-se de uma vivência que provém de outra, de uma vivência que se cumpre sobre a base de

outra, pelo querer da outra. (STEIN, 1999b, p. 73)22

Stein diferencia a motivação de uma modalidade diferente de conexão que é a

causalidade. Enquanto a primeira é compreendida como uma modalidade própria da vida espiritual e, portanto, relacionada às vivências intencionais do eu, a segunda diz respeito à vida sensível que comporta as naturezas física e psíquica. Esta distinção é importante porque nos permite compreender o modo como as forças vital sensível e vital espiritual de uma pessoa podem oscilar de acordo com as situações, e como uma passagem de forças é possível de um indivíduo a outro, ou ainda – como veremos mais adiante – de uma comunidade a outra. Na natureza física, por exemplo, a força se manifesta através dos acontecimentos. Na psique, a força é colhida através do modo de

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viver as vivências que Stein chama de estados vitais.23 Os estados vitais são estados psíquicos dos indivíduos que dão uma coloração e uma intensidade específica ao viver.

Assim, retomando a constituição básica do ser humano na forma como esta se desvelou para Stein a partir da análise fenomenológica da experiência humana, temos que a pessoa possui vivências de diferentes tipos e que cada um destes tipos revela uma dimensão do ser humano. Este é, segundo a autora, uma unidade constituída pelas dimensões corpórea, psíquica e espiritual. À unidade corpo e psique, a autora denomina

corpo vivente. Já a unidade psique e espírito é compreendida como alma. Além disso, as vivências espirituais são realizadas pelo eu, consciência que contém todas as vivências, que circula por todas as dimensões e lhes confere unidade. É através do eu que temos acesso às vivências. É ele quem nos diz que há diferentes dimensões. Poderíamos ilustrar esta descrição da seguinte maneira:

Corpo Corpo Vivente

Alma Psique – força vital EU = Consciência Espírito (Intelecto e Vontade) Fluxo vivências

Esta constituição nos fala daquilo que é comum entre todas as pessoas. Entretanto, Stein afirma que é impossível compreender o ser humano se não colhermos a sua singularidade. Quando encontramo-nos com uma pessoa, não nos encontramos com suas características universais. Encontramo-nos com alguém que possui um nome, alguém único, com uma identidade pessoal. Segundo a autora, esta identidade encontra-se no mais profundo da pessoa, no centro da alma, em um núcleo que ela denomina

alma da alma.24 Neste núcleo encontramos um tipo de marca distintiva, uma identificação ontológica que nos permite dizer que há uma identidade inconfundível, ou seja, que faz com que uma pessoa se torne aquela pessoa.

23 Stein diferencia os estados vitais dos sentimentos vitais. A consciência de um estado vital, o seu ser

vivido – vivência – é um sentimento vital. O estado vital é, portanto, aquilo que se vive, e o sentimento vital é a consciência desta experiência, ou seja, a vivência (STEIN, 1999b, p. 56).

Referências

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