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A voz e a vez do leitor em Morte e Vida Severina: uma abordagem de recepção, leitura e performance

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Academic year: 2021

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS

VÂNIA PINHEIRO BORGES GARCIA

A VOZ E A VEZ DO LEITOR EM MORTE E VIDA SEVERINA: UMA ABORDAGEM DE RECEPÇÃO, LEITURA E PERFORMANCE.

NATAL/RN 2019

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A VOZ E A VEZ DO LEITOR EM MORTE E VIDA SEVERINA: UMA ABORDAGEM DE RECEPÇÃO, LEITURA E PERFORMANCE.

NATAL/RN 2019

Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação em Letras – Profletras/Natal, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Letras. Área de concentração: Linguagens e letramentos.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Fábio Vieira Marcolino

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

Borges Garcia, Vânia Pinheiro.

A voz e a vez do leitor em Morte e Vida Severina: uma abordagem de recepção, leitura e performance / Vânia Pinheiro Borges Garcia. - 2019.

208f.: il.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Mestrado Profissional em

Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2020. Natal, RN, 2020.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Fábio Vieira Marcolino.

1. Leitura literária - Dissertação. 2. Fruição literária - Dissertação. 3. Performance da leitura - Dissertação. I. Marcolino, Francisco Fábio Vieira. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 81

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E PERFORMANCE.

Dissertação submetida ao corpo docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN (Centro de Ciências humanas, Letras e Artes/ Departamento de Letras/Profletras-Natal) como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre. Defendida por Vânia Pinheiro Borges Garcia e aprovada em _______ de ________________ de 2019 .

BANCA EXAMINADORA:

--- Professor Dr. Francisco Fábio Vieira Marcolino.

Orientador (Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN)

--- Professora Drª. Edna Maria Rangel de Sá

Examinador interno (Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN)

--- Professor Dr. João Batista de Morais Neto

Examinador externo (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio

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―E quando eu vejo o mar/Existe algo que diz/ Que a vida continua/E se entregar é uma bobagem‖. Renato Manfredini Júnior.

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―Deem graças ao Senhor porque ele é bom; o seu amor dura para sempre.‖

Salmos 107:1

DALVA & ELIAS

Meu sagrado e mais valioso, ainda que nenhuma palavra possa definir o meu amor por vocês, aqui tento nesta madrugada insone de luta. Obrigada pela vida, pelo exemplo, pelo sustento, amparo, consolo e correção. Á vocês o que tenho e sou.

VIRGÍNIA & VALNEY

Carne da minha carne. Sangue do meu sangue. Amor igual ao meu gerado... Que a vida nos ofereça tempo e paciência pra aprendermos a mais nos apoiar e vivermos juntos. Não temos outra opção: quando tudo passar, o nosso amor é o que fica.

CÍCERO, LUZIA, EPTÁCIO & BEATRIZ (in memoriam)

A verdade é que eu ainda espero ter vocês por perto de novo. Entrar pela porta da cozinha em um domingo qualquer ou cruzar a rua só pra pedir a benção. Eu espero a resposta ―Deus te faça feliz, minha filha‖. Espero que a minha lágrima não seja somente a ingrata falta, mas a certeza da minha sorte em tê-los por um bom tempo em meus dias. Vô e vó, o coração está com saudade.

LUAN

Obrigada por aquela carona e pela vida juntos de lá pra cá. Eu não sei explicar como chegamos até aqui. Como estamos ainda aqui. Só sei que por aqui pretendo ficar: você é o meu lar.

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Sua paz e humanidade me confortam. Orientação, integridade e confiança. Obrigada por não ter colocado prazo nas minhas dores. Obrigada por ter dividido o fado comigo e ter me dado todo o tempo do mundo pra acreditar na minha força. Minha escolha por você, naquela carta, foi seguramente a melhor. Obrigada professor!

CAROL & BIA

E muitos vieram, passaram o dia, a semana, alguns meses e anos... Vestiram minhas roupas coloridas, dividiram as contas, desabafaram, me ouviram... mas um dia quando acordei não estavam mais lá. Eu não te via assim de perto, muito pertinho, e mesmo de longe você deixava seu coração, suas palavras e sua permanência em mim. Não há mais como negar: amizade é mesmo mais que amor. Obrigada por ficar!

ESTELA

O quão grandiosa pode ser a sorte de alguém? A minha não tem como medir: conheci você. Vou repetir, só pra garantir que saibas: a culpa é toda sua!

CESIMAR

Saímos e chegamos de mãos dadas, meu amigo.

IRANI, NEIDE, KÁTIA, NEUMA, SILVIO E JANE E AMIGOS DO TP

Conviver com vocês é uma benção diária. Obrigada por todo o apoio e gentileza nos dias fáceis e não tão fáceis assim. Difícil é estar só e isso eu nunca estive. Saibam que eu não teria conseguido sem vocês, meus queridos amigos.

AOS AMIGOS DA TURMA 5

Sem competição, sem fugas, com a distância que se torna pequena diante de tanta gentileza e apoio. A empatia aprendeu a ser o que é com vocês. Todos vencemos!

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foram concluídas, uma especialização e um mestrado. Obrigada a esta CASA, também chamada de UFRN, por ter acolhido e investido nos meus sonhos como se fossem seus e por acreditar que educação não tem preço, tem valor.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

EESD

Do interior de Vera cruz, para lá fui aos 09 anos. De lá saí aos para 16 para cursar Letras na Universidade Federal. Para lá voltei aos 24 como professora recém-concursada do estado do RN. Da escola pública eu sei o cheiro, a cor, o sabor, o dessabor e cada centímetro do chão que pisei e piso. Por causa da/ e pela escola pública cheguei até aqui.

Eu acredito na escola pública!

MEUS ALUNOS

E na última aula do ano, no momento de agradecimentos e despedidas, eu me viro e pergunto:

- Então... Jovens, pra que serve mesmo a poesia?

Alguns alunos choravam, outros abraçavam o silêncio dos amigos e uns poucos levantaram as mãos. Com os olhos por um fio de nascente, escolho um aleatoriamente.

-Serve pra permanecer, mesmo tendo que ir... Tia Vaninha... E levando a mão ao peito, ele completa:

- Você ficará aqui.

Guimarães quem entendia das coisas: ―Mestre não é aquele que ensina mas aquele que de repente aprende‖.

Dedico este trabalho aos meus trabalhosos e queridos alunos. Sem vocês nenhuma palavra dessa dissertação teria sentido. OBRIGADA por tornarem a minha vida mais completa e ―aperreada‖. Eu amo todos vocês!

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Na atual era da informatização do espaço escolar, onde todos estão cercados de informações tão rápidas e, na mesma medida, perecíveis, podemos constatar que poucas destas atualizações são traduzidas em experiências relevantes para a formação do aluno. Ao passo que a escolha de trabalhar com o texto literário poético, aqui, é, inegavelmente, a tentativa de fazer o inverso: transformar a experiência de fruição literária em conhecimento permanente para a comunidade escolar. Este trabalho é uma tentativa de desenvolver de maneira assertiva e efetiva a indicação de trabalho lançada pelos PCN, sob a égide da LDB da educação pública brasileira, no que compete às práticas de leitura e fruição literária em sala de aula. Para tal, a peça-poema Morte e vida Severina, do autor pernambucano, de João Cabral de Melo Neto, será o texto base de leitura coletiva deste estudo, desenvolvido nas etapas de leitura, recepção e performance textuais sob o esforço teórico investigativo perpassando as orientações, entre outras, de Iauss (1979), Cosson (2006), Zumthor (1993) e Pinheiro (2003). A partir desse referencial teórico, procedeu-se a utilização do corpo durante os processos das leitura literárias, pois é através dele que estamos no mundo. Nesse sentido e pensando na a leitura que ―desaloja o homem do seu corpo‖, através das leituras, representações e produções de textos dos alunos, pôde-se observar, ao longo da pesquisa, a elaboração de diversos sentidos e ressignificações com a obra selecionada na sala de aula, de maneira que, resultantes da referida prática interventiva, foram produzidos diversos produtos pedagógicos, explorados ao longo deste trabalho.

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In the present era of computerization of the school space, where everyone is surrounded by such fast and perishable information, we can see that few of these updates translate into relevant experiences for student education. Whereas the choice to work with the poetic literary text here is undeniably the attempt to do the opposite: to transform the experience of literary enjoyment into permanent knowledge for the school community. This work is an attempt to assertively and effectively develop the indication of work launched by PCN, under the aegis of the LDB of Brazilian public education, in what concerns the reading practices and literary enjoyment in the classroom. To this end, the poem piece Morte e vida Severina, by Pernambuco author, by João Cabral de Melo Neto, will be the base text for the collective reading of this study, developed in the stages of reading, reception and textual performance under the investigative theoretical effort going through guidelines, among others, by Iauss (1979), Cosson (2006), Zumthor (1993) and Pinheiro (2003). From this theoretical framework, the body was used during the literary reading processes, because it is through it that we are in the world. In this sense and thinking about the reading that ―dislodges the man from his body‖, through the readings, representations and text productions of the students, it was possible to observe, throughout the research, the elaboration of several meanings and resignifications with the selected work in the classroom, so that, resulting from this interventional practice, several pedagogical products were produced, explored throughout this work.

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AMPOL - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM

LERAS E LINGUÍSTICA.

BNCC - BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR. 2ª DIREC - 2ª DIRETORIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA. EESD - ESCOLA ESTADUAL SANTOS DUMONT.

SEEC/RN - SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA DO RIO

GRANDE DO NORTE.

PCN - PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS.

PCNEM - PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO. OCEM - ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO.

SPV/SD - SOCIEDADE DOS POETAS VIVOS DA SANTOS DUMONT. UFRN - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE.

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Quadro 1 − Idade, sexo e origem dos sujeitos participantes da atividade. Quadro 2 − Participação dos alunos nas atividades propostas pelo projeto. Quadro 3 − Resumo da participação nas atividades propostas pelo projeto.

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1 INTRODUÇÃO ... 14

2 O ESPAÇO DA LITERATURA NA ESCOLA ... 19

2.1 LITERATURA E HUMANIZAÇÃO X LEITURA LITERÁRIA E O SEU ENSINO ... 21

2.2 LITERATURA E OS DOCUMENTOS OFICIAIS ... 26

2.3 ESCOLA: UM ESPAÇO SINGULAR E PLURAL PARA POESIA ... 30

3 O ALUNO LEITOR/ESCRITOR E A EXPERIÊNCIA POÉTICA ... 34

3.1 A POESIA E A EXPERIÊNCIA POÉTICA ... 36

3.1.1 O contexto do leitor (a voz e a vez) ... 41

3.2 PERSPECTIVAS SOBRE MORTE E VIDA SEVERINA: UMA JORNADA A PERCORRER ... 47

4 A INCLUSÃO DO LEITOR REAL COMO INSTÂNCIA DA LITERATURA PELOS EVENTOS DE LETRAMENTO ... 53

4.1 A ESCOLA ESTADUAL SANTOS DUMONT - DE SUA FUNDAÇÃO AOS DIAS DE HOJE ... 53

4.1.1 Sobre a escolha e composição da turma ... 55

4.2 UM BREVE HISTÓRICO DA SOCIEDADE DOS POETAS VIVOS - SANTOS DUMONT 60 4.3 ABORDAGENS DE LEITURA, RECEPÇÃO E PERFORMANCE PELOS EVENTOS DE LETRAMENTO DA SPV - SANTOS DUMONT ... 62

4.3.1 Primeiro momento - Motivação, partilha e desafios constantes ... 64

4.3.2 Segundo momento - Recepção, leitura e construção do sentido ... 65

4.3.3 Terceiro momento - Performance e exposição da escrita ... 66

4.3.4 O IV Festival Literário da Sociedade dos Poetas Vivos ... 67

4.3.5 A página de divulgação ... 67

4.3.6 A participação dos sujeitos da pesquisa nas atividades ... 68

4.3.7 Os resultados ... 70

4.3.8 Os resultados pós-encerramento do ano letivo de 2018 ... 71

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 73

REFERÊNCIAS ... 77

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1 INTRODUÇÃO

―[…] Em outras palavras, não se pode sonhar com uma felicidade contínua para a humanidade. É impossível porque a felicidade, repito, depende de uma soma de condições. Então, pelo outro lado, o que se pode dizer, pode se tentar favorecer tudo o que permita a cada um viver poeticamente sua vida e, se você vive poeticamente você encontra momentos de felicidades, momentos de êxtase, momento de alegria e, na minha opinião, é isso‖. (Edgar Morin)

Todos os alunos, certamente, já leram ou ouviram poemas e poesias dentro ou fora das aulas. Das canções acompanhadas pelo celular aos versos compartilhados nas redes sociais, são essas pequenas atividades que acabam por construir as ―ilhas subjetivas‖ de cada um.

É difícil definir como essas leituras entram na vida destes jovens, haja vista ―cada cabeça ser uma sentença‖, cada leitor uma história. Os que nasceram em um ambiente de cultivo e exercício diverso de leitura, terão exemplo e estímulo para desenvolver a própria percepção sobre o que lhes é ofertado. Aos malnascidos nesta prática, ficará a cargo da escola despertar, oportunizar e insistir na ideia de um ―recomeço literário‖, um novo nascimento com a leitura, esta modificada por olhos e cérebros expandidos por esta nova forma de pensar: para além das linhas, insistentemente. Em A leitura em questão, Jean Foucambert assim define a natureza do leitor e, por consequência, o valor do ato de ler:

Ser leitor é querer saber o que se passa na cabeça do outro, para compreender melhor o que se passa na nossa. Essa atitude, no entanto, implica a possibilidade de distanciar-se do fato, para ter dele uma visão de cima, evidenciado de um aumento do poder sobre o mundo e sobre si por meio desse esforço teórico. Ao mesmo tempo, implica o sentimento de pertencer a uma comunidade de preocupações que, mais que um destinatário, nos faz interlocutores daquilo que o autor produziu. Isso vale para todos os tipos de textos, seja um manual de instruções, seja um romance, um texto teórico ou um poema. (FOUCAMBERT, 1994, p. 30).

É por meio deste ir e vir constante, reflexo do movimento dinâmico e dialógico da leitura (o leitor que vai ao encontro do texto\o autor que vai ao encontro do leitor pelo seu texto) que os indivíduos modificam a maneira como entendem o mundo, partilhando sentidos e visões sobre o que outrora foi intocável e inquestionável em verdades absolutas disseminadas na sociedade. Qualquer leitura leva o homem a uma zona simbolicamente desconhecida de percepção. Leituras, quando somadas e relacionadas, tornam tais zonas

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extensão dos nossos universos pessoais. Assim como Tzvetan Todorov, em sua obra A literatura em perigo, nos definiu:

Hoje, se me perguntam por que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. Não é mais o caso de pedir a ela, como ocorria na adolescência, que me preservasse das feridas que eu poderia sofrer nos encontros com pessoas reais; em lugar de excluir as experiências vividas, ela me faz descobrir mundos que se colocam em continuidade com essas experiências e me permite melhor compreendê-las. Não creio ser o único a vê-la assim. Mais densa e mais eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente, a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo. Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser humano. (TODOROV, 2009, p. 23-24).

No sentido em que a leitura se mostra, para além de uma atividade, um direito inerente ao homem, cabe, portanto, à escola, mas não somente a ela, contribuir para a formação de sujeitos capazes de exercer sua cidadania. É imprescindível, portanto, repensar as instâncias educativas, até então, atribuídas apenas à escola.

Ao bem da justiça social e pelo desenvolvimento intelecto-pessoal de cada discente, coloca-se como fundamental a construção da proficiência leitora desse aluno. Nessa perspectiva, é indispensável aferir que conhecer a natureza do processo de leitura, assim como o processo pelo qual os sentidos de um texto são construídos, é condição indispensável para uma aprendizagem efetiva, quando esta pressupõe leitura de textos escritos. Bem se vê que a leitura e a interpretação de textos devem acontecer em um processo sócio interacional. Para que isso ocorra com eficiência na escola, o professor deve procurar ser um mediador, ajudando os alunos no descobrimento de quais estratégias devem usar para construir o sentido daquilo que está sendo lido. A partir das diversas operações que ocorrem antes, durante e depois da leitura. Assim como os PCN (2002, p. 68) orientam que ―todo conhecimento como resultado de uma construção coletiva. Na situação escolar, como resultado da interação permanente entre alunos, professores e escola‖. De modo a ser este patrimônio dinâmico, que se renova diante do amadurecimento intelectual do aprendiz, de novos pontos de vista, das descobertas científicas.

Segundo os PCN o estudo da literatura no ensino médio precisa levar o aluno para um contexto social vivenciado fora dos limites da escola e dos conhecimentos repassados na escola. Com isso, a aprendizagem torna- se significativa, pois o aluno acaba identificando-se

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com o que a escola propõe. Este estudo aparece num conjunto maior designado Linguagens, Códigos e suas tecnologias, que visa, entre outros objetivos, ―a analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção‖ (Item C, PCNEM, 2000, p. 104).

Neste contexto, a poesia é vista como ―forma/fonte de produção/apreensão de conhecimento‖ (PCN/1988) sendo, portanto, indispensável ao processo de transformação do indivíduo e não somente às práticas escolares de formação. Justificando o trabalho com o gênero poético em sala de aula, pois essa, por ocasião, seja ―uma das formas mais legitimas de repensarmos o papel educativo da escola, como espaço de prática que conduz o aluno à liberdade e à superação dos modelos estanques alienadores presentes na sociedade‖ (LANDEIRA, 2005, p. 242).

Além da observação e uma percepção reducionista de toda a teoria aplicada às práticas de incentivo à leitura, sobretudo de textos poéticos, assim como a listagem de todas as responsabilidades das instituições escolares sobre essas, deve ser aqui ponderada às dificuldades enfrentadas pelos professores de língua portuguesa para\com suas aulas. Da inadequação das estruturas físicas à ausência de recursos materiais, muitas são as justificativas apresentadas pelos professores para justificar o tradicionalismo no trabalho com a leitura em suas aulas. E embora esta problematização não seja o objetivo principal desta atividade, é importante partilhar alguns questionamentos que impulsionaram a escolha desta temática para o desenvolvimento da mesma: i) como desenvolver o hábito de leitura de poesias\poemas em alunos que nunca leram sequer uma obra literária na integra? ii) como desenvolver uma experiência de identificação e ressignificação com uma obra que, provavelmente, não seria lida fora de um contexto escolar? iii) como proporcionar aos alunos a possibilidade de desenvolver, individual e coletivamente, sua própria leitura do texto poético?

Este trabalho é, portanto, uma tentativa de desenvolver de maneira assertiva e efetiva a indicação de trabalho lançada pelos PCN, sob a égide da LDB da educação pública brasileira, no que compete às práticas de leitura e letramento. Para isso, no primeiro momento, as atividades contemplarão a verificação do conhecimento literário que os alunos já possuem, por meio das seguintes estratégias: i) exposição oral investigativa, que os alunos serão conduzidos a fazer, sobre as ideias surgidas a partir da apresentação da obra; ii) leitura individual e coletiva comentada sobre as percepções de cada um sobre a obra; iii) produção de uma composição poética performática coletiva para ser apresentada em ocasião do IV festival literário da SD; iv) produção de uma poesia por cada aluno com finalidade de ser exposta,

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divulgada e selecionada para o concurso de poesias do IV festival literário da SD, na página oficial do projeto ―Sociedade dos poetas vivos-SD‖1

.

A conclusão dessa etapa do trabalho acontecerá com apresentação, divulgação e premiação das poesias inscritas no IV concurso de poesias da SD, que em 2018 teve como tema norteador ―retratos de amor‖. Neste mesmo evento, em momento posterior, a produção da turma será apresentada a toda comunidade escolar em ocasião do IV Festival literário da Santos Dumont. Dia festivo na escola, em que se reúnem alunos, alunos, professores, ex-professores, servidores, pais e outros familiares, numa espécie de ―escola aberta‖ para a divulgação e promoção dos trabalhos desenvolvidos pelas turmas no primeiro semestre do ano de 2018.

O presente texto, gerado antes, durante e após a execução de tais atividades, está dividido em quatro capítulos que apresentarão os aportes teóricos nas perspectivas de metodologias e desenvolvimento das atividades que norteiam este trabalho, sendo o primeiro deles destinado a discutir ―O espaço da literatura na escola‖. Tal capítulo trará contribuições acerca do caráter humanizante da leitura literária na escola e como os documentos oficiais norteiam as suas concepções de ensino. Nessa mesma seção, haverá um espaço destinado a ponderações acerca do espaço destinado ao texto poético no ensino de literatura nas salas de aula.

Como fruto dessa revisão documental, o capítulo seguinte, intitulado ―O aluno Leitor/Escritor e a Experiência Poética‖, o qual busca apontar a formação do leitor pela escola pública na atualidade, partindo de considerações sobre quais possibilidades formativas podemos oferecer ao ―aluno real‖ destas instituições, dadas às limitações e dificuldades enfrentadas em nosso trabalho. Neste mesmo capítulo trago o contexto do leitor (a voz e a vez) como instrumento de inclusão do aluno como sujeito agente nos eventos de letramento e uma possibilidade de leitura da obra selecionada pela turma (Morte e Vida Severina).

O último capítulo traz a caracterização da instituição, dos alunos e do trabalho desenvolvidos ao longo desses quase dois anos, fazendo uma abordagem sobre a experiência de recepção, leitura e performance desenvolvidos no percurso deste trabalho. Serão

1 A sociedade dos Poetas Vivos- SD – projeto criado em 2013, inicialmente centrava-se em oportunizar espaços

de tempo nas aulas para se pensar, falar e escrever sobre a literatura de maneira mais livre da tradição transmissiva, com atividades de caráter motivador. De recitais semanais nas salas de aula à exposição de textos próprios nos quadros de exposição de avisos, com o passar dos anos os próprios alunos sentiram a necessidade de expandir as ações da Sociedade para outras dimensões da nossa escola. Atualmente os alunos participantes do projeto gerenciam uma página de divulgação e publicação no Facebook; realizam anualmente o Festival Literário Institucional aberto à comunidade escolar; estão organizando a publicação do segundo livro de poesias e poemas resultantes do evento anteriormente citado; e desenvolvendo um site de divulgação e interação para\com todos os participantes das ações do projeto.

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apresentadas também as descrições das atividades e os resultados gerados na turma selecionada.

Finalizando as ponderações introdutórias desta atividade, cabe aqui apontar as palavras de Galeano, as quais são norteadoras de todo este trabalho: ―a primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la‖. Pela aluna que fui, por oito anos, da instituição supracitada. Pela professora que sou há cinco anos, nessa mesma casa, coloco à disposição deste projeto a experiência pessoal de vivência e trabalho na escola pública selecionada, de um relato construído e constituído na ―pele‖ de quem trilhou todos os caminhos possíveis por uma escolha própria. Das salas da Santos Dumont pras salas da UFRN.

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2 O ESPAÇO DA LITERATURA NA ESCOLA

―Aceitar que numa sociedade podemos ter gente que nunca vai ter a menor oportunidade de acesso a uma leitura literária é uma forma perversa de compactuarmos com a exclusão. Não combina com quem pretende ser democrático‖. (Ana Maria Machado) ―Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável‖. (Antonio Candido)

As instituições escolares, por meio do livro didático, muitas vezes, ignoram que o leitor formado em sua grade curricular, além do plano educacional, vive no plano real de uma existência particular e concreta, com limitações, dilemas e questionamentos próprios, estando e sendo sujeito agente e paciente de todo o processo de construção do conhecimento. Esse leitor não pode ser avaliado e moldado pela idealização de nossas expectativas.

Sendo assim, tais instituições deveriam propor ao aluno o contato com livros de caráter estético que ofereçam uma visão crítica do mundo, de modo a conduzi-lo a uma oportunidade de vivenciar leituras que, provavelmente, não seriam oportunizadas fora do contexto escolar. Isso por que a sala de aula não é mais o lugar de receber as informações do professor de maneira passiva, mas para a troca de experiências, de discussões, de refutações, de exteriorização dos pontos de vista, de modo a promover o diálogo sobre os problemas que circunscrevem sua existência. Assim, o processo de aprendizagem torna-se algo prazeroso, convidativo e significante.

Para tal, é preciso primeiro que os profissionais internalizem a importância de priorizar as práticas de leitura em suas aulas, para que possam, em um momento seguinte, construir o despertar pelo prazer e o gosto pela leitura. Somente reeducando os professores é que conseguiremos apontar aos alunos o que há de tão fantástico na leitura.

Aqui, considero que um trabalho baseado nas alternativas metodológicas pode tornar-se uma prática transformadora e enriquecedora ao conciliar o discernimento da atividade e da seleção literária coerente com a mediação do professor, viabilizando caminhos para despertar

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o prazer de envolver-se na atividade proposta, formando o gosto de ler e a ampliação do horizonte de expectativas do leitor.

A experiência literária, consoante Candido (2004, p. 180), tem um papel fundamental na formação humana, pois ―desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante‖. De maneira que, sendo a literatura uma forma de expressão constitutiva do ser humano, seja porque cria e recria o mundo, em diferentes espaços e tempos, seja porque ―nos diz o que somos e nos incentiva a desejar e a expressar o mundo por nós mesmos‖ (JOBIM, 2009, p. 17), pela construção literária, vozes tornam-se audíveis, vislumbram-se horizontes, realidades longínquas e próximas se desvelam, ideias se corporificam, possibilitando ao sujeito-leitor uma melhor compreensão do mundo ao seu entorno e de sua própria existência nesse mundo. Nas palavras de Manguel:

Para aqueles que podem ver, a existência se passa num rolo de imagens que se desdobra continuamente, imagens capturadas pela visão e realçadas ou moderadas pelos outros sentidos, imagens cujo significado (ou suposição de significado) varia constantemente, configurando uma linguagem feita de imagens traduzidas em palavras e de palavras traduzidas em imagens, por meio das quais tentamos abarcar e compreender nossa existência. As imagens que formam nosso mundo são símbolos, sinais, mensagens e alegorias. Ou talvez sejam apenas presenças vazias que completamos com o nosso desejo, experiência, questionamento e remorso. Qualquer que seja o caso, as imagens, assim como as palavras, são a matéria de que somos feitos. (MANGUEL, 2001, p. 21).

E em se tratando de espaços educativos, desde a antiguidade aos dias atuais, a literatura sempre se fez presente. Associada às diversas circunstâncias sociais e históricas de cada tempo. Primeiramente, para os gregos, de quem o Ocidente herdou a instituição escolar, a prática literária estava intrinsecamente ligado à necessidade de domínio do código verbal, a partir do qual se dava o acesso aos padrões canonizados pelos poetas e literatos da época, pois o texto literário era ―o gênero mais próximo da linguagem verbal, que cabia conhecer e saber utilizar‖ (ZILBERMAN, 2009, p. 12).

Em se tratando do nosso país, por exemplo, em um primeiro momento, era natural que a literatura constasse, de forma prestigiada, unicamente nos currículos escolares da educação abastada, uma vez que a leitura literária era tomada como [...] sinal distintivo de cultura (logo, de classe social): ter passado por Camões, Eça de Queirós, Alencar, Castro Alves, Euclides da Cunha, Rui Barbosa, Coelho Neto e outros era demonstração de conhecimento, de cultura (OCEM, 2006, p. 51).

O modelo de ensino de literatura do passado estabelecia como parâmetro a ser absorvido pelos leitores determinado conjunto de autores e obras, integrantes de um

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paradigma não só de modelo de escrita, mas principalmente de conduta, responsável pela introdução do sujeito na instância social cultivada pela tradição afinal ―Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudiciais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática‖ (CANDIDO, 2004, p. 175).

Com a ampliação do acesso à escolarização e a consequente inserção de camadas populares na instituição escolar, houve uma significativa ruptura no ensino de literatura (ZILBERMAN, 2009). Essa ruptura perfilhou um cenário educacional controverso, ainda vivenciado hoje: de um lado, uma forte tendência a se valorizar obras e autores representativos de um período anterior, em detrimento de autores e obras do momento vivenciado pelos educandos, restringindo o tratamento dado a esses autores e obras a dados biográficos, históricos e estruturais. De outro lado, práticas de trabalho com a literatura tomam o texto literário como mais um dentre a diversidade de gêneros textuais que circulam socialmente. A prática com textos ganha centralidade no modelo de ensino da escola atual, fortalecida pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM, 2000), a ponto de substituir o próprio estudo da língua e da literatura, tendo como justificativa para tal, a superestimada finalidade de desenvolver a capacidade do educando de utilizar a linguagem, em diferentes situações de comunicação (PCNEM, 2000).

Dado o exposto, conclui-se que não obstante todas as reformas e melhorias, trazidas pelos parâmetros Curriculares Nacionais e, novamente, reorganizadas pela BNCC, as quais apontam para a ideia, de forma geral, que o aluno passe a aprender prioritariamente para a vida, e não exclusivamente para a prova, como também a tentativa de redemocratizar os espaços a estrutura educacional do Brasil nos últimos anos, atualmente, o ensino de literatura ainda apresenta, na maioria das instituições de ensino, a característica marcante de transmissão de regras e princípios que deveriam nortear a vida dos cidadãos: a leitura do texto literário é sempre um pretexto para algo e não o verdadeiro fim. Como se vê, o lugar da literatura na escola é um lugar de conflitos e de agitações.

2.1 LITERATURA E HUMANIZAÇÃO X LEITURA LITERÁRIA E O SEU ENSINO

Baseado no apontado na seção anterior e tendo em vista que este trabalho terá como sujeitos alunos de uma turma de alunos do ensino médio, é de grande valia fazer, aqui, algumas considerações às quais justifiquem a mudança de nível e escolha do objeto em foco: a) a mudança de nível se deve ao fato de que as escolas da rede pública estadual estão

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gradativamente reduzindo a oferta de Ensino fundamental, cuja responsabilidade é da administração municipal, de modo que todos os anos turmas são fechadas, dificultando o desenvolvimento e a continuidade do trabalho iniciado em anos anteriores; b) com uma rede estruturada para o ensino médio, na referida escola, a maioria dos alunos se submeterá a exames para o ingresso em universidades e institutos de ensino médio integrado, tais como a própria UFRN e o IFRN, mas não somente; tais certames apresentam como parte integrante para a seleção destes alunos avaliações completamente interdisciplinares que exigem do aluno bastante conhecimento sobre a diversificação para\com o uso das linguagens; c) a prática frequente com o uso de textos literários nos tem mostrado que os alunos são em sua maioria inseguros quanto à ideia de opinar sobre esses textos, assim como escrevê-los sob a justificativa de que a atividade é muito difícil, o que os leva a buscar ―receituários‖ prontos para todos os gêneros; d) a centralização da razão de ser da escola no processo de ensino-aprendizagem requer mais que a simples aceitação de uma tradição. Em outras palavras, é preciso ofertar aos alunos práticas que ressignifiquem o próprio sentido do ato de estudar, de pensar, de ler e até mesmo do ato de viver, na medida em que tais atitudes, por si, já exigem o reordenamento do conjunto de significados presente em cada um dos sujeitos do processo ensino-aprendizagem; e) a escola nos proporcionou a experiência que, nos dias de hoje, pode ser validado: o processo de construção da cultura é, entre outras faces, a construção e a apropriação de linguagens. De modo que o domínio das linguagens é a condição básica para a ordenação do pensamento. Deste modo, a leitura e escrita de textos poéticos seriam práticas irrefutáveis na diversificação dos usos das linguagens, assim como no desenvolvimento de um repertório próprio de relações intertextuais.

Relativamente ao uso de textos literários nas aulas de língua portuguesa, uma das dificuldades que os alunos apresentam diz respeito direto à forma fragmentada com a qual esses textos vem sendo tratados na sala de aula. Muitas vezes essa prática é justificada pelo modo como os mesmos textos são dispostos nos exames de seleção para os ensinos técnicos e superiores no Brasil. Conforme constatou esta última observação, muitas estratégias curriculares partem da diversificação total dos gêneros que devem ser apresentados aos alunos nos ensinos fundamental e médio. Pela limitação de recursos materiais e pelas reduzidas condições de trabalho, entre outras justificativas, muitas vezes os professores optam por usar apenas os textos ofertados nos materiais didáticos disponibilizados pelo Governo Federal na configuração do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

Embora a maioria das editoras organizadoras dos livros didáticos tenha evoluído bastante, no que compete à seleção, organização e diversificação dos textos literários

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utilizados em sua composição, esses materiais optam por usar apenas um fragmento das obras em questão para desenvolver os conteúdos ou caracterizações pertinentes a esta leitura. Algo completamente justificado pela limitação de espaço material plausível a este trabalho. Todavia, o que pode ser percebido é que muitos alunos estão substituindo a leitura integral das obras pelos fragmentos explicativos encontrados nos livros didáticos e/ ou por resumos dispostos na internet.

Ilustrando a constatação anterior, podemos observar as imagens 1, 2 e 3 dispostas nos anexos deste relatório, as quais apontam o tratamento fragmentado dado às indicações de leitura para alunos e professores.

Percebe-se, portanto, que o ensino de literatura ainda segue o viés que afastava ainda mais os alunos da leitura por prazer, haja vista, na atual abordagem dos livros, parecerem ser mais importante ler um fragmento de quase tudo, sob a perspectiva de um enquadramento estético de uma determinada escola literária. Uma memorização das características de cada movimento literário e o nome de alguns de seus representantes. Práticas pouco, ou nada, ilustrativas do fator humanizante que é o princípio básico do amadurecimento do leitor enquanto ser crítico e reflexivo formado pela escola, como ponderado por Candido.

Entendendo aqui por humanização o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza. (CANDIDO, 1995, p. 117).

Apesar de não trabalhar do mesmo modo com conceitualizações, a literatura é capaz de retratar o homem em sua totalidade, e a sua experiência histórica de maneira global: ―é uma verdade que se torna, que se organiza minuciosamente, é toda uma existência humana que passa do abstrato ao concreto, da miséria à riqueza, do universal ao singular, da objetividade anônima à subjetividade‖ (Sartre, 1964, p. 44). A função da literatura, para Sartre, aproxima-se do papel que tem a literatura para Candido no que diz respeito ao seu procedimento de humanização, que, segundo o estudioso brasileiro

[...] confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. (CANDIDO, 1995, p. 180).

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Esse processo de humanização, o qual deveria ser inerente ao ser humano, se dá pelo fato da literatura harmonizar um efeito duplo no leitor onde este o remete ao distanciamento e aproximação de situações da vida, trazendo situações não reais que instigam o leitor a um posicionamento crítico-reflexivo e, portanto, intelectual, assim, mesmo distante de sua rotina, a literatura leva o leitor a refletir sobre seu cotidiano e incorporar novas experiências. Mesmo não conhecendo o Nordeste ou nunca tendo vivenciado qualquer situação semelhante às apresentadas na narrativa do auto de natal Morte e Vida Severina, o leitor atento deve perceber que há no texto uma exposição de denúncia política e flagrante do desrespeito aos direitos humanos. Matar pessoas por terra. Sujeitá-las às condições ínfimas de sustentação e sobrevivência. Cegarmos as questões sociais que parecem não ser nossas mas de fato são: somos todos Severinos.

O poema, nesse contexto, é a própria expressão política e é durante o processo de leitura que o leitor entra em contato com diferentes culturas estimulando assim a compreensão de sua função como sujeito histórico. Nas palavras de João Cabral ―um galo sozinho não tece uma manhã/ ele precisará sempre de outros galos/ De um que apanhe esse grito que ele /e o lance a outro (...)‖, definindo o poema como uma parábola sobre a identidade coletiva através de uma realização, de maneira semelhante ao provérbio popular que expõe ―uma andorinha só não faz verão‖ em uma leitura mais abrangente.

É nessa literatura impregnada de função social que reside também a função psicológica da leitura. Todo ser humano em alguma ocasião de sua vida carece do imaginário, necessita ir além de sua própria condição de homem, mulher, pai, mãe, professor, aluno e outros atores sociais que desempenhemos. Ela então vem suprir essas necessidades de variadas formas como a poesia, o conto, a lenda, os romances, as epopeias, entre outros gêneros. Em vista disso, a literatura seria capaz de promover um aspecto mais amplo do fato, sem excluir o ângulo dialético que aceita aos leitores apreenderem a existência em suas nuanças e em seus limites, função esta importante porque, conforme Candido, o texto literário

[...] tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudiciais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. (CANDIDO, 1995, p. 175).

Ao lidar tanto com a particularidade das situações, caracterizando Severino como um retirante que se vê obrigado a abandonar suas raízes em busca de qualquer qualidade de vida,

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e compará-lo ao absoluto que é o homem, vemos a literatura de Joao Cabral encontra-se nesse cruzamento contraditório, a aliar ética e estética, universal e particular, metafísica e história, literatura que, no momento em que a construção operada pelo poeta

[...] está ligada à complexidade da sua natureza, que explica inclusive o papel contraditório, mas humanizador (talvez humanizador porque contraditório). Analisando-a, podemos distinguir pelo menos três faces: (1) ela é uma construção de objetos autônomos como estrutura e significado; (2) ela é uma forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e dos grupos; (3) ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação difusa e inconsciente. (CANDIDO, 1995, p. 176).

Enquanto questionamento sobre a ordem humana, enquanto forma de conhecimento humanizante, essa literatura, se dá, segundo Sartre2, por meio de uma passagem entre o mundo do imaginário, irreal, próprio das mostras artísticas, e a existência histórica ou o mundo real. De modo que o homem seja o ser para o qual seu próprio ser está em questão e constantemente, o que deve ser feito, escolhido, significado por si e pelos outros, somado à necessidade de conceber constantemente a sua própria essência. A literatura talvez não nos leve à resposta definitiva sobre si, talvez ela também não nos forneça todas as perguntas, mas ela nos prepara a procurar nossas próprias soluções.

―A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante‖ (Candido, 1995, p. 180). Por conseguinte, um ensino da literatura que se fundamente na leitura e resulte em uma prática dialógica seria ideal de educação a ser ofertada para nossos alunos. Esse ideal de ensino levaria o indivíduo a abrir seus horizontes uma vez que, a partir de sua própria experiência de leitura, agiria sobre sua comunidade, teria condições para pensar sobre os fatos ocorridos ao seu redor, seria capaz de expor opiniões e buscar entender, exercitar e promover os seus direitos e de todos os seus semelhantes. Um aluno humanizado é, sobretudo, aquele que pensando como um cidadão sai da escola em busca dos seus direitos.

―Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável‖ (Candido, 1995, p. 191) reafirmando-se a necessidade de uma oferta de ensino de qualidade aos jovens, ofertando-lhes literaturas de qualidade que estimulem o espírito crítico, que propiciem a formação humana, ou seja, que habilite o indivíduo a perceber as especificidades da coletividade, sobre as formas de convivências, sobre tabus e preconceitos. A literatura é a arte

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de fazer o ser humano livre, mas também responsável, comprometido com o que escolhe e com o que deixa de escolher, com o que pensa e diz, bem como com o que ignora ou silencia. 2.2 LITERATURA E OS DOCUMENTOS OFICIAIS

A língua é um ―sistema de signos histórico e social que possibilita ao homem significar o mundo e a realidade‖; a linguagem, ―uma forma de ação interindividual orientada por uma finalidade específica‖ (PCN, 2000). Com base nessa compreensão, é possível afirmar que, se ao indivíduo é dado comunicar-se por meio de linguagens e se o sistema linguístico é um dos recursos disponíveis para esse fim, as aulas de língua portuguesa constituem-se no espaço, por excelência, para que o encontro dessas duas entidades se dê eficazmente. Nos eventos de interação, os sujeitos, por meio da fala ou da escrita, têm a oportunidade de desenvolver sua competência comunicativa, observada na interlocução, na leitura e na produção de textos.

Essa postura é ratificada nos PCNEM (2002), quando o documento, referindo-se a Halliday (1974), afirma que o ensino produtivo da língua materna só é possível se os alunos forem preparados para o exercício linguístico pleno, uma vez que o amplo domínio de sua expressão verbal, falada ou escrita lhes dará acesso à cidadania. Sobre este fim, o referido documento apresenta, na página 145, duas habilidades a serem desenvolvidas nos alunos relacionadas à literatura.

Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal, relacionando textos, contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura, de acordo com as condições de produção, recepção (intenção, época, local, interlocutores participantes da criação e propagação de ideias e escolhas, tecnologias disponíveis).

(...)

Recuperar, pelo estudo do texto literário, as formas instituídas de construção do imaginário coletivo, o patrimônio representativo da cultura e as classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial. (BRASIL, 2002, p. 145).

Também neste documento, a linguagem ou as linguagens passam a ser vistas como o principal meio tanto para a coletivização de conhecimentos e significados, quanto para a investigação e construção da identidade do próprio estudante, ao passo que a linguagem verbal passa a ser, por excelência, o instrumento básico da interdisciplinaridade.

Práticas inovadoras, como as de letramento, são um caminho possível e viável a esse fim. Nesse sentido, ainda segundo os PCN, o ensino da literatura ou da leitura literária é singularizado porque envolve

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[...] um exercício de reconhecimento das singularidades e das propriedades compositivas que matizam um tipo particular de escrita. Com isso, é possível afastar uma série de equívocos que costumam estar presentes na escola em relação aos textos literários, ou seja, tratá-los como expedientes para servir ao ensino das boas maneiras, dos deveres do cidadão, dos tópicos gramaticais, das receitas desgastadas do ‗prazer do texto‘, etc. Postos de forma descontextualizada, tais procedimentos pouco ou nada contribuem para a formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias (BRASIL, 2002, p. 37-38).

A exposição desse objetivo educacional nos parâmetros reformulados e o seu debate, seguido da abordagem da concepção de leitura literária no ensino fundamental e, por fim, no ensino médio, são as três grandes discussões que faremos posteriormente neste projeto. Iniciamos, então, pela primeira: a visão dos PCN+ em relação à educação pública brasileira. Segundo o Ministério da Educação, estes documentos visavam a tornar-se uma referência para elaboração dos currículos escolares, como também servir de subsídio para elaboração das propostas curriculares estaduais e municipais, todavia

[...] a falta de sintonia entre realidade escolar e necessidades formativas reflete-se nos projetos pedagógicos das escolas, frequentemente inadequados, raramente explicitados ou objeto de reflexão consciente da comunidade escolar. A reflexão sobre o projeto pedagógico permite que cada professor conheça as razões da opção por determinado conjunto de atividades, quais competências se buscam desenvolver com elas e que prioridades norteiam o uso dos recursos materiais e a distribuição da carga horária. Permite, sobretudo, que o professor compreenda o sentido e a relevância de seu trabalho, em sua disciplina, para que as metas formativas gerais definidas para os alunos da escola sejam atingidas. Sem essa reflexão, pode faltar clareza sobre como conduzir o aprendizado de modo a promover, junto ao alunado, as qualificações humanas pretendidas pelo novo ensino médio. (BRASIL, 2002, p. 9).

Cabe aqui haver a menção dos quatro saberes propostos pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), os quais também são expostos no referido documento, que funcionam como pilares da educação nas sociedades contemporâneas. Sendo o primeiro deles o saber de aprender a conhecer; posteriormente ser o aprender a fazer, seguido do aprender a viver com os outros; por fim o aprender a ser. ―Saberes cuja conquista ultrapassa a mera aquisição de informação, uma vez que abarcam a formação humana e social do indivíduo. Objetivos tão amplos certamente não serão atingidos com um ensino conteudista e fragmentado‖ (BRASIL, 2002, p. 6).

É fato, porém, que assumir tais saberes em um posicionamento didático não é tão simples nem tão fácil para boa parte dos docentes que lidam com o ensino da língua materna, seja no Ensino Fundamental, níveis I e II, seja no Ensino Médio. Deste modo, o conhecimento que se quer proporcionar ou construir deve ser reflexivo e crítico nas três áreas propostas

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pelos PCNEM e no estrato que as transcende: a cultura, termo aqui empregado em sentido amplo.

Esse conhecimento deve ser encarado não só como produto da ação humana, mas também como instrumento de análise, transformação e criação de uma realidade concreta. Sobre essa questão, com relação ao ensino de literatura, especificamente, os PCNEM (1999) apontam que o ensino de história da literatura deveria ocupar um papel secundário, enfatizando-se a formação de leitores de literatura. Abaixo, apresentam-se alguns fragmentos do PCN+, para evidenciar a dualidade que se estabelece no ensino de literatura entre os documentos de 1999 e 2002. O primeiro exclui a história da literatura enquanto o outro destaca a mesma de maneira relevante, gerando uma grande imprecisão teórica no ensino dessa matriz curricular. No segundo documento, tem-se que

[...] entender as manifestações do imaginário coletivo e sua expressão na forma de linguagens é compreender seu processo de construção, no qual intervêm não só o trabalho individual, mas uma emergência social historicamente datada. O estudo dos estilos de época, por exemplo, em interface com os estilos individuais, adquire sentido nessa perspectiva: a de que o homem busca respostas – inclusive estéticas – a perguntas latentes ou explícitas nos conflitos sociais e pessoais em que está imerso (BRASIL, 2002, p. 52).

A língua, bem cultural e patrimônio coletivo, reflete a visão de mundo dos seus falantes e possibilita que as trocas sociais sejam significadas e ressignificadas: No domínio desse conceito está, por exemplo, o estudo da história da literatura, a compreensão do dinamismo da língua, a questão do respeito às diferenças linguísticas, entre outros (IDEM, p. 66).

A formação do aluno deve propiciar-lhe a compreensão dos produtos culturais integrados a seu(s) contexto(s) – compreensão que se constrói tanto pela retrospectiva histórica quanto pela presença desses produtos na contemporaneidade (IDEM, p. 69).

Desse modo, qualquer docente que opte por realizar o seu trabalho baseado em uma das visões de ensino de literatura apontadas acima, está respeitando as diretrizes curriculares nacionais. O que de fato ocorre é que este mesmo docente irá escolher a visão que mais se adeque a sua realidade instrumental de trabalho.

Nesse embate, o trabalho eficiente com o texto literário na sala de aula é fundamental para esse fim, pois permite rever alguns conceitos consagrados pela tradição do ensino. Cabe ao professor, nesse contexto, além de dominar os conteúdos literários em questão, ter condições de tratar a diversidade de leituras não contemplados na abordagem convencional dos livros didáticos, mas que fazem parte das leituras cotidianas dos alunos. A pertinência desse pensamento reside no fato de o novo momento histórico-social em que esses sujeitos estão inseridos exigir pessoas mais eficientes e atualizadas em termos literários.

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A visão de literatura proposta pelos PCNEM, em seguida, alimentada pelos PCN+ Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (2002), provocaram inúmeros equívocos na escola, os quais foram corrigidos pelas OCEM (2006), para os documentos de orientações, o primeiro documento dá ênfase exagerada ao interlocutor, ―chegando ao extremo de levantar as opiniões do aluno como critério de juízo de uma obra literária, deixando, assim, a questão do ‗ser ou não ser literário‘ a cargo do leitor‖ (BRASIL, 2006, p. 58). Ainda segundo o mesmo documento, no que tange o fomento à historiografia literária, a história é demonstrada como se fosse condição indispensável e única para se compreender as produções literárias. Um outro equívoco partilhado seria a ideia de que fruição estética se reduz a divertimento, ―deixando espaço para que se compreenda o texto literário apenas como leitura facilmente deglutível‖ (BRASIL, 2006, p. 59). Logo, percebe-se a falha do documento, cujo objetivo era o de orientar e direcionar o ensino de literatura. Para Cereja, o malogro dos PCNEM se deu

[...] por conta da insuficiência teórica e prática do documento; em segundo lugar, porque fazia críticas ao ensino de gramática e de literatura sem deixar claro como substituir antigas práticas escolares por outras, em acordo com as novas propostas de ensino; em terceiro lugar, porque, na opinião de muitos professores, a literatura ─ conteúdo considerado a ―novidade‖ da disciplina no ensino médio ─ ganhou um papel de pouco destaque no documento, isto é, o papel de ser apenas mais uma entre as linguagens que se incluem na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. (CEREJA, 2004, p. 179).

As OCEM propõem uma atualização das discussões tecidas nos parâmetros, defendendo que o discurso literário tem suas peculiaridades e que a especificidade da literatura deve ser respeitada no Ensino Médio, em prol de uma formação humana crítica, que permita ao sujeito caminhar rumo à emancipação intelectual e social. Como instrumento norteador do ensino de literatura, os PCNEM advertem que

[...] o processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa deve basear-se em propostas interativas língua/linguagem, consideradas em um processo discursivo de construção do pensamento simbólico, constitutivo de cada aluno em particular e da sociedade em geral. [...] O trabalho do professor centra-se no objetivo de desenvolvimento e sistematização da linguagem interiorizada pelo aluno, incentivando a verbalização da mesma e o domínio de outras utilizadas em diferentes esferas sociais. Os conteúdos tradicionais de ensino de língua, ou seja, nomenclatura gramatical e história da literatura, são deslocados para um segundo plano. O estudo da gramática passa a ser uma estratégia para compreensão/interpretação/produção de textos e a literatura integra-se à área de leitura. (BRASIL, 1999, p. 18).

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O referido documento não ignora o colapso vivenciado pela literatura nas últimas décadas, reconhecida pelas mudanças sociais ocorridas a partir da segunda metade do século XX? , época em que se destaca, de modo geral, acirrado processo de industrialização e de informatização. Verifica-se também o surgimento de um mundo instável, redesenhado pela pressa, pelos suportes eletrônicos e digitais, e por uma intensa movimentação do cotidiano das pessoas. Mundo marcado pelo acelerado movimento de informações, pelo centramento no individual, em detrimento dos interesses coletivos, e mobilizado pelo consumo (LYOTARD, 1986).

Nesse contexto de inconstância, tornaram-se frequentes questionamentos, como: Por que ensinar literatura? Qual é o lugar da literatura na escola? Sobretudo sobre a utilização do texto poético: Poesia pra quê? Pra quem? As discussões tecidas no decorrer dessa pesquisa indicam que a presença da literatura na escola, especialmente no Ensino Médio, é marcada por tensões e conflitos, todavia mostra-se como meio fundamental para a formação e humanização dos sujeitos-leitores. Portanto, a leitura desses documentos são fundamentais para que o educador possa entender o texto literário como mais um dentre a diversidade de gêneros textuais que circulam socialmente e defende a especificidade da literatura na escola, e considere que a experiência literária desempenha papel fundamental na formação dos educandos, seja por contribuir para o desenvolvimento de competências leitoras e escritoras, seja por possibilitar um melhor (re)conhecimento de si, do outro e do mundo.

2.3 ESCOLA: UM ESPAÇO SINGULAR E PLURAL PARA POESIA

―Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã (...)‖ são as palavras iniciais do poema O lutador, de Carlos Drummond de Andrade e nelas encontramos a resposta para quase todos os questionamentos sobre a utilização do texto poético na educação de crianças e adolescentes: Poesia é para a escola porque a escola é espaço de luta. E os nossos alunos devem saber isso desde cedo.

Sabemos que a trajetória do leitor deve ser iniciada o mais cedo possível, antes mesmo da alfabetização escolar. Pela audição de histórias e poemas, com livros visualmente estimulantes, de modo que haja práticas de leitura, com efeitos de provocação ao gosto pelo texto literário, realizadas no ambiente familiar e desenvolvidas, posteriormente, no contexto escolar. Posteriormente, leitura e literatura serão, muitas vezes, o foco das discussões e

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planejamento das aulas no ensino médio. Mas a pergunta que norteia as discussões aqui iniciadas: literatura pode ser ensinada? A professora Maria de Fática Cruvinel3 esclarece que

[...] não se trata de ensino de literatura, isto é, apesar de se configurar como parte integrante da disciplina língua portuguesa, o gênero literário não se subverte ao discurso pedagógico, portanto, não pode ser tomado como conteúdo programático a ser ensinado. A atividade de leitura deve se colocar como uma provocação, para que o leitor, diante do texto, ou seja, dos conflitos, das personagens, de suas experiências, de seu universo, de tudo o que lhes revela sua humanidade, possa se colocar frente a si mesmo, na medida em que se depara com a vida do outro, ou se sente tocado pela subjetividade alheia, considerando também a experiência de leitura do gênero lírico, por exemplo (CRUVINEL, 2008, p. 126).

Dominada a decodificação do código escrito e alcançada a posição de leitor em formação, a leitura na escola pode e deve passar a ser compartilhada. O que comumente é feito nas salas de aulas tendo o professor como guia para esclarecer as dúvidas que por hora surjam. Essa leitura guiada muitas vezes acostuma o estudante a depender da orientação do professor para aprovar suas visões sobre o texto, além de não serem atividades que nivelem os alunos em termos de conhecimentos. Muitas vezes, nem as orientações dos docentes são o suficiente para que os discentes entendam as leituras. Todavia é preciso treinar os alunos para uma leitura autônoma, em seu tempo. Desvendando as entrelinhas do texto e construindo seu próprio tecido de significação. Nesse sentido, para Cosson, é fundamental que seja colocado como foco das práticas literárias na escola a leitura efetiva dos textos, e não as informações das disciplinas que ajudam a construir essas leituras. Essa leitura não pode ser realizada, simplesmente pelo prazer absoluto de ler. "Por fim, devemos compreender que o letramento literário é uma prática social e, como tal, responsabilidade da escola." (Cosson, 2012, p. 23).

O autor ainda afirma que "seja em nome da ordem ou do prazer, o certo é que a literatura não está sendo ensinada para garantir a função social de construir e reconstruir a palavra que nos humaniza." (Cosson, 2012, p. 23). Apontando que falta nas aulas de língua portuguesa um objeto próprio de ensino da literatura, uma vez que há anos os professores tem se prendido apenas na História da Literatura, e que esses precisam deixar de lado esta noção conteudística do ensino para saber que, o que pode ser acertado ao aluno é uma experiência de leitura a ser compartilhada. Para aqueles que confiam que basta a leitura de qualquer texto, é preciso que apreendam que essa experiência poderá e deverá ser ampliada com dados específicos do campo literário e até fora dele, haja vista que

3 Professora de Língua Portuguesa do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação/ UFG, doutora em

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[...] a literatura, no decorrer da história da humanidade, adquiriu um viés utilitário que perpassou e perpassa toda prática escolar; o que conduz a cristalização do ensino com um duplo pressuposto ―[...] a literatura serve tanto para ensinar a ler e a escrever quanto para formar culturalmente o indivíduo.(COSSON, 2014, p. 20).

Sabemos que hoje o aluno tem uma ampla produção cultural voltada para o seu consumo e entretenimento. São séries, revistas digitais, adaptações cinematográficas e vários outros elementos deveriam agir de maneira complementar na formação desses leitores. E cada vez mais cedo eles adentram aos portões das universidades, alguns aos 16 anos. São leitores que pouco ou nada experimentaram sobre diferentes óticas literárias tendo que lidar com textos e livros completamente fora do seu universo de reflexão. Um fenômeno também muito comum é nos depararmos com alunos fora da faixa etária média nas nossas aulas. Alunos que deveriam estar em meados de sua formação universitária começando ou terminando o ensino médio. Não raramente há alunos com 23 anos tentando terminar o segundo segmento dos estudos. Esse paradoxo acaba por representar um desafio a mais para o professor em sua prática: preparar uma aula que incentive a evolução dos que já estão lendo, resgatar aqueles que já aceitaram que não serão leitores e iniciar aqueles que sequer tiveram experiências de leitura relevante. Desafio quase impossível, se não existisse a poesia.

Em Subversiva, o poeta Ferreira Gullar diz que ―A poesia /Quando chega/Não respeita nada.‖ E completa nos versos finais ―Reconsidera: beija/Nos olhos os que ganham mal /Embala no colo /Os que têm sede de felicidade /E de justiça.‖. Nos versos desse metapoema que compara a poesia com uma prostituta, revelando um argumento analógico chocante: todos queremos ser acariciados e beijados por ela. Todos queremos ser amados por ela. Todos queremos nos sentir bem nesses 10 minutos de programa com texto. Todos queremos vencer os nossos abismos. A comparação da poesia com uma puta, o tom do ethos provocativo, a escolha pelo grotesco e antinatural demarcam neste texto elementos que podem e devem ser utilizados nas aulas como guias no trabalho de leitura, mas antes de tudo isso é preciso provocar os nosso alunos a desenvolverem sua fruição do poema, assim como proposta nas práticas de letramento dos documentos oficiais― (...) podemos pensar em letramento literário como estado ou condição de quem não apenas é capaz de ler poesia ou drama, mas dele se apropria efetivamente por meio da experiência estética, fruindo-o‖ (BRASIL, 2006, p. 55). Para letrar por meio do experimento estético, as OCNs elucidam que:

Estamos entendendo por experiência literária o contato efetivo com o texto. Só assim será possível experimentar a sensação de estranhamento que a elaboração peculiar do texto literário, pelo uso incomum de linguagem, consegue produzir no leitor, o qual, por sua vez, estimulado, contribui com sua própria visão de mundo

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para a fruição estética. A experiência construída a partir dessa troca de significados possibilita, pois, a ampliação de horizontes, o questionamento do já dado, o encontro da sensibilidade, a reflexão, enfim, um tipo de conhecimento diferente do científico, já que objetivamente não pode ser medido. O prazer estético é, então, compreendido aqui como conhecimento, participação, fruição.

(BRASIL, 2006, p. 55).

Não só o conceito de fruição, mas também o modo de fruir um texto literário, tal como aparece nos PCN+, merece ponderações. Se consideramos que o texto literário é por excelência polissêmico, permitindo sempre mais de uma interpretação, e se admitimos que cada leitor reage diferentemente em face de um mesmo texto, pensamos que o passo inicial de uma leitura literária seja a leitura individual, silenciosa, concentrada e reflexiva. Esse momento solitário de contato quase corporal entre o leitor e a obra é imprescindível, porque a sensibilidade é a via mais eficaz de aproximação do texto. Mediante o isolamento e o silêncio, a leitura individual proporciona ao aluno a experiência literária de um texto que pode atingir sua subjetividade de maneira inusitada e certamente diferente da maneira como atinge a subjetividade do colega. [...] Entendemos, pois, que a atividade coletiva da leitura literária dá-se num segundo momento, sendo indispensável passar pela leitura individual. (BRASIL, 2006, p. 60).

Leitura e prazer, em sala de aula, não costumam ser conceitos adjacentes. Geraldi (2001), longe de querer situar ou esgotar uma tipologia de vivências de leitura em aulas de língua portuguesa, destaca pelo menos quatro experiências concretas no âmbito escolar: a leitura como busca de informações, a leitura como estudo do texto, a leitura como pretexto e, finalmente, a leitura como fruição do texto. As quatro leituras devem ser utilizadas no trabalho com o texto literário poético, todavia, para a última, o que define esse tipo de relação com o texto e o distingue dos demais é o ―desinteresse‖ pelo controle do resultado da leitura, apresentando para a sala de aula o que jamais deveria estar ausente dela: o prazer de ler um texto, o prazer da leitura como experiência estética, artística, pessoal ou coletiva.

No sistema capitalista, uma atividade vale pelo produto que rende. A escola, fazendo parte de tal sistema e preparando para ele, reproduz sua ideologia ao eliminar de seu programa qualquer atividade cujo resultado não possa ser avaliado, medido quantitativamente, daí que ler por prazer pode parecer literalmente gratuito e, portanto, fora do esperado pelo contexto escolar. Nem tudo o que é feito nas aulas deve valer nota. Ou melhor: quase nada deve ser medido a quantitativo. É preciso readquirir na escola a capacidade de se encantar com os textos e trazer para dentro das aulas aquilo que, por princípio, parece ponto básico para o sucesso de qualquer esforço correto de incentivo à leitura.

Não é difícil de concluir que o aluno volta ao texto e a orbe da leitura se a mesma é capaz de resultar em impressão prazerosa. Para que o aluno se cative pela leitura, contudo, é imprescindível que o próprio professor seja leitor e mostre entusiasmo pela fruição do texto, pois não há como se ensinar a fruir se não se sabe fruir também. Quem ensina a lutar é um lutador e quem forma o leitor é um leitor. Os frutos sem dúvida virão. Assim como nos disse

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